Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0507/14
Data do Acordão:06/18/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:GARANTIA BANCÁRIA
FIANÇA
IDONEIDADE DA GARANTIA
Sumário:I – Apesar da falta de definição legal de “garantia idónea”, não pode deixar de concluir-se, em face das normas contidas nos arts. 169º, 199º e 217º do CPPT e art. 52º da LGT, que essa idoneidade depende da capacidade de, no caso de o órgão da execução ter de accionar a garantia prestada (ou, mais precisamente, de efectuar o pagamento da dívida em cobrança através do património do garante), ela se mostre apta a assegurar essa cobrança.
II – Desde que se verifique que a garantia oferecida detém, em concreto, essa capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a cobrança da dívida garantida, ainda que sem onerar ou afectar de forma grave os interesses legítimos do executado, não há como recusar a sua idoneidade para o fim em vista.
III – Na garantia bancária autónoma - seja ela simples seja ela «in first demand» – o garante responsabiliza-se perante o credor pelo pagamento de uma obrigação própria e não pelo cumprimento de uma obrigação alheia (do executado/devedor), embora se destine a proteger o credor contra o risco de incumprimento por parte do devedor.
IV – Perante a garantia bancária oferecida há que aferir se ela constitui uma garantia autónoma ou, pelo contrário, uma garantia não autónoma, uma garantia acessória, uma fiança que permita à entidade bancária recusar o pagamento da dívida garantida através da invocação de excepções que os executados possam invocar perante o exequente, como será, por exemplo, a inexigibilidade da dívida ou a sua extinção por prescrição, no caso de se tornar necessário efectuar o pagamento da dívida exequenda através do património da entidade garante.
V – Resultando da interpretação do contrato de garantia bancária oferecida que o compromisso assumido pela entidade bancária é acessório, tendo o mesmo conteúdo da obrigação dos executados, podendo recusar o pagamento ao abrigo da cláusula 7.2, isto é, pela invocação perante a exequente de quaisquer excepções que os executados possam invocar perante esta, conclui-se que se trata de uma fiança, como resulta também do teor da cláusula 7.1, onde consta que a CGD se obriga «como fiadora e principal pagadora, com expressa renúncia ao benefício da excussão».
VI – Todavia, a circunstância de se tratar de uma fiança bancária e não de uma garantia bancária autónoma, não significa que essa garantia não seja admissível ou que não seja idónea.
VII – Desde logo, porque a jurisprudência há muito se firmou no sentido de reconhecer a admissibilidade, em abstracto, de a fiança constituir garantia idónea com vista à suspensão da execução fiscal, sendo que a sua idoneidade, em concreto, há-de resultar de uma avaliação sobre a sua susceptibilidade de assegurar o efectivo pagamento da quantia exequenda e do acrescido, o que passa necessariamente pela análise da sua concreta suficiência e solidez e pelo exame da solvência da entidade garante, não podendo recusar-se a prestação de garantia por fiança sem proceder previamente a essa avaliação, isto é, sem analisar a solidez dessa garantia e sem examinar a solvência do fiador.
VIII – Pelo que não pode rejeitar-se logo à partida uma fiança com o fundamento exclusivo de que ela é, por natureza, uma obrigação acessória e que, por isso, possibilita ao fiador opor à credora excepções que o devedor possa invocar perante esta. É certo que essa característica intrínseca da fiança leva a que se considere esta garantia uma medida de protecção menos forte do que a que é dada pela garantia bancária autónoma, e que confere menor segurança à credora/AT por receio de ver retardado o accionamento da garantia e, consequentemente, o cumprimento da obrigação de pagamento.
IX – Porém, sabido que a AT deve pautar a sua actuação de acordo com o princípio da proporcionalidade (art. 266º, nº 2, da CRP, art. 55º da LGT, art. 46º do CPPT e art. 5º, nº 2, do CPA), o que a obriga à ponderação dos interesses em jogo de molde a não sacrificar nenhum deles, não pode admitir-se esse único parâmetro, que não integra o critério legal de aferição da idoneidade da garantia.
Nº Convencional:JSTA00068773
Nº do Documento:SA2201406180507
Data de Entrada:05/06/2014
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART169 ART199 ART46.
LGT98 ART52 ART55.
CCIV66 ART627 ART634 ART236 ART601.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0126/12 DE 2012/02/15.; AC STA PROC0175/13 DE 2013/12/11.; AC STA PROC0208/12 DE 2012/03/14.; AC STA PROC034/13 DE 2013/01/30.
Referência a Doutrina:RUI MORAIS - A EXECUÇÃO FISCAL PAG77-78.
JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII ART199.
PEDRO MARTINEZ E PEDRO DA PONTE - GARANTIAS DE CUMPRIMENTO 1994 PAG49-50.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………………….e B…………………., com os demais sinais dos autos, recorrem da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a reclamação judicial que deduziram contra o acto do órgão de execução, proferido no processo de execução fiscal nº 3085201301016091 instaurado para cobrança de dívida de IMI, de não aceitação da garantia oferecida para suspender essa execução fiscal na pendência da reclamação graciosa deduzida contra o acto de liquidação de onde emerge a dívida exequenda.
Remataram as alegações do recurso com o seguinte quadro conclusivo:

A) A garantia prestada nos autos garante cabalmente os fins previstos pelo art. 169º do CPPT e demais disposições legais aplicáveis, designadamente o art. 199º do mesmo Código, as quais foram assim violadas ou erroneamente aplicadas pela entidade reclamada, razão pela qual foi apresentada a competente reclamação para o Tribunal Tributário de 1ª Instância.

B) Contudo, surpreendentemente - não se veja na surpresa qualquer sinal de desrespeito, mas uma genuína convicção de que o tribunal adoptou uma tese absolutamente insustentável - a sentença recorrida, muito embora reconheça que a garantia não tem de ser on first demand, sustenta que a garantia prestada não é idónea porque contém a limitação constante do seu ponto nº 7.2., que estipula que “a CGD poderá opor à beneficiária quaisquer excepções que os ordenadores possam invocar perante aquele”.

C) Diz-se na sentença recorrida que havendo decisão desfavorável aos reclamantes, caso estes não paguem a dívida exequenda, a AT, ainda que solicite ao banco o pagamento, “este só o fará, em caso dos ordenadores não invocarem qualquer excepção”, o que colocaria a AT numa situação de insegurança e incerteza.

D) Ressalvado o devido respeito, a cláusula em apreço está a ser lida de forma errónea.

E) Com efeito, a garantia bancária em pauta, tal como resulta do texto que a suporta, que a sentença deu por reproduzido, obedece ao seguinte regime:

• O banco assume-se como fiador e principal pagador, com expressa renúncia ao benefício da excussão, de quaisquer quantias que sejam devidas pelo ordenador à AT, em caso de incumprimento pelo ordenador da obrigação contraída (nº 7.1. da garantia), o que, in casu, obrigatoriamente se verificará na situação de não satisfação da quantia exequenda e demais acréscimos quando a oposição seja julgada de forma desfavorável a tal oponente e ordenador da garantia;

• Em conformidade, nesse quadro e ocorrendo tal incumprimento, a garantia é “incondicional e irrevogável”, como consta do n° 7.4. do seu texto.

F) Isto é, a excepção que a entidade-garante pode invocar tem apenas a ver com uma situação em que verifique que não ocorre o incumprimento cuja ocorrência determina o funcionamento da garantia, como é próprio das garantias bancárias simples.

G) Mas ocorrido o incumprimento, o que acontecerá quando o executado não paga após a eventual decisão desfavorável da oposição deduzida, é óbvio que não há qualquer excepção que o garante ou o ordenador possam invocar.

H) Deste modo a garantia bancária simples em pauta é adequada e idónea para o fim em vista, não sendo razoável exigir uma garantia bancaria autónoma, seja ou não on first demand.

I) Pelo exposto, a sentença recorrida — quando considerou inidónea a garantia bancária simples prestada nestes autos, com o fundamento de que a cláusula em apreço condicionaria a suficiência e solidez da garantia oferecida— aplicou erroneamente o regime previsto pelo art 199º do CPPT.

J) O entendimento normativo do art 199º do CPPT - no sentido da falta de idoneidade de uma garantia bancária simples, em que uma instituição bancária (in casu, a CGD) se constitui fiador e principal pagador do executado, caso este não cumpra a obrigação a que está adstrito, no quadro de um processo executivo suspenso por via de uma oposição legalmente prevista, sempre seria inconstitucional, por violar o princípio do direito a um processo equitativo previsto no art 20º da CRP, atenta a sua manifesta desproporcionalidade, o que se deixa arguido.

1.2. A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações

1.3. O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto e elucidativo parecer que consta de fls. 155 e 156, no sentido de que deve dar-se provimento ao presente recurso jurisdicional, revogar-se a sentença recorrida e anular-se o despacho da AT que indeferiu o pedido de prestação de garantia por meio de garantia bancária simples, tendo em conta, essencialmente, a seguinte argumentação:

«No caso vertente, e tal como resulta do probatório, os executados, ora Recorrentes, prestaram a garantia bancária simples, sujeita ao seguinte regime:
- O banco garante (CGD) assume-se como fiador e principal pagador, com expressa renúncia ao benefício da excussão, de quaisquer quantias que sejam devidas pelo ordenador (executados) à Administração Tributária, em caso de incumprimento por banda do ordenador da obrigação contraída (cláusula 7-1 da garantia), o que no caso em apreciação acontecerá quando ocorrer eventual insatisfação da obrigação exequenda e legais acréscimos, quando a oposição judicial for eventualmente julgada improcedente.
- Nesta conformidade, ocorrendo tal incumprimento, a garantia é incondicional e irrevogável (cláusula 7.4).
Assim sendo, a excepção que o Banco garante pode invocar (cláusula 7.2), apenas pode ter a ver com uma situação em que se verifique que não ocorre incumprimento cuja ocorrência determina o funcionamento da garantia, como é próprio das garantias bancárias simples.
Na verdade, verificando-se o incumprimento, quando o executado não paga após improcedência da oposição, inexistem excepções que o garante ou o ordenador possam invocar.
Portanto, a interpretação que a sentença faz da cláusula 7.2 da garantia simples, de que é restritiva e condicional, na medida em que, a execução da garantia depende da não invocação de excepções por parte dos ordenadores, afigura-se não ser a mais correcta.
A garantia bancária simples em análise é idónea para garantir o pagamento da obrigação exequenda e acrescido, pois que, resulta do seu clausulado que a beneficiária AT poderá obter do Banco garante o pagamento da obrigação exequenda e acrescido desde que lhe dê conhecimento do não pagamento de tais montantes por banda do devedor, no caso da oposição judicial ser julgada de forma desfavorável ao oponente/ordenador da garantia.
A sentença recorrida merece, pois, censura.».

1.4. Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.

2. Na sentença recorrida julgaram-se como provados os seguintes factos:

A). Em 26/01/2013, foi autuado no Serviço de Finanças de Lisboa 3, o processo de execução fiscal nº 3085201301016091, em nome do ora Reclamante, para cobrança de IMI - cfr. fls. 1 do processo de execução fiscal apenso;

B). O Reclamante foi citado para o processo de execução fiscal em 22/04/2013, apresentou requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 3, pedindo que seja notificado para prestar garantia a fim de suspender o processo de execução fiscal nº 3085201301016091, por ter apresentado reclamação graciosa que ataca a legalidade da dívida exequenda -cfr. fls. 27 a 30;

C). Em 05/08/2013, os ora Reclamantes apresentaram a garantia bancária, com data de 01/08/2013, emitida pela Caixa Geral de Depósitos, SA, Operação nº 0670.007354.293, tendo por ORDENADORES os ora Reclamantes e BENEFICIÁRIA a Autoridade Tributária e Aduaneira - Serviços de Finanças Lisboa 3, para garantir a suspensão do processo executivo nº 3085201301016091, com condições:

“(...) 7-OUTRAS CONDIÇÕES
7.1 - A presente garantia é acessória da obrigação assumida pelos ORDENADORES perante a BENEFICIÁRIA, obrigando-se a CGD, como fiadora e principal pagadora, com expressa renúncia ao benefício da excussão, a pagar à BENEFICIÁRIA quaisquer quantias que lhe sejam devidas, até ao indicado limite de € 785,00 (Setecentos e oitenta e cinco euros), em caso de incumprimento pelos ORDENADORES da referida obrigação, desde que a mesma BENEFICIÁRIA o reclame por escrito até ao final do prazo acima estabelecido.
7.2 - A CGD poderá opor à BENEFICIÁRIA quaisquer excepções que os ORDENADORES possam invocar perante aquele.
7.3 - A BENEFICIÁRIA não poderá ceder os créditos emergentes da presente garantia sem autorização expressa da CGD, dada por escrito.
7.4 - A presente garantia é incondicional e irrevogável, produzindo efeitos a partir da data da sua assinatura.
7.5 - O direito português é o aplicável à presente garantia, ficando convencionado o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro, para dirimir eventuais litígios emergentes da mesma.” - cfr. fls. 34 a 36;

D). Em 16/08/2013, o Reclamante foi notificado da decisão de não aceitação da garantia prestada, no âmbito do processo de execução fiscal nº3085201301016091, mediante ofício nº 7931 de 06/08/2013, com o seguinte teor:

“Assunto: Requisitos formais da garantia
Para efeitos de suspensão do processo executivo nº 3085201301016091, foi apresentada garantia bancária simples (Operação nº 0670.007354.2 93), sendo a entidade garante a Caixa Geral de Depósitos.
Da análise dos requisitos ali apresentados verifica-se não ser de aceitar por este serviço a condição referida no ponto 7.2, por ser uma cláusula restritiva à segurança do crédito da AT.
Assim, solicita-se a reformulação da garantia apresentada e junta-se cópia de uma minuta de garantia aceite pela AT.” - cfr. fls. 38.

3. A questão em apreciação no presente recurso jurisdicional consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento em matéria de direito ao ter julgado improcedente a reclamação deduzida pelos executados, mantendo, por legal, a decisão do órgão de execução fiscal de não aceitar a garantia bancária que ofereceram para suspender a execução fiscal até à decisão final da reclamação graciosa que deduziram contra o acto de liquidação de IMI de onde emerge a dívida exequenda.

Com efeito, em 5/08/2013 os executados, ora Recorrentes, apresentaram garantia bancária emitida em 1/08/2013 pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., garantia onde surgem como ORDENADORES e a Autoridade Tributária e Aduaneira-Serviços de Finanças Lisboa 3 como BENEFICIÁRIA, a qual não foi aceite pelo órgão de execução no entendimento de que ela continha a seguinte cláusula restritiva à segurança do crédito: “A CGD poderá opor à BENEFICIÁRIA quaisquer excepções que os ORDENADORES possam invocar perante aquele.”.

Discordando, os executados reclamaram do acto para o Tribunal Tributário de Lisboa, alegando não ser exigível, para os efeitos do art. 169º e 199º do CPPT, que a garantia tenha de revestir a natureza de garantia bancária on first demand, sendo suficiente e idónea uma garantia em que o garante (Banco) possa opor ao beneficiário (AT) as excepções que o ordenador (Executado) possa invocar perante o beneficiário, tendo em conta que essas excepções só podem consistir na invocação de ausência de decisão definitiva da reclamação graciosa e, portanto, falta de incumprimento que determine o funcionamento da garantia.

Na sentença recorrida julgou-se que embora a garantia possa ser constituída por qualquer meio susceptível de assegurar o pagamento dos créditos do exequente, como é o caso da garantia bancária, não resulta da lei que esta tenha de ser “on first demand”, mas, tão só, que seja uma garantia idónea; idoneidade que «deve ser apreciada pelo órgão competente da AT caso a caso, em concreto, exclusivamente em face da susceptibilidade de responder pela dívida exequenda e pelo acrescido, designadamente averiguando da suficiência e solidez da garantia oferecida e da solvência da entidade garante (…)». Neste contexto jurídico, conclui-se que a garantia bancária oferecida, ao conter uma cláusula restritiva – por a CGD poder opor à AT quaisquer excepções que os executados possam invocar perante esta – não podia ser considerada como uma garantia idónea, pois para «ser idónea para este efeito, a garantia não pode estar subordinada a condições ou limitações que possam afectar a possibilidade de o credor tributário assegurar o seu crédito através da execução da garantia, como por exemplo, a possibilidade de denúncia unilateral pela entidade que a presta ou limitação temporal.».

Neste contexto, e perante o teor das alegações e conclusões do recurso, a questão que se coloca é a de saber se a cláusula contratual em apreço foi mal interpretada, por não se pretender com ela subordinar a garantia a condições ou limitações que possam afectar a possibilidade de a administração tributária (AT) assegurar o seu crédito através da execução da garantia, mas tão só permitir ao Banco a invocação, se necessário, da inexistência de decisão definitiva no processo cuja instauração determinou a suspensão da execução e a prestação da garantia.

Vejamos.

É inquestionável, perante o estatuído no art. 52º da LGT e nos arts. 169º e 199º do CPPT, que a execução fiscal é suspensa ope legis por força da instauração de meio de reacção (administrativo ou contencioso) contra o acto de liquidação de onde brota a dívida exequenda, desde que essa instauração seja acompanhada da constituição ou da prestação de garantia idónea, ou da efectivação de penhora que garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, ou ainda da nomeação de bens à penhora pelo executado que sejam suficientes para o efeito.

Esta exigência de prestação de garantia explica-se pela necessidade de o credor/Estado assegurar a efectiva cobrança do crédito tributário em cobrança (no caso, a dívida de IMI) caso o executado não venha a obter ganho de causa no referido meio de reacção, assim se prevenindo o receio de perda da garantia patrimonial enquanto se aguarda pela decisão daquele processo.

E embora a garantia inerente a qualquer crédito se concretize sobre o património do devedor/executado, que por isso se diz ser a garantia geral ou comum dos credores (no sentido de que respondem pelas suas dívidas todos os bens penhoráveis que dele façam parte no momento da execução – art. 601.º do C.Civil), a lei permite, para que o processo de execução fiscal fique suspenso, que a garantia se concretize sobre o património de terceiro, como acontece com as garantias bancárias, assim chamadas porque prestadas por uma entidade bancária. Nesses casos, o banco responsabiliza-se pelo pagamento à credora/AT das importâncias que esta está a exigir aos devedores/executados.

É, pois, inquestionável a admissibilidade, em abstracto, de a garantia ser prestada mediante garantia bancária – cfr. arts. 169º e 199º do CPPT. Imprescindível é que, em concreto, se trate de uma garantia idónea. E apesar da falta de definição legal de “garantia idónea”, não pode deixar de concluir-se, em face das normas contidas nos arts. 169º, 199º e 217º do CPPT e art. 52º da LGT, que essa idoneidade depende da capacidade de, no caso de o órgão da execução ter de accionar a garantia prestada (ou, mais precisamente, de efectuar o pagamento da dívida em cobrança através do património do garante) este se mostre apto a assegurar essa cobrança.

Isto é, a idoneidade da garantia deve ser aferida pela sua capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a cobrança efectiva da dívida garantida.

Pelo que, como tem sido acentuado pela doutrina (Cfr RUI DUARTE MORAIS, in “A Execução Fiscal”, pág. 77/78, e JORGE LOPES DE SOUSA, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário”, anotado e comentado, 6ª Ed., vol. III, anotação 2 ao art. 199º.) e pela jurisprudência (Cfr, entre outros, os acórdãos do STA de 21.09.2011, no rec. nº 0786/11, de 11.07.2012, no rec. nº 0730/12, de 10.10.2012, no rec. nº 0916/12, de 14.08.2013, no rec. nº 01315/13, de 11.12.2013, no rec. nº 01757/13, e de 30.01.2013, no rec. nº 034/13.), a garantia idónea será a que é suficiente e adequada para o fim em vista, razão por que tem de ser prestada pelo montante previsto no nº 5 do art. 199º e de cobrir todo o período de tempo concedido para efectuado o pagamento (nº 6 do art. 199º) e de ser avaliada pelo órgão competente da AT de forma casuística, em face da sua susceptibilidade de responder pelo efectivo cumprimento da dívida garantida, olhando à sua suficiência e solidez e à solvência da entidade garante, não podendo essa idoneidade ser aferida apenas pelo grau de liquidez da garantia.

Como se deixou explicado no acórdão desta Secção de 15.02.2012, no rec. nº 0126/12, seguido e acolhido no acórdão da mesma Secção de 11.12.2013, no rec. nº 01757/13, «na execução fiscal confluem dois interesses conflituantes: o da administração fiscal na realização da cobrança célere dos seus créditos e o direito do executado em discutir a legalidade da dívida exequenda. Dando prevalência ao primeiro, a lei faz depender a suspensão da execução da prestação de garantia idónea, que cubra a totalidade da dívida exequenda. O que significa que a garantia há-de ser adequada a satisfazer o interesse da exequente, mas sem onerar ou afectar de forma grave os interesses legítimos do executado. Uma garantia bancária ou um seguro-caução oferecem à exequente maior liquidez imediata do que uma hipoteca ou um penhor de coisas, mas, por outro lado, trata-se de garantias que são mais onerosas para o executado, dado que quer a hipoteca quer o penhor não envolvem encargos com repercussões imediatas na esfera patrimonial do requerente.
Assim se compreende que legislador tenha consagrado no art. 199º do CPPT um conceito amplo de garantia idónea, com vista a acautelar a maior ou menor dificuldade para o executado em conseguir, sem onerar excessivamente a sua situação, apresentar garantia adequada a suspender a execução. E, no mesmo sentido, se deve entender o facto de não se estabelecer nenhuma preferência ou qualquer graduação das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor eficácia resultante da maior ou menor liquidez imediata.

Em conformidade com a melhor doutrina, diz-se que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (Neste sentido, cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.).».

Por conseguinte, desde que se verifique que a garantia oferecida detém, em concreto, a capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a cobrança da dívida garantida, ainda que sem onerar ou afectar de forma grave os interesses legítimos do executado, não há como recusar a sua idoneidade para o fim em vista.

Posto isto, há que analisar se a garantia oferecida pelos executados, ora recorrentes, carece de idoneidade à luz da motivação aduzida no acto reclamado e que foi sancionada pela sentença recorrida, o que passa por compreender o regime jurídico das garantias bancárias e os concretos contornos da garantia oferecida.

Como se sabe, a garantia bancária é uma operação activa dos bancos destinada a assegurar o cumprimento das obrigações contraídas pelo cliente perante terceiro e que pode assumir diversas modalidades, tais como a de fiança e a garantia bancária autónoma.

Na garantia bancária autónoma - seja ela simples seja ela «in first demand» – o garante responsabiliza-se perante o credor pelo pagamento de uma obrigação própria e não pelo cumprimento de uma obrigação alheia (do executado/devedor), embora se destine a proteger o credor contra o risco de incumprimento por parte do devedor. O que significa que se estivermos perante uma garantia bancária autónoma, o garante (Banco) não vai garantir o cumprimento da obrigação dos devedores e, por esta razão não tem qualquer subordinação à obrigação tributária garantida. Deste modo, a garantia bancária, sendo autónoma, tem como característica principal, que a distingue da fiança ou do mandato de crédito, a independência (autonomia) relativamente à relação jurídica de onde emerge a dívida.

Como explicam PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE (“Garantias de cumprimento”, Almedina, 1994, pp. 49 e 50.) «a garantia representa, portanto, uma determinada soma de dinheiro, independentemente da natureza da obrigação assumida. O garante, perante o credor, responsabiliza-se pelo pagamento de uma obrigação e não pelo cumprimento de uma dívida alheia (do garantido); não se trata de garantir o cumprimento da obrigação do devedor, mas antes de assegurar o interesse económico do credor beneficiário da garantia.». Razão por que a garantia bancária autónoma constitui uma medida de protecção mais forte do que aquela que constitui o arquétipo das garantias pessoais - a fiança - na medida em que arreda da sua disciplina o princípio da acessoriedade, que constitui o traço característico da fiança (A fiança é o contrato pelo qual uma pessoa se obriga para com o credor a cumprir a obrigação de outra pessoa, no caso de esta o não fazer. O fiador compromete-se a pagar a dívida de outrem - o devedor principal. O seu compromisso é acessório.).

Na verdade, enquanto a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor (art. 627º, nº 2, do C. Civil), tendo o mesmo conteúdo da obrigação principal (art. 634.º do C. Civil), podendo por isso o fiador opor ao credor os meios de defesa de que pode valer-se o devedor - designadamente as excepções relativas à validade, eficácia, conteúdo e extinção da obrigação principal garantida – já a garantia bancária autónoma encontra-se inteiramente desligada da relação jurídica principal, não podendo o garante opor ao beneficiário as excepções atinentes à dita relação principal.

Por outro lado, a garantia bancária autónoma pode ser uma garantia simples ou uma garantia «on first demand»: enquanto na primeira o beneficiário só pode exigir o cumprimento da obrigação do garante desde que prove o incumprimento da obrigação pelo devedor, já na segunda essa prova não lhe é exigível, devendo o garante entregar imediatamente ao beneficiário, ao primeiro pedido deste, a quantia pecuniária fixada (Sobre a matéria, Galvão Telles, “Garantia Bancáriain “O Direito”, nº 120, 1998, III-IV, pág. 283.).

Ora, a questão que se coloca com a garantia oferecida pelos executados, ora recorrentes, reside precisamente em saber se ela constitui uma garantia autónoma ou, pelo contrário, uma garantia não autónoma, uma garantia acessória, uma fiança, que permita à entidade bancária recusar o pagamento da dívida garantida (através da invocação de excepções que os executados possam invocar perante o credor/exequente, como será, por exemplo, a inexigibilidade da dívida ou a sua extinção por prescrição) caso os executados não obtenham ganho de causa na reclamação que deduziram com vista à apreciação da legalidade da liquidação, e de se tornar, assim, necessário efectuar o pagamento da dívida exequenda através do património da entidade garante.

Pelo que se impõe interpretar o contrato de garantia, no sentido de se apurar qual a vontade das partes: garantia autónoma ou fiança?

Sabido que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (art. 236º nº 1 do C.Civil) e sabido que na interpretação da declaração de vontade das partes são atendíveis todas as circunstâncias do caso concreto, todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta, há que olhar para o teor das cláusulas contratuais desta garantia bancária, que ambas as partes reconhecem não constituir uma garantia «in first demand».

Ora, tal como decorre expressamente dos próprios termos das declarações expressas no contrato junto aos autos, a garantia assumida pela entidade bancária (CGD) «é acessória da obrigação assumida pelos ORDENADORES perante a BENEFICIÁRIA», o que logo denota a sua falta de autonomia e independência relativamente à obrigação garantida.

É, pois, manifesto que CGD se obrigou a cumprir uma obrigação alheia – dos executados, responsabilizando-se pelo pagamento à exequente da importância que esta está exigir àqueles – e não uma obrigação própria da CGD. O seu compromisso é acessório, tendo o mesmo conteúdo da obrigação dos executados; o que significa que pode recusar o pagamento ao abrigo da cláusula 7.2, isto é, pela invocação perante a exequente de quaisquer excepções que os executados possam invocar perante esta, como a inexigibilidade da dívida garantida.

Trata-se, assim, claramente, de uma fiança, como resulta também do teor da cláusula 7.1, onde consta expressamente que a CGD se obriga «como fiadora e principal pagadora, com expressa renúncia ao benefício da excussão».

Neste contexto, não podemos sufragar o entendimento dos Recorrentes e do Ministério Público, no sentido de que a única excepção que a garante pode invocar perante a credora é a inexistência de incumprimento que determine o funcionamento da garantia. Tratando-se de uma fiança (e não de uma garantia bancária autónoma simples), a CGD pode invocar perante a exequente/AT quaisquer excepções que os executados possam invocar perante esta, como, por exemplo, a prescrição da dívida garantida.

Daqui não decorre, necessariamente, que esta garantia não seja admissível nem idónea ao fim em vista.

Desde logo, porque a jurisprudência há muito se firmou no sentido de reconhecer a admissibilidade, em abstracto, de a fiança constituir garantia idónea com vista à suspensão da execução fiscal, enquadrando-se no conceito legal inscrito na norma contida no art. 199º do CPPT: “qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”, na medida em que representa a vinculação de um património ao cumprimento de uma determinada obrigação de pagamento, pese embora a sua natureza acessória.

Como se deixou explicado no acórdão deste Secção de 14.03.2012, no rec. nº 0208/12, «É inegável que as diversas formas de prestação de garantia não têm a mesma qualidade ou eficácia, sendo que algumas conferem à AT, enquanto credora, uma maior garantia, na medida em que podem dispensar ou, pelo menos, reduzir ulteriores diligências ou procedimentos com vista à sua execução. Porém, como ficou dito no citado aresto, o legislador não pretendeu dotar a AT de garantia absoluta do seu crédito, tanto mais que o mesmo é ainda incerto, mas tão-só de garantia idónea, que o mesmo é dizer adequada ao fim em vista. Não pode perder-se de vista que prestar garantia não é efectuar o pagamento, mas tão-só vincular um determinado património ao cumprimento de uma determinada obrigação de pagamento.
Assim, como deixámos já dito, a recusa de uma garantia deverá alicerçar-se em razões objectivas relacionadas com a susceptibilidade de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, não podendo a AT fundamentar essa recusa em aspectos qualitativos das garantias, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do artº 199º do CPPT.
A interpretação subscrita pela Recorrente permitiria à AT estabelecer uma hierarquização das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor liquidez imediata, acabando assim por poder recusar todas as que não assegurassem imediata liquidez, restringindo o quadro legal de garantias que o legislador quis aberto.».

Por outro lado, sabido que a idoneidade, em concreto, da fiança há-de resultar de uma avaliação concreta sobre a sua susceptibilidade de assegurar o efectivo pagamento da quantia exequenda e do acrescido, o que passa necessariamente pela análise da sua concreta suficiência e solidez e pelo exame da solvência da entidade garante, não pode recusar-se a prestação de garantia por fiança sem proceder previamente a essa avaliação, isto é, sem analisar a solidez dessa garantia e sem examinar a solvência da fiadora.

Não se pode, em suma, rejeitar logo à partida uma fiança com o fundamento exclusivo de que ela é, por natureza, uma obrigação acessória e que, por isso, possibilita ao fiador opor à credora excepções que o devedor possa invocar perante esta. É certo que essa característica intrínseca da fiança leva a que se considere esta garantia uma medida de protecção menos forte do que a que é dada pela garantia bancária autónoma, e confere menor segurança à credora/AT, por receio de ver retardado o accionamento da garantia e, consequentemente, o cumprimento da obrigação de pagamento. Porém, sabido que a AT deve pautar a sua actuação de acordo com o princípio da proporcionalidade (art. 266º, nº 2, da CRP, art. 55º da LGT, art. 46º do CPPT e art. art. 5º, nº 2, do CPA), o que a obriga à ponderação dos interesses em jogo de molde a não sacrificar nenhum deles, não pode admitir-se esse único parâmetro - que não integra o critério legal de aferição da idoneidade da garantia – como único factor de exclusão da idoneidade desta garantia.

Em conclusão, e como se deixou já dito noutros arestos desta Secção, designadamente no acórdão de 14.03.2012, no rec. nº 0208/12, a AT não pode recusar a constituição da garantia mediante fiança com o fundamento que esta não lhe dá segurança absoluta na cobrança do seu crédito e com absoluto desprezo pelos interesses legítimos do executado.

Ora, no caso vertente, foi precisamente esse o único parâmetro evocado, pois como consta da fundamentação do acto reclamado, a garantia não foi aceite apenas por se ter considerado que a cláusula 7.2. constituía «uma cláusula restritiva à segurança do crédito da AT».

Deste modo, e tendo em conta que, ao contrário do que foi julgado na sentença recorrida, esta cláusula não permite a denúncia unilateral da garantia pela entidade bancária (segundo a cláusula 7.4. a garantia é “incondicional e irrevogável”), não implica qualquer limitação temporal da garantia, nem afecta a possibilidade de o credor tributário assegurar o efectivo pagamento do seu crédito através do património da entidade bancária (segundo a cláusula 7.1. a CGD renunciou expressamente ao benefício da excussão), isto é, não podemos deixar de concluir que o pressuposto de decisão eleito pela AT para recusar a garantia oferecida se revela inaceitável, por não se poder recusar a constituição de garantia mediante fiança com o fundamento exclusivo de que ela não dá segurança absoluta à cobrança do crédito, sem avaliar a solidez dessa garantia e sem examinar a solvência da entidade garante, com manifesto desprezo pelos interesses legítimos do executado.

O que tanto basta para a revogação da sentença e para a anulação do acto reclamado.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a reclamação, anulando o acto reclamado.
Custas em 1ª instância pela Fazenda Pública, não sendo devidas neste tribunal por esta não ter contra-alegado.

Lisboa, 18 de Junho de 2014. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão LopesAna Paula Lobo.