Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0883/17
Data do Acordão:05/16/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
ASSOCIAÇÃO SINDICAL
ISENÇÃO
GARAGEM
Sumário:I - A isenção de IMI prevista pelo art. 44.º, n.º 1, alínea d), do EBF, relativamente às associações sindicais e para «os prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins», abrange na sua previsão, não só a fracção autónoma destinada a escritório e onde a associação sindical tem a sua sede, como também as partes do mesmo prédio destinadas a garagem e que, não obstante constituírem também fracções autónomas, estão exclusivamente destinadas ao estacionamento dos automóveis dos funcionários da associação e dos sócios que aí se desloquem.
II - O “destino directo” à realização dos fins da associação não implica qualquer outra restrição dos imóveis a uma concreta afectação, nem sequer a sua indispensabilidade aos fins prosseguidos, mas apenas que os bens estejam afectados a esses fins e que não haja intermediação alguma entre os fins prosseguidos e o destino dado aos imóveis.
III - Em ordem ao reconhecimento da referida isenção, não compete à AT definir que espaço ou espaços são adequados à prossecução dos fins estatutários das associações sindicais, mas tão-só verificar se a utilização de tais espaços se destina directamente à prossecução desses fins (sem prejuízo de uma manifesta desadequação desse espaços aos fins estatutários poder ser utilizado como índice de não destinação a esses fins).
Nº Convencional:JSTA000P23285
Nº do Documento:SA2201805160883
Data de Entrada:07/11/2017
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:ASSOC SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida na acção administrativa especial com o n.º 2017/08.8BELRS

1. RELATÓRIO
1.1 O Representante da Fazenda Pública (adiante Recorrente) junto do Tribunal Tributário de Lisboa recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença daquele tribunal que, julgando procedente a acção administrativa especial deduzida pela “Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP)” (adiante Autora ou Recorrida), condenou a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a reconhecer a isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativamente a fracções autónomas de um imóvel sujeito ao regime da propriedade horizontal, fracções que são da Autora e destinadas a garagem, apresentando alegações, que rematou com a formulação de conclusões do seguinte teor:
«a) A questão decidenda prende-se em saber se as garagens (fracções autónomas) pertencentes à Recorrida podem merecer a qualificação de imóveis destinados directamente à realização dos fins da Recorrida e, consequentemente, beneficiarem da isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).
b) Cabendo interpretar a norma da alínea d) do Artigo 44.º do EBF verificamos que esta alínea consagra, desde logo, uma isenção mista: de cariz subjectivo, atenta a qualidade dos sujeitos passivos dela beneficiários, ou seja, as associações sindicais e de cariz objectivo, na medida em que estas entidades só dela podem beneficiar quanto aos prédios ou parte dos prédios destinados directamente à realização dos seus fins.
c) É a verificação do pressuposto objectivo que está em discussão.
d) Na verdade, a lei pretende isentar de IMI os prédios que as associações sindicais utilizem directamente na realização dos seus fins, i.e, dos prédios que elas têm necessidade de utilizar para a prossecução do seu objecto social.
e) Se dúvidas houvessem, o legislador fez constar da norma, o advérbio “directamente”, visando obrigar as associações a consignarem expressamente perante a AT o destino dos imóveis obrigando à responsabilidade dos seus responsáveis pelo uso do bem no âmbito do escopo da entidade.
f) É, pois, a partir do advérbio “directamente” que resulta assente que o legislador não quis isentar a totalidade dos prédios detidos pelas associações sindicais, mas apenas os que estão directamente afectos a realização dos seus fins.
g) Não cumprindo as garagens esse propósito, na medida em que, ao contrário do que é dito na sentença recorrida, não existe qualquer ligação funcional entre as mesmas e a actividade.
h) E não existe, porque a prossecução da sua actividade não depende, nem na sua dimensão cívica, nem na sua dimensão social, da existência de quaisquer dependências ou garagens.
i) Não valendo, para o efeito, o argumento do transporte pelos seus associados porque nenhuma actividade sindical está funcionalmente dependente dos meios de transporte utilizados pelos seus membros.
j) De notar que o que está em causa é a mera susceptibilidade de essas fracções poderem ser afectas a outros fins que não aqueles em que se esgota a actividade da associação, o que foi o bastante para o legislador se revestir de tantas cautelas.
k) Poderá ser, ou não, o caso da Recorrida mas a lei é geral e abstracta e tem por destinatário o universo dos sujeitos passivos.
l) Pelo que se o legislador assim optou, certamente que o fez atento ao valor da segurança jurídica, que se perfaz pela certeza, estabilidade sistémica, protecção da confiança e pela concretização da justiça.
m) Resulta, assim, inequivocamente da letra da lei que tem que existir uma relação directa entre o destino dos prédios e os fins prosseguidos pela pessoa colectiva, sendo que essa relação só é directa quando resulta da própria afectação ou utilização do prédio.
n) Acresce que a Recorrente não pode renunciar à sua interpretação da lei, segundo os seus próprios juízos de equidade, fazendo tábua rasa do princípio da legalidade a que sim está vinculada.
o) Cabia à Recorrente fazer foi exactamente o que fez, uma interpretação declarativa da norma em análise, limitando-se a eleger o sentido que o texto directa e claramente comporta.
p) Por outro lado, há que sublinhar que as isenções de IMI respeitantes às garagens como complemento da habitação estão dependentes da prova da afectação do imóvel à habitação própria e permanente, distanciando-se, deste modo, da previsão da alínea e) do artigo 44.º do EBF, que faz depender a isenção do pressuposto objectivo que é a afectação das fracções ao fim prosseguido pelas associações, o que, em nosso entender, impede a sua transposição para o caso em apreço.
q) Mas existe ainda um argumento de força maior que obsta a que se faça tal remissão e que é o seguinte: a fracção que está afecta aos fins da associação tem por destino serviços e não a habitação, logo não tem cabimento transpô-la para o caso sub judice.
r) O que, de facto, se afigura transparente é que através deste figurino de isenções o legislador manifesta uma clara intenção em não tributar a capacidade contributiva das associações sindicais revelada pela propriedade ou posse de imóveis desde que o seu proprietário os aloque a fins de utilidade pública.
s) Donde, à luz de tal justificação e da interpretação que fazemos da lei aplicável, é notório que a Recorrida não tem direito à isenção de IMI sobre as fracções supra identificadas.
Nos termos supra expostos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, não se confirmando a douta sentença recorrida».
1.2 A Recorrida apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor:
«a. As fracções GN, GO e GP, embora fisicamente distintas da fracção JZ, perdem a sua autonomia uma vez que servem de parqueamento a esta fracção, ficando submetidas à totalidade do espaço que serve a mesma utilidade material e económica, estando, desta forma, todas elas conectadas directamente com a realização dos fins da A., entendimento acolhido pelo actual artigo 46.º, n.º 2, do EBF, que determina que os arrumos, despensas e garagens, ainda que fisicamente separados, mas integrando o mesmo edifício ou conjunto habitacional, desde que utilizados exclusivamente pelo proprietário, inquilino ou seu agregado familiar, como complemento da habitação isenta, são também objecto de isenção;
b. Nada obsta à interpretação extensiva do disposto no artigo 40.º, n.º 1, alínea d), do EBF, no sentido de que a isenção à liquidação de IMI concedida à fracção onde está instituída a sede da Associação Sindical, e onde se desenvolve grande parte da actividade intrínseca à prossecução dos seus fins, deverá ser extensível a todas as fracções que prestem um apoio funcional e complementar a esta, na medida em que só assim o prédio (onde se encontram as instalações da ASJP) poderá funcionar como uma verdadeira unidade material e económica na realização dos fins da A.;
c. Ao exigir-se, nos termos do artigo 109.º do Regulamento do PDM de Lisboa de 1994, a construção das garagens como estrutura de apoio a parcelas integrados em edifícios (entenda-se prédios) destinados a serviços, estabelece-se que as garagens são um complemento necessário e directo à utilização dessas parcelas/prédios, pelo que, também por esta via, podemos concluir que, no caso sub judice, as fracções GN, GO e GP não são autonomizáveis em relação à fracção JZ, sendo antes uma parte integrante desta, servindo de apoio funcional aos serviços que se prestam na fracção JZ, estando, por isso, directamente conectadas com a realização dos fins da A.;
d. Por último, o entendimento da Recorrente desrespeita, in casu, o princípio de justiça material em matéria tributária, previsto no artigo 5.º, n.º 2, da LGT.
Termos em que o recurso deve ser julgado improcedente, com o que V. Ex.as, Venerandos Conselheiros, farão Justiça!».
1.3 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com feito meramente devolutivo.
1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, com a seguinte fundamentação:
«[…] Em concordância com a posição do MP junto da 1.ª instância exarada a fls. 70/71, afigura-se ser de sufragar a posição da sentença recorrida.
De facto, como resulta do probatório e dos autos, as fracções em causa, embora fisicamente distintas da fracção onde funciona a sede da associação sindical recorrida, perdem a sua autonomia, pois constituem espaço de estacionamento exclusiva e imperativamente afecto à fracção onde funciona a sede da recorrida (artigos 104.º /3/4, 106.º e 109.º do Regulamento do PDM de Lisboa).
Como tal, como bem sustenta a recorrida, tais fracções não podem deixar de ficar submetidas à totalidade do espaço que serve a mesma utilidade material e económica, pelo que todas elas estão directamente conexionadas com a realização dos fins da associação sindical recorrida.
Sendo certo que as fracções em causa prestam um apoio funcional e complementar à fracção onde funciona a sede da recorrida, devem as mesmas beneficiar da isenção de IMI à semelhança daquela, pois só assim o prédio onde funciona a associação sindical poderá funcionar como uma verdadeira unidade material e económica na prossecução dos fins da recorrida.
Esta interpretação, compatível com o estatuído no actual artigo 10.º do EBF, foi acolhida pelo legislador no actual artigo 46.º/2 do EBF, que estatui que os arrumos, despensas e garagens, ainda que fisicamente separados, mas integrando o mesmo conjunto habitacional desde que utilizados exclusivamente pelo proprietário, inquilino ou seu agregado familiar, como complemento de habitação isenta, são, também, objecto de isenção.
A nosso ver a decisão recorrida não merece, assim, censura».
1.5 Cumpre apreciar e decidir.

* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
«A) Em 30.03.2005 a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) adquiriu, por escritura pública, a fracção autónoma designada pelas letras “JZ” no piso décimo nono direito, destinada a escritório e as fracções designadas pelas letras “GN”, “GO” e GP”, todas no piso menos um, correspondentes respectivamente às ocupações para estacionamento (box) n.º 24, 25 e 26;
(cf. fls. 20 a 25 do Processo Instrutor)
B) Em 31.05.2017, a ASJP efectuou um pedido de isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis, na qualidade de proprietária, das referidas fracções designadas pelas letras “JZ” correspondente ao décimo nono andar direito, destinado a escritório e “GN”, GO” e “GP”, correspondentes a estacionamento no piso -1, que fazem parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua Ivone Silva n.º 6 a 6-C, freguesia de Nossa Senhora de Fátima;
(cf. fls. 26 do Processo Instrutor)
C) Através do Ofício n.º 455 de 30.01.2008, a autora foi notificada do projecto de decisão para o exercício do direito de audição, cujo teor se dá por reproduzido;
(cf fls. 32 a 48 do Processo Instrutor)
D) Em 13.02.2008, a autora deu entrada do exercício do direito de audição nos serviços da Direcção Geral dos Impostos - Área dos Impostos sobre o Património, onde tomou o número 2119, cujo teor se dá por reproduzido;
(fls. 51 a 53 do P. Instrutor)
E) Através do Ofício n. 12425 de 11.09.2008, a autora foi notificada da decisão baseada na informação junta que convolou em definitivo o projecto de decisão, no sentido de deferimento parcial do pedido, ou seja, apenas beneficiando do direito à isenção a fracção “JZ” do artigo 1614, da Freguesia de Nossa Senhora de Fátima, a iniciar-se no ano de 2005, de acordo com o n.º 6 do artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, uma vez que o pedido foi apresentado em 20.05.2005
(Cf doc. 1 junto com a PI)».
2.1.2 A sentença recorrida, se bem que já não no segmento onde se propôs efectuar o julgamento da matéria de facto e que sujeitou à epígrafe «De facto», também deu como provados os seguintes factos, que ora sujeitamos a alíneas:
F) «No desempenho da sua actividade […] a ASJP tem trabalhadores efectivos e uma porta aberta ao seu funcionamento para os associados e serviços»;
G) As referidas fracções destinadas a garagem servem para «estacionamento das viaturas dos funcionários e de associados [da ASJP] ou outras pessoas que aos escritórios se dirijam durante o horário de expediente»;
H) As mesmas fracções «constituem espaço de estacionamento afecto à fracção autónoma de serviços», ou seja, à acima referida fracção “JZ”;
I) «[…] tendo as fracções “GN”, “GO” e “GP” sido consideradas juridicamente independentes da fracção afecta a serviços “JZ”, foram-no […] apenas por opção do respectivo promotor».

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2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
A questão a apreciar e decidir é a de saber se as garagens, que constituem fracções autónomas e pertencem à Recorrida, que é uma associação sindical, podem, ou não, qualificar-se como imóveis destinados directamente à realização dos fins desta associação; consequentemente, saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que essas garagens ficam abrangidas pela isenção de IMI prevista, à data, na alínea d) do n.º 1 do art. 40.º (Hoje, art. 44.º.) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), que dispõe: «1- Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis: […] d) as associações sindicais e as associações de agricultores, de comerciantes, de industriais e de profissionais independentes, quanto aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins».
A ora Recorrida apresentou pedido de isenção (Esta isenção carece de reconhecimento por parte do órgão competente, dependente de pedido expressamente formulado nesse sentido pelo interessado (cfr. art. 5.º do EBF). Este artigo distingue os benefícios fiscais automáticos dos que estão dependentes de reconhecimento pela AT: «Os primeiros, como a sua designação inculca, derivam directamente da lei e operam ope legis, pela simples verificação dos seus pressupostos. […] Os segundos pressupõem actos de reconhecimento pela Administração Fiscal, de eficácia declarativa ou constitutiva e, em certos casos, carecem de requerimento por parte dos interessados, nuns casos previamente, noutros posteriormente à verificação do facto tributável» (F. PINTO FERNANDES e C. CARDOSO DOS SANTOS, Estatuto dos Benefícios Fiscais Anotado e Comentado, 2.ª edição, comentário 1.1 ao art. 4.º, págs. 70/71).
No mesmo sentido, NUNO SÁ GOMES, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 359, págs. 136-138, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, anotação 2 ao art. 65.º, págs. 595/596.), ao abrigo do referido artigo, relativamente a quatro fracções autónomas do mesmo prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal: uma, destinada a escritório e onde está instalada a sua sede e, as três restantes, destinadas a garagem e que, em apoio à primeira, servem para estacionar os veículos dos trabalhadores e dos sócios da Recorrida e de quem se desloca à sede para lhe prestar serviços.
A AT apenas reconheceu o benefício relativamente à primeira das referidas fracções, recusando-a relativamente às demais. Na tese que externou para fundamentar essa recusa, as garagens não cumprem o requisito que o legislador verteu na letra da lei sob a expressão “destinados directamente à realização dos seus fins” (A isenção prevista, actualmente, na alínea d) do n.º 1 do art. 44.º do EBF é uma isenção mista, no sentido de que a seu reconhecimento fica dependente da verificação de um requisito subjectivo (a qualidade do sujeito passivo beneficiário como associação sindical) e de um requisito objectivo (que os prédios ou partes dos prédios sejam destinados directamente à realização dos seus fins).). A seu ver, e nas suas palavras, as referidas fracções não cumprem esse requisito pois «destinam-se a lugares de estacionamento, não estando directamente afectos à realização dos fins da associação, tal como estabelece a parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais» e, «por serem lugares de estacionamento», não estão «directamente destinados à realização dos fins estatutários, conforme estipula a última parte do n.º 1 do artigo e diploma citado».
A ASJP instaurou acção administrativa especial em ordem a obter a anulação do acto na parte em que recusou o reconhecimento da isenção e a condenação da AT a reconhecer o direito à isenção. Em síntese, sustentou que as garagens, apesar de independentes, o que constituiu uma opção do promotor imobiliário, estão afectadas à fracção “JZ”, tanto mais que «a construção de garagens afectas às fracções é exigência dos Regulamentos do Município de Lisboa»; que desde há muito a doutrina da AT e a jurisprudência reconheceram, maxime a propósito das garagens afectadas a fracções habitacionais, que «[o] facto de as garagens serem juridicamente independentes não afecta a realidade das coisas nem a isenção», entendimento que veio a ser acolhido pelo n.º 2 ao actual art. 46.º do EBF; que «não se vê razão lógica […] para que o mesmo entendimento não seja seguido quanto à questão dos imóveis isentos de imposto afectos directamente ao uso específico das associações sindicais», sendo que, «no caso em apreço, as garagens não têm uma destinação ou uso autónomo da fracção JZ» pois «são usadas por quem a esta fracção se dirige e usa veículo automóvel, sejam trabalhadores ou dirigentes da Associação ou sejam sócios da mesma».
O Tribunal Tributário de Lisboa entendeu dar razão à Autora. Isto, porque considerou que ficou demonstrado que as garagens servem para o estacionamento das viaturas dos funcionários da Autora e de quem se desloque de automóvel à sede da ASJP e que as «as três fracções em causa ficaram juridicamente independentes apenas por opção do promotor, pois constituem espaço de estacionamento afecto à fracção autónoma de serviços», sendo inclusive que, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art. 104.º do Regulamento do Plano Director Municipal de Lisboa «as áreas ou lugares de estacionamento são insusceptíveis de constituir fracções autónomas independentes das unidades de utilização dos edifícios a que ficam imperativamente adstritas» e que o art. 106.º do mesmo Regulamento, que tem como epígrafe «Edifícios destinados a serviços», «estabelece que são obrigatórias áreas de estacionamento no interior das parcelas». Mais ensaiou o Juiz – em ordem a refutar o argumento da Fazenda Pública, de que apenas os escritórios, e já não as garagens, poderiam considerar-se directamente destinados aos fins da ASJP – estabelecer um paralelismo entre a situação sub judice e a que existe para as garagens e arrumos que, constituindo fracções autónomas, estejam funcionalmente afectadas a um imóvel destinado a habitação própria e permanente, situação em que essas fracções estão isentas de IMI enquanto o estiver o imóvel destinado à habitação, como, actualmente, consta de previsão do n.º 1 do art. 42.º, n.º 1, do EBF (O art. 46.º do EBF, depois de no seu n.º 1 prever uma isenção temporária de IMI para os prédios ou partes de prédios destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, diz no seu n.º 2: «A isenção a que se refere o número anterior abrange os arrumos, despensas e garagens, ainda que fisicamente separados, mas integrando o mesmo edifício ou conjunto habitacional, desde que utilizados exclusivamente pelo proprietário, inquilino ou seu agregado familiar, como complemento da habitação isenta».).
Assim, porque «em face [das] circunstâncias referidas» se pode estabelecer uma «estrita ligação e dependência das fracções GN, GO e GP e a fracção JZ, sendo inequívoco que constituem um apoio funcional necessário e directamente relacionado com a prossecução dos fins preconizados pela Autora», o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa concluiu pela ilegalidade do acto por que a AT recusou o reconhecimento da isenção.
A Fazenda Pública insurge-se contra essa decisão. A seu ver, as garagens, ainda que destinadas ao uso da Autora, não podem considerar-se directamente destinadas aos fins por ela estatutariamente prosseguidos, porque «não existe qualquer ligação funcional entre as mesmas e a actividade», a qual «não depende, nem na sua dimensão cívica, nem na sua dimensão social, da existência de quaisquer dependências ou garagens»; mais considera que «o que está em causa» (na averiguação da destinação directa dos imóveis aos fins da associação) «é a mera susceptibilidade de essas fracções poderem ser afectas a outros fins que não aqueles em que se esgota a actividade da associação»; que a relação entre o prédio ou partes do prédio e os fins da associação exigida pela norma que prevê a isenção, como resulta do advérbio directamente, apenas existe quanto aos prédios «necessários e indispensáveis a esses mesmos fins». Simpliciter, apenas os edifícios ou partes de edifícios que sejam, não só necessários, como também indispensáveis para a prossecução dos fins estatutários das associações sindicais cumpririam o referido requisito objectivo da isenção e, por isso, poderiam dela beneficiar.
Vejamos, pois, se o Tribunal Tributário de Lisboa fez correcto julgamento quando considerou que as garagens, apesar de constituírem fracções autónomas, porque afectadas aos fins prosseguidos pela ora Recorrida, se deviam considerar abrangidas pela isenção prevista pela alínea d) do n.º 1 do, à data, art. 40.º do EBF, hoje art. 44.º do mesmo Estatuto.
2.2.2 DA ISENÇÃO DE IMI PREVISTA PARA AS ASSOCIAÇÕES SINDICAIS – O REQUISITO DE DESTINAÇÃO DIRECTA À REALIZAÇÃO DOS FINS
Está em causa definir o âmbito do requisito objectivo da isenção, na parte que se refere à destinação dos prédios, ou seja, a interpretação do segmento da norma que diz «destinados directamente à realização dos seus fins».
Como deixámos dito, A AT reconduz a destinação directa prevista na lei à indispensabilidade dos prédios para a prossecução dos fins estatutários.
Salvo o devido respeito, essa não nos parece ser a melhor interpretação da lei.
Desde logo, contrariamente ao que sustenta a Recorrente – que afirma que «a negação desse direito à Recorrida processou-se exclusivamente em razão do elemento gramatical da alínea d) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF» –, afigura-se-nos que a letra da lei não suporta essa interpretação.
Cumpre, aliás, nunca perder de vista que, na tarefa hermenêutica, o elemento literal, constituindo ponto de partida e limite para extrair o sentido da norma (Com a função de «eliminar aqueles sentidos que não tenha qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei» (BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 182 e 189).), não é o elemento decisivo, nem sequer o mais importante, papel que está reservado à unidade do sistema, nos termos do n.º 2 do art. 9.º do Código Civil. Na verdade, na interpretação da lei, para além do referido elemento gramatical, há ainda que atender ao elemento lógico, exigindo este, designadamente, que se considere o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma (elemento teleológico) e que se atente nas demais disposições que regulam as isenções, designadamente as de IMI, a fim de perscrutar a sua natureza e o seu âmbito de relevância, e atender ao lugar que aí ocupa a norma interpretanda (elemento sistemático), sendo que apenas da conjugação de todos esses elementos interpretativos surgirá o verdadeiro sentido daquela norma (Cfr. BAPTISTA MACHADO, Idem, págs. 175 a 192.).
Não podemos aceitar a tese da AT no que respeita ao elemento literal. Seguramente que apenas os imóveis que estejam destinados à realização dos fins de uma associação sindical cabem na previsão da norma, o que ninguém discute. Mas o preceito, na parte que se refere aos prédios ou parte de prédios «directamente destinados à realização dos seus fins», não estatui a possibilidade de a AT fazer qualquer juízo valorativo de indispensabilidade, ou seja, não tem ínsita a exclusão dos imóveis que não sejam indispensáveis à prossecução dos fins da associação sindical. Tal indispensabilidade não resulta do advérbio directamente, ao contrário do que a AT considerou. Data venia, na economia da norma directamente significa sem qualquer intermediação, de modo directo.
Ou seja, como a jurisprudência (Vide, por todos, o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte de 9 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 699/13.8BECBR, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/64abc887025fc34380257e75002e8cf3.) tem vindo a dizer a respeito de normas paralelas (i.e., em que a isenção está objectivamente condicionada pela destinação directa dos imóveis aos fins do sujeito passivo beneficiário), ficam excluídos do âmbito da isenção os prédios que não são usados de modo directo, mas cujos rendimentos são alocados à prossecução dos fins do sujeito passivo. A verificação do pressuposto objectivo do benefício exige que os próprios prédios ou partes de prédios sejam destinados à realização dos fins prosseguidos pelo beneficiário. Excluídos ficam, pois, os prédios que se destinem à realização desses fins indirectamente, designadamente através dos rendimentos obtidos com a alienação ou oneração desses prédios.
Se, como sugere a Recorrente, o legislador tivesse de algum modo pretendido restringir o âmbito objectivo da isenção aos prédios «necessários e indispensáveis» à prossecução dos fins das associações sindicais, por certo teria usado uma expressão verbal que traduzisse essa intenção (cfr. art. 9.º, n.º 3, do Código Civil); designadamente, se o legislador tivesse querido restringir o âmbito objectivo da isenção nos termos aventados pela Recorrente, teria referido expressamente os prédios onde se situem os escritórios ou serviços administrativos da associação sindical.
Note-se que no n.º 1 do mesmo artigo do CIMI (que então era o 40.º e hoje é o 44.º) coexistem, noutras previsões normativas, expressões que delimitam o âmbito da isenção por referência ao destino concreto dos imóveis e não por referência à realização dos fins da entidade beneficiária. Assim, na alínea a), relativamente aos estados estrangeiros, referem-se os «prédios destinados às respectivas representações diplomáticas ou consulares»; na alínea c), relativamente às associações ou organizações de qualquer religião ou culto às quais seja reconhecida personalidade jurídica, referem-se, para além do mais, os «templos ou edifícios exclusivamente destinados ao culto»; na alínea m), relativamente às colectividades de cultura e recreio, as organizações não governamentais e outro tipo de associações não lucrativas, a quem tenha sido reconhecida utilidade pública, referem-se os prédios «utilizados como sedes destas entidades».
Assim, sempre salvo o devido respeito, nem o elemento literal dá apoio à tese sustentada pela Recorrente.
Note-se ainda, sempre salvo o devido respeito, que não faz sentido afirmar (como afirma a Recorrente no art. 26.º das alegações) que «[a] desconsideração do advérbio “directamente” pode concomitantemente conduzir ao absurdo de se concluir como afecto à actividade da Recorrente um ginásio ou qualquer outro equipamento social, em razão da sua utilização pelos associados». A Recorrente confunde a destinação dos imóveis aos fins da associação sindical com a utilização dos imóveis pelos associados, sendo que não é a afectação directa (ou seja, sem intermediação) que está em causa nos exemplos que invocou, mas antes a própria destinação aos fins da associação sindical.
Podemos, pois, concluir que não compete à AT, em ordem ao reconhecimento do benefício, definir se o espaço ou espaços são indispensáveis à prossecução dos fins estatutários das associações sindicais, mas tão-só verificar se esses espaços se destinam e se destinam directamente à prossecução desses fins (sem prejuízo da manifesta não indispensabilidade desses espaços aos fins estatutários poder ser utilizado como índice da falta de “destinação”).
Por outro lado, a «mera susceptibilidade de essas fracções poderem ser afectas a outros fins que não aqueles em que se esgota a actividade da associação» [cfr. alínea j) das conclusões de recurso] não pode erigir-se em critério para recusar o reconhecimento da isenção. À luz desse critério nunca a isenção poderia ser reconhecida, pois, em abstracto, todos os espaços poderão ser utilizados para outros fins que não aqueles que a associação sindical deve prosseguir.
Note-se ainda que a sentença, para decidir como decidiu, não fez qualquer integração analógica, designadamente com recurso à norma actualmente prevista no art. 46.º do CIMI, que, depois de no seu n.º 1 prever uma isenção (temporária, como resulta do n.º 5 do artigo) de IMI para os prédios urbanos construídos, ampliados, melhorados ou adquiridos a título oneroso, destinados a habitação, no seu n.º 2 dispõe: «A isenção a que se refere o número anterior abrange os arrumos, despensas e garagens, ainda que fisicamente separados, mas integrando o mesmo edifício ou conjunto habitacional, desde que utilizados exclusivamente pelo proprietário, inquilino ou seu agregado familiar, como complemento da habitação isenta». Aliás, quer a doutrina administrativa (Vide a Circular 14, de 15 de Abril de 1994, da Direcção de Serviços de Contribuição Autárquica, disponível em
https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/Documents/circular_14_de_15-04-1994_direccao_de_servicos_de_contribuicao_autarquica.pdf.) quer a jurisprudência (Vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 13 de Fevereiro de 1991, proferido no processo n.º 12.152, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/87e977fa0ba23e98802568fc0037f33d;
- de 15 de Janeiro de 1997, proferido no processo n.º 21.200, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/27e96da742318658802568fc0039cb65;
- de 5 de Fevereiro de 1997, proferido no processo n.º 21.164, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f932fff0659e2b3e802568fc00396ffc;
- de 11 de Junho de 1997, proferido no processo n.º 21.101, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3bdf8d010c02ed1f802568fc0039bda7;
- de 30 de Maio de 2001, proferido no processo n.º 25.975, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/91d53c722023ed0f80256adf002ffe0a.) reconheciam, já no âmbito da Contribuição Autárquica e da Sisa, que as garagens, ainda que sejam fracções autónomas, na medida em constituam um apoio funcional da habitação isenta, também devem beneficiar da isenção.
Mas, como dissemos, a sentença não procedeu a qualquer integração analógica, nem sequer a interpretação extensiva, sendo que esta última sempre seria admissível pois, como a Recorrente bem salientou, «[a]s normas que estabeleçam benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva» (cfr. art. 10.º do EBF).
As referências que a sentença faz ao art. 46.º do EBF foram-no apenas no âmbito do seu discurso argumentativo e tendo em vista refutar o argumento da Fazenda Pública, de que apenas os escritórios, e já não as garagens, poderiam considerar-se directamente destinados aos fins da ASJP. Se bem interpretamos a sentença, o que nesta se pretendeu esclarecer foi que, tal como relativamente à habitação se admite que se integra nessa finalidade a garagem e arrumos que, embora constituam fracções autónomas, estejam funcionalmente afectadas à fracção destinada a habitação, não há razão para não considerar como afectadas aos fins de uma associação sindical as garagens que, constituindo fracções autónomas, estejam funcionalmente afectadas à fracção destinada a secretaria ou escritórios. O que se pretendeu foi delimitar o âmbito do conceito legal “seus fins” previsto na parte final da norma que prevê a isenção em causa.
Por outro lado – como também salientou a sentença e a Recorrente reitera em sede de alegações de recurso, pois o invocara já na petição inicial –, o Regulamento do Plano Director Municipal de Lisboa de 1994 (Note-se que o conteúdo normativo de um regulamento constitui matéria de direito e, por isso, por um lado, não tem de ser levado ao probatório e, por, outro, é do conhecimento oficioso do tribunal. Com interesse para a questão, vide o acórdão da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Julho de 2007, proferido no processo n.º 60/07, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/71131a894f75954f80257340003dfc5b.) exigia a existência de áreas de estacionamento no interior das parcelas integradas em edifícios destinados a serviços (cfr. art. 109.º).
Ora, se as garagens em causa fizessem parte da fracção “JZ” por certo a AT não teria recusado o reconhecimento da isenção. Como resulta da factualidade provada, só o não fazem por opção do promotor imobiliário, mas servem para estacionamento das viaturas dos funcionários e de associados da Recorrida e constituem espaço de estacionamento afectado à fracção autónoma de serviços, a referida fracção “JZ”, motivo por que, não existindo motivo para duvidar que estão afectadas aos fins prosseguidos pela Recorrida, bem andou o Tribunal a quo ao considerar ilegal a recusa do reconhecimento da isenção e, consequentemente, ao condenar a AT a reconhecê-la.
Por tudo o que deixámos dito, o recurso não pode ser provido.
2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A isenção de IMI prevista pelo art. 44.º, n.º 1, alínea d), do EBF, relativamente às associações sindicais e para «os prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins», abrange na sua previsão, não só a fracção autónoma destinada a escritório e onde a associação sindical tem a sua sede, como também as partes do mesmo prédio destinadas a garagem e que, não obstante constituírem também fracções autónomas, estão exclusivamente destinadas ao estacionamento dos automóveis dos funcionários da associação e dos sócios que aí se desloquem.
II - O “destino directo” à realização dos fins da associação não implica qualquer outra restrição dos imóveis a uma concreta afectação, nem sequer a sua indispensabilidade aos fins prosseguidos, mas apenas que os bens estejam afectados a esses fins e que não haja intermediação alguma entre os fins prosseguidos e o destino dado aos imóveis.
III - Em ordem ao reconhecimento da referida isenção, não compete à AT definir que espaço ou espaços são adequados à prossecução dos fins estatutários das associações sindicais, mas tão-só verificar se a utilização de tais espaços se destina directamente à prossecução desses fins (sem prejuízo de uma manifesta desadequação desse espaços aos fins estatutários poder ser utilizado como índice de não destinação a esses fins).
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3. DECISÃO
Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 16 de Maio de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Dulce Neto.