Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:011/16.4BEAVR 0654/16
Data do Acordão:01/16/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
ILEGALIDADE DE LIQUIDAÇÃO
INEXIGIBILIDADE
Sumário:I - É jurisprudência uniforme dos tribunais tributários, designadamente do Supremo Tribunal Administrativo, que não é possível discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade da liquidação que deu origem ao tributo, nem a legalidade do acto administrativo que esteja na origem da dívida exequenda, uma vez que a lei assegura meio judicial de impugnação desses actos [cfr. alínea h) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT].
II - As únicas situações que se acolhem à fatti species da referida alínea são aquelas em que a dívida exequenda não tenha origem em acto tributário ou acto administrativo prévio, entre as quais se não incluem as taxas de portagem, tributos cuja liquidação pode ser atacada mediante impugnação judicial.
III - Em abstracto, a alegação de que as dívidas por taxas de portagem não foram cobradas pelo credor por motivo que lhe é exclusivamente imputável, no âmbito de contrato celebrado entre o oponente e a “Via Verde” e a que se vinculou a concessionária, constitui fundamento válido de oposição à execução fiscal, subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, uma vez que a cobrança coerciva só é possível desde que demonstrada a impossibilidade da cobrança voluntária nos termos legalmente impostos ou contratualmente acordados (cfr. arts. 84.º e 88.º, n.ºs 1 e 4).
Nº Convencional:JSTA000P24088
Nº do Documento:SA220190116011/16
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença de improcedência proferida no processo de oposição à execução fiscal acima identificado

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou improcedente a oposição que deduziu à execução fiscal instaurada contra ela para cobrança de taxas de portagem e custos administrativos.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, com conclusões do seguinte teor:

«1.ª Instaurado processo de execução fiscal para cobrança de taxas de portagem reclamadas por concessionária, pode a executada deduzir oposição fiscal, por considerar ilegal a exigência do pagamento de taxas de portagem.

2.ª A Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, alterou a Lei n.º 25/2006, atribuindo competência à Administração tributária para a execução fiscal dos créditos das concessionárias decorrente do não pagamento de taxa de portagem.

3.ª Tal como consta do acórdão de 18-06-2013 deste Supremo Tribunal Administrativo, a execução fiscal um processo judicial, o tribunal tributário é competente para a apreciação da oposição que o executado dirigiu contra essa execução.

4.ª A oposição fiscal é o meio processual adequado para impugnar a legalidade e das taxas de portagem reclamadas em execução fiscal por concessionária contra a executada.

5.ª Assim tal como decidiu o acórdão n.º 0638/2011 de 26-04-2012 do Supremo Tribunal Administrativo, a oposição fiscal funciona como uma contestação à pretensão do exequente.

6.ª De facto, nos termos do artigo 204.º, n.º 1, alínea h), do CPPT, a oposição terá por fundamento a ilegalidade da liquidação da quantia exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra acto de liquidação, como é o caso das taxas de portagem a pagar a concessionárias de auto-estradas.

7.ª Acresce que a taxa de portagem é um preço (sujeito a IVA) e não um tributo.

8.ª Não tendo havido notificação para que a devedora pudesse usar do processo de impugnação judicial, sempre haveria de se convolar os autos mandando prosseguir como impugnação.

9.ª É materialmente inconstitucional o artigo 204.º, n.º 1, alínea h), do CPPT, na interpretação de não ser permitida a oposição fiscal à execução por dívidas de taxas de portagem, enquanto constituem preços devidos às concessionárias pela utilização de auto-estradas, por violação dos artigos 2.º e 20.º da Constituição.

10.ª A douta sentença recorrida violou, por errada interpretação e aplicação o disposto no 204.º, n.º 1, alínea h), do CPPT.

Nestes termos e nos mais de direito, deve ser revogada a douta sentença recorrida, ordenando-se que os autos prossigam seus termos».

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja anulada a sentença por défice factual e ordenada a devolução dos autos à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto, com a seguinte fundamentação:

«A oponente invocou na petição de oposição à execução facto cuja consequência jurídica é a inexigibilidade da dívida: identificadores válidos instalados nas suas viaturas, mediante os quais é efectuado o débito automático em conta bancária da oponente do valor das taxas de portagem; falta de cobrança dos respectivos valores imputável à Via Verde, entidade responsável por aquele débito automático (petição arts. 9/24).
Sendo a inexigibilidade da dívida exequenda fundamento de oposição à execução, é indispensável indagação sobre a veracidade da alegação da oponente, mediante ampliação da matéria de facto, determinante da anulação da decisão proferida na 1.ª instância (art. 204.º n.º 1 al. i) CPPT; art. 662.º n.º 2 al. c) último segmento CPC/ art. 281.º CPPT)».

1.5 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTOS
2.1 DE FACTO

Na sentença recorrida, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

«Dos autos considera-se como assente a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir:

1) Contra a ora oponente foi instaurado e autuado o processo de execução fiscal n.º 0094201501072196 e apensos [0094201501074695 e 0094201501075195], para cobrança coerciva de dívidas de taxas de portagem e respectivos custos administrativos associados, correndo termos no SF da Feira-1 – cfr. certidões de dívida de fls. 49 a 60 vº, 106 a 120 vº e 177 a 179, prints informáticos relativos à tramitação dos processos executivos constantes de fls. 103 a 105, 175 a 176 e 186 a 187 e ainda a informação de fls. 188, todas do processo físico;

2) Em 25-05-2015, foi apresentada a presente oposição – cfr. fls. 4 do processo físico.

Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Como resulta do que ficou já dito, a oposição foi julgada improcedente.
Para tanto, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, analisando a alegação aduzida pela Oponente na petição inicial – que tem nas suas viaturas identificadores ao abrigo de contrato celebrado com a “Via Verde” e que a instituição bancária onde tem a conta associada a esse contrato nunca recusou qualquer pagamento de portagens, motivo por que se há créditos não cobrados é porque a credora os não apresentou àquela instituição para pagamento, como o devia ter feito nos termos do referido contrato –, considerou que a mesma não integrava fundamento válido de oposição. Isto, porque entendeu que a Oponente «pretende discutir nesta oposição a (i)legalidade concreta da dívida exequenda, ou seja, no fundo pretende questionar a legalidade do acto de liquidação das taxas de portagem aqui em questão», o que lhe está vedado em sede de oposição à execução fiscal, uma vez que a lei «assegurou meio judicial de impugnação contra o acto de liquidação de taxas de portagem: a impugnação judicial», motivo por que o fundamento invocado não é subsumível à previsão da alínea h) do n.º 1 do art. 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Mais salientou que não ocorre erro na forma do processo – uma vez que um dos pedidos formulados, de «absolvição do pedido exequendo», que correctamente interpretou como de extinção da execução, é ajustado à forma processual escolhida – e, por isso, que não há sequer que ponderar a convolação da oposição para a forma processual adequada.
A Oponente discorda da sentença e dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo. Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, considera, em síntese, que pode usar a oposição à execução fiscal para discutir a legalidade das portagens que lhe estão a ser exigidas coercivamente, por duas ordens de razões: primeira, porque a alínea h) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT permite a discussão da legalidade da liquidação da dívida exequenda quando a lei não assegure meio judicial de impugnação contra o acto de liquidação, «como é o caso das taxas de portagem a pagar a concessionárias das auto-estradas», devendo considerar-se inconstitucional a interpretação daquela norma se interpretada no sentido de vedar aquela discussão e, segunda, porque «a portagem é um preço (sujeito a IVA), e não um tributo». Mais sustentou, subsidiariamente, que, porque não foi notificada para a impugnação judicial, deveria agora proceder-se à convolação da oposição em impugnação judicial.
O Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, não questionando que não é possível a discussão da legalidade da liquidação em sede de oposição à execução fiscal, sustentou que na petição inicial se invoca a inexigibilidade da dívida (rectius se invoca factualidade subsumível à inexigibilidade) e, nessa medida, deve anular-se a sentença, que não fixou a factualidade pertinente à apreciação dessa questão e fazer-se prosseguir a oposição para indagação e estabelecimento dessa factualidade.
Cumpre-nos, pois, em sede de recurso, verificar se o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro decidiu correctamente ao julgar improcedente a oposição à execução fiscal.
Para nos desincumbirmos dessa tarefa, começaremos por verificar se decidiu bem ao considerar que não é possível discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade da liquidação das dívidas exequendas.
Se concluirmos que sim, teremos ainda que indagar se a alegação aduzida pela Oponente na petição inicial não será subsumível a alguma (outra) das alíneas do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, designadamente à alínea i) deste preceito legal, o que sempre se nos imporia oficiosamente (Não obsta à apreciação da questão o facto de a Oponente a não ter suscitado sob a qualificação jurídica de inexigibilidade, mas sob a da legalidade, tese que mantém em sede de alegações de recursos. No exercício da sua função jurisdicional, ao tribunal compete determinar qual a norma ou normas jurídicas aplicáveis e interpretá-las e aplicá-las, sendo livre nessa tarefa, em conformidade com o disposto no n.º 3 art. 5.º do CPC, que dispõe: «O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito». Trata-se de um princípio expresso nas velhas máximas dos romanistas: iura novit curia e da mihi factum dabo tibi ius.
Ou seja, contrariamente ao que sucede relativamente à matéria de facto, em que os poderes do tribunal se encontram, em regra, limitados pela factualidade essencial alegada pelas partes, em sede da matéria de direito o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efectuada, e goza da mais ampla liberdade na aplicação do Direito. Como diz FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA:
«Em três momentos se desenvolve a actividade do juiz no âmbito jurídico, segundo a enunciação do n.º 1 do art. 664.º [hoje, n.º 3 do art. 5.º], a saber: indagação, interpretação e aplicação. Pela indagação, o juiz elege a norma jurídica que julgue ajustada à regulação da situação fáctica dos autos, afastando a indicada pelas partes, se entender que ela não se adapta ao caso em litígio. Pela interpretação, o juiz atribui à norma eleita a significação e o alcance que considera certo, de acordo com as regras da hermenêutica jurídica, mesmo que divergentes dos conferidos pelas partes. Pela aplicação, o juiz declara os efeitos que resultam para a situação ajuizada da norma escolhida, independentemente dos reclamados pelas partes» (Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9.ª edição, pág. 42).), mas no caso também se nos impõe em face da posição assumida pelo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal no parecer transcrito em 1.4.

2.2.2 DA ILEGALIDADE DA DÍVIDA EXEQUENDA

Nos termos da alínea h) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT é fundamento de oposição à execução fiscal a «ilegalidade da liquidação da dívida exequenda», mas logo aí se ressalva que a discussão da legalidade da liquidação só é possível quando «a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação».
É jurisprudência uniforme dos tribunais tributários, designadamente do Supremo Tribunal Administrativo, que não é possível discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade da liquidação que deu origem ao tributo, nem a legalidade do acto administrativo que esteja na origem da dívida exequenda, uma vez que a lei assegura meio judicial de impugnação desses actos. Salienta ainda a jurisprudência que não se equipara à ausência de meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto aquela em que o executado não foi oportunamente notificado para exercer o direito de impugnar; nesta situação, a falta de notificação apenas determinará a não abertura do prazo para exercer o direito de impugnação e já não a possibilidade de transferir a discussão da legalidade da liquidação do meio próprio para a oposição à execução fiscal (Neste sentido, e referindo-se às taxas de portagem, vide o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 18 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 1549/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/80c2d813e2115b2980257d01004c1a09.).
Assim, as únicas situações que se acolhem à fatti species da referida alínea são aquelas em que a dívida exequenda não tenha origem em acto tributário ou acto administrativo prévio (Situações muito raras, de que o único exemplo recente que conhecemos é aquele em que é instaurada execução com certidão de dívida à Segurança Social com fundamento na constatação da falta de entrega de determinadas quantias por falta de entrega dos meios de pagamento, no prazo legal subsequente ao envio das folhas relativas às remunerações de pessoal, situação em que a lei permite a extracção de certidão de dívida perante a constatação da omissão de um pagamento sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio, definidor da obrigação. Nessa situação, porque a lei não assegura meio de impugnação da dívida exequenda, que não tem origem em acto tributário ou acto administrativo prévio, admite-se a discussão da legalidade em sede de oposição à execução fiscal, sob pena de violação do princípio, constitucionalmente consagrado, do acesso ao direito.
Neste sentido, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 7 de Dezembro de 2004, proferido no processo com o n.º 749/04, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d14b5ab43579fc9780256f70005b8d00;
- de 14 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 443/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/417e93abe2ba4ff980257a2a0051221f;
- de 20 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 537/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dd9d35d1ba559eb780257a2c003c3c0a.), entre as quais se não incluem as taxas de portagem em infra-estruturas rodoviárias, uma vez que o sujeito passivo, para discutir a legalidade da taxa de portagem, pode impugnar judicialmente (abrindo-se o prazo para o efeito pela notificação do art. 10.º da Lei n.º 25/2006 de 30 de Junho).
Dito isto, podemos concluir, com o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que a oposição não é o meio processual adequado à discussão da legalidade da liquidação das taxas de portagem, uma vez que a lei garante meio de impugnação desse acto, qual seja a impugnação judicial prevista no art. 99.º do CPPT.
Salvo o devido respeito, não vislumbramos, nem a Recorrente explica, como se repercutiria na possibilidade de discussão da legalidade da liquidação a alegação por ela aduzida, de que as portagens não são taxas de portagem, mas preços.
Questão diversa – e que conheceremos de seguida – é a de saber se a factualidade alegada pode integrar outro fundamento da oposição à execução fiscal previsto no n.º 1 do art. 204.º do CPPT, que enumera um elenco fechado.

2.2.3 DA INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA

Sem prejuízo do que deixámos dito, afigura-se-nos que, no essencial, a Oponente – apesar de textualmente sustentar o contrário – não pretende discutir a legalidade das portagens que lhe estão a ser exigidas ou, pelo menos, só uma pequena parte da sua alegação na petição inicial permite suportar o entendimento de que pretende fazer essa discussão em sede de oposição. Na verdade, a única alegação que aí descortinamos e que poderá referir-se à legalidade da liquidação das portagens é a que consta dos arts. 9.º e 50.º a 52.º, quando refere que os “os percursos” por que lhe estão a ser exigidas as portagens «são ficcionados» e que «era impossível efectuar os percursos mencionados nos títulos executivos».
Só essa alegação – aliás, pouco circunstanciada –, na medida em que parece reconduzir-se à inexistência de facto tributário, se situa no âmbito da legalidade da liquidação.
Mas, não é essa alegação que resume o essencial da posição da ora Recorrente, nem a que foi considerada na sentença recorrida. Nesta, como ficou dito no respectivo relatório, a Oponente «[a]lega, em suma, que tem dois contratos para identificadores das suas viaturas, que estão válidos e relativamente aos quais pagou taxas sem que tivesse havido recusa do banco Montepio Geral, pelo que se existem créditos não cobrados é porque a credora Via Verde não debitou os mesmos ao banco».
Ou seja, se bem alcançamos o sentido da alegação aduzida na petição inicial, o que a Oponente sustenta é que os montantes respeitantes às taxas de portagem (e, por maioria de razão, os custos administrativos) não lhe deviam estar a ser exigidos coercivamente, na medida em que, para pagamento dessas taxas, tinha contrato válido celebrado com a “Via Verde”, ao qual se encontra vinculada a concessionária credora das portagens; assim, se estas não foram cobradas voluntariamente ao abrigo desse contrato, é apenas porque a credora, através da “Via Verde”, não solicitou o pagamento à instituição bancária onde a Oponente tem a conta associada a esse contrato. Adianta também que essa instituição bancária não recusou o pagamento de nenhuma quantia cujo pagamento tenha sido solicitado pela “Via Verde”.
Esta alegação, salvo o devido respeito, não contende com a legalidade da liquidação das taxas de portagem, mas com a exigibilidade das mesmas, isto é, com a sua susceptibilidade de cobrança coerciva daqueles tributos. É que só podem ser cobradas em processo executivo as dívidas que sejam exigíveis. Como diz ANSELMO DE CASTRO, «A acção executiva pressupõe, por definição, o estado de incumprimento da obrigação o qual normalmente transparece do próprio título executivo» (A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 53.). Já no Código Civil de 1867, se dizia que dívida exigível é «aquela cujo pagamento pode ser pedido em juízo». Daí que a certidão de dívida que há-de constituir o título executivo e servir de base à instauração do proferido no processo de execução fiscal só possa ser extraída na sequência da falta de pagamento voluntário (cf. art. 88.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT).
Do que vimos de dizer, resulta que a dívida só pode ser exigida coercivamente depois de ter sido facultada aos responsáveis pelo seu pagamento a possibilidade de a pagarem voluntariamente e de terminado o prazo para o efeito (cfr. art. 84.º do CPPT).
Em regra, a possibilidade de pagamento voluntário exige que o sujeito passivo tenha sido notificado para o efeito, mas essa possibilidade pode também resultar de autorização para débito directo, contratualmente estabelecida.
Como deixámos dito, a ora Recorrente sustenta que tinha um contrato de pagamento de portagens celebrado com a “Via Verde” e que as portagens apenas não foram cobradas voluntariamente porque o pagamento não foi solicitado pelo credor à instituição bancária onde tem a conta associada a esse contrato. Se assim for, ou seja, se não houve interpelação por parte do credor, a dívida não é exigível.
Ora, se a dívida não for exigível e apesar disso estiver a ser cobrada em processo de execução fiscal, verifica-se uma excepção dilatória inominada que determina a absolvição da instância executiva (cf. arts. 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, do CPC). Nada obsta a que essa excepção, que não contende com a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, não representa interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que extrai o título executivo e se prova por documento (rectius, pela falta dele), seja arguida na oposição, que constitui um meio de defesa do executado e tem como finalidade, o ataque, total ou parcial, à execução fiscal, visando a sua extinção, a absolvição do executado da instância executiva ou mesmo a suspensão desta instância.
A inexigibilidade da dívida exequenda enquadra-se, pois, na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 38 ao art. 204.º, pág. 369, com numerosa indicação de jurisprudência.), que admite a oposição com base em «Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que houver extraído o título».
No caso, o Tribunal a quo não fixou a factualidade pertinente à decisão desta questão e este Supremo Tribunal não pode substituir-se-lhe nessa tarefa.
Impõe-se, pois, a anulação da sentença e a devolução dos autos à 1.ª instância, para que aí, após a ampliação da matéria de facto no sentido apontado – ou seja, designadamente, de indagar da existência ou não de contrato válido para pagamento das portagens em causa por débito em conta bancária, se foi pedido pelo credor ou por quem o represente o pagamento das mesmas à instituição bancária e se esta as recusou e com que motivo –, se conhecer da questão da inexigibilidade da dívida, nos termos que ficaram referidos, sem prejuízo do caso julgado formado quanto à questão da legalidade da liquidação da dívida exequenda.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - É jurisprudência uniforme dos tribunais tributários, designadamente do Supremo Tribunal Administrativo, que não é possível discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade da liquidação que deu origem ao tributo, nem a legalidade do acto administrativo que esteja na origem da dívida exequenda, uma vez que a lei assegura meio judicial de impugnação desses actos [cfr. alínea h) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT].

II - As únicas situações que se acolhem à fatti species da referida alínea são aquelas em que a dívida exequenda não tenha origem em acto tributário ou acto administrativo prévio, entre as quais se não incluem as taxas de portagem, tributos cuja liquidação pode ser atacada mediante impugnação judicial.

III - Em abstracto, a alegação de que as dívidas por taxas de portagem não foram cobradas pelo credor por motivo que lhe é exclusivamente imputável, no âmbito de contrato celebrado entre o oponente e a “Via Verde” e a que se vinculou a concessionária, constitui fundamento válido de oposição à execução fiscal, subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, uma vez que a cobrança coerciva só é possível desde que demonstrada a impossibilidade da cobrança voluntária nos termos legalmente impostos ou contratualmente acordados (cfr. arts. 84.º e 88.º, n.ºs 1 e 4).


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em anular a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro para aí, depois de ampliada a matéria de facto, ser proferida nova decisão, tudo em conformidade com o acima referido.


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Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 16 de Janeiro de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Dulce Neto.