Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0265/11.2BELLE 01164/15
Data do Acordão:01/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:IVA
CESSAÇÃO DE ACTIVIDADE
Sumário:I - De acordo com o previsto no art. 34.º, a), do C.I.V.A., a cessação de atividade para efeitos de IVA, considera-se efetuada decorridos dois anos consecutivos sem a prática de atos determinantes da tributação, sendo de presumir os bens existentes como transmitidos nessa data.
II - Tendo sido efetuada prova pelos impugnantes, nos termos do art. 74.º n.º1 da L.G.T., quanto à inexistência de ativo nessa data e de não ter sido desenvolvida atividade nesses dois anos consecutivos, resultam ilegais as liquidações efetuadas quanto a anos posteriores, inexistindo outros factos provados, entre os quais, a aquisição de bens ou a prestação de serviços a que se referem os referidos artigos 1.º, a), e 19.º n.º1, a), do C.I.V.A..
Nº Convencional:JSTA000P26968
Nº do Documento:SA2202101130265/11
Data de Entrada:09/30/2015
Recorrente:A..................... E OUTROS
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. Relatório

I.1. A…………….. e B……………………, com os sinais dos autos, vêm interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (T.A.F.) de Loulé, proferida em 07/05/2015, que julgou improcedente a impugnação que deduziram, na qualidade de revertidos na execução fiscal movida contra a sociedade “C……………….., Lda.”, contra as liquidações oficiosas de IVA relativas aos anos de 2003 a 2007, nos montantes de € 1.122,30, € 1.496,40, € 1.496,40 € 1.496,40 e € 1.496,40, respetivamente.
I.2. Formularam alegações que remataram com o seguinte quadro conclusivo:
1a- O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida em 7/5/2015 que declarou verificada a exceção de inimpugnabilidade das liquidações oficiosas de IVA “sub judice” no que à respectiva quantificação respeita e improcedentes o alegado vício de forma por falta de fundamentação destas liquidações e a alegada violação do disposto no art° 83°, n° 2 do CPPT e art° 143°, alíneas b) e c) do CSC, tendo julgado improcedente a presente impugnação judicial;
2a- No douto despacho proferido a fls. 281, foi oficiosamente suscitada a questão da inimpugnabilidade das liquidações oficiosas, no que à respectiva quantificação respeita;
3a- Com os devidos respeitos, este douto despacho não foi devidamente fundamentado quanto à matéria de facto e as razões de direito que constituíam a exceção da inimpugnabilidade, fazendo até referência a uma “eventual inimpugnabilidade”, não tendo os recorrentes, por isso, alcançado convenientemente o sentido e os efeitos desta exceção;
4a- Deste modo o referido douto despacho ao não ser suficientemente claro e fundamentado violou o preceituado nos art°s 154° do CPC e 205°, n° 1 da CRP e limitou o direito de defesa dos ora recorrentes previsto no art° 20° e 268° da CRP;
5a- O Tribunal “A Quo” julgou verificada a exceção de inimpugnabilidade das liquidações oficiosas de IVA objecto dos autos, no que à respectiva quantificação respeita, por não ter sido dado cumprimento ao disposto na alínea a) do n° 4 do art° 83° do CIVA, na redacção vigente em 2006;
6a- Tendo considerado que a esta exceção não obsta a alegação dos recorrentes do facto de o estabelecimento comercial existente na sede da sociedade ter encerrado em 2002 e, por via disso, a sociedade não teria sido notificada das liquidações oficiosas de IVA dos autos, uma vez que não é admissível a invocação da falta de notificação das liquidações à sociedade posteriormente à apresentação da p.i.;
- Sucede que não existem nos autos e no PAT apenso as liquidações oficiosas “sub judice” (cfr. fls. 281 e 294), nem as notificações das mesmas à devedora originária, a sociedade “C…………………, Lda”;
8a- E na p.i. já os recorrentes pugnaram que desconheciam que a sociedade fora notificada das liquidações oficiosas de IVA em causa, porquanto fora encerrado o estabelecimento comercial de ourivesaria, denominado “D…………….” existente na sede da sociedade;
9a- Inclusivamente no final da motivação de facto da douta sentença recorrida até consta confirmado o encerramento da “D…………….” em Julho de 2002 e o motivo do encerramento;
10a- Assim, e salvo melhor opinião, o Tribunal recorrido devia ter atendido, pelo menos, esta razão invocada pelos recorrentes quanto à matéria da exceção e que não consubstancia nova causa de pedir, mas antes factualidade que já havia sido articulada na p.i. e que até acabou por ficar provada em audiência de julgamento;
11a- A douta sentença recorrida também incorreu em erro ao declarar verificada a exceção de inimpugnabilidade das liquidações oficiosas de IVA objecto dos autos no que respeita à respectiva quantificação, pois os recorrentes nunca se insurgiram ou discordaram dos montantes das liquidações oficiosas de IVA;
12a- Os recorrentes alegaram, em síntese, a inexistência de qualquer facto sujeito a tributação de IVA, por a sociedade “C……………., Lda” não exercer qualquer actividade e ter sido encerrado o estabelecimento comercial “D…………..”, tendo sido dissolvida e liquidada a sociedade sem qualquer activo;
13a- Factos estes que foram dados como provados nas alíneas C), J) e K), como melhor consta especificado na motivação de facto da douta decisão recorrida;
14a- E alegaram também desconhecer a natureza e qualificação dos factos tributários, tendo invocado ainda a ilegalidade da liquidação por omissão da natureza e a errónea qualificação dos factos tributários e inexistência do tributo;
15a- Nesta conformidade, os recorrentes jamais questionaram o “quantum” da liquidação, apenas colocam em causa o facto de as liquidações oficiosas terem sido efectuadas pela AT estando a sociedade inactiva e não existindo factos tributários passíveis de tributação de IVA;
16a- Nem sequer os factos articulados em 23° a 31° da p.i. podem ser considerados vícios quanto ao apuramento ou quantificação do tributo, dado que nos mesmos se suscita, em suma, a falta de fundamentação das liquidações - como aliás reconhece a douta sentença recorrida mais adiante ao apreciar este vício;
17a- Ademais, as liquidações oficiosas em causa reportam-se aos anos de 2003 a 2007 e a sociedade “C……………, Lda” não exercia qualquer actividade desde o ano de 2001 (vide alíneas J) e K) dos factos provados);
18a- Este caso configura a previsão da alínea a) do n° 1 do art° 34° do CIVA de se verificar a cessação da actividade exercida pelo sujeito passivo quando deixem de praticar-se actos relacionados com actividades determinantes da tributação durante um período de dois anos;
19a- Com efeito, e salvo melhor opinião, seria um acto inútil e ilógico, neste caso, a entrega de declarações de substituição “a zeros” para ser admissível a impugnação das liquidações oficiosas em causa;
20a- E nunca os recorrentes poderiam, após a citação como revertidos das liquidações oficiosas em questão, impugnar estas liquidações perante a impossibilidade prática de poderem apresentar as liquidações de substituição;
21a- Não admitir a presente impugnação, com o fundamento de não ter sido dado cumprimento à alínea a) do n° 4 do art° 83° do CIVA significa coarctar aos recorrentes o seu único meio de defesa, contra uma situação injusta e que afecta a sua esfera jurídica;
22a- O Tribunal “A Quo” fez uma interpretação incorrecta do n° 2 do art° 90° do CIVA, ao entender a exigência da apresentação das declarações de substituição como condição de admissibilidade da presente impugnação, conforme já se pronunciou este STA nos doutos Acórdãos de 12/2/2015 - Proc. 01198/12 e de 8/4/2015-Proc. 01920/13;
23a- Pelo que os vícios invocados pelos recorrentes não podem deixar de ser sindicados pelo Tribunal em sede de impugnação judicial, por se situarem fora da esfera de aplicação do art° 90°, n° 2 do CIVA, sob pena de violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos art°s 20° e 268°, n° 4 da CRP;
24a- A decisão recorrida enferma ainda, com os devidos respeitos, de erro de julgamento, ao concluir que, não tendo os recorrentes usado da prerrogativa legal prevista no art° 37°, n° 1 do CPPT, requerendo à AT a notificação dos respectivos fundamentos, não podem agora vir prevalecer-se do vício de forma por falta de fundamentação;
25a- Porquanto o disposto no art° 37°, n° 1 do CPPT constitui uma mera faculdade e não um requisito ou pressuposto processual de admissibilidade ou procedência da impugnação judicial;
26a- O facto de não terem usado desta faculdade não os impedia de invocarem o vício de forma de falta de fundamentação na presente impugnação, uma vez que nem sequer existem dos autos as liquidações de IVA “sub judice”, sendo impossível saber qual foi o itinerário cognoscitivo e valorativo que determinou tais liquidações de IVA;
27a- Não estando fundamentadas de facto e de direito as liquidações oficiosas em questão, o Tribunal recorrido devida ter declarado verificado o vício de falta de fundamentação, posto o que, ao decidir de outro modo, fez interpretação incorrecta do disposto nos art°s 37°, n° 1 do CPPT, tendo violado o disposto no art° 77° da LGT, 125° do CPA e 268°, n° 3 da CRP;
28a- Por último, o IVA só é devido e exigível havendo transmissões de bens e prestações de serviços - art° 1o, alínea a) e art° 19°, n° 1, al. a) do ClVA, pelo que, resultando sobejamente provada a inexistência dos factos tributários passível de tributação de IVA deviam ter sido anuladas as liquidações oficiosas “sub judice”;
29a- A lei tributária consagra o primado da verdade material sobre a verdade formal, consagrado, além de outros, no art° 99° da LGT, o que impunha que tivesse sido admitida e apreciada a presente impugnação;
30a- Nestes termos e nos mais de Direito e que serão doutamente supridos deve a presente impugnação ser declarada procedente e consequentemente anuladas as liquidações oficiosas impugnadas, como é de sã justiça.
I.3. O recurso foi admitido, não tendo sido apresentadas contra-alegações.
I.4. Remetidos os autos ao S.T.A., o exm.º magistrado do Ministério Público teve “vista” dos autos emitindo parecer nos seguintes termos:
“Recorrem A………………. e B……………….. da sentença do TAF de Loulé de 07.05.2015 que julgou improcedente a Impugnação judicial que deduziram visando a anulação das liquidações oficiosas do IVA relativas aos anos de 2003 a 2007.
Questionam no Recurso o acerto da decisão quanto à questão da inimpugnabilidade dos actos de liquidação e quanto ao vício de forma da falta de fundamentação.

Começando pelo invocado vício de forma da falta de fundamentação.

Sustentam os Impugnantes, ora Recorrentes, que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao concluir que “não tendo os Recorrentes usado da prerrogativa legal prevista no art. 37.°, n.° 1 do CPPT, requerendo à AT a notificação dos respectivos fundamentos, não podem agora vir prevalecer-se do vício de forma por falta de fundamentação” (cfr. Conclusão 24.a).
Mas não lhes assiste razão, salvo melhor entendimento.
Por imperativo constitucional e legal, todos os actos da Administração, incluindo os de natureza tributária, susceptíveis de lesarem os direitos e interesses legítimos dos administrados, devem ser devidamente fundamentados, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que por obscuridade, contradição ou insuficiência não esclarecem concretamente a motivação do acto (cfr., nomeadamente, o art. 268°, n° 3 da CRP, arts. 152° e 153°, ambos do CPA e art. 77° da LGT).
A falta de fundamentação é, por conseguinte, um vício que pode afectar o acto de liquidação, sendo por isso invocável quando se discuta a legalidade desse acto e essa discussão faz-se, em regra, no processo de impugnação judicial.
Contudo, não se pode confundir o acto de liquidação com o acto de notificação. O acto de liquidação pode estar devidamente fundamentado mas essa fundamentação não constar do acto notificação. E nesses casos o que existe não é falta de fundamentação do acto de liquidação mas irregularidade do acto de notificação, por não conter, como a lei determina, a fundamentação do acto notificado.
Ora, é justamente com base na falta de notificação dos fundamentos dos actos de liquidação que os ora Recorrentes invocam o vício de forma da falta de fundamentação. Acontece que os vícios do acto de notificação não afectam, em princípio, a validade do acto notificado.
Havendo falta de notificação dos fundamentos da liquidação e estando em causa, como é o caso, o acto de citação de responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal o que ocorre é violação do disposto no art. 22°, n° 4 da LGT, pelo facto da citação não conter a fundamentação do acto de liquidação.
Porém, essa omissão, afectando a citação mas não inquinando de ilegalidade o acto liquidação notificado, apenas dará lugar à arguição da nulidade na execução fiscal (é a doutrina do douto Ac. de 26.6.02 - Rec. n.° 0832/02) ou à utilização do meio previsto no art. 37° do CPPT, ficando a irregularidade sanada se não for pedida, nos termos do preceito, a notificação dos requisitos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha.
A falta de notificação dos fundamentos da liquidação, só por si, não é susceptível de suportar a invocação da falta de fundamentação, como vício imputável ao acto de liquidação.
Assim, nesta parte, não parece que mereça censura a sentença recorrida.

O mesmo não se dirá quanto à questão da inimpugnabilidade dos actos de liquidação.
Com efeito, estão em causa liquidações oficiosas de IVA efectuadas nos termos do disposto no art. 88.°, n.° 1 do CIVA (art. 83.°, na redacção anterior à revisão do articulado, efectuada pelo DL 102/2008, de 20.06).
Nos termos do n.° 4, al. a) desse preceito, a liquidação oficiosa ficará sem efeito se o sujeito passivo, no prazo de 90 dias a contar da notificação da liquidação, apresentar a declaração em falta, prescrevendo o n.° 2 do art. 97.° do CIVA (art. 90.°, na anterior redacção) que "os recursos hierárquicos, as reclamações e as impugnações não serão admitidos se as liquidações forem ainda susceptíveis de correcção nos termos do artigo 78.° ou se não tiver sido entregue a declaração periódica cuja falta originou a liquidação prevista no artigo 88.°” (arts. 71.° e 83.°, na redacção anterior à revisão do articulado, efectuada pelo DL 102/2008, de 20.06).
Da leitura conjugada desses preceitos retirou a Mma. Juiz "a quo" a conclusão de que "não tendo a sociedade devedora originária da dívida de IVA procedido à entrega das declarações periódicas cuja falta originou as liquidações previstas no artigo 83.° do CIVA, consolidaram-se as mesmas na ordem jurídica, como caso resolvido, pelo decurso do prazo de 90 dias previsto no n.° 2 do art.º 83.° conforme decorre da al. a) do respectivo n.° 4, não podendo ser discutidas em sede de impugnação". As liquidações oficiosas em causa seriam inimpugnáveis, por previamente não ter sido observado o disposto no n.° 4, do art. 83.° do CIVA (art. 88.°, na actual redacção).
Sucede que a jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal vem considerando que “(a) condição de impugnabilidade prevista no n.° 2 do art. 97.° do CIVA apenas faz sentido quando a discordância do sujeito passivo com a liquidação oficiosa se refira ao quantum da obrigação tributária, uma vez que o art. 88°do CIVA lhe concede um meio administrativo simples e expedito de eliminar essa liquidação oficiosa da ordem jurídica, procedendo à entrega da declaração em falta (denominada, expressivamente, de substituição) (...)" estando essa exigência afastada quando “a discordância do impugnante com a liquidação oficiosa não se manifesta em relação ao montante da liquidação, mas à prática do acto de liquidação em si (Acórdão de 08.04.2015, in Rec n.° 01920/13; no mesmo sentido o Acórdão de 12.02.2015, in Rec. n.° 01920/15.) como ocorre no caso vertente em que os Impugnantes, ora Recorrentes, não questionam o quantum das liquidações mas os próprios actos de liquidação, por terem sido efectuados estando a sociedade inactiva e não existirem factos passíveis de tributação em IVA.
Nesta perspectiva, procederá o presente recurso quanto à questão da inimpugnabilidade dos actos de liquidação.

Não obstante, não vê que a factualidade levada ao probatório permita que impugnação possa ser julgada procedente, com fundamento na alegada inexistência do facto tributário.
Como resulta do probatório, concretamente da sua alínea E) estão em causa liquidações oficiosas de IVA relativas aos anos de 2003 a 2007, constando da alínea J) que a sociedade deixou de ter actividade desde 2001 e a alínea C) que, em 31.03.2003, os sócios deliberaram sobre a “dissolução da sociedade".
A propósito da cessação de actividade prescreve o art. 33.° do CIVA (art. 32.° na redacção em causa) que uma vez verificada deve o sujeito passivo, no prazo de 30 dias a contar da data da cessação, entregar a respectiva declaração.
Como facilmente se pode intuir a entrega dessa declaração é elemento essencial para a cessação das obrigações fiscais que impedem sobre o sujeito passivo do imposto, designadamente no quadro do regime legal do IVA, e para a invocação da inexistência de facto tributário.
É que, salvo melhor entendimento, a mera inexistência de operações tributáveis não basta para que se tenha por cessada a actividade para efeitos de IVA.
O conceito de cessação de actividade para efeitos de IVA materializa-se através das situações enumeradas no art. 34.°, n.° 1 do CIVA (art. 33.°, na redacção em causa) conferindo o n.° 2 do preceito à AF o poder de declarar oficiosamente a cessação da actividade quando for manifesto que a actividade não está a ser exercida nem existe da parte do sujeito passivo a intenção de a continuar a exercer, após o que dará cumprimento ao disposto no art. 83.° do CPPT.
Como referem E. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes (CIVA, anotado e comentado, 4.ª edição, Rei dos Livros, p. 643.) “o conhecimento da cessação é de primordial importância para os Serviços a fim de poderem manter actualizados os seus meios de controlo informático, permitindo apurar em tempo oportuno a verdadeira situação do contribuinte no quadro das suas obrigações do CIVA”.
A declaração de cessação de actividade possibilitará, para além disso, a averiguação por parte da A.F. dos reais motivos da apresentação dessa declaração em ordem a obviar a incorrecções declarativas susceptíveis de originarem dúvidas sobre a situação real do contribuinte.
Ora, no caso vertente, não consta do probatório que o contribuinte tenha apresentado declaração de cessação de actividade não constando ainda que a AT tenha usado da faculdade prevista no n.° 2 do art. 34.° do CIVA (art. 33.°, na redacção em causa). O que consta é que em 25.03.2004, “o TOC da sociedade identificada em A), por sua iniciativa, apresentou a Declaração de Alterações constante de fls. 86 a 88 do processo administrativo apenso, com vista ao enquadramento em iR no Regime Geral, para o triénio de 2004/2006', constando ainda que “(p)ela apresentação 1/20091204 foi registada na Conservatória do registo Comercial a dissolução e enceramento da liquidação, com menção da data de aprovação das contas em 31.03.2003” [(cfr. alíneas C) e F)].
A sociedade em causa mantinha, pois, à data a que respeitam as liquidações a qualidade de sujeito passivo para efeitos de IVA e, como tal, estava sujeita às obrigações que sobre estes impendem.
É, porém, pressuposto da tributação a existência de operações tributáveis e, afirmando os Impugnantes, ora Recorrentes, a inexistência de operações dessa natureza, o que a esse respeito consta do probatório é unicamente que a sociedade deixou de ter actividade desde 2001, não tendo efectuado nem compras nem vendas nesse ano, o mesmo sucedendo em 2002. Não é claro, face ao probatório, se nos anos de 2003 a 2007, a que respeitam as liquidações impugnadas, a sociedade desenvolveu qualquer actividade ou praticou quaisquer operações tributáveis em IVA, dúvida que se acentua face ao facto provado em D) e à data em que foi efectuado o registo da dissolução da sociedade (alínea F), ano em que igualmente terá sido apresentada declaração de cessação da actividade para efeitos de IRC e IVA (cfr. pág. 2 da sentença recorrida).
Assim, concedendo-se parcial provimento ao presente recurso, deverá ser determinada a baixa dos autos à 1.a Instância para ampliação da matéria de facto e prolação de nova decisão que a tenha em conta.”
I.5. Sendo de delimitar o objecto do recurso, de acordo com as conclusões do recurso que foram apresentadas, resulta, antes de mais, para apreciação a inimpugnabilidade dos atos de liquidação.
Quanto a essa questão os recorrentes suscitam, em conexão, que o despacho em que tal questão foi suscitada padece de fundamentação, a violação dos artigos 154.° do C.P.C. e 20.º, 205.°, n° 1 e 268.º da C.R.P., e do direito de defesa, e erro quanto à aplicação efetuada da al. a) do n.º 4 do art. 83.° do C.I.V.A., na redação vigente em 2006, o que cumpre, pois, apreciar.

Os recorrentes invocam ainda a respeito do decidido quanto à falta de fundamentação ter sido efetuada uma interpretação incorreta do disposto no art. 37.°, n.° 1 do C.P.P.T., a violação do disposto nos artigos 77.° da L.G.T., 125.° do C.P.A. e 268.°, n.° 3 da C.R.P., e do princípio da tutela jurisdicional efectiva, o que é também de apreciar.

E, com fundamento na inexistência de factos tributários, defendem a procedência do recurso, pedindo que as liquidações sejam anuladas, o que é ainda de apreciar.

I.6. A respeito da questão da inimpugnabilidade, foi proferido despacho pelo Mm.º Juiz do TAF de Loulé com data de 16 de abril de 2015, o qual foi na sequência notificado às partes, tendo o teor que segue:

“Convidam-se os Impugnantes para, querendo, e no prazo de 10 dias, se pronunciarem sobre a eventual inimpugnabilidade das liquidações de IVA objeto dos autos, no que à respetiva quantificação respeita, considerando que não resulta dos mesmos que tenha “sido entregue a declaração periódica cuja falta originou a liquidação prevista no artigo 83.º.”, conforme disposto no n.º 2 do art.º 90º do CIVA, na redação do Decreto-Lei n.º102/2008, de 20/06 (art.º 84.º, na redação anterior).

Notifique.”

I.7. Nada obsta a que se conheça do recurso em conferência, intervindo os atuais adjuntos do ora relator com dispensa de vistos.

II. Fundamentação
II.1. A sentença recorrida considerou provada a factualidade seguinte:
A) A sociedade “C…………….., Lda.”, constituída em 1996, registada em 19.03.1996, tinha por objeto social a importação e comercialização de ourivesaria, e tinha aberta uma loja com a designação “D……………” – cfr. fls. 120 a 123 dos autos e 81 a 84 do processo administrativo apenso, e prova testemunhal.
B) Em 09.02.1996 a sociedade identificada em A) declarou o início de atividade em IVA e IRC junto da Administração Tributária, mais declarando efetuar aquisições intracomunitárias – cfr. fls. 76 a 79 do processo administrativo apenso, e prova testemunhal.
C) Em 31.03.2003 os sócios da sociedade identificada em A), os ora Impugnantes, deliberaram sobre a «Dissolução da sociedade» e «Aprovação das contas e do balanço do exercício, reportados à data da dissolução, com declaração de liquidação simultânea da sociedade por inexistência de activo e passivo», que aprovaram por unanimidade, mais deliberando que o sócio gerente A…………….. seria responsável «para tratar dos actos de registo e demais formalidades necessárias» – cfr. cópia da ata n.º 7 a fls. 129 e 130 dos autos.
D) Em 25.03.2004 o TOC da sociedade identificada em A), por sua iniciativa, apresentou a Declaração de Alterações constante de fls. 86 a 88 do processo administrativo apenso, com vista ao enquadramento em IR no Regime Geral, para o triénio de 2004/2006 – cfr. fls. 85 a 87 e 95 do processo administrativo apenso e prova testemunhal.
E) Atos impugnados: A Administração Tributária, em relação à sociedade identificada em A) e aos anos de 2003 a 2007, emitiu as seguintes liquidações oficiosas de IVA:
- em 13.02.2005 a liquidação n.º 05074385, relativa a 2003, no valor de € 1.122,30, com data limite de pagamento em 12.08.2005;
- em 24.06.2006 a liquidação n.º 06152506, relativa a 2004, no valor de € 1.496,40, com data limite de pagamento em 21.12.2006;
- em 04.11.2006 a liquidação n.º 06333625, relativa a 2005, no valor de € 1.496,40, com data limite de pagamento em 03.05.2007;
- em 09.06.2007 a liquidação n.º 07182937, relativa a 2006, no valor de € 1.496,40, com data limite de pagamento em 06.12.2007;
- em 29.11.2008 a liquidação n.º 08319151, relativa a 2007, no valor de € 1.496,40, com data limite de pagamento em 28.05.2009;
– cfr. fls. 178 a 183 do processo administrativo apenso.
F) Pela apresentação 1/20091204 foi registada na Conservatória do registo Comercial a dissolução e encerramento da liquidação, com menção da data de aprovação das contas em 31.03.2003 – cfr. fls. 120 a 123 dos autos.
G) O registo que antecede foi publicado em 04.12.2009 – cfr. fls. 120 a 123 dos autos.
H) Em 31.12.2009 os Impugnantes foram citados, por reversão, no processo de execução fiscal n.º 1155200501022237 e aps. instaurado no Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António contra a sociedade identificada em A), para cobrança coerciva, entre outras de dívidas de IVA relativas às liquidações identificadas em E) – cfr. fls. 60 a 66 do processo administrativo apenso.
I) As citações dos Impugnantes foram acompanhadas da lista discriminativa das dívidas em execução, conforme fls. 60 verso a 62 verso e 63 verso a 65 do processo administrativo apenso, que aqui se dão por reproduzidas.
J) Desde 2001 que a sociedade identificada em A) deixou de ter atividade, não tendo efetuado nem compras nem vendas nesse ano, o mesmo sucedendo em 2002 – cfr. fls. 167/168 e 266 a 269 dos autos e prova testemunhal.
K) À data do encerramento das contas, identificada em F), a sociedade não tinha qualquer ativo – cfr. fls. 266 a 269 dos autos e prova testemunhal.
L) Em 25.10.2010 foi a presente Impugnação apresentada neste TAF – cfr. fls. 3 dos autos.”
Não foram provados outros factos com interesse para o mérito da impugnação.
Consta ainda da sentença em sede da motivação de facto:
“A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos que constam dos autos e do processo administrativo apenso, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, os quais não foram impugnados nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e ainda com base na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados e na prova testemunhal produzida em audiência.
Relativamente à prova testemunhal foi valorado o depoimento da testemunha E………………, TOC da sociedade devedora originária, no que respeita aos factos provados em D), J) e K), tendo esclarecido de modo objetivo e claro a razão da constituição da sociedade e a forma como adquiria os bens que vendia, mais esclarecendo que após um acidente de viação sofrido pelo Impugnante marido em 2001, aquela deixou de ter atividade, não efetuando outras compras ou vendas, situação de inatividade que se manteve no ano de 2002, tendo os sócios optado por dissolver a sociedade, o que fizeram em 2003, tendo as contas sido encerradas em março. Mais esclareceu que a sociedade só comprava artigos em função das encomendas, pelo que, à data do encerramento das contas, não tinha existências, tal como não havia qualquer imobilizado. No que respeita à declaração de alterações identificada em D) dos factos provados, esclareceu que a mesma foi entregue por sua livre iniciativa num procedimento do seu escritório que abrangeu um conjunto de empresas suas clientes, constantes de uma listagem, tendo dado instruções à funcionária que preparou todas as declarações, que “assinou de cruz”, sendo certo que a relativa à sociedade devedora originária não deveria ter sido incluída em tal procedimento pelo facto de se encontrar já extinta.
As testemunhas F…………. e G………….., depuseram no mesmo sentido do TOC, no que se refere à data aproximada do encerramento da “D……………..”, bem como no que se refere ao motivo do encerramento, que, para além do acidente de viação do Impugnante marido, esteve também relacionado com problemas de relacionamento familiar no negócio da ourivesaria. Também a testemunha H………….. situou no tempo (em julho de 2002), por referência a factos da sua vida pessoal, como o casamento e a data em que foi trabalhar para a sociedade “I………….”, a funcionar na loja onde funcionou a ourivesaria, o encerramento da “D…………….”.
Todas as testemunhas identificaram a loja onde a sociedade “C……………” comercializava as peças adquiridas em Córdova como a “D…………..”, a qual souberam localizar no espaço por lá se terem deslocado enquanto esteve aberta ao público, em atividade.”
III. De direito.
Quanto à inimpugnabilidade dos atos de liquidação:
Dado o teor do despacho reproduzido no ponto 7 do relatório, em que ficou expresso, nomeadamente, destinar-se às partes se poderem pronunciar sobre a inimpugnabilidade com fundamento no artigo 83.º, conforme disposto no n.º 2 do art.º 90º do CIVA, na redação do Decreto-Lei n.º102/2008, de 20/06 (art.º 84.º, na redação anterior) e, sendo assinalado ter o efeito limitado de não se poder pôr em causa o montante das liquidações, consideramos que com o mesmo não se verifica a violação dos artigos 154.° do C.P.C., nem de tal decorre a violação dos artigos 20.º, 205.°, n.° 1 e 268.º da C.R.P..
Com efeito, tal despacho permitia o exercício adequado do contraditório a que se destinava.
No entanto, consideramos, ao contrário do que se julgou na sentença recorrida, que não se verifica a dita inimpugnabilidade, nos termos do n.º 2 do art. 90.º (atual 97.º) do C.I.V.A., importando anular nessa parte o decidido.
Ainda que não constem apresentadas as liquidações periódicas em falta, nos termos do art. 83.º (actual 88.º) n.º4, a), do C.I.V.A., não faz sentido aplicar tal limitação no caso de se pôr em causa a própria existência dos atos de liquidação com fundamento no não exercício de actividade por parte da primitiva devedora, impondo-se efectuar uma interpretação restritiva da norma contida no dito art. 90.º, n.º2, tal como decidido nos acórdãos do S.T.A. proferidos a 12-2-2015, processo n.º 01198/12 e a 08-04-2015, processo n.° 01920/13, acessíveis em www.dgsi.pt.
Quanto à falta de fundamentação:

A sentença recorrida julgou não conhecer dos vícios invocados quanto à falta de fundamentação com fundamento em os ora recorrentes não terem utilizado o mecanismo previsto no art. 37.º do C.P.P.T., entendendo que se sanou a possibilidade daqueles arguirem os vícios relativos à falta de fundamentação da liquidação.

No caso dos ora revertidos, era através da arguição da nulidade perante o órgão de execução fiscal que devia ser invocada a arguição da citação com fundamento na falta de elementos na mesma omitidos, cabendo da sua recusa reclamação judicial, conforme tem sido reiterado em múltiplos acórdãos do S.T.A. – cfr., por todos, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 19-9-2012, proferido no proc. 01075/11, acessível no local acima indicado.

Ora, não constando que o tenham efetuado desse modo.

Para além disso, resulta que da impugnação judicial apresentada que os vícios invocados quanto à falta de fundamentação foram referidos ao despacho de reversão.

Assim sendo, consideramos que as ilegalidades que foram ainda suscitadas pelos recorrentes quanto à falta de fundamentação e que não podem deixar de ser referidas a tal despacho, não podem erigir-se em fundamento de impugnação judicial regulada nos artigos 99.º e seguintes do C.P.P.T. por respeitar a fundamento de oposição, previsto no art. 204.º do C.P.P.T., nomeadamente, na sua alínea i) – cfr., o acórdão do S.T.A. de 4-3-2015, proferido no processo n.º 01313/13, acessível ainda em www.dgsi.pt, citando outros no mesmo sentido.

Consideramos, assim, ser de manter o decidido quanto a não conhecer dos vícios da falta de fundamentação.

Finalmente, quanto à inexistência de factos tributários:

Trata-se de questão de que não se conheceu na sentença recorrida e de que importa conhecer, por substituição, por servir de fundamento a ilegalidade que importa considerar relativamente aos artigos 1.º, a), e 19.º n.º1 a) do C.I.V.A..

No quadro dos factos provados, resulta, nomeadamente, nos pontos C), F), J) e K) da matéria acima transcrita da sentença recorrida, que a sociedade primitiva devedora não declarou oportunamente perante a A. T. a cessação da sua actividade, que o seu Técnico Oficial de Contas veio ainda posteriormente a apresentar declaração de alteração com vista ao enquadramento no regime geral, que, aquando da liquidação da sociedade inexistia qualquer ativo, e que esta em dois anos consecutivos (2001 e 2002) não desenvolveu qualquer actividade.

De acordo com o previsto no art. 34.º, a), do C.I.V.A., a cessação considera-se efetuada decorridos dois anos consecutivos sem a prática de atos determinantes da tributação, sendo de presumir os bens existentes como transmitidos nessa data.

Ora, tendo sido efetuada prova pelos impugnantes quanto à inexistência de ativo e de não ter sido desenvolvida actividade em dois anos consecutivos, nos termos do art. 74.º n.º1 da L.G.T., a ilegalidade das liquidações resulta da inexistência de outros factos, entre os quais, a aquisição de bens ou a prestação de serviços a que se referem os referidos artigos 1.º, a), e 19.º n.º1, a), do C.I.V.A..

Aliás, a prova destes incumbia à A. T., nos termos art. 74.º n.ºs 2 e 3 da L.G.T., que não a efetuou.

Consideramos verificar-se, pois a ilegalidade invocada, sendo de anular as liquidações em causa, termos em que procede a impugnação judicial, obtendo o recurso provimento.

III. Decisão:

Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso, anulando em parte o decidido na sentença recorrida, e, julgando por substituição procedente a impugnação judicial, anulam as liquidações.

Custas pela F. P., de acordo com o critério do vencimento – art. 527.º n.º1 do C.P.C..

Lisboa, 13 de janeiro de 2021. – Paulo José Rodrigues Antunes (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.