Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0847/14.0BEALM
Data do Acordão:10/28/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRS
REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO
CONTABILIDADE
Sumário:I - Para o ano de 2011, vindo os impugnantes/sujeitos passivos de um período (ano de 2010) de aplicação do regime de contabilidade organizada por imposição legal, decorrente de, no ano de 2009, terem apresentado um volume de vendas de € 1.102.000,00, o regime simplificado era o regime residual, por efeito da verificação nesse ano (de 2011) dos seus pressupostos substantivos, isto é, da circunstância de, no período de tributação imediatamente anterior (ano de 2010), não terem ultrapassado o montante anual ilíquido de rendimentos, da categoria B, de € 150.000,00; efetivamente, declararam um volume de vendas de 0,00.
II - A partir de 1 de janeiro de 2015, o legislador acabou com a previsão de estadia, em qualquer dos regimes previstos no n.º 1, do artigo 28.º do CIRS, pelo período, mínimo, de três anos e manifestou a vontade de excluir qualquer hipótese de alteração/opção pelo regime simplificado, que se ativa/opera, somente, em função do montante anual ilíquido de rendimentos, da categoria B, de (até) € 200.000,00.
Nº Convencional:JSTA000P26585
Nº do Documento:SA2202010280847/14
Data de Entrada:06/07/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.............. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;
# I.

O/A representante da Fazenda Pública (rFP) recorre da sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, em 3 de abril de 2019, que julgou procedente impugnação judicial, apresentada, por A………… e B…………, com os demais sinais dos autos, contra decisão de indeferimento de recurso hierárquico e que visou ato de liquidação, adicional, de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), referente ao ano de 2011.

A recorrente (rte) formalizou alegação, terminada com o seguinte quadro conclusivo: «

I. Decidiu o Tribunal “a quo” pela procedência da presente Impugnação por concluir que os Impugnantes teriam, no ano de 2011, de ser tributados, em sede de IRS, no regime da contabilidade organizada e não no regime simplificado de tributação, atento o disposto no art.º 28.º do CIRS, decisão com a qual, com o devido respeito, não se concorda;

II. Não ficou provado que tenha sido exercida qualquer opção pelo regime da contabilidade organizada, ao contrário do que foi afirmado pelos Impugnantes, tendo o sujeito passivo obtentor de rendimentos profissionais ficado enquadrado naquele regime, de forma intermitente, por obrigação legal, não tendo, no entanto, atingido volume de rendimentos para ali ficar no ano de 2011, entendendo a Autoridade Tributária, contra o decidido, que o n.º 5 do art.º 28.º do CIRS, tem aplicação necessária para os casos em que exista opção por esse regime de determinação, pois apenas assim, e salvo melhor opinião, se harmoniza o disposto nos n.ºs 1, 2, 3, 5 e 6 do artigo:

III. Ficam abrangidos pelo regime simplificado aqueles contribuintes que não atinjam volume de rendimentos que os obriguem a ir para o regime da contabilidade e não optem por este (n.ºs 2 e 3); caso fiquem enquadrados no regime da contabilidade por obrigação legal, sem opção, então, pelo n.º 2 do artigo, ficam no ano seguinte no regime simplificado;

IV. Não existe qualquer previsão de período mínimo de permanência no regime da contabilidade durante três anos se, em determinado exercício (que seria o primeiro dos três anos) ali se caiu por obrigação legal, pois a entender assim, estar-se-ia a derrogar o disposto no n.º 2 do artigo que expressamente indica que, quem não atingir determinado volume de rendimentos fica enquadrado no regime simplificado…a não ser que opte pela contabilidade (n.º 3) - bastaria colocar o quantitativo dos rendimentos no n.º 6, pois ficando no regime da contabilidade, este duraria três anos e renovar-se-ia continuamente, só dele se poderia sair por opção (o n.º 2 valeria apenas para o enquadramento do início de atividade);

V. Todo o dispositivo legal tem uma sequência lógica e sistemática, subvertida pelo agora decidido. Começa por indicar quais os regimes de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, indicando que não sendo ultrapassado determinado montante anual ficam os sujeitos passivos obrigatoriamente abrangidos pelo regime simplificado e, de seguida, é estipulado que, ainda que estando no regime simplificado, podem os sujeitos passivos fazer opção pela contabilidade, necessariamente em determinados momentos temporais. Caso exista a opção, então o período mínimo de permanência em qualquer dos regimes é de 3 anos, prorrogável por iguais períodos, a não ser que, no final de cada um destes períodos o sujeito passivo venha optar pelo outro;

VI. No entanto, caso esteja abrangido pelo regime simplificado - e não existindo opção pela contabilidade lá estará - cessa a aplicação do regime simplificado, caso sejam ultrapassados determinados rendimentos em dois períodos de tributação consecutivos ou, quando o sejam num único exercício, em montante superior a 25%, fazendo-se então a tributação pela contabilidade organizada a partir do período de tributação seguinte. E no ano do início do exercício de atividade, o enquadramento no regime simplificado faz-se verificados os demais pressupostos, em conformidade com o valor anual de rendimentos estimado, caso não seja exercida a opção pelo regime da contabilidade;

VII. O facto de não estar plasmada na lei qualquer cessação do regime da contabilidade, tal como está previsto para o simplificado (no caso por volume de rendimentos), na vigência do período de 3 anos, não permite concluir que os 3 anos de permanência têm aplicação no caso de enquadramento no regime da contabilidade por obrigação legal;

VIII. Isto porque o mesmo raciocínio vale para afirmar o contrário: que não está previsto qualquer motivo de cessação na vigência de 3 anos da contabilidade organizada precisamente porque a obrigação legal de lá estar vale apenas para um ano, não havendo que legislar expressamente quanto à sua cessação, que decorre naturalmente da aplicação do regime. No primeiro caso não há que prever qualquer cessação, a qual decorre do próprio regime da obrigatoriedade. Do outro, tratando-se de opção do sujeito passivo, releva a mesma, para os 3 anos posteriores, precisamente porque não se trata de vinculação legal, mas de escolha consciente do sujeito passivo;

IX. O regime simplificado tem sempre, à partida, aplicação, como resulta do n.º 2 da norma – “ficam abrangidos pelo regime simplificado (…)”, bem como o n.º 6.º - “A aplicação do regime simplificado cessa apenas (…)”, ou o n.º 10 – “(…) o enquadramento no regime simplificado faz-se (…)” - por lei o sujeito passivo fica necessariamente enquadrado nesse regime, só assim não acontecendo se existir opção, ou se for atingido determinado volume de rendimentos. Fixada tal obrigação, a mesma encontrará a sua justificação numa previsível maior complexidade, exigência e necessidade de controle, não existindo qualquer razão lógica, ou outra, para se manter durante 3 anos independentemente do volume de rendimentos obtidos, a não ser que o sujeito passivo assim o pretenda, declarando-o expressamente perante a Autoridade Tributária;

X. Considera-se que a Douta Sentença incorre em erro de julgamento de direito pois ao decidir pela procedência da presente Impugnação, concluindo que os Impugnantes estavam, no ano de 2011, enquadrados no regime da contabilidade organizada, independentemente de opção e sem que tivessem obtido rendimentos que impusessem esse regime, violou o disposto no art.º 28.º do CIRS.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por Douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente Impugnação, tudo com as devidas e legais consequências. »


*

Os recorridos (rdos) contra-alegaram, repetindo alegações que haviam produzido, nos termos e para os efeitos do artigo 120.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

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O Exmo. magistrado do Ministério Público emitiu parecer, onde conclui pela improcedência do recurso, porquanto se mostra ilegal, tal como se entendeu na sentença recorrida, o enquadramento no regime simplificado, efetuado pela Administração Tributária, no exercício de 2011 e a consequente liquidação de IRS, na qual foi apurado imposto a pagar no valor de € 33.919,07.

*

Cumpridas as exigências legais, compete conhecer e decidir.

*******

# II.


Na sentença, em sede de julgamento factual, mostra-se inscrito: «

A. Em 07.07.1986, o Impugnante A………… entregou declaração de início de atividade - cf. fls. 37 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida;

B. O Impugnante A............ encontra-se coletado em sede do IRS pela atividade com o CAE 41200 - Construção de edifícios (residenciais e não residenciais), além de ser sócio, com a Impugnante B…………, numa sociedade com a mesma atividade - cf. informação que se extrai de fls. 12 do PAT, que se dá por integralmente reproduzida;

C. No ano de 2007, o Impugnante A............ auferiu rendimentos ilíquidos da categoria B do IRS no valor de € 325.000,00 - cf. informação que se extrai de fls. 13 e 29 a 33 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

D. No ano de 2008, o Impugnante A............ auferiu rendimentos ilíquidos da categoria B do IRS no valor de €0,00 - cf. informação que se extrai de fls. 13 e 29 a 53 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

E. No ano de 2009, o Impugnante A………… auferiu rendimentos ilíquidos da categoria B do IRS no valor de € 1.102.000,00 - cf. informação que se extrai de fls. 13, 29 a 53 e 83 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

F. Nos exercícios de 2007 e 2009 o IRS incidente sobre os rendimentos ilíquidos da categoria B auferidos pelo Impugnante A............ foi apurado com base no regime simplificado, sendo que no ano de 2008 foi utilizado o regime de contabilidade organizada - cf. informação que se extrai de fls. 13 e 29 a 52 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

G. No ano de 2010, o lmpugnante A............ auferiu rendimentos ilíquidos da categoria B do IRS no valor de € 2.420,00, tendo o IRS deste ano sido determinado de acordo com o regime de contabilidade organizada - cf. informação que se extrai de fls. 67, 68 e 84 do PAT, que se dá por integralmente reproduzida;

H. No ano de 2011, o lmpugnante A............ auferiu rendimentos ilíquidos da categoria B do IRS no valor de € 507.500,00 - cf. informação que se extrai de fls. 63 do PAT, que se dá por integralmente reproduzida;

I. Em 10.09.2012, a AT emitiu em nome dos Impugnantes a liquidação de IRS n.º 20125004971349, relativa ao ano de 2011, com o valor a pagar de € 33.919,07, tendo sido utilizado o regime simplificado de tributação para efeitos de apuramento do imposto - cf. fls. 35 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida; cf. fls. 63 a 68 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

J. Em 17.01.2013, os Impugnantes apresentaram reclamação graciosa contra a liquidação de IRS referida no ponto antecedente - cf. fls. 72 a 81 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

K. Em 20.02.2013, o Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Setúbal proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto antecedente - cf. fls. 91 e 92 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

L. Em 20.03.2013, os Impugnantes apresentaram recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto antecedente - cf. fls. 17 a 20 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

M. Em 21.03.2014, foi elaborada por técnica da Direção de Serviços de IRS “Informação” relativa ao recurso hierárquico mencionado no ponto antecedente, no qual, além do mais, consta o seguinte:

9. Consequentemente, o sujeito passivo ficou sujeito ao apuramento do IRS, segundo o regime aplicável em função do valor das vendas ou dos restantes rendimentos ilíquidos apurados no ano anterior, em conformidade com art.° 28°, 2, do CIRS;

10. Em acção de inspecção ao IRS, dos anos de 2007 a 2009, os Serviços de Inspecção confirmaram o regime de apuramento do IRS, dos referidos anos, com base no volume de vendas a mencionar, no quadro a seguir, ao qual acrescentarei as vendas dos anos de 2004 e 2010 a 2011, cujos valores extrai da declaração anual de mod 3, do IRS, quando evidenciados em anexo B, ou da declaração anual (IES) conforme quadro a seguir:

11. Sabendo que no último ano do triénio (2007-2009) o sujeito passivo apurou um volume de vendas que ultrapassou o limite de € 149.739,00, previsto no n.° 2, do art.° 28.° do CIRS, iniciou o triénio seguinte, em 2010, no regime de contabilidade organizada por obrigação;

12. Mas, como não se aplica o período mínimo de 3 anos de permanência no regime de contabilidade, previsto no n.° 5, uma vez que o seu enquadramento não resulta de opção (cf. §1 da circular n.° 05/2007);

13. Consequentemente, em 2011, ficou sujeito automaticamente, ao regime simplificado e, no ano de 2012, voltou a ficar no regime de contabilidade por obrigação;

14. Em face do exposto, sou de parecer que deverá ser indeferido, mantido o despacho recorrido, permanecendo na ordem jurídica a liquidação n.° 20125004971349, do lRS de 2011.

15. Vai ser dispensado o exercício do direito de audiência prévia, ao abrigo do art.° 60.° da LGT uma vez que este direito já foi concedido, no âmbito do procedimento de reclamação.

- cf. fls. 12 e 13 do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

N. Em 24.04.2014, a Diretora de Serviços do IRS, em substituição, exarou o seguinte despacho sobre a “Informação” referida no ponto antecedente: “Concordo, pelo que indefiro nos termos e com os fundamentos invocados.” - cf. fls. 11 do PAT, que se dá por integralmente reproduzida;

O. Em 21.08.2014, a petição inicial deu entrada neste Tribunal - cf. carimbo aposto a fls. 4 dos autos.»


***

A questão que emerge da crítica dirigida, pela rte, à sentença recorrida, imputando-lhe, em conclusão, “erro de julgamento de direito…”, pode ser reconduzida ao imperativo de interpretar o conteúdo do artigo (art.) 28.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), na redação conferida pela Lei n.º 3-B/2010 de 28 de abril, e, concomitantemente, conferir se aquela peça violou a sua normatividade.

Versando a exegese do coligido comando legal, o recente acórdão, do STA, de 1 de julho de 2020 (1400/13.1BELRA) Disponível em www.dgsi.pt , realizou-a em moldes que, pela clareza e acerto, aqui, assumimos e reproduzimos, nas suas linhas mais impressivas: «

(…).

… a alteração ao n.º 5 do artigo 28.º pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, substituiu a expressão «…se o sujeito passivo comunicar (…), a opção pela aplicação do regime de contabilidade organizada» pela expressão «…se o sujeito passivo comunicar (…), a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido». O que sugere a ideia de que a comunicação da alteração se pode fazer, a partir de então, nos dois sentidos (quer no da opção pelo regime da contabilidade organizada, quer no da opção pelo regime simplificado).

Só que os n.ºs 3 e 4 do mesmo artigo continuam a prever apenas a opção pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade. Isto é, não se prevê nestes dispositivos a opção pelo regime simplificado.

A alteração ao n.º 5 do artigo 28.º pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro trouxe, por isso, uma incongruência (aparente) no regime que o aplicador deve resolver tomando como pressuposto que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.

Sendo que não se vê como solução possivelmente acertada a de prever a permanência em qualquer dos regimes a não ser que o sujeito passivo comunique a alteração para o outro e a de, simultaneamente, não prever ou admitir a comunicação da alteração para um deles.

A solução adequada para a restauração da coerência no regime é a de distinguir as situações em que o sujeito passivo esteve no regime de contabilidade organizada por opção daquelas em que esteve nesse regime por imposição legal.

Se o sujeito passivo esteve no regime de contabilidade organizada por opção, a variação do volume de vendas é insuficiente para, por si só, modificar o regime de tributação. O que sucede porque a ultrapassagem (em anos anteriores) dos limites do n.º 6 do artigo 28.º faz cessar o regime simplificado, mas não faz cessar os efeitos de uma opção anterior pelo regime de contabilidade organizada. Isso só sucede se o sujeito passivo alterar o regime pelo qual se encontra abrangido nos termos do n.º 5 do mesmo dispositivo legal.

Ou seja, nestes casos, o sujeito passivo pode optar pelo regime simplificado.

Na prática, isso significa que, tendo podido optar anteriormente pelo regime de contabilidade organizada, a alteração para o regime simplificado é, dentro dos seus pressupostos substantivos (volume de vendas ou rendimento ilíquido = ou < a certo montante), uma opção a exercer dentro de certos pressupostos temporais (até ao fim de março do ano seguinte ao triénio de opção) e procedimentais (em declaração de alterações). Ou seja, é um regime opcional.

Se, porém, o sujeito passivo esteve no regime de contabilidade organizada por imposição legal, a redução do volume de vendas abaixo do limite legal coloca-o automaticamente no regime simplificado (como regime residual), a menos que opte pelo regime de contabilidade organizada nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 28.º.

Isto significa que, enquanto não optar por um destes regimes, o sujeito passivo encontra-se numa situação de alguma indefinição quanto ao regime de tributação. O mesmo se diga se, tendo optado por um deles, tiver regressado ao regime de imposição (…) por força do n.º 6 daquele artigo 28.º.

Dizendo de outro modo: vindo de um período de regime de contabilidade organizada por imposição legal, o regime simplificado (no ano em que estejam verificados os seus pressupostos substantivos) é um regime residual; vindo de um período de regime de contabilidade organizada por opção, o regime simplificado é um regime opcional (a menos, claro, que não estejam verificados os seus pressupostos substantivos).

(…). »

Com esta forma de, melhor, entender o conteúdo do art. 28.º n.ºs 1, 2, 5 e 6 do CIRS Tendo-se, ainda, em conta que a redação do artigo em apreço, para os efeitos deste recurso, é equivalente nas Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro e Lei n.º 3-B/2010 de 28 de abril., torna-se evidente o equívoco do julgador, em 1.ª instância, quando defende: «

(…).
De todo o modo, embora no n.º 6 do artigo 28.º do CIRS se preveja, em termos de mudança de regime de tributação, a cessação do regime simplificado, já no que se refere à cessação do enquadramento no regime de contabilidade organizada e consequente saída de tal regime de tributação, para efeito de transição para o regime simplificado, nada foi consagrado. Assim, o enquadramento do sujeito passivo no regime simplificado de tributação obedece apenas às regras que constam do transcrito n.º 2 do artigo 28.º, sendo que o período mínimo de permanência em qualquer dos regimes, é de três anos, prorrogável por iguais períodos, salvo se o sujeito passivo comunicar a sua alteração (cf. n.ºs 4 e 5).

Importa notar que o regime geral de tributação é o da contabilidade organizada (o regime de tributação pelo regime simplificado sempre será supletivo, desde que não haja opção ou condições obrigatórias de enquadramento no regime da contabilidade). Ou seja, a única exceção que faz cessar o período mínimo de 3 anos é a que se encontra prevista no n.º 6 do artigo 28.º relativamente à cessação do regime simplificado e à passagem obrigatória do contribuinte para o regime da contabilidade, que poderá ocorrer em qualquer momento do ciclo de três anos, quando verificados os respetivos pressupostos. O mesmo já não sucede, porém, no caso contrário, pois que não há norma idêntica para a cessação da vigência da tributação pelo regime da contabilidade durante o ciclo mínimo de três anos que se encontre a decorrer. (…).

Assim sendo, considerando o referido período mínimo de permanência e dado que o Impugnante (…) não tinha que efetuar qualquer declaração de opção pelo regime de contabilidade organizada em relação a 2011 (pois estava então a decorrer o período mínimo de três anos previsto no n.º 5 do artigo 28.º do CIRS), só pode concluir-se pela ilegalidade do reenquadramento operado pela AT no regime simplificado com referência ao ano de 2011.

Diga-se novamente: não existindo qualquer norma que precluda a aplicação do período mínimo de três anos de permanência no regime de contabilidade organizada, o IRS de 2011 não pode ser apurado com recurso ao regime simplificado de tributação. E ainda que no ano de 2010 o valor anual dos rendimentos ilíquidos auferidos seja inferior ao limiar apontado no n.º 2 do artigo 28.º do CIRS, a verdade é que essa norma não afasta o disposto no seu n.º 5, havendo, pois, que ser dado cumprimento ao ciclo de três anos no regime de contabilidade organizada. (…). »

Na situação fáctica sobre que nos debruçamos, em primeiro lugar, é certo o impugnante marido, tendo iniciado atividade, com CAE 41200, no ano de 1986, pelo menos, nos anos de 2004 a 2012, para fins de determinação dos seus rendimentos empresariais/profissionais, em cédula de IRS, nunca exerceu opção de tal operação ocorrer com base na contabilidade (organizada). Assim, como resulta do quadro decalcado na alínea M. dos factos provados, a ordem foi, respetivamente, simplificado, duas vezes contabilidade, simplificado, contabilidade, simplificado, contabilidade, simplificado e contabilidade. Portanto, no ano de 2011, havendo os seus rendimentos sido determinados com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado Os serviços da autoridade tributária e aduaneira (AT) justificaram o recurso ao regime simplificado deste modo: «(…). Sabendo que no último ano do triénio (2007-2009) o sujeito passivo apurou um volume de vendas que ultrapassou o limite de € 149.739,00, previsto no n.° 2, do art.° 28.° do CIRS, iniciou o triénio seguinte, em 2010, no regime de contabilidade organizada por obrigação;

(…). Mas, como não se aplica o período mínimo de 3 anos de permanência no regime de contabilidade, previsto no n.° 5, uma vez que o seu enquadramento não resulta de opção (cf. §1 da circular n.° 05/2007);

(…). Consequentemente, em 2011, ficou sujeito automaticamente, ao regime simplificado e, no ano de 2012, voltou a ficar no regime de contabilidade por obrigação;», no ano anterior (2010) e no seguinte (2012), foram com base na sua contabilidade, em ambos os casos, por imposição legal, face ao volume de vendas registadas nos anos precedentes; € 1.102.000,00 (2009) e € 507.500,00 (2011). Por outras palavras, no período temporal de nove anos seguidos, os impugnantes viram os seus rendimentos, da categoria B, do IRS, serem determinados, unicamente, em função da variável respeitante ao volume de vendas, registado no período de tributação (ano) imediatamente anterior, sem qualquer intervenção da sua parte, destacadamente, mediante o exercício da, possível, opção pelo regime da contabilidade organizada.

Sendo estes os contornos da realidade observada, em sintonia com a doutrina do aresto a que, no início desta fundamentação, aderimos, para o ano de 2011, vindo os impugnantes/sujeitos passivos de um período (ano de 2010) de aplicação do regime de contabilidade organizada por imposição legal, decorrente de, no ano de 2009, terem apresentado um volume de vendas de € 1.102.000,00, o regime simplificado era o regime residual, por efeito da verificação nesse ano (de 2011) dos seus pressupostos substantivos, isto é, da circunstância de, no período de tributação imediatamente anterior (ano de 2010), não terem ultrapassado o montante anual ilíquido de rendimentos, da categoria B, de € 150.000,00; efetivamente, declararam um volume de vendas de 0,00. Abordando doutro modo, os impugnantes só poderiam ter visto operar, no ano de 2011, a determinação de rendimentos com base na contabilidade (como defende a sentença recorrida) se a aplicação deste método no ano anterior (2010) tivesse derivado do exercício da sua opção, nos termos e para os efeitos do art. 28.º n.ºs 3 e 4 do CIRS, verificado o pressuposto de, no ano de 2009, haverem sido abrangidos pelo regime simplificado.

Resta uma nota, de evolução legislativa, que nos conforta nesta interpretação do art. 28.º do CIRS.

A partir de 1 de janeiro de 2015, o legislador acabou com a previsão de estadia, em qualquer dos regimes previstos no n.º 1, pelo período, mínimo, de três anos, passando, sem equívocos, a prever, apenas, que a opção pelo método da contabilidade, efetuada por sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado, se mantém “válida até que o sujeito passivo proceda à entrega de declaração de alterações, a qual produz efeitos a partir do próprio ano em que é entregue, desde que seja efetuada até ao final do mês de março.” - cf. art. 28.º n.º 5 do CIRS, na redação da Lei n.º 82-E/2014 de 31 de dezembro. Outrossim, persistindo a previsão, já, vetusta - do seu n.º 6, de que “A aplicação do regime simplificado cessa apenas quando o montante a que se refere o n.º 2 seja ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou, quando o seja num único exercício, em montante superior a 25 %, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.”, não há dúvidas da sua vontade em excluir qualquer hipótese de alteração/opção pelo regime simplificado, que se ativa/opera, somente, em função do montante anual ilíquido de rendimentos, da categoria B, de (até) € 200.000,00.

Em suma, como aponta a rte, a sentença escalpelizada errou no seu julgamento, não podendo, pois, as liquidações impugnadas serem anuladas, por ilegais.


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# III.


Destarte, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- dar provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida;

- julgar improcedente a impugnação judicial.


*

Custas a cargo dos recorridos, em ambas as instâncias e partes iguais.

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[ Texto redigido em meio informático e revisto, com versos em branco ]


Lisboa, 28 de outubro de 2020. – Aníbal Ferraz (relator) – José Gomes Correia – Joaquim Condesso.