Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01959/17.4BEBRG
Data do Acordão:10/28/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADE INSUPRÍVEL
Sumário:I - O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “descrição sumária dos factos” [cfr. art. 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT] tem de ser interpretado em correlação necessária com o tipo legal no qual se prevê e pune a infracção imputada ao arguido, pelos que os factos que importa descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima não são senão os factos essenciais que integram o tipo de ilícito em causa.
II - A apreciação dos termos concisos e sumários em que deve ser efectuada essa descrição sumária dos factos pode ser encarada de forma mais ou menos exigente, até porque estamos perante decisões em que essa descrição é feita em aplicações informáticas com campos formatados, mas esse entendimento tem como limite o direito do arguido a exercer a sua defesa.
III- Donde que, sendo fundamental que a descrição dos factos e a indicação das normas punitivas devia permitir à arguida tomar conhecimento da conduta que lhe foi reprovada e ao abrigo de que norma lhe foi imputada a contra-ordenação, de modo a assegurar-lhe a possibilidade do exercício efectivo do seu direito de defesa, em face da matéria de facto apurada nos autos, tem de concluir-se que no caso vertente tal foi respeitado.
IV – Mas é ainda essencial que na fixação de cada coima parcelar a decisão administrativa contenha elementos suficientes que permitam à arguida perceber como foi determinada a coima, uma vez que no caso concreto, ainda que a mesma corresponda ao limite mínimo, há necessidade de ter em consideração diversas variáveis no seu cálculo o que não ocorreu no caso das decisões de aplicação de coima objecto de recurso para o tribunal tributário, o que conflitua com o exercício efectivo do direito de defesa da arguida, configurando essa omissão a nulidade prevista na alínea d) do nº1 do artigo 63º, com referência à alínea c) do nº1 do artigo 79º, ambos do RGIT.
Nº Convencional:JSTA000P26599
Nº do Documento:SA22020102801959/17
Data de Entrada:01/07/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – A FAZENDA PÚBLICA, com os sinais dos autos, recorreu para este STA da decisão do TAF de Braga que julgou o Recurso de contra-ordenação procedente interposto, pela arguida A…………, LDA, por considerar verificada uma nulidade insuprível dos processos de contra-ordenação tributária em crise, por força do disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do Regime Geral das Infrações Tributárias [RGIT], determinando a anulação dos termos subsequentes do processo, de acordo com o n.º 3 do mencionado artigo, bem como que, após trânsito, os autos baixem à Autoridade Tributária que aplicou as coimas para eventual sanação daquela nulidade e renovação dos actos sancionatórios, formulando as seguintes conclusões:

“I – O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida no processo supra referenciado, que julgou verificada uma nulidade insuprível dos processos de contra-ordenação tributária em crise, por força do disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do Regime Geral das Infrações Tributárias [RGIT], determinando a anulação dos termos subsequentes do processo, de acordo com o n.º 3 do mencionado artigo, bem como que, após trânsito, os autos baixem à Autoridade Tributária que aplicou as coimas para eventual sanação daquela nulidade e renovação dos atos sancionatórios.
II – Douta sentença que, a nosso ver, e salvo o devido e muito respeito que nos merece, padece de erro de julgamento em matéria de direito.
III – A questão que se coloca em sede do presente recurso prende-se, tão só, em matéria de direito, com a interpretação do disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, conjugado com o artigo 79.º, n.º 1, alíneas b) e c), do referido diploma legal - que prevêem que a decisão que aplica a coima deve conter, respetivamente, a “descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas” e a “A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação”.
IV – Tomaremos como exemplo da descrição sumária dos factos que figura nas decisões de aplicação de coima proferidas pelo Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo, nos processos de contraordenação em causa, a que consta da decisão proferida no processo de contraordenação fiscal n.º 23482017060000024750, que consubstancia a primeira infração [seguida de mais trinta e quatro, só neste processo], e que consiste na identificação do imposto/tributo em causa, da data/hora da infração, do local da infração, da entrada e saída [da infra-estrutura rodoviária em causa], da identificação da viatura e do montante da taxa de portagem, nos termos que, de seguida, se transcrevem [cfr. ponto 3) do probatório]:
“Ao (À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Imposto/Tributo: Taxa de portagem; 2. Data/hora da infração: 2012-03-01 14:37:18; 3. Local da infração: A28 – AENL – Auto - Estradas Norte Litoral – Soc. Concessionária AENL, S.A; 4. Entrada: Neiva N-S Saída: Angeiras N-S 5. Identificação da viatura: ………/R420/SCANIA/4; 6. Montante da taxa de portagem: 10,70;
[…]
os quais se dão como provados”.
V – A referida factualidade preenche o requisito legal previsto no artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, pois contém uma explicitação clara e suficiente dos factos que se imputam à arguida, sendo facilmente por esta percetíveis.
VI – A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria tem sido no sentido de que “I - A «descrição sumária dos factos» prevista no art. 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, como requisito da decisão administrativa de aplicação de coima não consiste na «[a] enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal», referida no art. 374.º, n.º 2, do C.P.P. para as sentenças proferidas em processo criminal. II - O que exige aquela alínea b) do n.º 1 do art. 79.º, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (art. 32.º, n.º 10, da CRP) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente. (…)”. [cfr. acórdão do STA, de 2006-03-29, proferido no processo n.º143/2006; cfr. ainda o acórdão do STA de 2007-06-27, proferido no processo n.º 0353/07, cfr. ainda acórdão do STA de 2018-10-17, proferido no processo nº 01004/17.0BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt].
VII – No caso em apreço existe uma descrição sumária dos factos que permite à arguida perceber claramente que não pagou as taxas de portagem devidas pela transposição de um local de deteção de veículos numa concreta infra-estrutura rodoviária, a qual se encontra devidamente identificada na decisão, com a indicação do local e da entrada e saída da referida infra-estrutura, além da matrícula do veículo, assim como o valor da taxa e o período a que respeita, com menção do dia e hora da sua ocorrência.
VIII – A descrição sumária dos factos é complementada, nas decisões de aplicação da coima em causa, pela indicação da norma infringida – artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 25/06, de 30/06 – e da norma punitiva – artigo 7.º da Lei n.º 25/06, de 30/06 – e menção de que se trata de “Falta de pagamento de taxa de portagem” com referência a cada facto em concreto, mencionando não só a coima fixada, como também a matrícula do veículo, data da infração e o período de tributação.
IX – De referir, que não foi posta em causa pela arguida, em sede de recurso das decisões de aplicação de coimas, a propriedade do veículo utilizado na prática das infrações ou a sua responsabilidade pelo pagamento das taxas.
X – Foi ainda entendido na douta sentença aqui posta em crise não se mostrar satisfeita no caso concreto a exigência legal prevista no artigo 79º, nº 1, alínea c) do RGIT, com base no seguinte entendimento:
“Acresce, ainda, que, as decisões são completamente omissas quanto à referência da moldura contraordenacional, abstratamente aplicável (veja-se quadro da Medida da coima).
Com efeito, tal omissão impede a Recorrente/Arguida de apreender a globalidade das circunstâncias que levaram às coimas aplicadas, pois, desconhece os limites máximos e mínimos da moldura aplicável, bem como o peso e de que forma, foram considerados cada um dos elementos previstos no artigo 27.º do RGIT, na determinação da medida concreta da coima, ao que acresce que tendo em conta o limite mínimo estabelecido na Lei e os valores mínimos das coimas constantes das notificações a que se refere o artigo 70.º, n.º 1 do RGIT (€ 8.001,00 e € 6.538,50), conforme pontos 2) e 6) do probatório, tendo sido fixadas as coimas nos montantes, respetivamente, de € 8.641,08 e € 7.061,58, para os processos de contraordenação n.º 23482017060000024750 e 23482017060000024750, não constam das decisões quaisquer fundamentos ou motivos pelos quais as coimas não foram fixadas nos mínimos que se encontram vertidos na norma.”.
XI - Contudo, no caso em apreço, impera concluir mostrar-se satisfeito o requisito da decisão de aplicação da coima plasmado no artigo 79º, nº 1, alínea c) do RGIT, posto inexistir qualquer exigência legal de que na decisão de aplicação da coima seja mencionada a moldura abstrata da coima, e posto que as decisões concretas de aplicação das coimas foram fundamentadas com indicação e ponderação dos fatores a que manda atender o artigo 27º do RGIT, a saber: a inexistência de atos de ocultação, a inexistência de benefício económico para o agente, o carácter frequente da prática, o ter sido cometida a infração por negligência simples, a situação económica e financeira do agente baixa e terem decorrido mais de seis meses desde a prática da infração. - [cfr. acórdão do STA de 2018-10-17, proferido no processo nº 01004/17.0BEPRT, disponível em www.dgsi.pt].
XII – Concludentemente, deverá a douta sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra decisão que mantenha a condenação da arguida nos termos constantes das decisões de aplicação da coima em causa, com as respetivas consequências legais.
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Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, consequentemente, deverá ser revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se a condenação da arguida, como é de inteira JUSTIÇA.”


Não foi deduzida resposta.

O EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente devendo, em consequência, manter-se a decisão recorrida pelas razões doutamente aduzidas e às quais infra se fará alusão.
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2. - FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. Dos Factos

Na sentença recorrida e com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideraram-se provados os seguintes factos:

1) No dia 22/02/2017, foi levantado contra a Arguida, auto de notícia por falta de pagamento de taxas de portagem, que motivou a instauração do processo de contraordenação n.º 23482017060000024750 – (cfr. fls. 3 a 31 da paginação eletrónica do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
2) Com data de 23/02/2017, foi remetida para a ora Recorrente, a notificação nos termos do artigo 70.º, n.º do RGIT, cujo teor consta do seguinte:

(…)” - (cfr. fls. 37 da paginação eletrónica do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
3) A 4/06/2017, foi proferida, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo, a decisão da fixação da coima no processo de contraordenação n.º 23482017060000024750, cujo teor consta do seguinte:

(…)” - (cfr. fls. 68 a 86 da paginação eletrónica do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
4) A decisão de aplicação da coima a que se alude no ponto antecedente, foi remetida à Arguida em 12/04/2017 - (cfr. fls. 87 da paginação eletrónica do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
5) No dia 16/03/2017, foi levantado contra a Arguida, auto de notícia por falta de pagamento de taxas de portagem, que motivou a instauração do processo de contraordenação n.º 23482017060000034934 – (cfr. fls. 102 a 118 da paginação eletrónica do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
6) Com data de 17/03/2017, foi remetida para a ora Recorrente, a notificação nos termos do artigo 70.º, n.º do RGIT, cujo teor consta do seguinte:

(…)” - (cfr. fls. 122 da paginação eletrónica do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
7) A 27/04/2017, foi proferida, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo, a decisão da fixação da coima no processo de contraordenação n.º 23482017060000034934, cujo teor consta do seguinte:

8) A decisão de aplicação da coima a que se alude no ponto antecedente, foi remetida à Arguida em 4/05/2017 - (cfr. fls. 153 da paginação eletrónica do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

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Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.
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Motivação
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base nos documentos e informações oficiais constantes dos autos, referidos em cada um dos pontos do elenco da factualidade dada como provada, nomeadamente os respetivos Autos de Notícia e decisões administrativas, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova.

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2.2.- Motivação de Direito

A questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento ao anular as decisões administrativas de aplicação de coima e determinar a devolução dos autos ao Serviço de Finanças de Viana do Castelo, com fundamento na verificação da nulidade insuprível prevista no art. 63.º, n.ºs 1, alínea d) e 3, do RGIT, por violação da exigência da «descrição sumária dos factos», por falta da indicação dos limites da moldura sancionatória abstractamente aplicável, que considera integrar-se na exigência de indicação das normas punitivas, e por falta de indicação «dos elementos que contribuíram para a […] fixação» da coima, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 79.º do mesmo Regime.
Em abono da sua tese a recorrente apoiou-se em jurisprudência do STA para sustentar que a factualidade constante da decisão “contém uma explicitação clara e suficiente dos factos que se imputam à arguida, sendo facilmente percetíveis por esta”; que, no caso em apreço, a descrição sumária dos factos permite à arguida perceber que não pagou as taxas de portagem devidas pela utilização de estruturas rodoviárias, com a discriminação do local, período e viatura utilizada e, ainda, que as decisões contêm todos os elementos exigidos pelo artigo 27º do RGIT para a fixação da coima, pelo que pede a revogação da decisão recorrida.
Aquilatando.
Em sede factual, a sentença recorrida levou ao probatório que foram levantados contra a arguida autos de notícia por falta de pagamento de taxas de portagem que deram lugar à instauração de processos de contraordenação, nos quais foram proferidas decisões de aplicação de coima pelo senhor chefe de finanças, em que foram aplicadas coimas no valor de €8.641,08 de €7.061,58, pela prática de infracções previstas e puníveis nos termos das disposições conjugadas dos artigos 5º, nº2, 7º e 10º da Lei nº 25/2006, de 30 de Junho.
Com base nessa factualidade, º Mº Juiz a quo considerou que nas decisões de aplicação de coima «…não se relatam quaisquer factos a respeito da propriedade da viatura, se foi ou não possível identificar o condutor, nem a que título a Recorrente é responsabilizada pela infração, apenas se fazendo uma referência genérica ao art.º 10.º da Lei n.º 25/2006, de 30-06, o que não se mostra suficiente para se aferir sobre os elementos subjetivos da infracção» motivo porque concluiu que, «… as decisões recorridas não contêm, como se viu, todos os factos que integram e sustentam as contraordenações imputadas à Recorrente, ou seja, todos os elementos constitutivos do tipo contraordenacional em causa, sendo, por isso, insuficiente para sustentar a imputação do mesmo à Recorrente». E por outro lado «são completamente omissas quanto à referência da moldura contraordenacional, abstratamente aplicável» e «não constam das decisões quaisquer fundamentos ou motivos pelos quais as coimas não foram fixadas nos mínimos que se encontram vertidos na norma».
Quanto à «descrição sumária dos factos» imposta pela alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT e, bem assim, os demais requisitos da decisão de aplicação da coima elencados nesse número «devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão» (JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 2010, 4.ª edição, anotação 1 ao art. 79.º, pág. 517). Por isso, essas exigências «deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos» (Ibidem.), assim assegurando o direito de defesa ao arguido [cfr. art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa].

Pronunciando-se sobre a descrição sumária dos factos na decisão administrativa, expendeu GERMANO MARQUES DA SILVA, em intervenção no Centro de Estudos Judiciários: «em resposta à questão de «qual o limite para a descrição sumária dos factos enquanto garantia de defesa» a minha resposta é também sumária: deve descrever o facto nos seus elementos essenciais para que o destinatário possa saber o que lhe é imputado e de que é que tem de se defender sem necessidade de consultar outros elementos em posse da administração» (Cfr. Contra-ordenações Tributárias 2016 [Em linha], Centro de Estudos Judiciários, 2016, pág. 20, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_contraordenacoes_t_2016.pdf.).
Em concreto, vemos que tal descrição foi considerada incumprida pela sentença recorrida já que na decisão impugnada não se logrou demonstrar “a que prestação tributária em falta a AT se reporta; o que significa “período a que respeita a infracção: 2016/09”; e porque é que o termo do prazo para cumprimento de obrigação foi o dia 30/9/2016.”, resultando omissão na descrição sumária dos factos, para que não serve a indicação efetuada das “normas infringidas” e ”normas punitivas”.
Como observa o EPGA no seu sábio Parecer, a questão que agora vem suscitada pela Fazenda Pública tem-se repetido amiúde e contende com uma deficiente padronização das decisões de aplicação de coima proferidas pela Administração Tributária e uma ligeireza (ou mesmo inexistência) na apreciação jurídica dos factos que a massificação das infracções não justifica por si só, ainda que o figurino que o legislador criou ao atribuir a competência da tramitação destes processos aos Serviços de finanças seja susceptível de crítica.
Ainda na ponderação do Distinto Magistrado do Ministério Público, “…a questão jurídica que se coloca não é tanto de ordem geral e abstrata (tanto o tribunal “a quo” como a Recorrente invocam os mesmos princípios doutrinais para fundamentar entendimentos diversos), mas antes contende com a aplicação desses princípios às especificidades de cada caso concreto.
Ora, neste aspeto a jurisprudência do STA tem adotado um entendimento suficientemente elástico que permite compatibilizar a necessária resposta ao fenómeno de massificação deste tipo de infração e o direito de defesa dos arguidos, ou seja, e parafraseando Jorge Lopes de Sousa [RGIT Anotado, em anotação ao artigo 79º do RGIT], que “ a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa perceção, defender-se adequadamente.”
Feito esse enquadramento, vejamos como se apresenta o caso concreto de modo a determinar se, nos seus contornos, é respeitador de tais exigências legais.
Assim, na decisão impugnada é feita a imputação à arguida de uma infracção p. e p., pelas disposições dos artigos 5º, nº2, 7º e 10º da Lei nº 25/2006, de 30 de Junho que estatuem que o não pagamento de taxas de portagem resultante da transposição, numa infra-estrutura rodoviária que apenas disponha de um sistema de cobrança electrónica de portagens, de um local de detecção de veículos sem que o agente proceda ao pagamento da taxa devida nos termos legalmente estabelecidos, configura infracção a qual é punível com coima de valor mínimo correspondente a 7,5 vezes o valor da respectiva taxa de portagem.
Neste âmbito, há ainda que convocar o disposto no artigo 10º do mesmo diploma legal que estabelece que nos casos em que não é identificado o condutor da viatura (seja presencialmente ou na sequência da notificação do titular do documento de identificação do veículo) é responsável pelo pagamento das coimas a aplicar o proprietário, o adquirente com reserva de propriedade, o usufrutuário, o locatário ou o detentor do veículo.
Examinadas as decisões de aplicação de coima verifica-se que no que tange à descrição sumária dos factos a entidade administrativa indicou os elementos da identificação da infra-estrutura rodoviária e da viatura, período e percurso da passagem e respectiva taxa de portagem devida e, no que respeita às normas sancionadoras, remete para os artigos 5º, nº2, e 7º da Lei nº 25/02, de 30 de Junho, com base no que conclui pela responsabilidade da arguida com base no disposto no artigo 10º do referido compêndio legal.
Emerge ainda das questionadas decisões que na fixação das coimas atendeu-se à frequência da conduta, à situação económica “baixa” e à negligência simples, aplicando-se, em cúmulo material, as coimas de €8.641,08 euros e € 7.061,58 euros, em cada um dos processos, sendo as coimas parcelares fixadas no seu valor mínimo.
Será que os elementos que foram ponderados nos aludidos termos, devem considerar-se bastantes para preencher os requisitos da “descrição sumária dos factos” e da fixação da coima?
Vê-se das decisões de aplicação das coimas resulta que as infracções imputadas à arguida têm implícito o facto de não terem sido pagas as taxas de portagem de utilização de infra-estruturas rodoviárias e em que foram utilizadas determinadas viaturas nas mesmas identificadas, materialidade que, num juízo de normalidade que é o de um destinatário normal, plenifica os elementos típicos da contra-ordenação prevista no nº2 do artigo 5º da Lei nº 25/2006.
É que, como se enfatiza no douto Parecer do EPGA, se “é certo que não consta expressamente das decisões administrativas a que título a arguida é responsabilizada pelas infrações, mas também é certo que nada sendo dito em contrário tal responsabilidade é do titular do documento de identificação das viaturas envolvidas e que a lei presume circularem sob a sua direção efetiva. Ou seja, uma vez que constitui condição de punibilidade das infrações em causa a falta de pagamento das taxas de portagem no prazo assinalado na lei, e sendo notificado o dono do veículo para efetuar esse pagamento ou identificar outro responsável pelo seu pagamento (artigo 10º, nº1, da Lei nº 25/2006), caso nada diga assume ele essa responsabilidade, sendo o auto de notícia levantado contra o mesmo. Atento o referido procedimento e presunção legal sobre a direção efetiva do veículo, e não tendo tal condição sido questionada pela arguida aquando da sua notificação para o exercício do direito de defesa, a falta de especificação na decisão de aplicação da coima de outros elementos caraterizadores da autoria da infração não inquina de nulidade essa mesma decisão (pois não cria qualquer grau de incerteza sobre a imputação da autoria à pessoa da arguida).”
Todavia, no que concerne à fixação da medida parcelar de cada coima compreendida no cúmulo material, ainda que se reconheça que o processo comporte uma demonstração do respectivo apuramento, a decisão de aplicação de coima não contém quaisquer elementos relativos a essa demonstração, mas a mera indicação do valor fixado, nem se obtém dos autos que esses elementos tenham sido comunicados à arguida pois deles não se capta que os mesmos hajam acompanhado a notificação realizada ao abrigo do artigo 70º do RGIT.
Acresce que no seu cálculo foi ponderado o disposto no nº4 do artigo 26º do RGIT, o que não resulta de qualquer elemento das decisões de aplicação da coima, que se referem apenas a este preceito para concluir que foram respeitados os limites máximos ali previstos, no cumprimento do disposto no nº1 do artigo 7º da Lei nº 25/2006 e, não sendo pacífico que seja aplicável o disposto no nº4 do artigo 26º do RGIT, razão pela qual o arguido precisa de saber, para efeitos de exercício do seu direito de defesa, que essa disposição legal de agravamento da coima, no caso das pessoas colectivas, foi aplicada.
Conforme vem decidindo a referida jurisprudência, “o requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “indicação dos elementos que contribuíram para a […] fixação” da coima [cfr. art. 79.º, n.º 1, alínea c), do RGIT] deve ter-se por cumprido se, embora de forma sintética e padronizada, refere os elementos que contribuíram para a fixação da coima.”
Ora, secundando a análise do EPGA, sem embargo da aplicação, “…em concurso e cúmulo material, de uma coima única, impõe-se a especificação e discriminação das coimas parcelares aplicadas a cada uma das infracções imputadas à arguida, com a menção da moldura mínima e máxima, como se deixou exarado na decisão recorrida, uma vez que esta é de montante variável e calculada em razão do valor das taxas de portagem correspondentes às utilizações das infraestruturas rodoviárias feitas em períodos diários por cada veículo interveniente (nº4 e 5 do artigo 7º da Lei nº 25/2006), e não ser por esse motivo de fácil apreensão.
Em face do exposto afigura-se-nos que se mostra essencial que na fixação de cada coima parcelar a decisão administrativa contenha elementos suficientes que permitam à arguida perceber como foi determinada a coima, uma vez que no caso concreto, ainda que a mesma corresponda ao limite mínimo, há necessidade de ter em consideração diversas variáveis no seu cálculo. E no caso das decisões de aplicação de coima objeto de recurso para o tribunal tributária tal não ocorre, o que conflitua com o exercício efetivo do direito de defesa da arguida.
Afigura-se-nos, assim, que essa omissão configura a nulidade prevista na alínea d) do nº1 do artigo 63º, com referência à alínea c) do nº1 do artigo 79º, ambos do RGIT, motivo pelo qual se impõe a confirmação da decisão recorrida nesta parte.”
Pelo que se deixou dito, entendemos que o recurso improcede.


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3. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida com a fundamentação retro.
Sem custas (inexistência de norma legal que preveja a condenação da entidade recorrente em custas).
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Lisboa, 28 de Outubro de 2020. - José Gomes Correia (relator) – Nuno Bastos - Gustavo Lopes Courinha.