Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0860/03
Data do Acordão:06/24/2004
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JOÃO CORDEIRO
Descritores:CONTRATO DE CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO.
JOGOS DE FORTUNA OU AZAR.
BINGO.
SANÇÃO ADMINISTRATIVA.
PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM.
Sumário:I - As infracções do R.E.J.B. (D.L. 314/95 de 24.11) praticadas pelos concessionários, estão tipificadas como infracções administrativas com sanções sindicáveis pelos Tribunais Administrativos enquanto as praticadas por empregados ou frequentadores são contra ordenações, a apreciar pelos Tribunais Comuns.
II - A mora no cumprimento das obrigações fiscais e à segurança social, sendo sancionáveis pelo RJINA ou RGIT, em relação aos concessionários de jogo do bingo constitui, ainda, uma específica infracção disciplinar muito grave aplicável pela autoridade administrativa.
III - Não há violação do princípio "ne bis in idem" com aplicação à situação das sanções fiscais e administrativas.
Nº Convencional:JSTA00060685
Nº do Documento:SA1200406240860
Data de Entrada:05/02/2003
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DO TURISMO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DESP SE DO TURISMO DE 2003/03/27.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - POLÍCIA ADM.
Legislação Nacional:REJB95 ART39 N2 ART38 N3 H ART40 N1 F.
DL 433/82 DE 1982/10/27 ART59 ART42 N3 ART44 N3.
ETAF85 ART26 N1 C ART6.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na 1ª Secção do STA:
A... interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 27-3-03 do SECRETÁRIO DE ESTADO DO TURISMO negando provimento ao recurso hierárquico necessário interposto da decisão do Inspector Geral de Jogos, impondo-lhe a coima de €4000, pela prática de infracções administrativas qualificadas de muito graves, na qualidade de concessionário da exploração de uma sala de bingo, imputando ao acto vício de violação de lei.
Na resposta, a autoridade recorrida pede o improvimento do recurso.
Nas alegações, o recorrente, para além de defender a competência deste tribunal, reiterando a posição assumida na sua petição aceitando ter responsabilidade por pagamentos intempestivos, invocando o facto de ser empresa sem fins lucrativos, uma agremiação desportiva com fim eminentemente social, acaba por apelar para a compreensão de quem de direito, para o ajudarem a fazer face a estes obstáculos, de forma a poder desempenhar, na sociedade portuguesa o papel que vem desenvolvendo há muitas décadas.
A autoridade recorrida suscitou as questões prévias do erro na forma do processo e da competência do STA para o julgamento do presente recurso, pois, no seu entender a competência para conhecer das decisões administrativas em processo de contra-ordenação é do tribunal da comarca, nos termos do p. nos arts. 59º e ss. do DL 433/82 de 27-10. Reitera, no mais as posições assumidas na sua resposta.
O EMMP emitiu parecer no sentido da improcedência das questões prévias, concluindo pelo improvimento do recurso contencioso.
O processo correu os vistos legais, cumprindo-nos, agora, a decisão.
Com interesse para a decisão, resulta provada a seguinte matéria de facto:
O recorrente é concessionário de uma sala do jogo do bingo, sita no R. R..., no Porto.
Do auto de notícia de 27 de Agosto, que acompanhou o oficio nº 141/02, de 29 de Agosto último, da Equipa de Inspecção às Salas de Jogo do Bingo do Porto, consta que o A..., concessionário de uma sala de jogo do bingo no PORTO, não fez prova perante a Inspecção-Geral de Jogos, nas condições e no prazo estabelecido pelo meu Despacho de 29 de Abril de 2002 – constante do oficio da Inspecção-Geral de Jogos, nº 4742, de 2002-05-08, de que lhe foi dado conhecimento pela notificação nº 40/2002 – do pagamento das dívidas ao Fisco e à Segurança Social, dos valores de 14.692.460$00 e de 27.591.282$00, respectivamente, acumulados no período de 1 de Maio a 31 de Dezembro de 2001, sendo o primeiro o valor resultante da falta de pagamento de IRS sobre as remunerações do trabalho dependente, independente e de impostos sobre prediais e o segundo valor, resultante dos encargos patronais e descontos feitos sobre as remunerações auferidas pelos empregados da sala de jogo do bingo.
Foi igualmente constatado que o A... não fez prova perante a Inspecção-Geral de Jogos, nas condições e no prazo estabelecido pelo meu Despacho de 12 de Junho – constante do oficio da Inspecção-Geral de Jogos, 6001, de 2002-06-14, de que lhe foi dado conhecimento pela notificação nº 63/2002 – do pagamento ao Centro Regional da Segurança Social do Porto (CRSSP), da dívida de 19.489.057$, gerada no período de Maio e Outubro de 2001, referente a descontos e encargos patronais sobre as remunerações auferidas pelos empregados, tendo-se tomado em conta que o valor da dívida em questão é uma fracção da dívida de 27.591.282$, cujo prazo para fazer prova do seu pagamento ao CRSSP está estabelecido na notificação nº 40/2002, de 13 de Maio.
. Com tais omissões, o Clube concessionário infringiu as disposições conjugadas dos artigos 38°, nº 3 alínea h) e 40°, nº 1 alínea f), ambos do Regulamento da Exploração do Jogo do Bingo (REJB), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 314/95, de 24 de Novembro, incorrendo em infracção muito grave, punível com a multa de EUROS 2493,99 a 9975,96, por aplicação do disposto no Decreto-Lei nº 136/2002, de 16 de Maio, conforme dispõe a alínea c), nº 1 do artigo 39°, actualizável conforme estabelece o nº 9 do artigo 37°, todos do acima citado REJB, e com o encerramento da sala de jogo do bingo, por um período de oito dias a seis meses, nos termos do nº 5 do artigo 39° do Regulamento que vem sendo referido.
Da instrução do processo resultou a prova da materialidade da imputada conduta e ainda que, posteriormente vieram as dívidas a ser regularizadas.
Na sequência e em concordância com informação/proposta de 28-11-02 do Conselho Consultivo de Jogos, em despacho de 2-12-02, o Inspector-geral de Jogos aplicou ao ora recorrente a multa fixada em 4000 euros.
Deste despacho foi interposto recurso hierárquico necessário, julgado improcedente pelo despacho ora contenciosamente recorrido
Passando-se à apreciação das questões suscitadas no presente recurso contencioso, haverá que conhecer-se, previamente da competência do tribunal, o que equivalerá por dizer-se, da propriedade do meio de impugnação, tudo radicando da qualificação da infracção e determinação do seu regime jurídico.
Pretende a autoridade recorrida que a apreciação judicial da regularidade da actuação administrativa na matéria dos presentes autos compete ao tribunal comum, nos termos do previsto nos arts. 59º e ss. do DL 433/82 de 27-10.
Desde já diremos que lhe não assiste razão.
No REJB, diploma a que se reportarão todas as disposições legais a citas r, sem outra especial menção de origem, claramente se distinguem as infracções praticadas pelos concessionários, qualificadas como administrativas, punidas com multa e rescisão de contrato, p. nos arts. 37º a 40º e as infracções cometidas seja por empregados (arts. 41º e 42º) ou por frequentadores (art. 43º e 44º) e que são classificadas como contra-ordenações, puníveis por coimas.
Destas contra-ordenações cabe impugnação judicial nos termos do p. no DL 433/82 para o tribunal comum (arts. 42º/3 e 44º/3).
Porém das infracções administrativas dos concessionários, das decisões do IGJ cabe recurso hierárquico para o membro do Governo responsável pela área do turismo (art. 39º/2) e da decisão deste, recurso contencioso. (art. 26º, n.º 1 al. c) do ETAF).
Estando em causa uma infracção administrativa imputada a um concessionário (aqui, a p. na al. h) do n.º 3 do art. 38º do DL 314/95 de 24-11), correctos foram os meios de impugnação usados, designadamente no que tange à competência em razão da matéria do tribunal demandado.
Pelo exposto, improcede a questão prévia de incompetência suscitada pela autoridade recorrida.
No que toca ao fundo da causa:
Sem dúvida que ao ora recorrente incumbia a obrigação cívica de carácter geral de pagamento atempado de impostos e contribuições devidas à Segurança Social, sendo o incumprimento de tais obrigações sancionável nos termo das respectivas leis.
Porém em relação aos concessionários da exploração de jogos para além deste dever geral, cabe-lhes o específico dever de pontual cumprimento das obrigações fiscais e das contribuições devidas à segurança social, sendo a mora punível, como infracção muito grave até com a própria rescisão do contrato de concessão. (al.) do nº 3 do art.38º e al. f) do n.º 1 do art. 40º).
A mora na satisfação das obrigações fiscais assume um carácter ilícito sancionável, para todos os contribuintes, nos termos quer do RJIFNA, quer, agora do RGIT, como contra-ordenação com coimas.
Mas específicas situações existem, designadamente em relação aos concessionários do Estado, em que esta violação do dever geral assume especial e acrescida relevância, sendo punível, com carácter disciplinar de infracção de deveres inerentes à situação e qualidade do infractor, com outro tipo de penas, impostas por entidades diferentes, ao abrigo de normas que tutelam diversificados interesses legalmente tutelados.
Assim enquanto as contra-ordenações fiscais são puníveis, em primeira linha pela administração fiscal, já as infracções administrativas são apreciadas pela autoridade administrativa com poderes de supervisão na matéria.
Na situação dos autos, a apreciação desta conduta fiscalizável pela IGJ, nos termos do art. 31º, com o regime punitivo decorrente das normas dos arts. 38º a 40º, assume assim um carácter diferenciado da mera infracção fiscal.
Daqui decorre que não exista violação do princípio ne bis in idem, pois a mesma conduta é prevista em diferentes normas tutelando interesse jurídicos bem diferenciados, sendo as sanções diferenciadas, aplicáveis por diversas entidades em meios processuais distintos.
Em relação aos presentes autos e tudo o que exceda o que deles conste é irrelevante em termos da respectiva solução, foi aplicada uma única punição, correspondente à qualificação unitária da conduta, pelo que não faz aqui sentido a referência à figura do “crime continuado”, rectius “da infracção disciplinar continuada, ou da conexão de processos".
Finalmente, e quanto à última conclusão apresentada:
Nos termos do p. no art. 6º do ETAF, os recursos contenciosos são de mera legalidade, não cabendo aos tribunais administrativos, em tal sede, apreciar o mérito, a oportunidade das decisões administrativas tomadas e sujeitas à sua apreciação, pelo que não pode este tribunal apreciar o apelo à ajuda a fazer face aos obstáculos, às dificuldade decorrentes do pagamento das multas, em ordem à possibilidade de desempenho das meritórias tarefas na sociedade portuguesa.
Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com € 400 de taxa de justiça, sendo a procuradoria de metade.
Lisboa, 24 de Junho de 2004.
João Cordeiro – Relator – Azevedo Moreira – Santos Botelho