Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01959/17.4BEBRG |
Data do Acordão: | 10/28/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | JOSÉ GOMES CORREIA |
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO NULIDADE INSUPRÍVEL |
Sumário: | I - O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “descrição sumária dos factos” [cfr. art. 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT] tem de ser interpretado em correlação necessária com o tipo legal no qual se prevê e pune a infracção imputada ao arguido, pelos que os factos que importa descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima não são senão os factos essenciais que integram o tipo de ilícito em causa. II - A apreciação dos termos concisos e sumários em que deve ser efectuada essa descrição sumária dos factos pode ser encarada de forma mais ou menos exigente, até porque estamos perante decisões em que essa descrição é feita em aplicações informáticas com campos formatados, mas esse entendimento tem como limite o direito do arguido a exercer a sua defesa. III- Donde que, sendo fundamental que a descrição dos factos e a indicação das normas punitivas devia permitir à arguida tomar conhecimento da conduta que lhe foi reprovada e ao abrigo de que norma lhe foi imputada a contra-ordenação, de modo a assegurar-lhe a possibilidade do exercício efectivo do seu direito de defesa, em face da matéria de facto apurada nos autos, tem de concluir-se que no caso vertente tal foi respeitado. IV – Mas é ainda essencial que na fixação de cada coima parcelar a decisão administrativa contenha elementos suficientes que permitam à arguida perceber como foi determinada a coima, uma vez que no caso concreto, ainda que a mesma corresponda ao limite mínimo, há necessidade de ter em consideração diversas variáveis no seu cálculo o que não ocorreu no caso das decisões de aplicação de coima objecto de recurso para o tribunal tributário, o que conflitua com o exercício efectivo do direito de defesa da arguida, configurando essa omissão a nulidade prevista na alínea d) do nº1 do artigo 63º, com referência à alínea c) do nº1 do artigo 79º, ambos do RGIT. |
Nº Convencional: | JSTA000P26599 |
Nº do Documento: | SA22020102801959/17 |
Data de Entrada: | 01/07/2020 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A............, LDA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – A FAZENDA PÚBLICA, com os sinais dos autos, recorreu para este STA da decisão do TAF de Braga que julgou o Recurso de contra-ordenação procedente interposto, pela arguida A…………, LDA, por considerar verificada uma nulidade insuprível dos processos de contra-ordenação tributária em crise, por força do disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do Regime Geral das Infrações Tributárias [RGIT], determinando a anulação dos termos subsequentes do processo, de acordo com o n.º 3 do mencionado artigo, bem como que, após trânsito, os autos baixem à Autoridade Tributária que aplicou as coimas para eventual sanação daquela nulidade e renovação dos actos sancionatórios, formulando as seguintes conclusões: “I – O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida no processo supra referenciado, que julgou verificada uma nulidade insuprível dos processos de contra-ordenação tributária em crise, por força do disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do Regime Geral das Infrações Tributárias [RGIT], determinando a anulação dos termos subsequentes do processo, de acordo com o n.º 3 do mencionado artigo, bem como que, após trânsito, os autos baixem à Autoridade Tributária que aplicou as coimas para eventual sanação daquela nulidade e renovação dos atos sancionatórios. II – Douta sentença que, a nosso ver, e salvo o devido e muito respeito que nos merece, padece de erro de julgamento em matéria de direito. III – A questão que se coloca em sede do presente recurso prende-se, tão só, em matéria de direito, com a interpretação do disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, conjugado com o artigo 79.º, n.º 1, alíneas b) e c), do referido diploma legal - que prevêem que a decisão que aplica a coima deve conter, respetivamente, a “descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas” e a “A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação”. IV – Tomaremos como exemplo da descrição sumária dos factos que figura nas decisões de aplicação de coima proferidas pelo Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo, nos processos de contraordenação em causa, a que consta da decisão proferida no processo de contraordenação fiscal n.º 23482017060000024750, que consubstancia a primeira infração [seguida de mais trinta e quatro, só neste processo], e que consiste na identificação do imposto/tributo em causa, da data/hora da infração, do local da infração, da entrada e saída [da infra-estrutura rodoviária em causa], da identificação da viatura e do montante da taxa de portagem, nos termos que, de seguida, se transcrevem [cfr. ponto 3) do probatório]: “Ao (À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Imposto/Tributo: Taxa de portagem; 2. Data/hora da infração: 2012-03-01 14:37:18; 3. Local da infração: A28 – AENL – Auto - Estradas Norte Litoral – Soc. Concessionária AENL, S.A; 4. Entrada: Neiva N-S Saída: Angeiras N-S 5. Identificação da viatura: ………/R420/SCANIA/4; 6. Montante da taxa de portagem: 10,70; […] os quais se dão como provados”. V – A referida factualidade preenche o requisito legal previsto no artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, pois contém uma explicitação clara e suficiente dos factos que se imputam à arguida, sendo facilmente por esta percetíveis. VI – A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria tem sido no sentido de que “I - A «descrição sumária dos factos» prevista no art. 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, como requisito da decisão administrativa de aplicação de coima não consiste na «[a] enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal», referida no art. 374.º, n.º 2, do C.P.P. para as sentenças proferidas em processo criminal. II - O que exige aquela alínea b) do n.º 1 do art. 79.º, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (art. 32.º, n.º 10, da CRP) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente. (…)”. [cfr. acórdão do STA, de 2006-03-29, proferido no processo n.º143/2006; cfr. ainda o acórdão do STA de 2007-06-27, proferido no processo n.º 0353/07, cfr. ainda acórdão do STA de 2018-10-17, proferido no processo nº 01004/17.0BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt]. VII – No caso em apreço existe uma descrição sumária dos factos que permite à arguida perceber claramente que não pagou as taxas de portagem devidas pela transposição de um local de deteção de veículos numa concreta infra-estrutura rodoviária, a qual se encontra devidamente identificada na decisão, com a indicação do local e da entrada e saída da referida infra-estrutura, além da matrícula do veículo, assim como o valor da taxa e o período a que respeita, com menção do dia e hora da sua ocorrência. VIII – A descrição sumária dos factos é complementada, nas decisões de aplicação da coima em causa, pela indicação da norma infringida – artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 25/06, de 30/06 – e da norma punitiva – artigo 7.º da Lei n.º 25/06, de 30/06 – e menção de que se trata de “Falta de pagamento de taxa de portagem” com referência a cada facto em concreto, mencionando não só a coima fixada, como também a matrícula do veículo, data da infração e o período de tributação. IX – De referir, que não foi posta em causa pela arguida, em sede de recurso das decisões de aplicação de coimas, a propriedade do veículo utilizado na prática das infrações ou a sua responsabilidade pelo pagamento das taxas. X – Foi ainda entendido na douta sentença aqui posta em crise não se mostrar satisfeita no caso concreto a exigência legal prevista no artigo 79º, nº 1, alínea c) do RGIT, com base no seguinte entendimento: “Acresce, ainda, que, as decisões são completamente omissas quanto à referência da moldura contraordenacional, abstratamente aplicável (veja-se quadro da Medida da coima). Com efeito, tal omissão impede a Recorrente/Arguida de apreender a globalidade das circunstâncias que levaram às coimas aplicadas, pois, desconhece os limites máximos e mínimos da moldura aplicável, bem como o peso e de que forma, foram considerados cada um dos elementos previstos no artigo 27.º do RGIT, na determinação da medida concreta da coima, ao que acresce que tendo em conta o limite mínimo estabelecido na Lei e os valores mínimos das coimas constantes das notificações a que se refere o artigo 70.º, n.º 1 do RGIT (€ 8.001,00 e € 6.538,50), conforme pontos 2) e 6) do probatório, tendo sido fixadas as coimas nos montantes, respetivamente, de € 8.641,08 e € 7.061,58, para os processos de contraordenação n.º 23482017060000024750 e 23482017060000024750, não constam das decisões quaisquer fundamentos ou motivos pelos quais as coimas não foram fixadas nos mínimos que se encontram vertidos na norma.”. XI - Contudo, no caso em apreço, impera concluir mostrar-se satisfeito o requisito da decisão de aplicação da coima plasmado no artigo 79º, nº 1, alínea c) do RGIT, posto inexistir qualquer exigência legal de que na decisão de aplicação da coima seja mencionada a moldura abstrata da coima, e posto que as decisões concretas de aplicação das coimas foram fundamentadas com indicação e ponderação dos fatores a que manda atender o artigo 27º do RGIT, a saber: a inexistência de atos de ocultação, a inexistência de benefício económico para o agente, o carácter frequente da prática, o ter sido cometida a infração por negligência simples, a situação económica e financeira do agente baixa e terem decorrido mais de seis meses desde a prática da infração. - [cfr. acórdão do STA de 2018-10-17, proferido no processo nº 01004/17.0BEPRT, disponível em www.dgsi.pt]. XII – Concludentemente, deverá a douta sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra decisão que mantenha a condenação da arguida nos termos constantes das decisões de aplicação da coima em causa, com as respetivas consequências legais. * Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, consequentemente, deverá ser revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se a condenação da arguida, como é de inteira JUSTIÇA.”Não foi deduzida resposta. O EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente devendo, em consequência, manter-se a decisão recorrida pelas razões doutamente aduzidas e às quais infra se fará alusão. * 2. - FUNDAMENTAÇÃO:2.1. Dos Factos Na sentença recorrida e com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideraram-se provados os seguintes factos: 1) No dia 22/02/2017, foi levantado contra a Arguida, auto de notícia por falta de pagamento de taxas de portagem, que motivou a instauração do processo de contraordenação n.º 23482017060000024750 – (cfr. fls. 3 a 31 da paginação eletrónica do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). 2) Com data de 23/02/2017, foi remetida para a ora Recorrente, a notificação nos termos do artigo 70.º, n.º do RGIT, cujo teor consta do seguinte: (…)” - (cfr. fls. 37 da paginação eletrónica do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
(…)” - (cfr. fls. 68 a 86 da paginação eletrónica do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (…)” - (cfr. fls. 122 da paginação eletrónica do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
8) A decisão de aplicação da coima a que se alude no ponto antecedente, foi remetida à Arguida em 4/05/2017 - (cfr. fls. 153 da paginação eletrónica do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). * Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.* Motivação A decisão da matéria de facto efetuou-se com base nos documentos e informações oficiais constantes dos autos, referidos em cada um dos pontos do elenco da factualidade dada como provada, nomeadamente os respetivos Autos de Notícia e decisões administrativas, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova. * A questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento ao anular as decisões administrativas de aplicação de coima e determinar a devolução dos autos ao Serviço de Finanças de Viana do Castelo, com fundamento na verificação da nulidade insuprível prevista no art. 63.º, n.ºs 1, alínea d) e 3, do RGIT, por violação da exigência da «descrição sumária dos factos», por falta da indicação dos limites da moldura sancionatória abstractamente aplicável, que considera integrar-se na exigência de indicação das normas punitivas, e por falta de indicação «dos elementos que contribuíram para a […] fixação» da coima, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 79.º do mesmo Regime. Pronunciando-se sobre a descrição sumária dos factos na decisão administrativa, expendeu GERMANO MARQUES DA SILVA, em intervenção no Centro de Estudos Judiciários: «em resposta à questão de «qual o limite para a descrição sumária dos factos enquanto garantia de defesa» a minha resposta é também sumária: deve descrever o facto nos seus elementos essenciais para que o destinatário possa saber o que lhe é imputado e de que é que tem de se defender sem necessidade de consultar outros elementos em posse da administração» (Cfr. Contra-ordenações Tributárias 2016 [Em linha], Centro de Estudos Judiciários, 2016, pág. 20, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_contraordenacoes_t_2016.pdf.). * 3. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida com a fundamentação retro. Sem custas (inexistência de norma legal que preveja a condenação da entidade recorrente em custas). * Lisboa, 28 de Outubro de 2020. - José Gomes Correia (relator) – Nuno Bastos - Gustavo Lopes Courinha. |