Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:091/10.6BECBR 0454/17
Data do Acordão:06/26/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO
SERVIÇO PÚBLICO
CAPACIDADE JURÍDICA
CONCESSIONÁRIA
CONTRATO
EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
ACTO
PAGAMENTO
INDEMNIZAÇÃO
ESTADO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24704
Nº do Documento:SA220190626091/10
Data de Entrada:04/19/2017
Recorrente:METRO MONDEGO, S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. METRO MONDEGO, S.A., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial que instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra com vista à anulação do acto de indeferimento de pedido de revisão oficiosa que deduzira contra os seguintes actos de liquidação de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, no valor total de 312.195,45 euros.

· Liquidação n.º 160804021617503, de 13.12.2004, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre prédio urbano, no valor de EUR 9.100,00;
· Liquidação n.º 160104021620303, de 13.12.2004, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre prédio urbano, no valor de EUR 8.125,00;
· Liquidação n.º 160704021621303, de 13.12.2004, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre prédio urbano, no valor de EUR 22.750,00;
· Liquidação n.º 160304021622003, de 13.12.2004, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre prédio urbano, no valor de EUR 1.300,00;
· Liquidação n.º 160104021623203, de 13.12.2004, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre prédio urbano, no valor de EUR 4.225,00;
· Liquidação n.º 160704021623603, 13.12.2004, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre prédio urbano, no valor de EUR 3.250,00;
· Liquidação n.º 160204021971803, de 16.12.2004, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre prédio urbano, no valor de EUR 17.875,00;
· Liquidação n.º 160904022390203, de 22.12.2004, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre prédio urbano, no valor de EUR 18.578,76;
· Liquidação n.º 160504022393203, de 22.12.2004, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre prédio urbano, no valor de EUR 6.704,75;
· Liquidação n.º 160305004333303, de 07.03.2005, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre prédio urbano, no valor de EUR 9.620,00;
· Liquidação n.º 160505010268203, de 30.05.2005, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre prédio urbano, no valor de EUR 15.773,61;
· Liquidação n.º 160406012407703, de 21.06.2006, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre prédio urbano, no valor de EUR 23.755,88;
· Liquidação n.º 1600006012409303, de 21.06.2006, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre prédio urbano, no valor de EUR 33.595,54;
· Liquidação n.º 160006012350003, de 21.06.2006, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre prédio urbano, no valor de EUR 40.220,31;
· Liquidação n.º 160107006210103, de 23.03.2007, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, de prédio rústico, no valor de EUR 8.577,35;
· Liquidação cujo número de identificação é ilegível, de 28.06.2007, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, de prédio urbano, no valor de EUR 2.600,00;
· Liquidação n.º 160007013837203, de 29.06.2007, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre prédio urbano, no valor de EUR 9.526,73;
· Liquidação n.º 160607013789603, de 29.06.2007, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, de prédio urbano, no valor de EUR 341,25;
· Liquidação cujo número de identificação é ilegível, de 29.06.2007, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, de prédio urbano, no valor de EUR 1.220,51;
· Liquidação cujo número de identificação é ilegível e termina com os números 3777203, de 29.06.2007, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, de prédio urbano, no valor de EUR 2.730,00;
· Liquidação cujo número de identificação é ilegível, de 29.06.2007, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, de prédio rústico, no valor de EUR 1.466,70;
· Liquidação n.º 160907016671703, de 02.08.2007, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano, no valor de EUR 9.750,00;
· Liquidação n.º 160207016598703, de 02.08.2007, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, de prédio rústico, no valor de EUR 784,21;
· Liquidação n.º 160007016681803, de 02.08.2007, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, de prédio urbano, no valor de EUR 3.643.33;
· Liquidação n.º 1600070167009003, de 03.08.2007, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, de prédio rústico, no valor de EUR 1.419,09;
· Liquidação n.º 160007020409103, de 24.09.2007, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre prédio urbano, no valor de EUR 4.875,00;
· Liquidação n.º 160407023721403, de 06.11.2007, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre prédio urbano, no valor de EUR 19.428,18;
· Liquidação n.º 160907026460003, de 28.11.2007, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, de prédio rústico, no valor de EUR 3.000,00;
· Liquidação n.º 160407026457503, de 28.11.2007, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, de prédio rústico, no valor de EUR 1.966,10;
· Liquidação n.º 160007026453003, de 28.11.2007, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, de prédio urbano, no valor de EUR 16.697,50;
· Liquidação n.º 160607030079203, de 03.12.2007, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, de prédio urbano, no valor de EUR 1.820,00;
· Liquidação n.º 160708005603803, de 13.03.2008, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre prédio urbano, no valor de EUR 6.500,00;
· Liquidação adicional com o n.º 0000001435168, no valor de EUR 975,65.

1.1. Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:

a) Ao contrário do entendido pela sentença recorrida, a Metro Mondego, S.A., doravante Recorrente, é, em face dos artigos 1.º e 3.º do DL n.º 10/2002, de 24.01, e dos seus estatutos, anexos a tal diploma, uma sociedade comercial anónima, mas não de natureza de direito privado; ao invés, ela é uma sociedade de natureza pública, que prossegue fins e interesses públicos e que, no exercício da sua actividade pública, se rege pelas leis comerciais e pelos seus estatutos, sempre que o DL n.º 10/2002 e as disposições legais especiais não disponham diferentemente (a realidade jurídica não tem de obedecer sempre a arquétipos predefinidos);

b) Ao contrário do que está suposto na sentença recorrida, a capacidade de exercício de direitos da recorrente não é igual à capacidade de exercício de direitos das outras sociedades comerciais anónimas, constando tais especificidades da capacidade de exercício de direitos da Recorrente dos art.º 4.º a 8.º do DL n.º 10/2002 e das Bases da Concessão a ele anexas, que constituem disposições normativas da mesma natureza do DL n.º 10/2002;

c) A definição da capacidade jurídica da Recorrente, que traduz a concretização do princípio da especialidade das pessoas colectivas, cinge-se à concessão em regime de serviço público da exploração de um sistema de metro ligeiro de superfície nos municípios de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã (art.º 1.º do DL. n.º 10/2002) e à «concepção, projecto, realização das obras de construção, fornecimento, montagem e manutenção do material circulante e dos demais equipamentos que constituem o sistema de metro», esta por mor do disposto no n.º 2 da Base I constante do Anexo I, cuja natureza normativa decorre do referido art.º 1.º, n.º 2, do DL n.º 10/2002, agindo aqui em nome e por conta do Estado;

d) De nenhum dos preceitos que definem o âmbito da concessão atribuída pelo legislador do DL n.º 10/2002, consta a concessão à ora Recorrente do domínio privado dos bens necessários à exploração concessionada do sistema do Metro do Mondego ou o direito de os adquirir como seu património que não tenha de estar afecto à concessão pública e de ficar afecto imediatamente à concessão pública e como integrante da mesma;

e) O regime dos bens afectos à concessão do sistema de metro distrai-se do disposto nas Bases VI, VII e VIII das Bases de Concessão constantes do Anexo I de tal DL n.º 10/2002;

f) Da Base VIII resulta sem margem para quaisquer dúvidas o seguinte regime jurídico concernente aos bens afectos à concessão:

i. são os accionistas da ora recorrente – precise-se, o Estado com a percentagem de 53% do capital e os municípios de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã, estes cada um com 14% do capital – capital este que pela sua fonte só pode ser público – que estão obrigados a dotar a ora Recorrente dos «recursos necessários para a prossecução e funcionamento da sua actividade e para suporte dos custos das prestações inerentes à concepção, projecto, construção, fornecimento de equipamento e de material circulante e exploração do sistema de metro que não possam ser suportados em regime de autofinanciamento a cargo do subconcessionário”, bem como inclusivamente “para suporte dos custos da fiscalização dessas prestações e ainda dos custos referidos no n.º 2 da base VII”, sem prejuízo da ora Recorrente poder recorrer a “financiamentos a conceder por terceiras entidades nacionais ou internacionais” (em vista está essencialmente a candidatura a fundos europeus);

ii. para este efeito os accionistas da concessionária “podem até ser chamados a realizar fundos próprios na concessionária nas proporções das suas participações no capital desta”;

iii. destas normas resulta que são os accionistas Estado e municípios referidos quem financia com os fundos necessários a concessão do sistema de metro ligeiro de superfície do Mondego, em qualquer dos dois âmbitos que essa concessão envolve, constantes do art.º 1.º do DL n.º 10/2002 e da Base I da Concessão, neles se incluindo, forçosamente, como meios necessários à construção das infra-estruturas os bens imóveis necessários à realização do sistema de metro;

iv. de fora desta obrigação de financiamento por parte do Estado e dos municípios apenas estão os bens compreendidos no art.º 8.º do DL n.º 10/2002, ou seja, os bens do domínio público ferroviário nacional a serem afectos ao sistema de metro, mas que já pertencem ao domínio público ferroviário do Estado;

v. os bens do domínio público ferroviário a que alude o art.º 8.º do DL n.º 10/2002 que passam a estar afectos ao sistema do Metro Mondego são afectados sem que percam a sua dominialidade, apenas sendo desclassificados da rede ferroviária nacional para passarem a estar no sistema do Metro Mondego, donde os bens deste serem do domínio público;

g) Em termos económicos e financeiros, quem verdadeiramente suporta os custos com a aquisição dos bens imóveis necessários à realização do sistema de Metro do Mondego – seja por compra e venda seja por expropriação por utilidade pública – são o Estado e os referidos municípios e isso é feito com bens públicos, razão pela qual não se vê que os bens passem a ter outra natureza;

h) Só que estas operações de aquisição dos bens imóveis necessários à realização do sistema de metro do Mondego, seja por compra e venda, seja por expropriação por utilidade pública (de fora estão os bens do domínio público ferroviário já existente a que se refere o art.º 8.º do DL n.º 10/2002), em vez de serem efectuadas directamente pelo Estado e Municípios sócios da empresa concessionária, com os pertinentes meios financeiros referidos na Base VIII e através de contratos públicos cuja utilização seria obrigatória (como teria de ser se não fosse efectuada pela sociedade Metro Mondego, perdendo-se as vantagens da simplicidade e celeridade de meios jurídicos), foi atribuída pelo Estado em seu nome à concessionária ora recorrente, atenta a sua qualidade de sociedade comercial de fins públicos;

i) A intervenção da recorrente na aquisição de tais bens é de simples representante ou comissário dos referidos sócios: actua em nome do Estado e suporta os custos essencialmente com os fundos que recebe dos sócios da concessionária, emergindo esta natureza, igualmente, de uma forma lapidar do estipulado no n.º 9 da Base I da Concessão;

j) A Base VII da concessão não visa a atribuição ex novo de quaisquer poderes expropriativos ou aquisitivos à concessionária, sob pena de tautologia jurídica, como defende a sentença recorrida, pois, de acordo com o disposto no art.º 14.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17/12, mas cuja norma se mantém no art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3/10, a cujo regime a concessionária está sujeita, ela já gozava dos poderes previstos nesta Base da Concessão e nos mesmos exactos termos, pois teria, como agora tem, de pedir ao membro do Governo competente (o Ministro do Equipamento Social) a declaração se utilidade pública dos concretos bens a expropriar;

k) O regime constante do n.º 5 da Base VII, ou seja, de a concessionária só ser proprietária (não se diz, aí, se de propriedade pública ou privada, pelo que a letra da lei consente os dois sentidos, sendo que, sendo empresa pública, a solução mais acertada seja a de que seja titular de um direito de propriedade pública) dos bens afectos à concessão e apenas durante a vigência da concessão extravasa por completo a natureza do direito de propriedade privada e aproxima-se da do direito de uso privativo do domínio público atribuído por concessão pública;

l) A entender-se, como o entende a sentença recorrida, que o direito de propriedade dos bens que estão afectos à concessão e do qual a concessionária é titular durante a concessão é um direito de propriedade privada cuja transmissão cabe nos art.º 1.º e 2.º do CIMT e não um direito de domínio público ou de propriedade pública concessionada excluída dessa incidência, as normas constantes dos n.ºs 4, 5 e 6 da Base VI, bem como os art.º 1.º e 2.º do CIMT, seriam materialmente inconstitucionais, por a liberdade de transmissão do direito privado, inter vivos ou mortis causa, integrar o núcleo constitucional essencial explicitamente garantido do direito de propriedade privada constante do art.º 62.º, n.º 1 da CRP e essa liberdade de transmissão estar limitada em termos ostensivamente ofensivos do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio material do Estado democrático de direito consagrado no art.º 2.º da CRP quando confrontados com o regime do direito de propriedade privada;

m) Por outro lado, a previsão legal de um direito de reversão automática do direito de propriedade para o Estado no fim da concessão dos bens a ela afectos e sem qualquer indemnização (afora os casos excepcionais enunciados) apenas sujeita à formalidade da realização de uma vistoria ad perpetuam rei memoriam (constante do n.º 7 da Base VI), só pode querer traduzir a ideia de que esses bens afectos à concessão são tidos pelo legislador como bens do próprio Estado, como bens do domínio público, sob pena de inconstitucionalidade da respectiva norma (n.º 6 a Base VI) por o direito a ser-se indemnizado constituir núcleo constitucional essencial do direito de propriedade privada consagrado no art.º 62.º, n.º 2 da CRP.

n) Uma interpretação conjugada do n.º 6 da Base VI da Concessão e dos art.º 1.º e 2.º do CIMT, no sentido de os direitos de propriedade dos bens afectos à concessão reverterem sem qualquer indemnização para o Estado, livres de quaisquer ónus e encargos no termo da concessão, e de a sua aquisição por contrato de compra e venda ou por expropriação por utilidade pública estarem abrangidos naquelas normas de incidência objectiva do CIM, é inconstitucional por atentar contra o núcleo constitucional essencial do direito de propriedade privada consagrado no art.º 62.º, n.º 2 da CRP, consubstanciado aqui no direito a ser-se indemnizado em caso de transmissão, e ainda por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio material do Estado democrático de direito consagrado no art.º 2.º da CRP ao considerar-se a sua aquisição por banda do revertido como riqueza adquirida sujeita aos art.º 1.º e 2.º do CIMT;

o) Perante o n.º 1 da Base VI da Concessão “os bens móveis e imóveis ligados directa ou indirectamente à implantação e exploração do sistema do metro do Mondego” são considerados, predeterminadamente, pelo legislador como integrando a própria concessão efectuada, a que estão “afectos”, por passarem ab initio a fazer parte integrante da concessão efectuada que o Estado atribuiu à Recorrente Metro Mondego S.A. e dela não poderem ser desligados, salvo autorização do Estado expressa pelo referido Ministro, mesmo para efeitos de uma posterior atribuição da concessão.

p) A concessão, cujo direito de atribuição existe na titularidade do Estado, tem como elementos constituintes e integrantes da mesma os próprios direitos de propriedade sobre os imóveis e daí que, uma vez adquiridos, seja por contrato de compra e venda, seja por expropriação por utilidade pública, tais bens passam a integrar o conteúdo da concessão pública e a pertencer a quem a pode atribuir a concessão no futuro;

q) Decorre do art.º 8.º do DL n.º 10/2002 que os bens do domínio público ferroviário que devam ser afectos ao sistema do Metro Mondego não são desclassificados como bens do domínio público mas apenas da sua qualidade de bens da Rede Ferroviária Nacional, donde ser inadmissível, axiológica e teleologicamente, que o sistema de Metro do Mondego tenha bens imóveis do domínio público, conquanto não nacional, e outros bens imóveis de direito privado, como seriam os adquiridos por compra e venda e por expropriação efectuada para a concessão pública, mas todos eles afectos à concessão e ao destino da mesma;

r) Se, perante o n.º 4 da Base VI da Concessão, a alienação ou oneração dos bens ou direitos afectos à concessão do Metro Mondego pode ser efectuada, de entre outras situações, “nos casos em que a lei aplicável aos bens do domínio público ferroviário o preveja” tal só é, axiológica e teleologicamente, compreensível e congruente se se tiverem esses bens como bens do domínio público ferroviário conquanto não nacional;

s) É também a natureza de bens do domínio público ferroviário não nacional, que o legislador atribuiu aos bens adquiridos para o sistema do Metro Mondego, que justifica não só a existência da utilidade pública dos bens na expropriação como a atribuição à concessionária da competência, “como entidade expropriante, actuando em nome do Estado, realizar as expropriações e constituir as servidões necessárias à construção do sistema, nos termos deste diploma e das Expropriações” constante do n.º 1 da Base VII da Concessão;

t) Só o entendimento de que os bens afectos à concessão do metro são do domínio público é que explica que o legislador não tenha feito constar do DL n.º 10/2002 ou das suas Bases de Concessão, por o ter por desnecessário, norma idêntica à que fez constar do n.º 1 da Base XII do Anexo I do DL n.º 394/98, republicadas em anexo ao DL n.º 192/2008, de 1/10, relativo ao Metro do Porto, em que se isentou esse concessionário do imposto municipal da Sisa antecessor do IMT aqui em causa, pois não se acredita que o Estado tenha dois pesos e duas medidas consoante a área de território beneficiada.

u) O IMT é um tipo tributário que pretende tributar a transmissão de riqueza da parte do transmitente para o adquirente ou seja, pretende atingir a riqueza dos sujeitos passivos revelada por parte do adquirente e correspondente ao valor dos bens adquiridos;

v) No caso, a riqueza transmitida fica integrada na concessão atribuída à Metro Mondego, nunca integrando o seu património próprio: ela acompanha, salvo nos casos especiais ressalvados no n.º 4 da Base VI, a concessão no seu presente e no seu futuro, pelo que se trata de riqueza que está sempre na mão do Estado concedente.

w) A situação factual e jurídica verificada não cabe nas normas de incidência objectiva constantes dos art.º 1.º e 2.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, pois aí o conceito de transmissão de bens que é assumido é o de transmissão onerosa de direito privado dos bens;

x) Sendo os bens afectos à concessão do Metro Mondego bens do domínio público e não estando eles abrangidos pelas normas de incidência constantes dos art.º 1.º e 2.º do CIMT não cabem na previsão da norma do art.º 6.º do CIMT, a menos que se considere que nesta isenção também estão compreendidos aquele tipo de bens, mas, nesse caso, ter-se-ia, então, de concluir pela sua isenção por os bens pertencerem, em boa verdade, ao Estado;

y) A admitir-se – mas sem o conceder – que a substância dos direitos de propriedade dos imóveis a que respeitam as liquidações impugnadas possa ter alguns traços substantivos de direito privado, sempre as normas dos art.º 1.º, 2.º e 6.º, alínea a) do CIMT, quando entendidas no sentido incluir nas normas incidência dos art.º 1.º e 2.º do CIMT e de excluir da isenção os direitos de propriedade com as limitações constantes da Base VI da Concessão, sofreria de inconstitucionalidade material por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio material do Estado de Direito democrático consagrado no art.º 2.º da CRP e por ofensa do direito constitucional de propriedade privada reconhecido no art.º 62.º, nºs 1 e 2 da CRP, por sediar na titularidade de pessoa alheia (o Estado) o núcleo essencial de tal direito traduzido no poder de transmissão do mesmo e da sua reversão sem indemnização;

z) Quando a interpretação dos preceitos legais conduza à admissibilidade de duas soluções jurídicas, uma das quais se afigure constitucional, deve o intérprete privilegiar esta segunda por mor do princípio da presunção da constitucionalidade das leis emitidas pelo legislador constitucionalmente competente (as leis presumem-se constitucionais até julgamento em sentido contrário) e sendo assim, a solução só poderá passar por ter essas normas como consagradoras de um direito público e como tal excluído da incidência do IMT ou sempre incluído na isenção contemplada no referido art.º 6.º, aliena a) do CIMT;

aa) O princípio da igualdade, na definição de cujo conteúdo se adere ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2003 (publicado no Diário da República I Série-A, de 17 de Junho de 2003), afirma-se em termos substancialmente diferentes quando está em questão a definição legal da capacidade contributiva e quando a questão que se coloca é a da isenção do imposto;

bb) A questão de igualdade aqui colocada respeita ao poder legislativo exercido na definição das isenções de IMT em virtude de as disposições em causa terem natureza legislativa, pois tanto o são as normas constantes da Base XII das Bases de concessão do Metro do Porto prevista no anexo II do DL n.º 394-A/98, de 15.12, mantidas pelo DL n.º 192/2008, de 01.10, como as normas constantes do DL n.º 10/2002 e das Bases de Concessão constantes do seu anexo I;

cc) Como matéria de direito que é, o tribunal conhece oficiosamente dela e da desigualdade existente nele;

dd) As normas das Bases VI e VII da concessão do Metro Mondego anexas ao DL n.º 10/2002, das quais o intérprete distraia o sentido normativo de as aquisições de bens feitas pela respectiva concessionária serem de direito privado e não gozarem da isenção prevista no artº 6.º, alínea a) do CIMT, como aconteceu com o Metro do Porto, são inconstitucionais por violação do princípio da igualdade;

ee) Sob a perspectiva normativa, não existem quaisquer razões materiais para justificar materialmente a diferença de regimes em matéria de isenção, pois os fins das referidas concessões públicas são exactamente os mesmos, os tipos de sociedade concessionária são os mesmos, os meios de financiamento são os mesmos e os bens afectos às concessões têm a mesma substancialidade jurídica.



1.2. A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.


1.3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto e sustentado parecer no sentido de que se lhe afigurava, salvo melhor estudo, que não assistia razão à Recorrente e que, por consequência, devia ser negado provimento ao recurso.


1.4. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em conferência.


2. Na sentença recorrida constam como provados os seguintes factos:

1º A Impugnante é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, cujas participações sociais pertencem ao Estado em 53%, aos Municípios de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã em 14% cada um, à REFER em 2,5% e à CP em 2,5 % - cfr. artigo 1.º e 8.º dos estatutos da Impugnante constantes do Anexo II ao Decreto-Lei nº 10/2002, de 24.01, sendo a publicação em Diário da República dos referidos estatutos título bastante para a sua perfeição, validade e registo.

2º A Impugnante tem por objecto a "exploração, em regime de concessão atribuída pelo Estado, de um sistema de metro ligeiro de superfície nas áreas dos municípios de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã" - cfr. artigo 3º dos estatutos da Impugnante constantes do Anexo II ao Decreto-Lei n.º 10/2002, de 24.01, sendo a publicação em Diário da República dos referidos estatutos título bastante para a sua perfeição, validade e registo.

3º Em 13.12.2004 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o nº 160804021617503, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 162 da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, sito na Rua João Cabreira, n.º 21, destinado a comércio, pelo preço de EUR 140.000,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 9.100,00, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr declaração com certificação de pagamento de fls. 45 do processo físico.

4º Em 13.12.2004 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160104021620303, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 163 da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, sito na Rua João Cabreira, n.º 23 a 27, destinado a comércio, pelo preço de EUR 125.000,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 8.125,00, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr declaração com certificação de pagamento de fls. 46 e 47 do processo físico.

5º Em 13.12.2004 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160704021621303, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 164 da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, sito na Rua João Cabreira, n.º 29 a 33, destinado a comércio, pelo preço de EUR 350.000,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 22.750,00, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr declaração com certificação de pagamento de fls. 48 e 49 do processo físico.

6º Em 13.12.2004 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160304021622003, referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 165 da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, sito na Rua João Cabreira, n.º 35 e 37, destinado a comércio, pelo preço de EUR 20.000,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 1.300,00, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr declaração com certificação de pagamento de fls. 50 e 51 do processo físico.

7º Em 13.12.2004 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160104021623203 referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 213 da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, sito no Beco do Amorim, n.º 1, destinado a comércio, pelo preço de EUR 65.000,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 4.225,00, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr declaração com certificação de pagamento de fls. 52 e 53 do processo físico.

8º Em 13.12.2004 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160704021623603 referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 214 da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, sito no Beco do Amorim, n.º 3 a 7, destinado a comércio, pelo preço de EUR 50.000,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 3.250,00, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr declaração com certificação de pagamento de fls. 54 e 55 do processo físico.

9º Em 16.12.2004 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160204021971803 referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1954 da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, sito na Rua João Cabreira, n.º 11 e 13, destinado a comércio, pelo preço de EUR 275.00,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 17.875,00, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr declaração com certificação de pagamento de fls. 57 do processo físico.

10º Em 22.12.2004 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160904022390203 referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 161 da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, sito na Rua João Cabreira, n.º 15 e 17, destinado a comércio, pelo preço de EUR 285.827,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 18.578,76, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr declaração com certificação de pagamento de fls. 56 do processo físico.

11º Em 22.12.2004 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160504022393203 referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1176 da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, sito na Rua Direita, n.º 51 a 61, destinado a comércio, pelo preço de EUR 103.150,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 6.704,75, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr declaração com certificação de pagamento de fls. 61 do processo físico.

12º Em 07.03.2005 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160305004333303 referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 110 da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, sito na Rua Direita, n.º 63 a 67, destinado a comércio, pelo preço de EUR 148.00,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 9.620,00, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr declaração com certificação de pagamento de fls. 60 do processo físico.

13º Em 30.05.2005 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160505010268203 referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 135 da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, sito na Rua Direita, n.º 46-48, destinado a comércio, pelo preço de EUR 242.671,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 15.773,61, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr declaração com certificação de pagamento de fls. 64 e 65 do processo físico.

14º Em 21.06.2006 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160406012407703 referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 329 da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, sito na Rua Nova, n.º 9 - 11, destinado a comércio, pelo preço de EUR 365.475,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 23.755,88, tendo o respectivo pagamento sido feito no dia 22.06.2006 - cfr declaração com certificação de pagamento de fls. 68 do processo físico.

15º Em 21.06.2006 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 1600006012409303 referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 342 da matriz da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, sito na Travessa da Rua Nova, n.º 7/9 e Rua Nova n.º 7, destinado a comércio, pelo preço de EUR 516.856,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 33.595,54, tendo o respectivo pagamento sido feito no dia 22.06.2006 - cfr declaração com certificação de pagamento de fls. 69 do processo físico.

16º Em 21.06.2006 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160006012350003 referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 356 da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, sito na Rua da Sofia, n.º 13 e 17, destinado a comércio, pelo preço de EUR 618.774,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 40.220,31, tendo o respectivo pagamento sido feito no dia 22.06.2006 - cfr declaração com certificação de pagamento de fls. 70 do processo físico.

17º Em 13.03.2008 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160708005603803 referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 140 da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, sito na Rua Direita, n.º 70/72, destinado a demolição, pelo preço de EUR 100.00,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 6.500,00, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr declaração com certificação de pagamento de fls. 92 e 93 do processo físico.

18º Em 23.03.2007 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160107006210103 referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 8423 da matriz da freguesia de Ceira, concelho de Coimbra, no valor de EUR 171.547,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 8.577,35, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr declaração com certificação de pagamento de fls. 79 do processo físico.

19º Em 28.06.2007 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, cujo número de identificação é ilegível, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, do prédio urbano a destacar do artigo urbano 174 da freguesia e concelho da Lousã, no valor de EUR 40.000,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 2.600,00, tendo o respectivo pagamento sido feito no dia 29.06.2007 - cfr. declaração com certificação de pagamento de fls. 88 do processo físico.

20º Em 29.06.2007 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160007013837203 referente à aquisição do direito de propriedade do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 7011 da freguesia de Miranda do Corvo, concelho de Miranda do Corvo, sito na Rua Alto dos Barreiros, no valor de EUR 146.565,14, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 9.526,73, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr. declaração com certificação de pagamento de fls. 82 do processo físico.

21º Em 29.06.2007 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160607013789603 referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, do prédio urbano a destacar da fracção M do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 8612 da freguesia e concelho da Lousã, no valor de EUR 5.250,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 341,25, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr. declaração com certificação de pagamento de fls. 83 do processo físico.

22º Em 29.06.2007 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, cujo número de identificação é ilegível, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, do prédio urbano a destacar do artigo urbano 6324 da freguesia e concelho da Lousã, no valor de EUR 18.777,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 1.220,51, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr. declaração com certificação de pagamento de fls. 87 do processo físico.

23º Em 29.06.2007 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, cujo número de identificação é ilegível e termina com os números 3777203, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, do prédio urbano a destacar do artigo urbano 22280 da freguesia e concelho da Lousã, no valor de EUR 42.000,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 2.730,00, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr. declaração com certificação de pagamento de fls. 89 e 90 do processo físico.

24º Em 29.06.2007 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, cujo número de identificação é ilegível, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, do prédio rústico a destacar do artigo rústico 3846 da freguesia e concelho da Lousã, no valor de EUR 29.334,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 1.466,70, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr. declaração com certificação de pagamento de fls. 91 do processo físico.

25º Em 02.08.2007 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160907016671703 referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 141 da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, sito na Rua Direita, n.º 74 a 78, destinado a comércio, pelo preço de EUR 150.00,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 9.750,00, tendo o respectivo pagamento sido feito no dia 03.08.2016 - cfr declaração com certificação de pagamento de fls. 71 do processo físico.

26º Em 02.08.2007 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160207016598703 referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 8426 da freguesia de Ceira, concelho de Coimbra, no valor de EUR 15.684,14, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 784,21, tendo o respectivo pagamento sido feito no dia 03.08.2017 - cfr. declaração com certificação de pagamento de fls. 81 do processo físico.

27º Em 02.08.2007 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160007016681803 referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 2331 da freguesia e concelho da Lousã, no valor de EUR 56.051,25, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 3.643.33, tendo o respectivo pagamento sido feito no dia 03.08.2007 - cfr. declaração com certificação de pagamento de fls. 84 do processo físico.

28º Em 03.08.2007 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 1600070167009003 referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 9230 da matriz da freguesia de Ceira, concelho de Coimbra, no valor de EUR 28.381,74, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 1.419,09, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr. declaração com certificação de pagamento de fls. 80 do processo físico.

29º Em 24.09.2007 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160007020409103 referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 103 da matriz da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, sito na Rua Direita, n.º 33 a 35, destinado a comércio, pelo preço de EUR 75.00,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 4.875,00, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr declaração com certificação de pagamento de fls. 78 do processo físico.

30º Em 06.11.2007 a Impugnante apresentou a declaração de IMT, com o n.º 160407023721403 referente à aquisição do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 355 da freguesia de Coimbra (Santa Cruz), concelho de Coimbra, sito na Rua da Sofia n.º 1 a 11, destinado a habitação, comércio e serviços, pelo preço de EUR 298.895,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 19.428,18, tendo o respectivo pagamento sido feito por compensação com a liquidação n.º 2007 000257965 - cfr. declaração, ofício e comprovativo de pagamento de fls. 113 a 116 do processo físico.

31º Em 28.11.2007 a Impugnante apresentou a declaração de IMT com o n.º 160907026460003, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, do prédio rústico inscrito na matriz 10731 da freguesia e concelho de Miranda do Corvo, no valor de EUR 60.000,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 3.000,00, tendo o respectivo pagamento sido feito em 29.11.2007 - cfr. declaração e comprovativo de pagamento de fls. 101 a 104 do processo físico.

32º Em 28.11.2007 a Impugnante apresentou a declaração de IMT com o n.º 160407026457503, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, do prédio rústico inscrito na matriz 8430 da freguesia de Ceira, concelho de Coimbra, no valor de EUR 39.322,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 1.966,10, tendo o respectivo pagamento sido feito em 29.11.2007 - cfr. declaração e comprovativo de pagamento de fls. 105 a 108 do processo físico.

33º Em 28.11.2007 a Impugnante apresentou a declaração de IMT com o n.º 160007026453003, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, do prédio urbano inscrito na matriz 2170 da freguesia de Ceira, concelho de Coimbra, no valor de EUR 256.884,60, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 16.697,50, tendo o respectivo pagamento sido feito na mesma data - cfr. declaração e comprovativo de pagamento de fls. 109 a 112 do processo físico.

34º Em 03.12.2007 a Impugnante apresentou a declaração de IMT com o n.º 160607030079203, referente a indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção, do prédio urbano inscrito na matriz 3654 da freguesia e concelho de Miranda do Corvo, no valor de EUR 28.000,00, na qual foi apurado IMT no valor de EUR 1.820,00, tendo o respectivo pagamento sido feito em 04.12.2007 - cfr. declaração e comprovativo de pagamento de fls. 97 a 100 do processo físico.

35º A Autoridade Tributária emitiu em nome da Impugnante a liquidação adicional de IMT com o n.º 0000001435168, referente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 110 da freguesia de Coimbra (Santa Cruz) e concelho de Coimbra, no valor de EUR 975,65 - cfr. declaração adicional de fls. 117 do processo físico.

36º Em 16.04.2008 a Impugnante apresentou na Direcção de Finanças de Coimbra um pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMT (impugnadas nos autos) - cfr. requerimento de fls. 2 a 101 do processo administrativo.

37º Por ofício de 16.06.2008, com o n.º 1958, foi o pedido de revisão oficiosa remetido à Direcção de Serviços do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis - cfr. ofício de fls. 102 do processo administrativo.

38º Em 02.11.2009 o Técnico Responsável Luís Pires, da Direcção de Serviços do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, dos Impostos Rodoviários e das Contribuições Especiais (DSIMT), elaborou a informação n.º 2101/09, sob o assunto "IMT. Pedido de parecer apresentado pela Direcção de Finanças de Coimbra. Sujeito passivo: Metro Mondego, S.A.", cuja cópia de fls. 116 a 139 do processo administrativo aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:

«1 - Veio a sociedade comercial Metro-Mondego, S. A. apresentar, junto da Direcção de Finanças de Coimbra, um pedido de revisão oficiosa de liquidações de IMT ao abrigo do disposto no art. 78º da LGT.
2 - Tais liquidações foram efectuadas em função da ocorrência de factos aquisitivos do direito de propriedade sobre imóveis, que consistiram em compras e expropriações que recaíram sobre bens desta natureza.
3 - Na Direcção de Finanças de Coimbra foi, em 29-5-2008, elaborada uma informação que concluía no sentido do indeferimento da pretensão da Metro Mondego, S. A.
4 - Esta informação foi confirmada pelo Chefe de Divisão de Tributação e Cobrança daquela Direcção de Finanças, conforme parecer por ele elaborado em 6-6-2008.
5 - Em 13-6-2008 o Director de Finanças da Direcção de Finanças de Coimbra proferiu Despacho, no qual, "atendendo à especificidade do regime jurídico da requerente", decidiu submeter “o assunto à Direcção de Serviços do IMT”.
ANÁLISE:
Cabe, em primeiro lugar, apreciar o estatuto jurídico da Metro-Mondego S.A.
Segundo o art. 3º nº 1 do DL 10/2002, de 24/1 a Metro-Mondego, S.A. é, conforme de resto se depreende facilmente da sua designação social, uma sociedade anónima.
E é uma sociedade anónima que, segundo aquela norma, se rege pela lei comercial. Isto mesmo surge plasmado na p. i. apresentada pela requerente. E, sendo-o, não se encontra abrangida no âmbito da incidência da al. a) do art. 6º do CIMT, pois nem o facto de os seus capitais serem exclusivamente públicos altera a sua natureza societária.
Acresce que, para os efeitos desta al. a) – que a requerente não individualiza na sua petição, mas que, face aos argumentos por ela utilizados, bem como ao respectivo objecto, se infere ser aquela que possa estar em causa – qualquer serviço ou organismo do Estado que detenha carácter empresarial se encontra, por esse mesmo facto, fora do campo da isenção.
Por maioria de razão, as sociedades comerciais (incluindo aquelas em que o Estado detenha partes sociais) não estão, logo à partida, sob o campo de aplicação desta alínea inicial do art. 6º do CIMT.
Afastada a aplicação desta norma face à natureza da requerente, cabe apreciar a questão à luz do destino dos bens adquiridos por expropriação, argumento aduzido pela requerente.
Efectivamente, invoca esta que as aquisições que leva a cabo pela via expropriativa são efectuadas em nome do Estado e, por essa razão, os bens adquiridos por essa via são, nas suas próprias palavras "adquiridos, em rigor, pelo próprio Estado". Vejamos:
Como bem afirma a requerente, as sociedades de direito privado, entre as quais se inclui, não detêm potestas expropriandi. Não o detendo, tem de ser o próprio Estado a investi-las desse mesmo poder.
Essa investidura tem de ser efectuada caso a caso para cada entidade a quem o Estado concede esse poder – in casu, pela Base VII do Anexo I a que se refere o art. 1º do DL nº 10/2002, de 24/1, actualizada pelo DL nº 226/2004, de 6/12.
Tal acontece porquanto o direito de propriedade (frontalmente colocado em crise pelo acto expropriativo) é um direito constitucionalmente protegido, acolhido no texto da Lei Fundamental, concretamente no art. 62º da CRP, que, após consagrar, no seu n° 1, que "[a] todos é garantido o direito à propriedade privada", estatui, no número seguinte: "2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.".
Por "lei" deve entender-se quer o(s) diploma(s) que confere(m) poder expropriante a uma determinada identidade (no caso em análise, já atrás mencionados), quer o Código das Expropriações (C Exp).
Este, logo no seu art. 1º (epigrafado [a]dmissibilidade das expropriações") vem estatuir como segue:
"Os bens imóveis e os direitos a ele inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma indemnização nos termos do presente Código."
Constata-se, assim, que quer segundo a CRP, quer segundo o C.Exp, só por utilidade pública pode ser levada a cabo uma expropriação.
A declaração de utilidade pública (que, nos termos do C Exp, é requerida pela entidade interessada - que é, nem mais nem menos, que a entidade expropriante) e, conforme as situações, de competência ministerial, ou da Assembleia Municipal (se estiver em causa uma autarquia local de natureza municipal), podendo, no limite, ser do próprio Primeiro-ministro - cfr. art. 14º do C Exp..
Refere a lei, como sucede no texto do DL nº 10/2002, que atribui à requerente a exploração de um sistema de metro ligeiro de superfície nos municípios de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã, que a entidade expropriante actua em nome do Estado.
Mas não o faz só no diploma em que atribui capacidade expropriativa à ora requerente.
Fê-lo, também, no DL nº 394-N98, de 15/12, que aprovou as bases da concessão de um sistema de metro ligeiro na área metropolitana do Porto e, bem assim, atribuiu essa concessão à sociedade Metro do Porto, S.A., republicado pelo DL n° 192/2008, de 1/10 (base XI), tal como o fez no DL nº 167-N2002, de 22/7, em que aprova as bases da concessão de um sistema de metro ligeiro na margem Sul do Tejo, a implementar em área dos municípios de Almada e Seixal, que também atribuíu (base XVI).
O mesmo fez também no âmbito de outras concessões, não relativas a transportes sobre carris.
Fê-lo por razões meramente operativas, em nome das quais o Estado confere a determinadas entidades, atendendo à sua natureza, atribuições ou fins, capacidade expropriativa activa.
Tal sucede porquanto são essas as entidades que, actuando no terreno, e tendo em conta essas mesmas atribuições e fins, primeiro descortinam e melhor sabem, face às condições que se lhe colocam e à necessidade legal de reduzir a expropriação ao mínimo indispensável ao fim a que se destina (cfr. C Exp, art. 3°, n° 1, in limine), em que termos - e limites - deve cada expropriação em concreto configurar-se.
Ou seja: São estas entidades que sabem o que deve (e face ao limite legal acabado de mencionar, em que medida deve) ser alvo de expropriação.
O que, porém, o Estado não prescindiu, foi de controlar as razões de utilidade pública que tomam possível o recurso a uma via tão agressiva do património privado das pessoas - singulares ou colectivas - como o é a via expropriativa, ao reservar para si a competência para a declaração de utilidade pública indispensável à prossecução do procedimento expropriativo.
Mas daí não decorre, de modo imediato e directo como sustenta a recorrente na parte inicial da sua petição que os bens expropriados se insiram, de forma automática, na esfera patrimonial do Estado.
Tal pode efectivamente suceder, mas não apenas porque a expropriação é efectuada em nome do Estado. "Em nome", no caso, deve ser entendido como "no âmbito da capacidade expropriativa concedida por".
Já a esfera patrimonial (do Estado, ou privada do expropriante) em que o bem transmitido por via expropriativa se vai inserir pode variar.
E é da análise do regime jurídico específico de cada concessão que se pode concluir em que esfera patrimonial se vai inserir o bem expropriado.
Ou até (como se demonstrará) da análise conjunta de vários desses regimes.
Antes de entrar na análise do regime concernente à concessão atribuída à requerente, façamos um pouco de história:
O projecto de criação e regulação da exploração de um metropolitano ligeiro de superfície nos municípios de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã remonta a 1994, sobre ele se debruçando o DL n° 70/94, de 3/3.
Em 20 de Maio de 1996 viria a ser criada a sociedade comercial ora requerente, a quem, pelo art. 1º nº 1 do DL nº 179-A/2001, de 18/6 (que revogou parcialmente o DL nº 70/94), viria a ser atribuída a exploração do referido sistema de metro ligeiro de superfície.
Finalmente, o art. 1º nº 1 do DL 10/2002, de 24/1 (alterado parcialmente e republicado pelo DL 226/2004, de 6/12) viria a atribuir a concessão dessa exploração à sociedade ora requerente e, bem assim, conforme consta do respectivo preâmbulo, a "repensar o quadro legal existente, adaptando-o à nova realidade".
Analisemos, então, o regime jurídico da concessão que foi objecto de atribuição à ora requerente, tendo em conta o requerimento por ela apresentado:
Dispõe o nº 5 da base VI, constante do anexo I a que se refere o art. 1º do DL nº 10/2002: "5 - Durante a vigência da concessão, a concessionária é titular do direito de propriedade dos bens que lhe sejam afectos e não pertençam ao domínio público.”
Por sua vez, o nº 1 da mesma base estatui que se consideram afectos à mesma os bens que integram o seu estabelecimento, bem como os de qualquer forma ligados à implantação e exploração do sistema. Estatuindo o nº 6 que, no termo da concessão, os bens a que o número anterior se refere reverterão para o Estado.
A forma como esta base dispõe não autoriza as conclusões que a requerente retira quanto ao direito de propriedade sobre os bens que exproprie e que fez plasmar na petição inicial.
Efectivamente, face ao teor desta base, não se pode concluir que os bens expropriados entrem na titularidade do Estado para, posteriormente, através do nº 5 da base VI serem transferidos para a titularidade da requerente.
Em primeiro lugar, porquanto é esta norma quem vem conferir de pleno (e imediatamente) a propriedade dos bens à requerente. Bem ao invés, esta questão da propriedade dos mesmos, só se poderia colocar nos termos em que a Metro do Mondego, S. A. a coloca na sua p.i. se uma norma como a acima transcrita não tivesse sido criada pelo legislador.
O que, de resto, resulta da argumentação expendida (embora com fito inverso) pela recorrente no parágrafo que efectua a transição de fls. 13 para fls. 14 da sua p.i.
Em segundo lugar, porquanto existem outras normas (que não o n° 5 da base VI, invocada pela requerente na p. i como tal) relativas à transferência de bens do Estado para a recorrente, cujos termos em que estão redigidas aponta para a existência de um domínio patrimonial próprio e individual da recorrente. Referimo-nos ao art. 8º do DL nº 10/2002, particularmente ao seu n° 3.
Em terceiro lugar, porquanto a única norma que, na base VI se ocupa da transmissão da propriedade de bens é o nº 6, que estatui que os bens afectos à concessão revertem para o Estado no fim da mesma.
Desta norma não se pode, porém, concluir que a transmissão do bem expropriado para a requerente não ocorre a título definitivo, conforme esta sustenta a fls. 15 da sua p.i..
Desde logo porque, embora o nº 1 da base IV, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 226/2004, disponha que duração tem a duração de 40 anos, o certo é que a al. a) do n°4 da mesma base vem estatuir que: "4 - Quando o interesse público o justifique ou a lei o não impeça: O prazo da concessão pode ser prorrogado por períodos sucessivos até cinco anos".
Daqui se conclui que a concessão pode, por lei, durar por período muito longo ou até indefinidamente, através de sucessivas prorrogações.
De todo o modo, a transmissão da propriedade a título temporário encontra-se prevista na lei.
Efectivamente, podemos ler no nº 2 do art. 1307º do C Civil: "A propriedade temporária só é admitida nos casos especialmente previstos na lei."
Ora, no caso presente é a própria lei (entendida em sentido material, englobando na sua noção também os Decretos-Lei) quem veio criar, através do DL nº 10/2002, com as alterações constantes do DL nº 226/2004, o regime jurídico ora em análise.
Todavia, cabe acrescentar que nem sequer é o que, no caso, sucede.
Embora o art.º 1307º, nº 2, do C. Civil venha admitir a possibilidade de existência de propriedade temporária, entendemos que nem sequer é uma situação dessas que o n° 6 da base VI vem consagrar.
Esta norma limita-se dar destino aos bens quando (e se) ocorrer o fim da concessão. E nada mais.
É certo que consagra o Estado como destinatário dos mesmos. Mas não admira que tal suceda face a outras normas constantes das bases da concessão ora em apreço. Vejamos:
É o Estado quem, como principal accionista da concessionária (a ora requerente) a dotou, nos termos do nº 1 da base VIII da concessão, da maior parte dos meios necessários para a prossecução e funcionamento da sua actividade (cfr., a este propósito, várias Leis do Orçamento do Estado das quais constam dotações a atribuirá Metro do Mondego, S. A.).
É também ele quem, nos termos do n° 4 da mesma base assumirá os encargos decorrentes da disponibilidade e conservação das infra-estruturas de longa duração e dos equipamentos de material circulante.
Sobre este normativo particular, paira um outro motivo para a criação do n° 6 da base VI: É que existe uma razão de interesse público obstar a que, quando (e se) ocorra o termo da concessão, os bens afectos à mesma se viessem a dispersar. Ora, sendo o Estado a pessoa colectiva pública sob a qual impende, em primeiro grau, a defesa e a prossecução do interesse público, fácil se torna entender o porquê de, no fim da concessão, os bens afectos à mesma para ele transitarem.
De resto, deste nº 6 da base VI retira-se um argumento importante que contraria a posição assumida pela requerente na sua p.i.
Trata-se da possibilidade de aquela vir a ser indemnizada em função da reversão para o Estado (em caso de termo da concessão) "quanto a bens cuja vida económica ao tempo da reversão ou respectiva data de investimento justifique o justo ressarcimento da concessionária".
Efectivamente, se, como pretende a requerente, esta não chegasse a deter, por forma directa, o direito de propriedade sobre os bens, e o Estado se limitasse a transmitir-lhos em segundo grau, como justificar que aquele a tivesse de indemnizar?
E a lei não distingue entre bens adquiridos por expropriação ou de outra forma.
Esta limita-se a (nos termos já analisados supra) conferir capacidade expropriativa activa à requerente, sob a supervisão do detentor da potestas expropriativa (o Estado), supervisão essa que se exerce no momento da prática do acto que individualiza os bens a expropriar, bem como no da apreciação (e posterior declaração) de utilidade pública - cfr. base VII, nº 3.
A requerente alega que sem o art. 5º (pensamos que quis afirmar nº 5) da Base VI, "jamais podia ingressar, como concessionária, na titularidade desses bens, porquanto qualquer aquisição havia de ser imputada directamente à concessão e ao sujeito que transfere o serviço público para a esfera jurídica de outrem".
Então, se assim é, as aquisições que efectua, nos termos gerais, maxime através de contrato de compra e venda, teriam de ser também imputadas à concessão.
É que, se só por força de lei ela poderia ingressar na titularidade do direito de propriedade dos bens afectos à concessão, óbvio seria que tal conclusão teria de abarcar todos os bens por ela adquiridos àquela concessão respeitantes - fosse por via expropriativa, fosse por contrato de compra e venda (as tais aquisições de "direito privado") - uma vez que a norma invocada não distingue entre "tipos de aquisições".
Todavia, este cenário não é admitido pela requerente.
Efectivamente, quando (infra) esta vem reportar-se à revisão oficiosa de IMT pago relativamente às aquisições que efectuou e, conforme afirma, se encontravam "submetidas ao direito privado", a recorrente já não avança com este argumento.
Limita-se a solicitar a revisão daquelas liquidações ao abrigo do disposto no art. 13º da CRP.
Ora, se a requerente só pudesse ser titular do direito de propriedade dos bens expropriados em função da concessão por efeito da lei, claro é que teria de ser o mesmo título a atribuir-lhe essa mesma posição quando a aquisição fosse efectuada com recurso às regras comuns da compra e venda.
Doutra forma, e nas suas próprias palavras, a propriedade de imóvel adquirido por contrato de compra e venda "havia de ser imputada directamente à concessão e ao sujeito que transfere o serviço público para a esfera jurídica de outrem".
Porém, a requerente bem sabe que assim não é, nem invoca tal argumento quando pede a revisão oficiosa do IMT pago em função da aquisição de bens por contrato de compra e venda.
Posto ela própria ter conhecimento que adquire directamente o direito de propriedade dos imóveis que entram na sua esfera jurídica por contrato de compra e venda.
Não existe, aqui, qualquer "segunda transmissão".
A requerente tem capacidade aquisitiva própria e directa.
O mesmo raciocínio terá, necessariamente, de ser efectuado relativamente às aquisições efectuadas por expropriação.
Efectivamente, no nº 5 da base VII consagra-se a titularidade, pela requerente, do direito de propriedade dos bens afectos à concessão (desde que não pertençam ao domínio público) sem reservas, distinções ou outras restrições.
Por isso, adquiridos que sejam os bens a afectar à concessão, inserem-se, desde logo, na esfera patrimonial da requerente, independentemente do modo da sua aquisição.
Por outro lado, também o nº 3 do art. 8º do DL 10/2002, com as alterações efectuadas pelo DL 226/2004 é claro ao reportar-se à existência de um domínio privativo da requerente, para quem se hão-de transferir os bens do domínio público ferroviário incluídos no actual ramal da Lousã.
Este ramal foi desclassificado da rede ferroviária nacional pelo nº 2 do art. 8º do DL 10/2002.
Todavia, nos termos do art. 1º nº 2, al. b), do DL 276/2003, de 4/11, o troço ferroviário em questão continuará integrado no domínio público do Estado até que, por despacho ministerial, os bens nele incluídos transitem para o domínio privativo da ora requerente, o que, nos termos da norma indicada, bem como do nº 4 do art. 6º do mesmo Decreto-Lei, implicará a saída do ramal da Lousã do âmbito do domínio público estadual.
O art. 8º nº 3 do DL n° 10/2002 consagra assim, de forma expressa, a existência de um domínio privativo da requerente que, obviamente, a toma susceptível de constituir sujeito activo e autónomo de aquisição do direito de propriedade de bens imóveis.
E demonstra sobretudo que o legislador quando entendeu que devia existir uma transferência de bens do âmbito do Estado para a esfera jurídica da requerente não hesitou em deixá-lo expressamente consagrado em forma de lei.
Quando os bens fossem adquiridos pela requerente (independentemente do modo aquisitivo) a fim de serem afectos à concessão, o legislador limitou-se pura e simplesmente a consagrar que aquela seria, pura e simplesmente, a titular do seu direito de propriedade.
Conclui-se, assim, que quando entendeu que devia existir uma transferência de bens do Estado para a Metro-Mondego, S. A. a lei foi clara, consagrando-o.
Nada dispondo em matéria de outras aquisições, tem de concluir-se que estas se irão inserir no domínio patrimonial da requerente ao abrigo do disposto no nº 5 da base VI da concessão, ou seja, enquanto aquisições de bens resultantes da transmissão do direito de propriedade sobre os mesmos, integrando-se na esfera jurídica daquela nos termos gerais decorrentes da transmissão do direito em causa.
Isto é: De modo directo e imediato, por força do acto (via expropriativa) ou contrato (via compra e venda).
Argumento de grande relevância é, também, aquele que pode retirar-se do nº 5 da base VII (a qual - cfr. epígrafe - dispõe, precisamente, sobre expropriações).
Dispõe esta regra (na redacção que lhe foi conferida pelo DL nº 226/04, que segue muito de perto a que - originalmente - lhe foi conferida pelo DL nº 10/2002) como segue: "5 - O ministro que detenha a tutela sectorial pode designar uma entidade que coordene e fiscalize a condução dos processos expropriativos ou relativos à aquisição de bens pela via do direito privado".
Afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que esta norma é de grande importância no tocante à matéria que agora nos ocupa. Atentemos:
Se, como pretende a requerente, é o Estado quem adquire, por si e para si (só para ela os transferindo posteriormente) os bens adquiridos, em função da concessão, por via expropriativa, para que iria ele coordenar e fiscalizar, através de um dos seus órgãos (um ministério) os processos expropriativos?
O Estado (nem nenhum órgão de natureza pública) detém poder de fiscalização sobre si mesmo.
Não só, em termos do mais elementar bom senso tal não faria sentido, como o Direito não faculta tal possibilidade de auto-fiscalização.
Da análise do regime jurídico estabelecido no DL nº 10/2002, que atribuiu à ora requerente a concessão da exploração de um sistema de metro ligeiro de superfície nos municípios de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã, bem como do DL nº 226/2004, que o reviu, não pode deixar de se concluir que a transferência da propriedade dos bens expropriados pela requerente, ao abrigo do disposto na base VII da concessão, ocorre para a esfera jurídica da sociedade Metro-Mondego, S.A.
Vejamos, porém, outros elementos normativos que nos permitam esclarecer melhor a questão em estudo (para que entidade se transfere a propriedade dos bens expropriados pela requerente).
Por uma questão de objecto, foram analisados os diplomas relativos às concessões de outros dois sistemas de metropolitanos ligeiros de superfície: O da área metropolitana do Porto e o que está instalado em áreas dos concelhos de Almada e Seixal, que, mais resumidamente, se designarão, doravante, por "Metro do Porto" e "Metro do Sul do Tejo".
Dentro destes, analisaram-se as normas relativas a expropriações, perscrutando-se, em seguida, se daqueles diplomas constavam indicações sobre em que esfera patrimonial iriam ingressar os imóveis expropriados e, por fim, apreciaram-se as regras, daqueles constantes, que estatuíssem directamente sobre o tributo ao qual respeitam as liquidações que a requerente pretende ver revistas.
Em qualquer dos três regimes, podemos observar que é atribuída à respectiva concessionária a competência para, em nome do Estado, proceder a expropriações.
Podemos confirmar o que se acaba de referir no nº 1 da base XVI publicada em anexo ao DL nº 167-A/2002, que aprova as bases da concessão do "Metro do Sul do Tejo", bem como no nº 1 da base XI publicada em anexo ao DL nº 398-A/98, de 15/12, que aprovou as bases da concessão do "Metro do Porto", as quais foram objecto de republicação em anexo ao DL 192/2008, de 1/10.
Temos, assim, que a atribuição de capacidade expropriativa activa às sociedades concessionárias da exploração dos sistemas de metropolitano ligeiro em questão foi efectuada nos mesmos moldes (em nome do Estado, argumento muito vincado pela ora requerente na sua petição).
Cabe, agora, perscrutar se, dos diplomas supramencionados, constam normas que estatuam sobre a esfera patrimonial em que vão ingressar os bens imóveis objecto de expropriação.
Só o nº 8 da base XVI, anexa ao DL nº 167-A/2002, relativo ao "Metro do Sul do Tejo", nos informa em que domínio se vão integrar tais bens. Estatui esta norma: "8 - Os imóveis adquiridos pela Concessionária ou disponibilizados a esta, nos termos dos números precedentes, integram-se no património do Estado, ficando a pertencer ao seu domínio público."
Nenhuma regra de cariz semelhante se lobriga quer no conjunto de bases relativas à concessão do "Metro do Porto", quer no conjunto de bases respeitantes à concessão do sistema de metro ligeiro de superfície nos municípios de Coimbra, M. Corvo e Lousã (doravante designado "Metro de Coimbra").
Conclui-se, assim, pelo teor da regra supratranscrita, que da aquisição por expropriação, não resulta, de modo directo e incontornável, a aquisição de bens para o Estado.
Torna-se necessário que o legislador o consagre expressamente, como sucedeu neste caso do "Metro do Sul do Tejo".
Efectivamente, se tal aquisição fosse automática, natural e óbvio se configura que tal consagração legal seria total e absolutamente desnecessária, porquanto escusada.
Deste modo, cabe extrair as necessárias consequências do silêncio da lei quanto ao destino dos bens expropriados pelas concessionárias dos sistemas de metro ligeiro do Porto e de Coimbra.
Esse silêncio só pode significar que, nestes casos, os bens expropriados se irão integrar na esfera jurídica dos expropriantes.
E melhor reforço argumentativo para aquilo que se acaba de sustentar pode retirar-se do texto do nº 1 da base XII, relativa à concessão do "Metro do Porto".
Esta regra é mencionada pela requerente na sua p.i., não a propósito dos bens adquiridos por expropriação, mas sim a propósito dos imóveis adquiridos através de contratos de compra e venda (que ela chama de aquisições submetidas ao "regime do direito privado").
Adiante se analisará esta questão
Estatui o nº 1 da referida base XII, concernente à concessão do "Metro do Porto", na republicação efectuada pelo DL nº 192/2008: "1 - A concessionária está isenta de imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis (IMT) nas aquisições, a qualquer título, dos imóveis necessários para a prossecução do seu objecto social principal, ao abrigo da alínea c) do artigo 6º do Código do IMT, salvo manifestação em contrário das autarquias."
Dispõe, por sua vez, a mencionada al. c) do art. 6º do CIMT: Ficam isentos de IMT: «As constantes de acordo entre o Estado e quaisquer pessoas, de direito público ou privado, que são mantidas nos termos da respectiva lei».

Duas conclusões se podem, pois, retirar da redacção (e da própria existência) do nº 1 da base XII da concessão do "Metro do Porto", relativamente às expropriações efectuadas pela respectiva sociedade concessionária.
Mais: Face à já mencionada identidade literal entre o nº 1 da base XI desta concessão e o nº 1 da base VII da concessão do "Metro de Coimbra", do qual é concessionária a ora requerente, as referidas conclusões são extensivas ao destino dos bens expropriados (em nome do Estado) pela Metro-Mondego, S. A.
E que conclusões são essas?
Em primeiro lugar, que as aquisições efectuadas pelas concessionárias dos sistemas de metro ligeiro pela via expropriativa estão sujeitas a imposto.
Efectivamente, só as realidades que estão sujeitas a tributação podem estar dela isentas.
Se determinada realidade está fora do âmbito de aplicação da norma de incidência tributária, não chega sequer a colocar-se a questão da respectiva isenção.
E a lei é clara: Isenta as aquisições efectuadas pela concessionária a qualquer título incluindo, logicamente, as efectuadas pela via expropriativa.
- Em segundo lugar, a letra da al. c) do art. 6º do CIMT.
Esta norma reporta-se a isenções constantes de acordo entre o Estado e outras pessoas (maxime, colectivas).
Isto contraria frontalmente a posição expressa na p.i. quanto à esfera jurídica na qual se vão inserir as aquisições por si efectuadas por via expropriativa. Senão, vejamos:
Se tais aquisições se inserissem na esfera patrimonial do Estado, para quê isentá-las por acordo efectuado, precisamente, entre esse mesmo Estado e a concessionária adquirente?
Óbvio é concluir que tal acordo incorreria em confusão!
Pois para que se iria o Estado isentar, se (caso prevalecesse a tese defendida pela requerente) era ele próprio o adquirente dos bens adquiridos - e frise-se, adquiridos a qualquer título?
Se o fosse realmente, estaria já isento - não ao abrigo da al. c) do art. 6º do CIMT, mas da al. a) da mesma regra.
Não sendo, pois, necessário, se assim fosse, criar a regra constante do nº 1 da base XI da concessão do "Metro do Porto".
Pelo que, do teor do nº 1 da referida base XI, se conclui que as aquisições de bens, efectuadas a qualquer título pelas concessionárias de sistemas de metro ligeiro de superfície, tendo em vista a prossecução do respectivo objecto, estão sujeitas a IMT.
Estando sujeitas, poderão estar isentas se houver norma que, expressamente, o estabeleça, conforme melhor se defende infra, na apreciação da argumentação expendida pela requerente quando peticiona a revisão oficiosa das liquidações de IMT que pagou pela aquisição, através do contrato de compra e venda (define-as como "submetidas ao regime do direito privado") do direito de propriedade sobre alguns bens imóveis.
Cabe ainda analisar dois breves diplomas, concernentes a expropriações, que nos auxiliam na análise do problema que ora nos ocupa. São eles:
- O Despacho (proferido pela Secretária de Estado dos Transportes) n° 14001/2008, publicado no DR, II Série, nº 97, de 20-5-2008.
- O Despacho (proferido pela mesma entidade) nº 17449/2009, publicado no DR, II Série, nº 145, de 29-7-2009.
Pelo primeiro daqueles Despachos é declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação de quatro parcelas, que se identificam.
Uma destas parcelas situa-se no concelho de Coimbra e três no de Miranda do Corvo.
Considera-se que a execução de determinadas obras e a viabilização do seu início pressupõe a posse dos bens a expropriar, competindo à ora recorrente efectuar as expropriações necessárias à construção do sistema de metro ligeiro de superfície de que é concessionária.
Tais obras visam a construção de interfaces e a inserção do metro na malha urbana da cidade de Coimbra.
O segundo Despacho mencionado reporta-se à expropriação de onze bens imóveis para materialização da obra de "Instalação do Sistema de Mobilidade do Mondego - Troço Alto de São João/Miranda do Corvo, do Ramal da Lousã".
Tem-se em vista o início imediato de obras.
Declara-se a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação, a realizar pela Refer, E. P. E., de onze imóveis, que identifica, acrescentando que os ditos imóveis "se destinam a integrar o domínio público ferroviário do Estado."
Antes de analisar o teor destes dois Despachos à luz da matéria que ora nos ocupa, cabe perguntar: Se é a Metro-Mondego, S.A. a concessionária do sistema de metro ligeiro de Coimbra, M. Corvo e Lousã, porque surge a Refer, E.P.E. a efectuar expropriações no ramal da Lousã?
Isso acontece porquanto, nos termos do art. 6º do DL nº 10/2002, um regime transitório de exploração (exploração que constitui, precisamente, a epígrafe da norma acabada de mencionar).
Efectivamente, dispõe o nº 1 do art. 6º do DL nº 10/2002, na redacção que lhe foi conferida pelo DL nº 226/2004: "1 - A CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E.P., e a Rede Ferroviária Nacional - REFER, E. P., mantêm, nos termos definidos nos números seguintes, o regime de serviço público de exploração e gestão do ramal da Lousã até que as obras de construção do sistema objecto da concessão inviabilizem a exploração ferroviária."
Este regime de exploração e gestão da infra-estrutura ferroviária durará até que, por despacho ministerial conjunto, nos termos do nº 3 do art. 8º do DL n° 10/2002, alterado pelo DL nº 226/2004, os bens que ainda se encontram no domínio público ferroviário sob gestão da Refer, E.P.E. e que sejam incluídos no ramal da Lousã (entretanto desclassificado da rede ferroviária nacional), transitem para o domínio privativo da requerente, saindo assim do domínio público ferroviário, onde, por ora, está inserido, conforme supra se demonstrou por força do disposto nos artigos 1º nº 2, al. b) e 6º, nº 4 do DL nº 276/2003, de 4/11.
Essa transição não terá ainda ocorrido.
Efectivamente, não só a requerente nada alega, na sua p.i, a respeito dessa matéria, como, nas várias pesquisas efectuadas na preparação do presente estudo, se não lobrigou qualquer referência a tal transição.
Pelo contrário: Do teor da al. c) do Despacho nº 9373/2009, proferido conjuntamente pelos Secretários de Estado dos Transportes e do Tesouro e Finanças e publicado no DR, II Série, nº 66, de 3-4-2009, se pode concluir o contrário.
Dispõe como segue essa alínea: "Considerando que:
a)(...)
b)(...)
c) Nos termos do artigo 6º do Decreto-Lei nº 10/2002, de 24 de Janeiro, com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 226/2004, de 6 de Dezembro, está previsto um regime transitório de exploração do ramal da Lousã com vista a uma evolução o mais eficiente possível da prestação de serviço neste ramal aquando da sua integração no sistema de metro ligeiro de superfície."
Constata-se, assim, que o ramal ainda não foi integrado no sistema de metro ligeiro de superfície, do qual a requerente é concessionária.
E não foi só a gestão da infra-estrutura ferroviária e respectivos bens que ainda não foram objecto de transmissão para a ora requerente.
Também o serviço público de exploração do mesmo continua a ser garantido pela CP, E. P., conforme se pode ver pelo horário referente às circulações que percorrem aquele ramal, o qual está acessível, através da Internet, no site www.cp.pt, relativo àquela empresa transportadora, bem como pelos horários, relativos ao ramal da Lousã, afixados nas paredes de algumas estações.
Observado o referido horário e observações e informações adicionais ao mesmo anexas, constata-se que o mesmo entrou em vigor "a partir de 14 de Junho de 2009".
Conclui-se, assim, não ter ainda ocorrido a transição quer da exploração, quer dos bens que compõem a infra-estrutura (e gestão desta) do ramal da Lousã para a ora requerente.
Esclarecida esta questão, que se nos afigurou prévia à comparação e análise das diferenças de teor entre o ponto 1 dos Despachos números 14001/2008 e 17449/2009, ambos referentes à declaração de utilidade pública de bens imóveis a expropriar e cujo conteúdo se sumarizou supra, passamos a efectuar as referidas comparação e análise.
A principal diferença que se retira da comparação efectuada é que, enquanto na parte final do ponto 1 do Despacho nº 17449/2009, que declara a utilidade pública de bens imóveis a expropriar pela Refer, E.P.E., após se haver identificado os bens em questão, consta expressamente a menção de que aqueles "se destinam a integrar o domínio público ferroviário do Estado", já no ponto 1 do Despacho n° 14001/2008, que declara a utilidade pública de bens a expropriar pela requerente são identificadas as parcelas a expropriar sem que nenhuma alusão se faça quanto ao destino a dar aos bens objecto de expropriação.
Se assim é, mister se torna concluir que os mesmos se vão incluir no património da expropriante, argumento que mais reforçado sai face ao teor do já analisado nº 5 da base VI da concessão do "Metro de Coimbra", que atribui à requerente, durante a vigência da concessão, a titularidade "do direito de propriedade dos bens que lhe sejam afectos e não pertençam ao domínio público".
Nada constando do teor do Despacho nº 14001/2008 que refira que os bens nele mencionados pertençam a esse domínio.
Já no ponto 1 do Despacho nº 17449/2009 a Secretária de Estado dos Transportes quis deixar bem claro que os bens nele mencionados, cuja utilidade pública da expropriação era declarada naquele diploma, se destinam a integrar o domínio público ferroviário do Estado.
O que bem se entende, face às previsões conjuntas dos artigos 1º, nº 2, al. b) e 6º, nº 4 do DL nº 276/2003, de 4/11 e 8º, nºs 2 e 3 do DL nº 10/2002 (este último, a contrario sensu), na redacção que o DL nº 226/2004 lhe atribuiu.
Constata-se, destarte, que, quando os bens a expropriar se destinam a integrar o domínio público do Estado, o órgão competente para declarar a utilidade pública da expropriação faz constar tal facto do Despacho em que vem tomar pública essa mesma declaração.
Ora, no Despacho nº 14001/2008, concernente à declaração de utilidade pública de expropriação a efectuar pela requerente, nada se refere quanto ao destino dos bens a adquirir por via expropriativa.
Se, conforme a requerente sustenta na sua petição, esses mesmos bens se destinassem a integrar o património do Estado (a requerente refere "a aquisição pelo Estado do imóvel expropriado" - cfr. fls. 14 da p.i.), e se o órgão com competência para a declaração da utilidade pública é o mesmo - a Secretaria de Estado dos Transportes - não se compreende que esse mesmo órgão não adoptasse um comportamento semelhante, consagrando expressamente, no correspondente Despacho, que os bens expropriados iriam integrar o património do Estado, tal qual fez no caso do já escalpelizado ponto 1 do Despacho nº 17449/2009.
A conclusão a retirar desta diferença de procedimento é só uma: Os bens expropriados pela Metro-Mondego, S.A. não são adquiridos pelo Estado. Mas por si própria.
Relativamente às aquisições efectuadas pela requerente submetidas (nos seus próprios termos) ao regime do direito privado, entende aquela que, estabelecendo a Base XII, anexa ao DL nº 3944./98, de 15/12, relativo à concessão de exploração do sistema de metro ligeiro da área metropolitana do Porto, a isenção da concessionária do pagamento do imposto de sisa nas aquisições do imóveis necessários para a prossecução do seu objecto social principal, constitui, face a si própria, uma diferenciação quanto ao regime fiscal relativamente a sujeitos de idêntica natureza jurídica, com idêntico objecto social, poderes e deveres análogos", a qual "não tem qualquer sustentáculo racional que materialmente a autorize à luz daquele princípio".
Esse princípio é o da igualdade (art. 13º da CRP).
Mais alega a requerente que "tal discriminação relativamente a sujeitos de direito privado que têm a mesma natureza e prosseguem idêntico objecto social, traduzir-se-á numa aplicação do artigo 2º do CIMT, contrária à Lei Fundamental".
Apreciemos, então, esta pretensão da requerente e argumentação na qual se estriba.
Efectivamente, o nº 1 da base XII do anexo I a que se refere o art. 1º do DL nº 394/98, estabelecia a isenção de sisa pela concessionária (Metro do Porto, S.A.) do sistema de metro ligeiro da área metropolitana do Porto nas aquisições dos imóveis necessários para a prossecução do seu objecto social.
Estas bases foram objecto de republicação em anexo ao DL nº 192/2008, de 1/10, tendo o n° 1 da referida base XII mantido o seu teor, mas reportando-se agora ao IMT, que, nos termos do art. 28º nº 2 do DL n°287/2003, de 12/11, veio suceder ao imposto municipal de sisa enquanto tributo incidente sobre a aquisição onerosa do direito de propriedade (ou figuras parcelares deste) sobre bens imóveis.
Como o seu próprio texto consagra, o nº 1 da base XII anexa ao DL nº 394/98 vem estabelecer uma isenção, a qual é, nos termos do nº 2 do art. 2º do respectivo estatuto (EBF), um benefício fiscal.
E, sendo-o, cabe atentar quer no preâmbulo do DL nº 215/89, que aprovou o EBF, quer no próprio articulado deste diploma (nº 1 do art. 2º), os quais consagram expressamente a excepcionalidade dos benefícios fiscais.
Deste modo, se os benefícios são excepcionais, ou estão consagrados expressamente pelo legislador, ou não existem; cabe, então, aplicar o regime-regra - que é o da tributação.
Efectivamente, o art. 2º nº 1 do EBF, a que atrás se aludiu, dispõe:
"1 - Consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extra fiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem."
Assim sendo, é o Estado, enquanto detentor da potestas tributária, quem, em cada caso, pondera entre o interesse público que subjaz à tributação e outros interesses públicos que, em cada situação concreta e individualizada, se lhe possam deparar, e, face às conclusões que dessa ponderação resultem, decide ou não pela criação de um benefício fiscal que a tal situação se aplique e que tipo de benefício há-de ser criado, pois não são as isenções o único género de benefício fiscal que a lei permite criar.
O princípio da igualdade, que a requerente vem referir, estabelece que todos os cidadãos são iguais perante a lei - cfr. art. 13º, nº 1, in fine da CRP.
Cidadãos são pessoas singulares e não colectivas, como são quer a Metro-Mondego, S. A., quer a entidade a que esta se reporta (a Metro do Porto, S.A.).
Pelo que é às pessoas singulares (ou seja, as pessoas físicas, os indivíduos) que a norma constitucional mencionada se aplica.
E se alguma dúvida a este respeito subsistisse, o nº 2 do mesmo artigo da CRP vinha, liminar e imediatamente, esclarecê-las
Efectivamente, quando esta norma vem estatuir que ninguém pode ser beneficiado, prejudicado ou privilegiado em razão da ascendência, raça, sexo, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução ou orientação sexual, está-se a reportar a circunstâncias que apenas são susceptíveis de se verificar em seres humanos.
Logo, como parece depreender-se da argumentação da requerente, a aplicação directa desta norma constitucional a pessoas colectivas (que são ficções de pessoas, mas não têm existência física) não pode deixar de ser encarada com as maiores reservas.
Acresce que o princípio da igualdade (tout court) manda tratar como igual o que é igual e como diferente o que é diferente, na precisa medida da diferença.
Ora, foi esta interpretação daquele princípio que o nº 1 do art. 2º do EBF veio acolher.
Segundo esta norma, em princípio, todos os sujeitos passivos são igualmente destinatários das normas de tributação.
Porém, quando determinados interesses públicos se configurem como revestidos de especial relevância, não pode o Estado, enquanto sujeito activo da tributação, deixar de ter em conta essa mesma relevância, até porque sobre si recai, através dos seus diferentes órgãos, a prossecução do interesse público.
Destarte, quando o interesse em tributar (com o fim de obter receitas que permitam fazer face às despesas da comunidade) se confrontar com outros interesses públicos, cujos fins sejam susceptíveis de os configurar como superiores àquele (tributação), pode o legislador consagrar determinados benefícios fiscais.
Que, no caso da concessão do metropolitano ligeiro da área metropolitana do Porto, passaram pela consagração legal da isenção de IMT.
No caso do metro ligeiro do qual a requerente é concessionária, o legislador não consagrou esse tipo de isenção.
Há, assim, que concluir que o Estado (enquanto legislador e, ao mesmo tempo, cobrador de impostos) não concluiu, nesta situação concreta, pela presença de "interesses públicos extrafiscais relevantes superiores aos da própria tributação", para utilizar a expressão contida no nº 1 do art. 2º do EBF, suficientes para fazer afastar aquela - pelo menos, em sede de IMT, que é o tributo ora em questão.
Assim, a requerente não está isenta de IMT nas aquisições onerosas de imóveis que efectua.
Tal como, de resto, a esmagadora maioria das empresas e cidadãos que operam no comércio jurídico português.
Com as quais está, assim, em pé de igualdade, princípio que, em sede fiscal, o legislador consagrou (agora, também com aplicação às pessoas colectivas, como é o caso da requerente) no art. 5º, nº 2 da LGT, como um dos fins - mas não o único - da tributação.
No penúltimo parágrafo da informação que elaborou, reporta-se a Direcção de Finanças de Coimbra a razões procedimentais (prazo) que nenhum reparo nos merecem.
Não obstante, observando a documentação junta pela requerente, constata-se que é pedida a revisão oficiosa de uma liquidação de IMT, com o nº 0001435168, no montante de € 975,65, cujo prazo-limite de pagamento era o dia 31-1-2008.
Na sua base, porém, está uma avaliação efectuada a um imóvel que, conforme se pode observar no "print" extraído do sistema informático que equipa esta Direcção-Geral, foi adquirido pela ora requerente através de um contrato de compra e venda.
Pelo que valem, quanto a esta liquidação, as razões já aduzidas quanto às aquisições que a requerente declarou ter efectuado "submetidas ao regime do direito privado".
Propondo-se, em conformidade, a manutenção do referido acto de liquidação no ordenamento jurídico.
Existe ainda uma liquidação de IMT, datada de 13-3-2008, e referente ao documento identificado pelo nº 160708005603803, no valor de € 6.500.

Esta reporta-se à aquisição, por via de contrato de compra e venda do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santa Cruz, concelho de Coimbra, sob o nº 140, situado na Rua Direita, números 70-72, daquela cidade.

Valem, novamente, os fundamentos já expostos a propósito das aquisições que a sociedade comercial Metro-Mondego, S.A mencionou haver efectuado "submetidas ao regime do direito privado".

Pelo que deve, também, manter-se, na sua plenitude, este acto de liquidação de IMT.” (cfr. informação de fls. 116 a 139 do processo administrativo).


39º Em 09.12.2009 o Substituto Legal do Director-Geral exarou o seguinte despacho "Indefiro nos termos propostos", sobre a informação identificada no ponto anterior do probatório, o parecer concordante do director de Serviços, elaborado em 30.11.2009, e o parecer do Subdirector Geral, elaborado em 04.12.2009 que aqui se transcreve:

"Concordo com os fundamentos e conclusões da bem elaborada informação.
1) Efectivamente, como se demonstra, a aquisição dos bens imóveis (por acto expropriativo) não são objecto de aquisição pelo Estado, mas sim pelo Metro Mondego, SA, e encontram-se na sua esfera jurídica, por força da aquisição do direito de propriedade.
2) Em consequência, as referidas aquisições de imóveis, ainda que objecto de expropriação estão sujeitas a IMT e dele não isentas.
3) Assim, afigura-se não ser de acolher a pretensão da recorrente, relativa à revisão oficiosa das liquidações de IMT identificadas nesta informação, ao abrigo do art. 78º da LGT, uma vez que sendo essas liquidações de IMT legalmente devidas, não se verificam os requisitos relativos à revisão dos actos tributários contestados.
4) Em conclusão, proponho o indeferimento do pedido da recorrente." – (cfr. pareceres e despacho exarados na primeira folha (frente e verso) da informação de fls. 116 a 139 do processo administrativo).

40º Em 11.01.2010 foi assinado o aviso de recepção do ofício n.º 367, elaborado em 07.01.2010, sob o assunto "Pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMT", destinado a notificar a Impugnante do indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações - cfr. ofício, registo postal e aviso de recepção de fls. 140 a 142 do processo administrativo.

41º Em 27.01.2010 deu entrada no Tribunal a petição inicial dos presentes autos - cfr. comprovativo de registo de entrada de fls. 1 do processo físico.

42º Em 29.01.2010 a Impugnante apresentou na Direcção de Finanças de Coimbra recurso hierárquico da decisão de indeferimento, o qual foi arquivado - cfr. requerimento de fls. 146 a 159 do processo administrativo e despacho de arquivamento de fls. 172 e 173 do processo físico.



3. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial que a sociedade Metro Mondego, S.A., instaurou com vista à anulação da decisão de indeferimento de pedido de revisão de trinta e três actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), que incidiram sobre actos jurídicos de “aquisição do direito de propriedade plena sobre prédios” e sobre operações de “indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção”, ocorridos ao longo dos anos de 2004 a 2007.

A Impugnante invocara a ilegalidade de todas essas liquidações, imputando-lhes os seguintes vícios: (i) violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, por inexistência de facto tributário produtor de efeitos relativamente a si; (ii) violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, por ofensa da alínea a) do art.º 6º do Código do IMT; (iii) violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, por ofensa do art.º 13º da Constituição e dos artºs 2º e 6º al. c) do Código do IMT, quando interpretados no sentido de que os actos e operações em que interveio se encontram sujeitas ao pagamento de IMT e dele não isentas.

Na sentença recorrida, depois de uma cuidada e autonomizada análise de cada um desses vícios, conclui-se que nenhum deles se verificava e que todas as liquidações haviam sido legalmente efectuadas.

Não se conformando com o assim decidido, a Impugnante, ora Recorrente, insiste na verificação de todos esses vícios. Na sua óptica, a sentença padece de diversos erros de julgamento que decorrem, essencialmente, de uma errada compreensão da sua natureza jurídica, da natureza e efeitos jurídicos do contrato de concessão, do instituto jurídico da expropriação por utilidade pública, do direito de reversão para o Estado da propriedade dos bens afectos à concessão, e de uma errada interpretação de várias disposições legais, em particular de normas contidas no seu regime jurídico vertido no DL nº 10/2002, de 24.01, com as alterações introduzidas pelo D.L nº 226/2004, de 6.12, e respectivos Anexos (Bases da Concessão e Estatutos da Concessionária).

Termos em que cumpre analisar cada um desses vícios.

3.1. Do vício de violação de lei por inexistência de facto tributário.

Sob invocação deste imputado vício, a Impugnante alegara, em síntese, não ser ela o sujeito passivo do imposto liquidado e inexistir facto tributário produtor de efeitos relativamente a si, dado que por força da sua natureza jurídica (sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, sujeita às normas contidas no acto de concessão e no seus estatutos), não fora ela, mas o Estado, o sujeito adquirente dos imóveis comprados e expropriados na vigência da concessão, bens que, por determinação legal, foram depois afectos à concessão.

Antes de entrar na apreciação da questão, há que enfatizar que o tributo em causa é o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), que incide sobre actos de transmissão onerosa de direito de propriedade sobre imóveis e cujo sujeito passivo é aquele que detenha a qualidade jurídica de adquirente no acto de transmissão, e não o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), cujo sujeito passivo é o proprietário, o usufrutuário ou superficiário do imóvel.

O que obriga a colocar a tónica nos actos jurídicos e nas operações que suportam e fundamentam os actos de liquidação impugnados – materializados em contratos de compra e venda outorgados pela concessionária e em operações de pagamento de indemnizações por expropriação por utilidade pública que ela processou – sendo pouco relevante o destino dado aos bens ou a que esfera patrimonial se destinaram, e inócua, por si só, a circunstância de se encontrar legalmente estipulado que a concessionária é, durante a concessão, a proprietária dos bens a ela afectos (Base VI da Concessão).

A Impugnante invocara, como se viu, ser uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, que se rege, em primeira linha, pelas normas contida no acto de concessão e nos seus estatutos, e das quais decorreria não ser ela, mas o Estado, o adquirente de todos os bens afectos à concessão, em cuja esfera jurídica eles se inseririam de forma imediata e directa, deslocando-os depois para a esfera patrimonial da concessionária em virtude de estar obrigado, por determinação legal, a conceder-lhe a propriedade temporária desses bens. Quanto aos bens expropriados, advoga que os actos que levou a cabo no procedimento expropriativo foram efectuados em nome do Estado, inexistindo facto tributário produtor de efeitos relativamente a si.

Em contrapartida, a Fazenda Pública defendera, em síntese, que a transferência do direito de propriedade ocorrera, de forma directa e imediata, para a esfera patrimonial da concessionária, sendo esta a única adquirente dos bens nos actos e operações em questão.

A sentença julgou improcedente o vício com uma argumentação jurídica que assenta, essencialmente, nos seguintes pilares:

- a Impugnante é uma sociedade comercial com natureza de direito privado, ainda que constitua uma empresa pública nos termos do art.º 3º do DL 558/99, de 17.12, em vigor à data da sua constituição; e as empresas públicas, como a Impugnante, desenvolvem a actividade que lhes couber em sujeição às regras gerais da concorrência, estando no mercado exactamente nas mesmas condições em que uma empresa privada está, mas por atribuição legal ou do contrato de concessão podem exercer poderes e prerrogativas de autoridade, designadamente as previstas no nº 1 do art.º 14º do DL 558/99, de 17.12, em vigor à data dos factos, entre as quais figura a expropriação por utilidade pública (alínea a) e nº 2);

- no caso, a concessão inclui, além da exploração do serviço de transportes, a concepção, projecto, realização de obras de construção, fornecimento, montagem e manutenção do material circulante e dos demais equipamentos que constituem o sistema objecto da concessão, e, em ordem ao seu cabal desempenho, a Base VII da concessão estabelece que a concessionária está habilitada – como entidade expropriante, actuando em nome do Estado – a realizar as expropriações necessárias à construção do sistema, suportando os custos que decorrem da aquisição por via do direito privado dos bens imóveis e os custos inerentes à expropriação de bens;

- o facto de se aludir a uma actuação em nome do Estado apenas significa que este lhe atribuiu os poderes de direito público necessários à instauração, instrução e desenvolvimento do procedimento expropriativo após a declaração de utilidade pública, pois não fora tal previsão legal e a Impugnante, enquanto sociedade de direito privado, não teria poderes para o efeito. Mas detendo a Impugnante o estatuto de entidade expropriante, é ela que beneficia da expropriação e assume, de forma imediata, a qualidade de adquirente e de proprietária dos bens expropriados, pelo que não é o Estado que ingressa na titularidade do direito de propriedade sobre esses bens;

Neste contexto argumentativo, concluiu-se na sentença que «a Impugnante, como realça a Administração Tributária na decisão impugnada, tem capacidade aquisitiva própria por via expropriativa ou contratual, pelo que para os bens adquiridos pela Impugnante, enquanto concessionária, ingressassem directamente no património do Estado teria de existir uma disposição legal expressa, o que não sucede.

Impõe-se ainda acrescentar que a aquisição da propriedade por parte da Impugnante é definitiva, não estando sujeita a qualquer termo ou condição. O que sucede é que como a Impugnante vai destinar tais bens à implementação do sistema de metro, no âmbito de uma concessão, estando esta sujeita a prazo (neste caso por 30 anos, prorrogável até um máximo de 20 anos nos termos da Base IV das Bases) os bens que lhe tiverem sido afectos revertem no termo do mesmo para o Estado, nos termos do nº 6 da Base VI das Bases. Porém, este prazo não contende com o direito de propriedade mas sim com o objecto prosseguido pela Impugnante, que é por natureza limitado no tempo – de resto, se o direito de propriedade fosse temporário, findo o prazo de concessão o mesmo reverteria para os originais proprietários (ou seja, sujeitos expropriados e vendedores) e não para o Estado.

Assente que está que a Impugnante adquiriu o direito de propriedade por via da expropriação, impõe-se concluir que se está perante uma aquisição originária onerosa do direito de propriedade sobre bens imóveis situados no território nacional para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 2º do CIMT, sendo o valor tributável o correspondente aos bens expropriados, ou seja, à indemnização, salvo se for estabelecida por acordo ou transacção, caso em que o valor corresponde ao do acto ou ao valor patrimonial tributário, consoante o que for maior (cfr. n.º 1 e regra 17.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT).».

Dado que a Impugnante, ora Recorrente, insiste na verificação deste específico vício, importa reapreciar a questão.

É inegável que estamos perante uma sociedade comercial constituída sob a forma jurídica de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, e que ela constitui uma empresa pública à luz do disposto no art.º 3º do Dec.Lei nº 558/99, de 17.12, em vigor à data dos factos (Diploma que estabelecia o regime jurídico do sector empresarial do Estado e das empresas públicas, posteriormente revogado e substituído pelo Dec.Lei nº 133/2013, de 3.10, que aprovou o novo regime jurídico do sector público empresarial.), segundo o qual são «empresas públicas as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante em virtude de alguma das seguintes circunstâncias: a) Detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto; b) Direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização».

Diploma que aproximou, em toda a medida possível, o regime das empresas públicas do paradigma jurídico-privado das restantes empresas, impondo a regulação subsidiária da sua actividade pelo direito privado (art.º 23º).

Todavia, a Recorrente rege-se, antes de mais, por normas contidas em acto legislativo (e não por regras contratuais firmadas no exercício da autonomia privada), vertido no Dec. Lei nº 10/2002, de 24.01, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 226/2004, de 6.12 – que disciplina o seu regime jurídico – e onde se dispõe o seguinte:


Artigo 3.º
Da concessionária

1 - A Metro-Mondego, S. A., é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos que se rege pela lei comercial e pelos seus estatutos, salvo no que o presente diploma ou disposições legais especiais disponham diferentemente.

2 - Com o presente diploma, são aprovados os novos estatutos da Metro-Mondego, S.A., cujo texto consta do anexo II do presente diploma, que dele faz parte integrante.

3 - A Metro-Mondego, S.A., fica dispensada da outorga de escritura pública para as alterações estatutárias resultantes do documento mencionado no número anterior, servindo a presente publicação no Diário da República como título bastante para a perfeição e validade destes actos e, bem assim, para o respectivo registo.

Donde decorre que ela se rege pela lei comercial «salvo no que o presente diploma ou disposições legais especiais disponham diferentemente», o que, como bem salienta a Recorrente, influencia a sua capacidade jurídica e o modo de exercício de actividade.

Contudo, a natureza jurídica da Recorrente é, por si só, inócua ou muito pouco relevante para a decisão da questão colocada, na medida em que a única ilação que daí se pode extrair é que ela só se encontra sujeita a normas do direito comercial na ausência de normas especiais – como são as contidas no regime jurídico do sector público empresarial e no regime jurídico desta específica concessão.

O que é necessário e decisivo, para alcançar a resposta à questão, é examinar se das normas contidas nesses actos legislativos (DL 10/2002, Bases da Concessão e Estatutos) resulta a submissão da Recorrente a um regime jurídico distinto do previsto no direito comercial e civil no que toca à sua capacidade de gozo e de exercício de direitos e obrigações, pois só o que estiver fora desses actos legislativos pode ser regido por normas de direito privado.

Da leitura do Dec.Lei 10/2002 e dos respectivos anexos conclui-se que assiste razão à Recorrente quando advoga que, ao contrário do que foi pressuposto na sentença, a sua capacidade jurídica não é precisamente igual à de outras sociedades comerciais, o que desde logo resulta da circunstância de o seu objecto principal ser a mera exploração de um serviço público.

Com efeito, o art.º 1º do DL nº 10/2002, na redação dada pelo DL nº 226/2004, estipula que «1- O Estado atribui à Metro-Mondego, S.A., em exclusivo, a concessão, em regime de serviço público, da exploração de um sistema de metro ligeiro de superfície nos municípios de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã (…)», «3- A concessão rege-se pelas bases da concessão que constam do anexo I ao presente diploma e que dele fazem parte integrante», «4- A concessão é atribuída pelo prazo de 40 anos, o qual pode ser prorrogado (…).».

Por seu turno, o art.º 3º dos seus Estatutos determina o seguinte: «1- A sociedade tem por objecto a exploração, em regime de concessão atribuída pelo Estado, de um sistema de metro ligeiro de superfície nas áreas dos municípios de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã. 2- Para a prossecução do seu objecto incumbe especialmente à sociedade a realização dos estudos, concepção, planeamento, projectos e construção das infra-estruturas necessárias à concretização do empreendimento, bem como o fornecimento de equipamentos e material circulante e a exploração do sistema de metro».

O mesmo resulta da Base I da Concessão, onde se estipula: «A concessão tem por objecto a exploração de um sistema de metro ligeiro de superfície nas áreas dos municípios de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã» e «A concessão compreende ainda a concepção, projecto, realização das obras de construção, fornecimento, montagem e manutenção do material circulante e dos demais equipamentos que constituem o sistema objecto da concessão».

O âmbito da concessão é, pois, a exploração de um serviço público de transportes, ainda que para o inteiro esclarecimento do objecto social da concessionária e definição da sua capacidade jurídica o legislador tenha explicitado as actividades que entendeu estarem nele compreendidas e que deixou especificadas na Base II da concessão e no art.º 4º dos estatutos da concessionária, nos seguintes moldes:


Artigo 4.º
Objecto acessório
«1 - Em complemento das actividades que constituem o seu objecto, a sociedade poderá realizar as seguintes actividades:

a) Exploração comercial, directa ou indirecta, de estabelecimentos comerciais, escritórios, salas de exposições, máquinas de venda de produtos e serviços de publicidade aposta nas instalações do sistema ou no material circulante;

b) Promoção, directa ou indirecta, da construção ou venda de edifícios para fins comerciais, industriais ou residenciais nos terrenos ou edifícios que integrem o seu património, nomeadamente devido a entradas dos accionistas;

c) Prestação de serviços, nomeadamente de consultadoria e de apoio técnico;

d) Transferência de tecnologia e de know-how.

Estamos, pois, em presença de um acto legislativo que cria a favor da concessionária o direito de explorar e fazer funcionar um serviço, no seu próprio nome e durante certo prazo, com a transferência dos direitos e poderes necessários a essa gestão.

Todavia, como elucida PEDRO GONÇALVES (“A Concessão de Serviços Públicos”, Almedina, 1999, págs. 119 e ss.), «O serviço público, enquanto actividade pública, não é (com)cedido ou transferido para o concessionário: o que este adquire, por efeito da concessão, é o direito de gerir essa actividade no seu próprio nome; neste sentido, ao acentuar-se que o objecto da concessão é a gestão do serviço público, pretende-se representar, não aquilo sobre que a concessão incide, mas o que ela transmite para o concessionário. Fica claro portanto que a concessão não retira à Administração o direito à titularidade do serviço público; não obstante a concessão, que implica a limitação do seu direito sobre o serviço público, ela continua a ser a “dona do serviço”».

O que significa que, no caso, o Estado pretendeu assegurar a exploração de um serviço público de transportes por uma empresa pública, investindo-a de poderes, direitos e instrumentos necessários para fazer funcionar o serviço, o qual continuou, porém, a ter natureza pública e a ter por titular a entidade concedente. E essa natureza permanece tão fundamental na actividade concessionada que, no termo da concessão, a exploração do serviço volta para o Estado, para o qual revertem todos os bens afectos à concessão “sem qualquer indemnização” e “livres de quaisquer ónus ou encargos e em perfeitas condições de operacionalidade, utilização e manutenção”, o que inclui todos “os bens que integram o estabelecimento da concessionária, todos os bens móveis ou imóveis, corpóreos ou incorpóreos, e todos os direitos ligados directa ou indirectamente à implantação e exploração do sistema”.

Bens cuja propriedade lhe é legalmente atribuída durante a concessão e que é obrigada a manter em bom estado de funcionamento e de segurança, não os podendo alienar ou onerar. É o que resulta Base VI da Concessão, que dispõe o seguinte:


Base VI
Estabelecimento e bens afectos à concessão
1 - Consideram-se afectos à concessão, para além dos bens que integram o seu estabelecimento, todos os bens móveis ou imóveis, corpóreos ou incorpóreos, assim como todos os direitos ligados directa ou indirectamente à implantação e exploração do sistema.

2 - A concessionária é obrigada a manter em bom estado de funcionamento, de conservação e de segurança, a expensas suas, todos os bens e direitos afectos à concessão.

3 - A concessionária deve elaborar e manter actualizado um inventário de todos os bens afectos à concessão, a ser enviado anualmente ao concedente até ao final do mês de Janeiro devidamente certificado por auditor por este aceite.

4 - A concessionária não pode alienar ou onerar, parcial ou totalmente e sob qualquer forma, os bens e os direitos que estejam afectos à exploração do sistema, salvo mediante autorização prévia do ministro da tutela sectorial ou nos casos em que a lei aplicável aos bens do domínio público o preveja, bem como quando se tratem de bens consumíveis ou da mera substituição de bens perecíveis ou deterioráveis.

5 - Durante a vigência da concessão, a concessionária é titular do direito de propriedade dos bens que lhe sejam afectos e não pertençam ao domínio público.

6 - No termo da concessão os bens a que se refere o número anterior revertem, sem qualquer indemnização, para o Estado, livres de quaisquer ónus ou encargos e em perfeitas condições de operacionalidade, utilização e manutenção, podendo haver lugar a indemnização quanto a bens cuja vida económica ao tempo da reversão ou respectiva data de investimento justifique o justo ressarcimento da concessionária, indemnização que será calculada segundo os critérios do nº 4 da base XXVIII.

7 - A reversão deve ocorrer sem qualquer formalidade que não seja uma vistoria ad perpetuam rei memoriam (…).

De nenhum destes diplomas legais consta, porém, que durante a vigência da concessão a sociedade concessionária não tenha capacidade jurídica para adquirir, em nome próprio, os imóveis que pretenda incorporar no serviço público que explora, isto é, que não seja ela a agir em nome próprio e por sua conta nos actos de aquisição de bens que vão integrar o serviço público que explora, ou que seja o concedente, enquanto titular do serviço, o adquirente desses bens.

Da Base VI consta que «durante a vigência da concessão, a concessionária é titular do direito de propriedade dos bens que lhe sejam afectos e não pertençam ao domínio público» (nº 5), o que evidencia a sua capacidade jurídica para ser proprietária dos bens incorporados no serviço público, embora daí nenhuma resposta se alcance para a questão de saber se é ela que detém, durante a concessão, a qualidade jurídica de adquirente desse tipo de bens, ou se, pelo contrário, só a entidade concedente, enquanto “dona do serviço”, pode deter essa qualidade, ingressando os bens no domínio público ou no património privado do Estado, o qual, por sua vez, ao afectá-los à concessão, transfere a sua propriedade para a concessionária.

Resta-nos, assim, ponderar o regime jurídico dos bens incorporados na concessão e afectos à exploração do serviço para tentar obter resposta para a questão colocada.

Acompanhando, mais uma vez, os ensinamentos de PEDRO GONÇALVES (ob. cit., p. 307 e ss), diremos que «Os bens incorporados na concessão, afectos à gestão do serviço público, compreendem o conjunto de bens imóveis (terrenos, edifícios, infra-estruturas …) e móveis (…) necessários para o funcionamento do serviço.
Tais bens têm origem diversa: podem ser incorporados na concessão pela Administração concedente ou adquiridos ou construídos pelo concessionário. Por outro lado, os últimos, embora adquiridos ou construídos pelo concessionário, não são necessariamente dele, já que podem pertencer, ab initio, à Administração; quando não seja esse o caso, podem ainda ter de ser para ela transferidos no termo da concessão.
A variedade de situações, que leva a doutrina a distinguir três categorias de bens afectos à gestão do serviço público concedido (bens de regresso, bens a transferir e bens próprios do concessionário), não elimina um elemento comum a todos eles: o tratar-se de bens afectos à concessão. // De resto, há mesmo um conceito que representa a comunhão de destino de todos eles, que é, como se sabe, o conceito de estabelecimento da concessão.
O estabelecimento da concessão engloba pois todos os meios materiais de que o concessionário se serve para gerir o serviço público; em caso de extinção do contrato, a Administração estará, em regra, interessada em poder usar ou, pelo menos, dispor de todo esse conjunto – o princípio da continuidade do serviço público explica o interesse da Administração em utilizar imediatamente todos os bens que compõem o estabelecimento, em caso de paralisação ou cessação da actividade do concessionário.
Não obstante o carácter unitário e homogéneo do estabelecimento da concessão, não podem deixar de ser consideradas algumas importantes diferenças de regime a que ficam sujeitos os bens que o compõem – em grande medida, essas diferenças resultam de eles não pertencerem todos à mesma entidade.
a) os bens do concedente
Pertencem ao concedente os bens que ele “incorpora na concessão”; estão aqui em causa bens que já existem, que podem estar integrados no domínio público ou pertencer ao património privado da Administração concedente, cuja utilização ela atribui ao concessionário: o gestor do serviço passa, nesse âmbito, a ser titular de uma concessão administrativa da exploração do domínio público ou da utilização privativa de bens do domínio público (ou de um direito de uso de natureza privada, quando os bens incorporados na concessão pertençam ao património privado da Administração).
Não implicando a concessão (da exploração ou da utilização privativa do domínio público) nem a constituição do direito privado de uso, a transferência (temporária) do direito de propriedade sobre os bens do concedente tem de entender-se que o concessionário do serviço público é, em relação a esses bens, titular de um mero ius in re aliena; por essa razão, ele não tem qualquer faculdade de dispor deles ou de os onerar por qualquer forma (aliás, em relação aos bens integrados no domínio público, isso resulta do regime da dominialidade).
Quando o regime jurídico da concessão o estabelecer, podem passar a pertencer imediatamente (ab initio) ao concedente certos bens adquiridos ou construídos pelo concessionário: é o que pode verificar-se com os bens adquiridos por força de expropriações realizadas para a implantação do serviço. Ainda que os bens expropriados “não tenham” de pertencer ab initio ao concedente, pode no entanto o contrato estabelecer isso mesmo, caso em que se entende que o concessionário leva a cabo o procedimento expropriatório por conta da Administração concedente.
Não tendo o concessionário qualquer direito de propriedade sobre esses bens, ele não pode naturalmente dispor deles ou onerá-los por qualquer forma. (…)
b) bens do concessionário
Os bens que o concessionário utiliza na gestão do serviço não pertencentes à Administração concedente são naturalmente bens seus, sujeitos, em princípio, a um regime de direito privado. // Neste conjunto, há que distinguir dois grupos: o daqueles bens que, em caso de extinção da concessão, são obrigatoriamente transferidos para o concedente, e os restantes.
c) bens do concessionário a transferir para o concedente
O conceito de “bens a transferir” representa o conjunto de bens (imóveis e móveis) que, sendo adquiridos ou construídos pelo concessionário e pertencendo-lhe desde esse momento, se destinam no entanto a ser transferidos para a Administração concedente em caso se extinção da concessão. Tendo em conta o princípio da continuidade dos serviços públicos, é natural que o regime da concessão confira à Administração concedente a possibilidade de vir a dispor de todos os meios materiais afectos à gestão do serviço, em caso de extinção da concessão; quando seja esse o caso (e é assim normalmente), haverá então que distinguir, nesse momento, dois fenómenos: a reversão dos bens do concedente e a transferência do direito de propriedade sobre os bens do concessionário – note-se que a transferência de direitos sobre bens só se verifica se houver cláusula nesse sentido; na ausência de uma cláusula de transferência, os bens que o concessionário afectou à concessão continuam a pertencer-lhe após a extinção do contrato.
Quando os bens estão sujeitos à cláusula de transferência, entende-se que a Administração concedente adquire a titularidade de um direito real in faciendo, isto é, de um direito em que o sujeito passivo, enquanto proprietário da coisa que é dele objecto, fica obrigado a realizar uma prestação positiva; o concessionário pode assim ser considerado titular um direito de propriedade temporário (direito que se extingue momento em que se extinguir a concessão) ou resolúvel (direito que se extingue se a extinção da concessão tiver origem em certas causas) — cfr. artigo 1307º do Código Civil.
Embora pertençam ao concessionário, os bens abrangidos pela cláusula de transferência, integram um “património de destino especial”, razão por que o concessionário não pode dispor deles nos termos gerais permitidos pelo direito de propriedade (…); por outro lado, a obrigação de transferência é assegurada pela existência de algumas obrigações instrumentais, designadamente relacionadas com a manutenção, conservação e actualização (técnica) dos bens. Finalmente, embora se trate de bens no regime do direito privado, que estão no comércio jurídico civil, há algumas restrições quanto às possibilidades da sua oneração, uma vez que, em princípio, a transferência deve ter lugar sem quaisquer ónus ou encargos para a Administração concedente (…)». (nosso sublinhado)

À luz destes ensinamentos, de inquestionável clareza e robustez doutrinária, cai por terra a argumentação da Recorrente no sentido de que, enquanto sociedade concessionária da exploração de um serviço público, não detém quaisquer poderes aquisitivos e que todos os bens afectos à concessão, ainda que não o tenham sido ab initio, integram, de forma imediata e directa, a esfera patrimonial da entidade concedente.

Uma pessoa colectiva de direito privado que explora um serviço público detém, em princípio e salvo norma em contrário, capacidade aquisitiva própria, designadamente para a obtenção de bens a incorporar no seu estabelecimento e a afectar à sua actividade; e os bens que haja obtido por contrato oneroso e cujos custos haja pessoalmente suportado devem considerar-se, até por via de presunção natural, como adquiridos por si e para si, ainda que integrem um “património de destino especial” quando abrangidos por cláusula de transferência – como é a cláusula que, no caso, consta do nº 6 da Base VI.

Em suma, apenas quando do acto de concessão resulte claramente que os bens objecto de negócio jurídico celebrado pela concessionária ingressam directamente na esfera patrimonial do concedente, ou nos casos em que desses contratos conste que ela actuou em nome do concedente, pode afirmar-se que foi este o adquirente dos bens.

O que não acontece no caso sub judice.

Com efeito, do regime jurídico desta concessão não resulta que as aquisições efectuadas através de contratos celebrados pela concessionária devam ser imputadas ao Estado enquanto entidade concedente, ou ao Estado enquanto acionista maioritário, ou mesmo aos Municípios e demais entidades que participam no seu capital social, pelo que não assiste razão à Recorrente ao defender que actuou em nome alheio, que a sua intervenção foi de mera representante ou comissária do Estado, e que tais aquisições têm de ser imputadas na esfera dominial-patrimonial deste.

Acresce que do nº 5 da Base VII – onde se estipula que durante a vigência da concessão, a concessionária é titular do direito de propriedade dos bens que lhe sejam afectos e não pertençam ao domínio público – também nada se pode inferir, pois, ao contrário do que defende a Recorrente, dele não se extrai que se trate de um mero direito de uso privativo do domínio público atribuído por concessão.

E igualmente soçobra a tese da Recorrente no sentido de que a previsão de reversão dos bens para o Estado evidencia que eles são tidos pelo legislador como bens do domínio público. O facto de se encontrar estipulado que os bens afectos à concessão revertem para o Estado no termo da concessão – sem qualquer indemnização, livres de quaisquer ónus ou encargos e em condições de operacionalidade, utilização e manutenção – não permite extrair qualquer ilação sobre a titularidade do direito de propriedade, visto que até mesmo os bens de que a concessionária seja plena proprietária são transferidos para o Estado quando exista, como existe no caso, uma cláusula de transferência da propriedade após a extinção da concessão.

Por fim, o circunstancialismo referido na alínea f) das conclusões do recurso – traduzido essencialmente no facto de na Base VIII se estipular que «Os accionistas da concessionária devem dotá-la dos recursos necessários para a prossecução e funcionamento da sua actividade e para suporte dos custos das prestações inerentes à concepção, projecto, construção, fornecimento de equipamento e de material circulante e exploração do sistema de metro que não possam ser suportados em regime de autofinanciamento a cargo do subconcessionário, bem como para suporte dos custos da fiscalização dessas prestações e ainda dos custos referidos no nº 2 da base VII», também não tem a virtualidade de evidenciar a titularidade do direito de propriedade sobre os bens adquiridos durante a concessão.

A Recorrente, ainda que constitua uma empresa pública sob a forma de sociedade comercial de capitais exclusivamente públicos, é uma pessoa colectiva de direito privado, constituída, organizada e controlada pelo Estado; mas este controlo, designadamente a nível financeiro e de administração, não lhe retira personalidade jurídica e autonomia relativamente ao Estado ou aos seus accionistas, conforme claramente decorre do regime contido no Dec. Lei nº 558/99, que a sujeita «ao regime jurídico comercial, laboral e fiscal, ou de outra natureza, aplicável às empresas cujo capital e controlo é exclusivamente privado» e «a tributação directa e indirecta nos termos gerais», expressamente excluída da isenção de tributação pelo art.º 6º, alínea a), in fine, do CIMT.

Dessa VIII Base apenas resulta que incumbe ao Estado, na sua função de acionista maioritário, o dever de dotar a sociedade concessionária dos recursos necessários para a realização da sua missão de exploração de um serviço público e de obtenção de níveis adequados de satisfação das necessidades da colectividade, dele nada se podendo extrair sobre a titularidade dos bens incorporados na concessão através de contratos onerosos celebrados por essa sociedade e dos quais não conste que o tenha feito por conta de outrém.

Perante um quadro legal que não nos permita afirmar que os bens que foram objecto de contratos de compra e venda celebrados pela concessionária (e cujo preço pagou), ingressavam directamente na esfera jurídica e patrimonial do concedente, resta-nos concluir que ela terá actuado como adquirente em nome próprio, existindo, por conseguinte, facto tributário relativamente a si, sendo ela o sujeito passivo do imposto à luz das normas contidas nos arts. 1º, 2º e 4º do CIMT.

Termos em que, nesta parte, e ainda que com distinta fundamentação, terá de improceder este vício de violação de lei.


Resta saber se o mesmo acontece com o acto de pagamento de «indemnização por expropriação por utilidade pública, fixada por acordo ou transacção».

Saliente-se, desde logo, a estranheza do facto tributário eleito e submetido a imposto, tendo em conta que o acto de pagamento de uma indemnização não constitui, em si, facto sujeito a IMT, sabido que este imposto incide sobre transmissões a título oneroso do direito de propriedade sobre imóveis e figuras parcelares desse direito (arts. 1º e 2º do CIMT). Pelo que, sob esse prisma, poderíamos desde já concluir que o acto em si, ainda que inserido num procedimento expropriativo, não cabe nas normas de incidência objectiva constantes do CIMT.

Não obstante, e ainda que de um ponto de vista doutrinário se possa discutir se a expropriação deve ser vista como uma transmissão de imóveis (Neste sentido, Marcello Caetano, “Manual de Direito Administrativo”, vol. II, 9.ª ed., pp. 1020-1021; Fernando Alves Correia, "As garantias do particular na expropriação por utilidade pública", separata do volume XXIII do suplemento do Boletim da FDUC, 1982, p. 77.) ou, antes, como uma forma de extinção de direitos reais com a concomitante constituição de novos direitos na esfera jurídica do expropriante, isto é, como uma aquisição originária (Neste sentido, e entre outros, Menezes Cordeiro, “Direitos Reais”, II vol., pp. 794-795; e José Osvaldo Gomes, “Expropriações por Utilidade Pública”, 1997, pp. 18-21.), a doutrina tributária tem vindo a encará-la como uma transmissão para efeitos de incidência de IMT, por constituir um modo de aquisição onerosa de imóveis cujo valor tributável consta expressamente do art.º 12º, nº 4, regra 17ª, do CIMT; e o que a Recorrente verdadeiramente advoga é que os actos que levou a cabo no procedimento expropriativo foram efectuados em nome do Estado, inexistindo facto tributário relativamente a si.

Vejamos.

É certo que o Estado, enquanto titular do poder impositivo ou de sujeição à expropriação e titular da prerrogativa de poder público inerente à competência para emitir a declaração de utilidade pública, é quem determina o início do procedimento expropriativo e o seu fundamento de ordem pública, declarando a utilidade pública da expropriação e detendo, assim, o poder de autoridade pública suficiente e necessária ao reconhecimento da existência de interesse público na expropriação. Contudo, nada o impede de atribuir a um ente privado (beneficiário da expropriação) o conjunto de direitos e deveres respeitantes à condução de todo o procedimento expropriativo e, em geral, toda a tramitação subsequente à declaração de utilidade pública.

No caso sub judice é inquestionável que o Estado investiu a concessionária desse conjunto de direitos e deveres, como resulta à evidência do teor do nº 1 da Base VII, onde se estipulou que «Compete à concessionária, como entidade expropriante, actuando em nome do Estado, realizar as expropriações e constituir as servidões necessárias à construção do sistema, nos termos deste diploma e do Código das Expropriações».

O que significa que no âmbito do procedimento expropriativo e na realização dos actos de expropriação, designadamente na execução do acto de pagamento da indemnização devida aos sujeitos expropriados, a concessionária actuou em nome do Estado, ainda que sobre ela tenha recaído, por força de norma contida nº 2 do Base VII (Segundo a qual «A concessionária suporta os custos inerentes à condução dos processos expropriativos e o pagamento das indemnizações ou de outras compensações aos expropriados e aos titulares dos prédios servientes, bem como os custos decorrentes da aquisição por via do direito privado dos bens imóveis e direitos a eles inerentes no que respeita aos prédios e parcelas a expropriar ou a adquirir a particulares».), a obrigação de suportar não só essa indemnização como todos os custos inerentes à condução do processo expropriativo.

Por conseguinte, e ainda que a propriedade dos bens expropriados venha a ser atribuída ou transferida para a concessionária enquanto destinatária final da propriedade desses bens com as limitações supra referidas, o certo é que isso se torna irrelevante para a questão em análise, tendo em conta que as liquidações cuja legalidade se discute dizem respeito a IMT (e não a IMI) e têm de ser analisadas à luz do acto a que funcionalmente foram reportadas.

Termos em que ocorre a invocada inexistência de facto tributário produtor de efeitos relativamente à concessionária no que diz respeito aos actos identificados nos pontos 18, 19, 21 a 24, 26 a 28 e 31 a 34 do probatório.

3.2. Do vício de violação de lei por força da isenção de imposto contida na alínea a) do art.º 6º do CIMT.

Em face da parcial procedência do vício acima examinado, iremos restringir a análise deste segundo vício às liquidações que incidiram sobre os actos onerosos de compra e venda celebrados pela concessionária (identificados nos pontos 3 a 17, 20, 25, 29 e 30 do probatório).

É verdade que o legislador isentou de IMT as entidades elencadas no art.º 6º do CIMT, cuja alínea a) abrange «O Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias locais e as associações e federações de municípios de direito público, bem como quaisquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, que não tenham carácter empresarial».

Ora, tal como se deixou referido na sentença recorrida, uma leitura a contrario do preceito permite claramente concluir que o legislador não teve o propósito de isentar do pagamento de IMT os estabelecimentos e organismos públicos com carácter empresarial. «Visou, com tal exclusão, manter a coerência com o nº 2 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 558/99, de 17.12, em vigor à data dos factos, segundo o qual “As empresas públicas estão sujeitas a tributação directa e indirecta, nos termos gerais” (disposição que se mantém actualmente no nº 4 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 133/2013, de 03.10) - neste mesmo sentido veja-se, na doutrina, MATEUS, J. L. Silvério e FREITAS, L. Corvelo, Os Impostos Sobre o Património Imobiliário. O Imposto do Selo. Anotados e Comentados, Engifisco, Lisboa, 2005, p. 350 e 351.».

Deste modo, e visto que a Recorrente constitui uma empresa pública à luz do disposto no art.º 3º do Dec. Lei nº 558/99, de 17.12, isto é, constitui uma sociedade comercial de natureza jurídico-privada que integra o sector empresarial do Estado, ela encontra-se excluída do âmbito da isenção prevista naquela norma.

E inexistindo qualquer outra norma legal que a isente do pagamento do imposto, designadamente a nível do contrato de concessão, não pode proceder este vício.

3.3. Do vício de violação de lei por ofensa do artigo 13º da CRP e dos artigos 2º e 6º alínea c) do CIMT, quando interpretadas no sentido de que as aquisições por si realizadas se encontram sujeitas ao pagamento de IMT e dele não isentas

Face à parcial procedência do vício examinado sob o ponto 3.1., iremos igualmente restringir a análise deste terceiro vício às liquidações que incidiram sobre actos de compra e venda celebrados pela concessionária e que se encontram identificadas nos pontos 3 a 17, 20, 25, 29 e 30 do probatório da sentença.

A Recorrente advoga a isenção de imposto ao abrigo do princípio da igualdade, porquanto, em análoga situação (relativa à concessão da exploração do serviço público por metro ligeiro da área metropolitana do Porto), o legislador isentou essa sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos do pagamento de sisa na aquisição dos imóveis necessários à prossecução do seu objecto social. Na sua óptica, a diferenciação quanto ao regime fiscal relativamente a sujeitos de idêntica natureza jurídica e objecto social, e de análogos poderes e deveres, não tem sustentáculo racional, traduzindo uma discriminação contrária à Lei Fundamental.

Nesta matéria, acompanhamos inteiramente a argumentação jurídica tecida pela Mmª Juíza na sentença recorrida, e que, por isso, aqui se reitera e passa a reproduzir.

«Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 266º e artigo 13º da CRP, o princípio da igualdade constitui um princípio orientador de toda a actividade pública nas relações entre a administração com os cidadãos. Este princípio enquanto princípio negativo de controlo determina a proibição do arbítrio, o que demanda que situações de facto iguais sejam tratadas de forma igual e situações de facto diferentes sejam tratadas de forma diferente, bem como determina a proibição de discriminações, exigindo-se que as situações de diferenciação tenham fundamento material bastante e sejam necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo.
Mas, como afirmam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da «discricionariedade legislativa» são violados, isto é, quando a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma «infracção» do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio. – (CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital, Constituição da República Anotada, volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, p. 339).
Na sua vertente positiva, ou seja, de justiça material, o princípio da igualdade expressa-se por via da capacidade contributiva, que serve de critério de repartição no âmbito dos impostos e, bem assim, de termo de comparação entre os sujeitos tributados.
Segundo o referido critério, cada cidadão deve contribuir na medida da sua força económica, o que significa que a capacidade contributiva constitui pressuposto e limite da tributação (VASQUES, Sérgio, Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2014, p. 252 e 253).
Deste modo, a tributação tem de ser igual para todos aqueles que manifestarem a mesma capacidade, sejam pessoas singulares ou pessoas colectivas, sob pena de violação do princípio da igualdade se tal discriminação não for justificada.
No caso em apreço a Impugnante invoca a violação do princípio da igualdade por entender que, por estar nas mesmas condições que a Metro do Porto, S.A., deveria beneficiar da isenção prevista na Base XII das Bases da concessão prevista no anexo II ao Decreto-lei nº 394-A/98, de 15.12, segundo o qual «A concessionária fica isenta de imposto municipal de sisa nas aquisições, a qualquer título, dos imóveis necessários para a prossecução do seu objecto social principal, salvo manifestação em contrário das autarquias.». Esta isenção manteve-se para o IMT com a aprovação do Decreto-Lei nº 192/2008, de 01.10 que republicou as Bases da referida concessão (cfr. nº 1 da Base XII). Esta isenção atribuída à Metro do Porto, S.A. tinha cabimento, à data em que foi concedida, no artigo 18º do CIMSISD, segundo o qual «As isenções constantes de acordos entre os Estado e quaisquer pessoas, de direito público ou privado, são mantidas na forma da respectiva lei.
Com a aprovação do CIMT o legislador manteve tal previsão na alínea c) do n.º 1 do artigo 6º do CIMT. De acordo com o preceituado, ficam isentos do pagamento de IMT quaisquer entidades de direito público ou privado que acordem com o Estado a atribuição do referido benefício. Deste modo, a referida isenção tem ínsita uma negociação entre a Metro do Porto, S.A. e o Estado, da qual resultou a atribuição de um benefício quanto ao pagamento de IMT.
Sendo a força económica, neste caso, revelada pela aquisição dos bens imóveis, a isenção atribuída à Metro do Porto, S.A. constitui, de per si, uma derrogação do princípio da igualdade, admitida por lei nos termos analisados, pelo que tem a natureza de um benefício fiscal (cfr. nº 2 do artigo 2º do EBF, sendo irrelevante o diploma legal em que a mesma se encontra).
Com efeito, como refere Ana Paula Dourado «A regra é a tributação de todos os sujeitos passivos segundo o princípio da igualdade (capacidade contributiva) e a exceção são as isenções ou uma tributação mais reduzida de uns poucos. A exceção tem que ser justificada com base em princípios ou finalidades extrafiscais que se sobreponham à finalidade de arrecadação de receitas segundo os critérios da igualdade e capacidade contributiva (art. 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais)» – cfr. DOURADO, Ana Paula, Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2016, p. 191.
Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional que são instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem - (cfr. nº 1 do artigo 2º do EBF).
Neste sentido, os benefícios fiscais visam, em regra, a promoção de objectivos extrafiscais que justificam o desvio ao regime de tributação. De acordo com o artigo 10º do EBF é proibida a integração de lacunas das normas que estabelecem benefícios fiscais, o que se compreende na medida em que tais normas se caracterizam pela tipicidade e por um carácter anti-sistemático que impõe, naturalmente, cautelas acrescidas na sua interpretação (uma vez que constituem, para todos os efeitos, uma despesa fiscal).
Apenas é admitida a interpretação extensiva das normas que estabelecem benefícios fiscais, o que ocorre quando se verifica que o legislador disse menos do que a sua vontade (minus dixit quam voluit), pois visa superar eventuais incorrecções do texto legal.
Ora, o legislador ao estabelecer a isenção do pagamento de SISA em benefício da Metro do Porto, S.A. fê-lo na sequência do acordado entre o Estado e a referida entidade, sendo claro que a sua vontade foi a de isentar apenas e exclusivamente aquela sociedade, e não qualquer outra, pelo que não se pode concluir que a redacção da lei tenha ficado aquém da vontade do legislador.
Veja-se com relevo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.11.2011, proferido no âmbito do processo nº 0592/11 (disponível em www.dgsi.pt), segundo o qual: I - As normas que estabelecem isenções de imposto são normas tributárias com natureza de benefícios fiscais, independentemente de se encontrarem contidas em diploma de carácter especificamente tributário ou avulsas em diplomas dedicados a outras matérias. II - O princípio constitucional da legalidade tributária, na sua vertente de tipicidade, veda a integração analógica de normas de isenção de imposto, embora consinta na sua interpretação extensiva, como, aliás, reconhece o legislador ordinário (artigo 10º do EBF). III - A interpretação extensiva pressupõe que, por via interpretativa, se conclua que o legislador -minus dixit quam voluit-, in casu, que quando isentou de imposto do selo as providências de reestruturação que consistam na dação em cumprimento de bens aos credores ou nas cessão de bens aos credores para extinção dos seus créditos (artigo 120.º alínea e) do CPEREF) pretendia igualmente abranger no âmbito da isenção a constituição de hipoteca a favor destes. - (cfr. pontos I, II e III do referido acórdão).
Acresce que, a Impugnante não alega em que medida entende que a sua situação se assemelha à da Metro do Porto, S.A., ao ponto de justificar a adopção de um benefício fiscal semelhante ao que para aquela foi adoptado, ou seja em que medida a sua situação justifica também uma derrogação da igualdade na tributação (pois limita-se a alegar genericamente que a sua natureza jurídica e objecto são semelhantes).
Assim sendo, não se vislumbra que no caso em apreço tenha sido violado o princípio da igualdade, pois não existiu qualquer arbítrio ou discriminação por parte do legislador, o qual se limitou a consagrar a isenção que decorreu do acordo das partes, o Estado e a entidade concessionária do metro do Porto, acordo esse que não se verificou relativamente à Impugnante.
Posto isto, também não se verifica a inconstitucionalidade, por violação do artigo 13.º da CRP, dos artigos 2.º e alínea c) do artigo 6.º do CIMT, quando interpretadas no sentido de que as aquisições realizadas por sociedade concessionária de sistema de metro ligeiro de superfície se encontram sujeitas ao pagamento de IMT e dele não isentas.
Por fim, quanto à inconstitucionalidade invocada na alínea l) das conclusões do recurso, diremos que inexiste violação do art.º 62º nºs 1 e 2 da CRP, porquanto o direito de propriedade sobre os bens afectos à concessão constitui, nos termos das Bases da Concessão, uma propriedade temporária, admitida no art.º 1307º nº 2 do Código Civil. E cessando o direito de propriedade com o termo da concessão, a reversão subsequente para o Estado também não é suscetível do ofender o direito à propriedade privada inscrito no art.º 62º da CRP, até porque a Base VI prevê expressamente que possa “haver lugar a indemnização quanto a bens cuja vida económica ao tempo da reversão ou respectiva data de investimento justifique o justo ressarcimento da concessionária”.

Termos em que, sem necessidade de outras considerações, se impõe julgar improcedente este vício.



4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:

- revogar parcialmente a sentença, julgando procedente a impugnação judicial no que toca às liquidações identificadas nos pontos 3 a 17, 20, 25, 29 e 30 do probatório, que se anulam com todas as legais consequências;

- confirmar a sentença na parte restante, mantendo as liquidações identificadas nos pontos 18, 19, 21 a 24, 26 a 28 e 31 a 34 do probatório.



Custas por ambas as partes, em 1ª instância e no recurso, na proporção do seu decaimento.

Lisboa, 26 de Junho de 2019. - Dulce Manuel Neto – (relatora por vencimento) - Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo, vencida segundo voto que anexo.

Voto de vencida

Não acompanho a decisão que logrou vencimento na parte em que decidiu que:
«O que significa que no âmbito do procedimento expropriativo e na realização dos actos de expropriação, designadamente na execução do acto de pagamento da indemnização devida aos sujeitos expropriados, a concessionária actuou em nome do Estado, ainda que sobre ela tenha recaído, por força de norma contida n° 2 do Base VII, a obrigação de suportar não só essa indemnização como todos os custos inerentes à condução do processo expropriativo,
Por conseguinte, e ainda que a propriedade dos bens expropriados venha a ser atribuída ou transferida para a concessionária enquanto destinatária final da propriedade desses bens, o certo é que isso se torna irrelevante para a questão em análise, tendo em conta que as liquidações cuja legalidade se discute dizem respeito ao IMT (e não ao IMI) e têm de ser analisadas à luz do acto a que funcionalmente foram reportadas.
Termos em que, sem necessidade de outras considerações, se impõe julgar procedente o vício de violação de lei por inexistência do facto tributário relativamente actos de liquidação identificados nos pontos 18, 19, 21 a 24, 26 a 28 e 31 a 34 do probatório.», pelas razões que passo a expor.
De modo nenhum se pode, em meu entender, considerar que no âmbito do procedimento expropriativo e na realização dos actos de expropriação, designadamente na execução do acto de pagamento da indemnização devida aos sujeitos expropriados, a concessionária actuou em nome do Estado. O processo expropriativo foi desenvolvido e levado a termo pela recorrente, o valor da indemnização foi estabelecido pelo acordo que firmou, sem qualquer assentimento ou mero conhecimento de uma pretensa tutela administrativa, e, o acto de pagamento foi por ela realizado com bens próprios.
Alega a recorrente que: «Ao contrário do entendido pela sentença recorrida, a Metro Mondego, S.A, é, em face dos artigos 1.º e 3.º do DL n.º 10/2002, de 24.01, e dos seus estatutos, anexos a tal diploma, uma sociedade comercial anónima, mas não de natureza de direito privado»
O regime jurídico do sector empresarial do Estado e das empresas públicas, à data dos factos tributários constava do DL n.º 558/99, de 17 de Dezembro que tinha vindo consagrar soluções jurídicas ditadas pela preocupação de criar um regime muito flexível, susceptível de poder abranger as diversas entidades que integravam o sector empresarial do Estado e que deixaram de estar submetidas à disciplina do Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril (lei de bases das empresas públicas). A sua linha essencial é a eleição do direito privado como o direito aplicável por excelência a toda a actividade empresarial, seja ela pública ou privada. Este diploma foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 133/2013, de 03 de Outubro que não abandonou tal linha essencial de regulamentação.
O regime jurídico do sector empresarial do Estado e das empresas públicas, constante do DL n.º 558/99, de 17 de Dezembro aplicava-se às empresas detidas, directa ou indirectamente, por todas as entidades públicas estaduais, art.º 1.º, n.º 2. A empresa impugnante era à luz do art.º 3.° daquele diploma uma empresa pública de tipo societário por ser uma sociedade anónima, de capitais exclusivamente públicos, constituída nos termos da lei comercial, na qual o Estado e outras entidades públicas estaduais exercem de forma directa uma influência dominante que lhes advém da detenção da maioria do capital e dos direitos de voto.
O regime jurídico do Sector Empresarial do Estado (SEE) constituído pelo conjunto das unidades produtivas do Estado, organizadas e geridas de forma empresarial, onde se integram as empresas públicas consta, actualmente do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de Outubro nele se estabelecendo, art.º 14.°, que:
«1 - Sem prejuízo do disposto na legislação aplicável eis empresas públicas regionais e locais, as empresas públicas regem-se pelo direito privado, com as especificidades decorrentes do presente decreto-lei, dos diplomas que procedam à sua criação ou constituição e dos respectivos estatutos.
(…)
4 - As empresas públicas estão sujeitas a tributação directa e indirecta, nos termos gerais.»
Importa, pois, analisar; para a decisão do recurso, se à luz do DL n.º 558/99, de 17 de Dezembro a recorrente integrada no Sector Empresarial do Estado beneficia de isenção de IMT relativamente aos bens imóveis que adquiriu.
A empresa impugnante integra o sector empresarial do Estado sendo uma Entidades Públicas Reclassificadas visto tratar-se de uma entidade que, na sua génese jurídica, constituindo o sector público empresarial, por força da Lei de Enquadramento Orçamental e dos critérios definidos no SEC – Sistema Europeu de Contas Nacionais, foi objecto de reclassificação para o âmbito das administrações públicas, sendo as suas contas relevantes para efeitos de apuramento dos agregados das contas públicas.
O Decreto-Lei n.º 70/94, de 3 de Março, estabeleceu o primeiro regime jurídico de exploração do metropolitano ligeiro de superfície nos municípios de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã, que, essencialmente, consagrava a atribuição da exploração desse sistema, em exclusivo, a uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, a qual veio a ser constituída no dia 20 de Maio de 1996, sob a firma Metro-Mondego, S. A., cujo capital social era maioritariamente detido pelos referidos Municípios. Com o Decreto-Lei n.º 179-A/2001, de 18 de Junho a elaboração e o desenvolvimento daquele projecto procedeu-se à introdução de novos elementos que lhe aportassem maior dinamismo e flexibilidade operacional, designadamente, através da participação do Estado e da Rede Ferroviária Nacional - REFER, E. P., no capital social da sociedade, dotando-a dos meios necessários e adequados à prossecução do seu objecto o que implicou a alteração do quadro legal existente, adaptando-o à nova realidade, por forma a consolidar a participação do Estado e da Rede Ferroviária Nacional- REFER, E, P. no capital social da Metro - Mondego, S.A., estabelecendo um novo regime jurídico e fazendo aprovar as bases de concessão da exploração e os novos estatutos da sociedade constante do Decreto- Lei n.º 10/2002, de 24 de Janeiro. Este diploma atribuiu à Metro-Mondego, S. A., em exclusivo, a concessão, em regime de serviço público, da exploração de um sistema de metro ligeiro de superfície nos municípios de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã nos termos da qual estava autorizada a proceder à subconcessão, total ou parcial, das actividades que constituem o objecto da sua concessão.
Quando a impugnante se propôs proceder ao lançamento de um concurso público para adjudicação de duas subconcessões, o legislador entendeu proceder a algumas modificações ao citado Decreto-Lei n.º 10/2002, bem como nas bases da concessão que aquele diploma aprovou através do Decreto-Lei n.º 226/2004 de 6 de Dezembro. Neste diploma, para além do alargamento do prazo da concessão, adaptou o regime procedimental previsto para o lançamento do concurso à disciplina do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, admitiu a escolha de soluções tecnológicas diferentes no que concerne aos meios de transporte a utilizar, definiu em que termos podiam ser atribuídas compensações financeiras pela obrigação da prestação de serviço público de transporte de passageiros, limitou a realização pela Metro-Mondego, S.A., de obras de requalificação ou de inserção urbana, modificou os critérios que presidiam à adjudicação das subconcessões, determinou que os preços a apresentar em áreas de investimento devem ser fixos e não revisíveis e, alterou algumas normas do Decreto-Lei n.º 10/2002, de 24 de Janeiro, e das respectivas bases.
A concessão rege-se pelas bases da concessão que constam do anexo I ao do Decreto-Lei n.º 226/2004 de 6 de Dezembro e que dele fazem parte integrante, art.º 1, n.º 3, é atribuída pelo prazo de 40 anos, prorrogável nos termos previstos nas bases de concessão. Estabelece-se, no n.º 3 do art.º 3.° que «A Metro-Mondego, S.A., fica dispensada da outorga de escritura pública para as alterações estatutárias resultantes do documento mencionado no número anterior, servindo a presente publicação no Diário da República como titulo bastante para a perfeição e validade destes actos e, bem assim, para o respectivo registo.».
A recorrente é uma sociedade anónima cujo objecto social é a concepção, projecto, realização das obras de construção, fornecimento e montagem do material circulante e dos demais equipamentos que constituem o sistema de metro e a sua exploração, podendo ainda exercer as actividades autónomas referidas na Base II do DL n.º 10/2002.
A recorrente está autorizada, para a prossecução do objecto da concessão, a proceder à contratação, nomeadamente através da subconcessão total ou parcial, por concurso, das prestações necessárias à concepção e projecto, à realização das obras de construção, ao fornecimento, montagem e manutenção do material circulante e dos demais equipamentos que constituem o sistema, e, à sua exploração.
Em face do Decreto-Lei n.º 558/99 a empresa impugnante apresenta-se como uma empresas pública do tipo societário na medida em que se trata de uma sociedades constituídas nos termos da lei comercial relativamente à qual o Estado exerce, directa ou indirectamente, uma influência dominante e não, como parece pretender a impugnante uma Entidade Pública Empresarial (EPE), expressamente qualificadas como «pessoas colectivas de direito público, com natureza empresarial» - como ocorre com as empresas públicas ainda existentes que eram reguladas pelo Decreto-Lei n.º 260/76 - e que poderão ser tidas como empresas públicas de base institucional (artigos 23° e 24º).
As empresas públicas sob a forma societária regem-se, em geral, pelo direito privado com particular destaque para o direito comercial e apenas com intervenção subsidiária do direito civil (artigo 7°, n.º 1), com ressalva das disposições específicas do Decreto-Lei n.º 558/99 e das que constem dos respectivos estatutos, estando sujeitas às regras da concorrência (artigo 8º, n.º 1).
Não está liberta de dificuldades a determinação da natureza jurídica das empresas públicas do tipo societário. Serem constituídas nos termos da lei comercial, por força do disposto no artigo 3°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 558/99 pode ter em vista uma forma organizatória jurídicoprivada ou, apenas reportar-se ao seu modo de constituição. Cremos contudo que, na lógica do diploma e, especificamente tendo em conta os estatutos da impugnante e também as imposições constantes do contrato de concessão se poderá pender para que, mais que o momento inicial de constituição da sociedade com a possibilidade de esta ser instituída através de contrato de sociedade titulado por escritura pública, nos termos previstos no artigo 7°, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, está aqui em causa a criação de uma entidade privada que segue o formato exclusivo do direito privado, particularmente com respeito pela lei comercial, quer na sua organização, quer no seu funcionamento ainda que com condicionantes de direito público atenta o serviço público que presta. A impugnante enquanto sociedade anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos é um sujeito de direito privado e actua, em regra, segundo um regime de direito privado, ainda que excepcionalmente, intervenha no uso de prerrogativas de autoridade ou segundo normas ou princípios de direito administrativo, que lhe são atribuídos pelos estatutos que carecem de aprovação do Estado e, por efeito do contrato de concessão, para prosseguir fins de interesse público. Índice de assim ser encontra-se, entre outros no art.º 18.° do referido diploma que equipara as empresas públicas a entidades administrativas quando haja de ser determinada a competência para julgamento dos litígios, incluindo recursos contenciosos, respeitantes a actos praticados e a contratos celebrados no exercício dos poderes de autoridade a que se refere o artigo 14.°, sendo competentes os tribunais comuns para conhecer de todos os restantes litígios.
A impugnante enquanto sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e integrando o sector público empresarial não se confunde com o Estado, sendo dele entidade diversa. O Estado é um mero accionista da empresa, ainda que com um poder privilegiado relativamente aos demais accionistas como se detivesse qualificados direitos de voto que ultrapassam o mero peso da sua participação social no capital da empresa. Como sócio accionista, no que entende ser o melhor interesse societário concede poderes de autoridade à impugnante, nomeadamente para desenvolver processos expropriativos tendentes a realizar o fim social de implementação e exploração do metro de superfície. Nos poderes de autoridade que lhe foram conferidos contam-se a autorização de a recorrente, enquanto entidade expropriante tomar posse administrativa dos bens a expropriar, nos termos do disposto nos art.º 15.° e 19.° do Código de expropriações como consta Despacho n.º 13230/2007 da Secretária de Estado dos Transportes de 22 de Maio de 2007, com indicação de (…) Os encargos financeiros com a expropriação são da responsabilidade da sociedade Metro-Mondego, S. A., dispondo esta de fundos caucionados que permitem custear o pagamento das indemnizações». Desse despacho consta a necessidade de que a entidade expropriante tome posse dos bens a expropriar para poder executar as obras de implementação do metro e nele se elege esta como entidade expropriante e não como mero representante do Estado nesse processo expropriativo.
Como fez relativamente à escritura pública de constituição da sociedade, o Estado na sua veste estadual, e, não na sua veste accionista, pode conceder isenção de impostos, derrogar formalidades ou investir a empresa impugnante de certos poderes de autoridade. A empresa, nem por isso perde a sua natureza de entidade privada, de empresa que realiza o seu fim societário, como não perde a natureza de empresa privada qualquer empresa, em qualquer ramo de actividade, a quem o Estado legislador conceda benefícios fiscais, ou pontualmente desobrigue de cumprir formalidades legais que doutro modo teria que observar. Se a impugnante fosse uma empresa pública com natureza pública, uma pessoa colectiva de direito público não haveria espaço para que estivesse submetida ao direito comercial e ao direito privado. Toda a lógica legislativa do Decreto-Lei n.º 558/99 e actualmente do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de Outubro assenta na necessidade de o Estado e outros entes públicos passarem a desenvolver actividades económicas sob a égide de regime de direito privado de todo afastado daquele que há muito rege as Entidades Públicas Empresariais (EPE), expressamente qualificadas como «pessoas colectivas de direito público, com natureza empresarial» para as quais era mais que suficiente a regulamentação do Decreto-Lei n.º 260/76. Nestas entidades já se adopta uma lógica empresarial ao nível da gestão, que demonstrou ser mais adequada para o desenvolvimento das actividades empresariais que são o seu objecto.
Porém, a recorrente não é uma empresa pública que adopte uma gestão privada, é uma sociedade privada de natureza jurídica privada que em muito ultrapassa os seus critérios de gestão, que, excepcionalmente e em situações pré-estabelecidas no contrato de concessão é investida de particulares poderes de autoridade, reservados aos entes públicos, mas que estes podem ceder a entidades privadas, temporariamente.
Para a realização do seu objecto social principal a recorrente adquiriu imóveis por compra e venda e em processo expropriativo amigável.
Como empresa privada celebrou contratos de compra e venda de imóveis que integram o seu património, não suscitando qualquer dúvida que essa aquisição importa o pagamento de IMT - art.º 1.º e 2.º do Código do IMT.
Como empresa privada pagou indemnização fixada por acordo em processo expropriativo onde foi declarada a utilidade pública da expropriação argumentando que adquiriu tais bens em nome e para o Estado, estando por isso isenta de IMT tal aquisição de imóveis.
O Prof. Marcelo Caetano, definia a expropriação por utilidade pública como uma relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em um fim especifico de utilidade pública extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a este pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização, in João Melo Franco/Herlânder Antunes Martins, "Dicionário de Conceitos e Princípios Jurídicos", 3ªed., rev. e act.,Almedina, Coimbra, pág. 415, indicando o Prof Alves Correia «ser ela um acto de autoridade que tem como efeito típico a privação e a transferência da propriedade em proveito de um terceiro beneficiário, ou ainda qualquer constituição de direitos reais ou em proveito do Estado ou de um terceiro por motivos de interesse geral» o que logo conduz à conclusão que a circunstância de ter havido um processo expropriativo por si só nada diz sobre o proprietário do bem expropriado: será o Estado ou o terceiro por este indicado, consoante as situações. Como, a existência de processo expropriativo, por si só não define se a entidade expropriante intervém no processo por si, ou em representação do Estado.
Tendo-se tornado necessária a aquisição de bens imóveis que a recorrente não conseguiu adquirir por contrato de direito privado, e que se tornava necessário adquirir por causa de utilidade pública compreendida no seu objecto social - implementação do Metro Mondego - a recorrente requereu à autoridade administrativa competente a declaração de utilidade pública da respectiva expropriação em conformidade com o disposto nos artigos 1.º, 4.º, 10.º, 11.º, 12º do Código das Expropriações. A declaração de utilidade pública para a qual apenas entes administrativos têm competência, art.º 14.° do Código das Expropriações foi concretizada em acto administrativo, que lhe conferiu carácter de urgência referindo que a entidade expropriante, aqui recorrente, dispunha dos fundos necessários a pagar a indemnização correspondente e, tratando-se de entidade privada concessionária de serviço público, autorizou ainda esta a tomar posse administrativa dos bens a expropriar, em conformidade com o art.º 19.º do Código das Expropriações. Em seguida abriu-se o processo de expropriação amigável vindo a ser adquirida pela expropriante, aqui recorrente, por acordo com os expropriados, a propriedade dos bens, tudo em conformidade igualmente com o estatuído na Base VII, firmado em auto de expropriação amigável de que foi outorgante.
O Código das Expropriações reconhece expressamente que entidades privadas sejam entidades expropriantes e que possam exercer poderes públicos de autoridade, nomeadamente, no que concerne à posse administrativa, quando sejam entidades privadas concessionárias de serviços públicos, art. 19°, referindo ainda o art. 42° que "compete à entidade expropriante, ainda que seja de direito privado, promover, perante si, a constituição da arbitragem". A expressão entidade expropriante refere-se quer à entidade que beneficia da expropriação, entidade que declara a utilidade pública da expropriação e autoriza a posse administrativa do bem, quer à entidade que requer a utilidade pública da expropriação e conduz o procedimento e o contencioso indemnizatório sendo responsável pelo pagamento da indemnização, sendo este último o caso da recorrente.
A Base VII, sob a epígrafe - Servidões e expropriações - especificamente regula, no seu número 2, que a recorrente suporta os custos com as aquisições de imóveis necessários à implementação do sistema Metro Mondego, seja por via do direito privado seja por via de expropriação.
Na lógica do diploma, a expressão actuando em nome do Estado no n.º 1 da Base VII, tendo em conta o objecto social da recorrente - construção e exploração do Metro Mondego - a expressa e individualizada estatuição de que, durante a vigência da concessão é titular do direito de propriedade dos bens que lhe sejam afectos e não pertençam ao domínio público, como ocorre com os bens que expropriou, que reverterão para o Estado no fim do prazo de concessão, há-de interpretar-se como reportando-se a: «usando em seu benefício o poder expropriativo do Estado». A admitir-se que tal expressão indica quem é o adquirente dos bens a adquirir por expropriação, a mesma apresenta-se em frontal conflito com todo o restante diploma e também com o texto do acto administrativo de declaração de utilidade pública que se lhe seguiu e antecedeu as concretas expropriações de imóveis. Neste caso, se os bens adquiridos em processo expropriativo tivessem sido adquiridos pelo Estado apenas representado pela recorrente, sempre faltaria o acto translactivo do direito de propriedade desses bens da esfera do Estado para a esfera da recorrente. Não há qualquer menção no título transmissivo do direito de propriedade sobre os bens expropriados que a recorrente neles actua em representação do Estado.
Por se tratar de uma transmissão, a título oneroso, do direito de propriedade sobre bens imóveis situados no território nacional, sem que o Código do IMT exija que se trate de uma aquisição originária ou derivada desse direito ou faça distinção entre direito de propriedade perpétuo ou temporário, encontram-se preenchidos os requisitos das normas de incidência do referido imposto, art.º 1.º transmissões onerosas de imóveis, qualquer que seja o título por que se operem – e 2.º n.º 1 – do direito de propriedade - do Código do IMT seja nas aquisições por contrato de compra e venda seja por aquisições em processo expropriativo amigável. O número 2 do art.º 2.º do IMT exemplifica situações que, para efeitos de IMT integram, também, o conceito de transmissão de bens imóveis, não coincidente com o conceito correspondente do direito civil, sem que exija que cada situação obtenha assento numa das suas alíneas, posto que caia no âmbito da «cláusula» geral enunciada no seu número 1, como acontece na situação sub judice.
O Estado, e não só o Estado português, sentiu necessidade de criar parcerias público-privadas para melhor afrontar as dificuldades da vida económica sobretudo ao nível da construção de infra-estruturas. Portugal adoptou na década de 90 do século XX, de forma entusiástica as Private Finance Iniciative (PFI) introduzidas em 1992 no Reino Unido e que provocaram uma profunda alteração na lógica e expectativas que rodeavam até então os serviços públicos pelo recrutamento no sector privado de financiamento e entes capazes de assumir a concepção, construção, manutenção e gestão dos serviços públicos. O Estado decidiu manter serviços públicos cujo encerramento seria impopular, e, face à dificuldade de os sustentar, aliou-se ao sector privado em desenvolvimento com capacidade técnica, científica e financeira para desenvolver empreendimentos que aparentavam ser demasiado arriscados suportando o ente privado o risco da implementação e exploração do serviço e/ou participando no empreendimento com capital.
Nesta situação de parceria-público privada, de tipo contratual, por se suportar no contrato de concessão de serviço público, cujo objecto é o serviço público de metro de superfície o Estado transferiu para a impugnante durante a vigência do acordo as prerrogativas de proprietário, reavendo-as no final do contrato.
Bem certo que a capacidade de exercício da impugnante diverge, em alguns aspectos que menciona nas alegações, das sociedades anónimas de direito privado. Mas a sua capacidade de exercício inclui:
• a possibilidade de subcontratação total ou parcial das prestações necessárias à concepção e projecto, à realização das obras de construção, ao fornecimento, montagem e manutenção do material circulante e dos demais equipamentos que constituem o sistema e à sua exploração - art.º 4.°, n.º 1 do DL 10/2002;
• a possibilidade de contratação para a fiscalização das prestações necessárias à concepção e projecto, à realização das obras de construção, ao fornecimento, montagem e manutenção do material circulante e dos demais equipamentos que constituem o sistema e à sua exploração - art.º 4.°, n.º 6 do DL 10/2002;
• a possibilidade de exercer as seguintes actividades autónomas:
a) Exploração comercial, directa ou indirecta de estabelecimentos comerciais, escritórios, salas de exposições, máquinas de venda de produtos e serviços de publicidade aposta nas instalações do sistema ou no material circulante;
b) Promoção, directa ou indirecta, da construção ou venda de edifícios para fins comerciais, industriais ou residenciais nos terrenos ou edifícios que integrem o seu património, nomeadamente, devido a entradas dos accionistas;
c) Prestação de serviços, nomeadamente de consultadoria e de apoio técnico;
d) Transferência de tecnologia e de know-how- Base II, n.º 2.
. a possibilidade de, para o desenvolvimento das actividades autónomas referidas nesta base, ou outras, criar empresas total ou parcialmente por si detidas, ou tomar participações no capital de outras empresas - Base II, n.º 4;
Pese embora se considerarem afectos à concessão, para além dos bens que integram o seu estabelecimento, todos os bens móveis ou imóveis, corpóreos ou incorpóreos, assim como todos os direitos ligados directa ou indirectamente à implantação e exploração do sistema, a impugnante é deles proprietária excepto daqueles que pertençam ao domínio público, como ocorre com os bens do domínio público ferroviário, Base VI, n.º 5.
Não há qualquer indicação na lei de que este direito de propriedade seja coisa diversa do direito de propriedade privada ainda que só os possa alienar com autorização prévia do ministro da tutela sectorial posto que essa alienação não esteja prevista para os bens do domínio público ou não se trate de bens consumíveis ou da mera substituição de bens perecíveis ou deterioráveis - Base VI. A necessidade dessa autorização prende-se com os deveres de fiscalização do ente público de estar efectivamente a ser prosseguido o interesse público de prestação do serviço público que esteve na origem da celebração do contrato de concessão e com questões de dominialidade visto não estar em causa qualquer um dos bens do domínio público do estado, definido no art.º 4 do Decreto-Lei n.º 477/80 de 15 de Outubro que criou o inventário geral dos elementos constitutivos do património do Estado.
O momento de extinção da concessão titulada por contrato que coincidirá com o momento de extinção do direito de propriedade privada da recorrente sobre os bens que integrem o seu estabelecimento, todos os bens móveis ou imóveis, corpóreos ou incorpóreos, assim como todos os direitos ligados directa ou indirectamente à implantação e exploração do sistema, revertem, sem qualquer indemnização, para o Estado, livres de quaisquer ónus ou encargos e em perfeitas condições de operacionalidade, utilização e manutenção. Contudo, pode haver lugar a indemnização quanto a bens cuja vida económica ao tempo da reversão ou respectiva data de investimento justifique o justo ressarcimento da concessionária - Base VI.
A impugnante pode contrair financiamentos junto de entidades terceiras, nomeadamente instituições financeiras nacionais ou internacionais, sem consulta prévia aos ministros que detenham a tutela financeira e a tutela sectorial, quando tal não coloque em risco os rácios de solvabilidade da concessionária julgados aceitáveis segundo uma gestão prudente e criteriosa. Pode suportar os custos relativos a obras fora do canal afecto ao sistema que:
a) Visem exclusivamente a reposição de uma situação equivalente àquela que existia antes de se iniciarem as obras;
b) Sejam susceptíveis de, comprovadamente demonstradas, gerar para a concessionária receitas cujo valor actualizado líquido seja equivalente ou superior ao valor actualizado líquido das respectivas despesas. - Base VIII.
A impugnante é uma sociedade anónima, com capital social de 1 075 000,00€ distribuído pelos seguintes accionistas: Estado (53%), Município de Coimbra (14%), Município da Lousã (14%), Município de Miranda do Corvo (14%), IP- Infra-estruturas de Portugal (2,5%), CP-Comboios de Portugal (2,5%), perante quem tem que prestar contas estando vinculada a uma gestão prudente e criteriosa. Não se localiza um substrato de onde possa emergir a qualificação jurídica de ser a empresa impugnante titular de um direito de domínio público ou de propriedade pública por não ser um ente público, mas uma sociedade anónima de direito privado. Não tem qualquer enquadramento, mesmo erigindo a sua qualidade de concessionária exclusiva de um serviço público de transportes, na alínea a) do art.º Artigo 6º do Código do IMT por não ser Estado, Regiões Autónoma, as Autarquias Locais, Associação ou Federações de Municípios de direito público, ou quaisquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, e sem carácter empresarial,
O direito de propriedade dos bens que estão afectos à concessão e do qual a concessionária é titular durante a concessão é um direito de propriedade privada cuja transmissão cabe nos art,º 1.º e 2.° do CIMT e não um direito de domínio público ou de propriedade pública concessionada excluída dessa incidência. Casos há, como se referiu, que a liberdade de transmissão do direito privado, inter vivos ou mortis causa, está limitada por força de regras legais ou convencionais. Todavia nem o direito de propriedade é um direito absoluto que não suporte qualquer limitação sem afrontar a Constituição da República Portuguesa, nem a sua limitação foi imposta à impugnante que nela anuiu ao candidatar-se e vincular-se à concessão exclusiva de implementação e exploração do metro do Mondego.
O direito de propriedade da recorrente sobre os móveis e imóveis a que se refere a Base VI é um efectivo direito de propriedade inscrito na sua esfera jurídica, ainda que sujeito a termo resolutivo (uma vez que se extingue no termo do prazo da concessão ou das suas renovações) e a condição resolutiva (no caso de extinção antecipada da concessão). Trata-se de um direito de propriedade plena ainda que temporária, com origem legal e admitida no âmbito do Direito civil, n.º 2 do artigo 1307° do Código civil e não de um direito de superfície - direito real menor, que confere ao superficiário o poder de construir ou manter uma obra ou fazer e manter uma plantação ‘sobre’ ou ‘sob’ um imóvel -.
Os bens que integram a concessão ou são já bens do domínio público ou são bens que os seus accionistas lhe permitem adquirir fornecendo os meios financeiros necessários à realização dos negócios de compra e venda, e pagamento de indemnizações em caso de expropriações.
A previsão legal de um direito de reversão automática do direito de propriedade para o Estado no fim da concessão dos bens a ela afectos e sem qualquer indemnização (afora os casos excepcionais enunciados) apenas sujeita à formalidade da realização de uma vistoria ad perpetuam rei memoriam (constante do n.º 7 da Base Vl), só pode querer traduzir a ideia de que esses bens afectos à concessão são tidos pelo legislador como bens que, pelo menos transitoriamente, não estavam na esfera jurídica patrimonial do Estado porque se estivessem no domínio público ou no domínio privado do próprio Estado, como propriedade sem qualquer limitação ou compressão, não faria sentido estatuir que revertiam para a esfera jurídica onde, nesse entendimento, sempre tinham estado, nunca tinham deixado de estar. Trata-se de uma categoria de parceria público privada usual - BOOT (build, own, operate, transfer), segundo a classificação do F.M.I..
A recorrente é titular dos bens imóveis que integram a concessão por os ter adquirido por contrato de compra e venda e por expropriação amigável, aí residindo o substrato de incidência subjectiva de IMT.
Apesar disso, nos termos do disposto no Artigo 6°, alínea c) do Código do IMT a impugnante poderia beneficiar de isenção daquele imposto na aquisição de imóveis por contrato de compra e venda ou por expropriação se tal isenção constasse de acordo entre o Estado e a impugnante, mas tal acordo não existe. Com efeito contrariamente ao que foi estabelecido no art.º 3.°, n.º 3 do DL 10/2002, a Metro-Mondego, S. A., que ficou dispensada da outorga de escritura pública para as alterações estatutárias resultantes desse diploma, servindo a publicação dele e seus anexos no Diário da República como título bastante para a perfeição e validade destes actos e, bem assim, para o respectivo registo, não obteve similar acordo quanto à isenção do IMT, aqui em discussão.
Todo o contrato de concessão tem que ser visto à luz de uma significativa alteração do entendimento do papel do Estado na economia e, especificamente, como uma forma de satisfação das necessidades colectivas a que é associado o reforço da participação de entidades privadas na governação pública com aproveitamento de fontes de financiamento, e práticas de gestão privadas que concorrem, ou se pretende que contribuam para aumentar a capacidade de realização de projectos públicos, melhorar a qualidade dos serviços públicos e proporcionar a obtenção de Value for Money (VfM) - combinação de poupança, qualidade, ou valor acrescido - na utilização dos dinheiros públicos, bem como a partilha de riscos no decorrer do projecto.
Bem certo que tal isenção foi concedida à empresa Metro do Porto, S.A. Base XII do Decreto-Lei n.º 192/2008 de 1 de Outubro [...]
1 - A concessionária está isenta de imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis (IMT) nas aquisições, a qualquer título, dos imóveis necessários para a prossecução do seu objecto social principal, ao abrigo da alínea c) do artigo 6.° do Código do IMT.
A circunstância de ter sido concedida expressamente tal isenção à empresa Metro do Porto, S.A é um índice de que na ausência de tal normativo aquela empresa seria tributada em sede de IMT pela aquisição dos bens imóveis que careceu para implementação e desenvolvimento da actividade que lhe havia sido concessionada, também de implementação e exploração do meio de transporte - metropolitano, fosse por contrato de compra e venda fosse por processo expropriativo.
Em conclusão:
A impugnante adquiriu para si, em seu nome, e sem estar provida e no uso de poderes de representação do Estado, por contrato de compra e venda e por acordo firmado em processo expropriativo a propriedade de certos bens imóveis e, na qualidade de proprietária actual deles, no momento da aquisição terá de suportar o IMT que liquidou visto preencher as condições de incidência do imposto - art.º 1.º e 2.°, n.º 1, 4.° do Código do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) aquisição onerosa do direito de propriedade sobre bens imóveis, qualquer que seja o titulo por que se operem - sem ter qualquer enquadramento nas normas de isenção, nomeadamente na invocada – art.º 6.°, alínea a) do Código do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT).
Lisboa, 26 de Junho de 2019.
Ana Paula Lobo.

Segue acórdão de 9 de Outubro de 2019:

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. O Representante da Fazenda Pública, notificado do acórdão prolatado nesta Secção em 26 de Junho de 2019, vem, ao abrigo do disposto no art.º 616º, nº 2, alínea b), e no art.º 666º, ambos do Código de Processo Civil, requerer a sua reforma, invocando a existência de um lapso na sua parte dispositiva.

Aduziu, para o efeito, a seguinte argumentação:

«(...).

2. Para o que aqui nos interessa, o dispositivo diz o seguinte: "Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:

- revogar parcialmente a sentença, julgando procedente a impugnação judicial no que toca às liquidações identificadas nos pontos 3 a 17, 20, 25, 29 e 30 do probatório, que se anulam com todas as legais consequências;

- confirmar a sentença na parte restante, mantendo as liquidações identificadas nos pontos 18, 19, 21 a 24, 26 a 28 e 31 a 34 do probatório. ".

3. No nosso entendimento, parece-nos ter-se verificado um lapso na formulação do dispositivo uma vez que, salvo melhor análise, nos parece ser exactamente o contrário do que ficou expresso.

Senão vejamos,

4. Na análise do STA relativamente ao alegado vício de violação da lei por inexistência do facto tributário (ponto 3.1, fls. 30 e seguintes) concluiu-se (fls. 45) que: "Termos em que ocorre a invocada inexistência de facto tributário produtor de efeitos relativamente à concessionária no que diz respeito aos actos identificados nos pontos 18,19, 21 a 24, 26 a 28 e 31 a 34 do probatório";

5. Nenhum dos outros vícios alegados pela Recorrente (pontos 3.2 e 3.3) foi considerado procedente.

6. Pelo que, salvo melhor opinião, nos parece que o dispositivo se encontra em contradição com os entendimentos anteriormente adoptados relativamente às questões aqui em causa.

7. Isto é, concretizando, decide-se manter na ordem jurídica as liquidações que anteriormente considerou ilegais e julga procedente a impugnação relativamente às liquidações relativamente às quais não encontrou qualquer vício que as invalide.

8. Pelo que formalmente se pede a reforma do acórdão ao abrigo da alínea b) do artigo 616º, nº 2 do Código do Processo Civil com base na divergência apontada.

9. Porque nesta situação claramente se verifica um erro manifesto na formulação do dispositivo do presente acórdão, com origem num lapso que nos parece evidente e incontroverso e que, se eventualmente não for corrigido, constituirá uma flagrante injustiça que é imperioso evitar a todo o custo.

(...)

Nestes termos e nos demais de Direito se requer que seja efectuada a REFORMA do presente Acórdão, corrigindo-se o lapso verificado e retiradas as devidas consequências legais.»


2. Não foi apresentada contestação ao pedido de reforma.

3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser deferido o pedido, tendo em conta que «Analisando os autos, concluímos assistir razão à requerente. Efectivamente está patente, no douto acórdão, erro manifesto entre as premissas e a sua conclusão, vício que se mostra sanável nos termos legais atrás citados e por se mostrar tempestivo».

4. Cumpre apreciar e decidir em conferência.

5. Como se viu, a Fazenda Pública pretende a reforma do acórdão face a um lapso que constaria da sua parte dispositiva.

No que lhe assiste inteira razão.

Efetivamente, é patente o lapso cometido no acórdão em questão, pois que da sua motivação jurídica decorre à evidência que nele se julgou verificada «a invocada inexistência de facto tributário produtor de efeitos relativamente à concessionária no que diz respeito aos actos identificados nos pontos 18, 19, 21 a 24, 26 a 28 e 31 a 34 do probatório», sendo estes os actos tributários cuja julgada ilegalidade conduziu à sua anulação e determinou a revogação parcial da sentença recorrida. E todos os demais actos (identificadas nos pontos 3 a 17, 20, 25, 29 e 30 do probatório) foram mantidos na ordem jurídica.

Pelo que ocorreu um lapso de escrita na formulação do dispositivo, por nele se ter deixado consignada a anulação das liquidações identificadas nos pontos 3 a 17, 20, 25, 29 e 30, e a manutenção das liquidações identificadas nos pontos 18, 19, 21 a 24, 26 a 28 e 31 a 34, quando se queria escrever precisamente o contrário.

E porque não se trata de um erro de julgamento, mas de um lapso de escrita, é legalmente possível a reforma do acórdão, tal como pretendido.

Termos em que importa rectificar o lapso cometido, passando a constar da parte dispositiva do acórdão o seguinte:

«- revogar parcialmente a sentença, julgando procedente a impugnação judicial no que toca às liquidações identificadas nos pontos 18, 19, 21 a 24, 26 a 28 e 31 a 34 do probatório, que se anulam com todas as legais consequências;

- confirmar a sentença na parte restante, mantendo as liquidações identificadas nos pontos 3 a 17, 20, 25, 29 e 30 do probatório.».

6. Termos em que se acorda em deferir a requerida reforma e se determina que o segmento decisório do acórdão proferido em 26 de Junho de 2019 seja rectificado nos termos supra expostos.

Sem custas.

Lisboa, 9 de Outubro de 2019. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão Lopes – Suzana Tavares da Silva.