Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02578/18.3BEPRT
Data do Acordão:10/27/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28417
Nº do Documento:SA22021102702578/18
Data de Entrada:02/03/2021
Recorrente:A……………
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:



A……………, oponente nos autos à margem referenciados, recorre da sentença do TAF do Porto, datada de 18.11.2019, nos termos do disposto nos artigos 280.º, n.º 1 e 282.º, n.º 3 ambos do CPPT.

Alegou, tendo concluído:
1 – Vem o Recorrente apresentar recurso da decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente a oposição apresentada, não tendo tão pouco conhecido de um argumento essencial à defesa do Recorrente.
2 – O Recorrente foi demandado na qualidade de responsável subsidiário da devedora originária B……………., S.A.
3 – A reversão tem por fundamento um despacho proferido pela AT, o qual padece do vício de falta de fundamentação, conforme alegado pelo Recorrente.
4 - Ora, nos presentes autos, o Recorrente alegou que o despacho proferido padecia do vício de falta de fundamentação.
5 – Sendo que, tal argumento não foi conhecido pelo Tribunal a quo, porquanto entendeu que “(…) as nulidades devem ser arguidas junto do órgão de execução fiscal e do seu indeferimento deve ser deduzida a reclamação (…)”.
6 - Contudo, nos termos do disposto no artigo 99.º do CPPT constituiu fundamento de impugnação judicial qualquer ilegalidade, designadamente, a ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida do ato tributário.
7 – Tendo a oposição à execução sido apresentada tempestivamente teremos que trazer à colação o mecanismo da convolação.
8 - O Tribunal a quo poderia – e deveria – ter determinado a convolação do processo, porquanto o Recorrente estava ainda em prazo – 120 dias – para apresentar a respetiva impugnação judicial.
9 - Não sendo de admitir o entendimento preconizado pelo Tribunal a quo quanto à inadmissibilidade da convolação (neste sentido vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/16/2015 disponível em www.dgsi.pt).
Isto posto,
10 – A notificação efetuada ao Recorrente é ininteligível, pois que, não se alcança quais os factos que estiveram na origem dos valores peticionados e ainda quais os cálculos e métodos utilizados para o apuramento dos valores finais.
11 - O artigo 268.º n.º 3 da Constitucional da República Portuguesa “os actos administrativos estão sujeitos à notificação dos interessados (…) e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos”.
12 – Normativo que foi manifestamente violado pela AT (neste sentido vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12.07.2017, Proc. 1305/14.9BELRA, disponível em www.dgsi.pt)
13 - Este princípio constitucional foi consagrado pelo legislador ordinário nos artigos 152.º e 153.º do Código do Procedimento Administrativo.
14 - No nosso sistema, as eventuais deficiências que a citação/notificação/despacho apresentem, atingem a eficácia do ato, sendo, pois, uma condição da sua eficácia.
15 – In casu, a citação não contém os fundamentos do ato e provas que sustentem esses mesmos fundamentos pelo que o ato não cumpriu com a sua finalidade imediata.
16 - Para a citação cumprir as funções principais que a lei lhe comete, não pode deixar de ter a capacidade para esclarecer concretamente as razões determinantes do ato, que só acontece se for clara, congruente e suficiente (n.º 1, art.º 153.º CPA) (in Acórdão Tribunal Central Administrativo, de 02.03.2017, Proc. 00695/09.0BEPNF, disponível em www.dgsi.pt)
E ainda,
17 - Nos termos do artigo 77.º, n.º 1 da LGT “a decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.
18 - A notificação que serve de fundamento aos presentes autos carece manifestamente de tal fundamentação, omitindo os elementos que permitiriam ao contribuinte conhecer e compreender o seu conteúdo aferindo da sua regularidade.
19 - Nomeadamente no que se refere ao cabal esclarecimento sobre quais os tributos que alegadamente são devidos, quais os períodos a que se referem e qual a forma e método utilizado no cálculo do valor final apurado.
20 – Concluindo pela sua ininteligibilidade.
21 - A notificação recebida viola manifestamente as normas constantes do CPA, nomeadamente os artigos 150.º e 153.º, os quais exigem que todos os atos administrativos sejam objetivos, claros e determinados
22 - O que in casu não se verifica, conforme alegado pelo Recorrente, mas não atendido pelo Tribunal a quo.
23 - Concluímos que, nos presentes autos é manifestamente inexistente a fundamentação do despacho/citação.
24 - O que se consubstancia num vício intrínseco passível de gerar a anulabilidade do mesmo.
25 - O que devia ter sido conhecido pelo Tribunal a quo, e determinaria a anulação do despacho de reversão contra o Recorrente.
26 - Assim, atento o supra exposto, mal andou o Tribunal a quo ao julgar improcedente a oposição apresentada, o que constitui manifesta violação das normas procedimentais e constitucionais supra mencionadas.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis impõe-se a revogação da decisão proferida e a substituição por acórdão que determine a procedência da oposição.

Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

Cumpre decidir.

Dá-se aqui integralmente por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório da sentença recorrida.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido, para o que seguiremos de perto o parecer emitido pelo Sr. Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal.
Este recurso vem interposto da sentença proferida pelo TAF do Porto, que julgou improcedente a oposição deduzida contra a execução fiscal instaurada para cobrança da quantia no valor de € 585.139,44 euros, relativa a dívidas de IRS, IRC e IVA dos anos de 2017 e 2018.
O Recorrente insurge-se contra o decidido, considerando que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por errónea aplicação do direito.
Para o efeito alega que não é de admitir o entendimento preconizado pelo tribunal “a quo” quanto à inadmissibilidade da convolação no que se refere ao vício de falta de fundamentação da reversão, pois «poderia – e deveria – ter determinado a convolação do processo, porquanto o Recorrente estava ainda em prazo – 120 dias – para apresentar a respetiva impugnação judicial».
Mais considera que a «notificação efetuada ao Recorrente é ininteligível, pois que, não se alcança quais os factos que estiveram na origem dos valores peticionados e ainda quais os cálculos e métodos utilizados para o apuramento dos valores finais».
Entende também o Recorrente que «a notificação que serve de fundamento aos presentes autos carece manifestamente de tal fundamentação, omitindo os elementos que permitiriam ao contribuinte conhecer e compreender o seu conteúdo aferindo da sua regularidade.
Nomeadamente no que se refere ao cabal esclarecimento sobre quais os tributos que alegadamente são devidos, quais os períodos a que se referem, qual a forma e método utilizado no cálculo do valor final apurado.
E ainda, qual a data de vencimento e taxa de juro aplicável ao apuramento do valor peticionado a título de “juros de mora”.
Motivo pelo qual, não pode o Recorrente conformar-se com a liquidação efetuada pela Recorrida no âmbito dos presentes autos.
A qual se revela manifestamente impercetível para qualquer contribuinte.
A agravar, a notificação recebida viola manifestamente as normas constantes do CPA, nomeadamente os artigos 150.º e 153.º, os quais exigem que todos os atos administrativos sejam objetivos, claros e determinados….
Desta forma, concluímos que, nos presentes autos é manifestamente inexistente a fundamentação do despacho/citação».
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida.

A primeira questão que vem suscitada pelo Recorrente consiste em saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao ter considerado inadmissível a convolação do processo no que se refere ao vício de falta de fundamentação da “reversão”.
Dado que o Recorrente não é preciso na identificação e qualificação dos vícios que invoca como causa de pedir da ação (por não discriminar e distinguir na sua exposição os vícios que afetam o ato de citação e os vícios que afetam a decisão de reversão), importa antes de mais identificar as questões apreciadas em sede de sentença recorrida.
Na sentença foram enunciadas as seguintes questões decidendas:
“- Falta de fundamentação da citação;
- Ausência da verificação do pressuposto da responsabilidade subsidiária relativo a:
“a) Da fundada insuficiência de ativos penhoráveis do devedor originário, para a satisfação do crédito tributário;
b) Da administração de direito e de facto do responsável subsidiário;
c) Da culpa do responsável subsidiário, pelo facto do património do devedor originário se ter tornado insuficiente para a sua satisfação ou pelo não pagamento;”
- Inconstitucionalidade da responsabilidade subsidiária por dívidas de coimas”.

Da primeira questão enunciada constata-se que o tribunal “a quo” interpretou o vício invocado pelo oponente como causa de pedir da oposição como vício do ato de citação.
Todavia ao analisar o mesmo, sob a epígrafe “Da falta de fundamentação do despacho de reversão/insuficiência da citação” o tribunal “a quo” desdobrou a sua análise por referência a dois vícios (a que não será alheia a imprecisão das alegações do oponente): (i) o primeiro reportado ao ato de citação, e (ii) o segundo reportado ao despacho (decisão) de reversão.
No que se refere ao vício que afeta o ato de citação, o tribunal “a quo” considerou que a arguição do mesmo deve ser efetuada no próprio processo de execução em requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal, não sendo a oposição o meio processual idóneo para conhecer da nulidade da citação. E foi relativamente a esta causa de pedir e pedido que o tribunal “a quo” entendeu que não era admissível a convolação do processo, uma vez que a oposição constituía o meio processual próprio para conhecer dos demais fundamentos.
Ora, não há dúvida que no tocante a este segmento da sentença recorrida o entendimento ali vertido mostra-se conforme à vasta jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre a matéria.
Ou seja, que a preterição de formalidades legais relativas à citação e que sejam suscetíveis de afetar a sua validade deve ser arguida em incidente do processo de execução fiscal, a apreciar pelo órgão de execução fiscal, de cuja decisão é que é admissível impugnação ao abrigo do artigo 276º do CPPT.
E nessa medida se se pode colocar a questão da convolação para o meio processual idóneo, tal não ocorrerá se os demais vícios invocados como causa de pedir constituam fundamentos próprios da oposição, pois neste caso o conhecimento daquele pedido ficará prejudicado e o processo prosseguirá para conhecimentos destes últimos, como também é jurisprudência pacifica deste Supremo Tribunal.
Ora, o Recorrente não põe em causa tais asserções, pois limita-se a argumentar de forma genérica essa admissibilidade de convolação, não chegando a delimitar a que parte do pedido seria admissível essa convolação, nem distinguindo entre o meio processual adequado à impugnação dos vícios do ato de citação e o meio processual idóneo de impugnação dos eventuais vícios dos atos de liquidação a que o mesmo se reporta, cujas ilegalidades seriam suscetíveis de impugnação em ação própria e distinta (artigo 22º, nº 5, da LGT).
Assim, e nesta parte, impõe-se o não provimento do recurso que nos vem dirigido.

A segunda questão que vem suscitada pelo Recorrente consiste em saber se o ato de reversão se encontra suficientemente fundamentado.
No que se refere ao vício de falta de fundamentação do despacho (decisão) de reversão o tribunal “a quo”, após enunciar os diversos parâmetros da questão, recorrendo aos ensinamentos doutrinais e jurisprudenciais, concluiu que a «fundamentação formal do despacho de reversão integra os elementos necessários, ainda que de forma remissiva, tabelar e sucinta, revelando-se claro, suficiente e congruente».
O Recorrente insurge-se contra tal entendimento, ora invocando argumentos doutrinais e jurisprudenciais referentes à fundamentação do despacho de reversão, ora referentes ao ato de citação. Acabando o Recorrente por salientar que o ato carece de fundamentação «no que se refere ao cabal esclarecimento sobre quais os tributos que alegadamente são devidos, Quais os períodos a que se referem, Qual a forma e método utilizado no cálculo do valor final apurado. E ainda, qual a data de vencimento e taxa de juro aplicável ao apuramento do valor peticionado a título de “juros de mora”».
Todavia, é manifesta a falta de razão do Recorrente.
Dispõe a este propósito o nº4 do artigo 23º da LGT, que a reversão é precedida de audição do responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão.
Como se deixou exarado na sentença recorrida e resulta dos elementos levados aos pontos A) e B) do probatório, os elementos constantes da informação dos serviços para a qual remete o despacho de reversão dão nota dos tributos em dívida, do seu valor e dos períodos a que se reportam, o que permite ao Recorrente aquilatar do âmbito e extensão da responsabilidade subsidiária que lhe é imputada nos termos das normas legais invocadas.
Ou seja, os elementos constantes do despacho de reversão e que foram comunicados ao Recorrente, mostram-se suficientemente claros para efeitos de dedução da oposição à execução, nos termos do nº4 do artigo 23º da LGT, tal como tem sido interpretado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal e citada na sentença recorrida.
De todas as formas se é admissível que para efeitos de impugnação dos atos tributários que deram origem à divida exequenda, ao abrigo do n.º 5 do artigo 22º da LGT, o Recorrente necessite de melhores elementos, como parece transmitir das suas alegações de recurso, sempre estaria ao seu dispor o mecanismo previsto no artigo 37º do CPPT, através do qual podia obter certidão com melhores elementos sobre os atos de liquidação que deram origem à divida exequenda. Mas tal facto não interfere na análise da questão sobre a suficiência da fundamentação do despacho de reversão.
Assim, também nesta parte o recurso não pode obter provimento.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da t.j.
D.n.
Lisboa, 27 de Outubro de 2021. - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.