Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0796/16
Data do Acordão:02/22/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:I A contradição de julgados pressupõe que, no âmbito do mesmo quadro normativo e perante idêntica realidade factual, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento adoptem soluções opostas quanto à mesma questão fundamental de direito.
II Não se verificando essa contradição, não há que admitir o recurso.
Nº Convencional:JSTA000P22942
Nº do Documento:SAP201802220796
Data de Entrada:05/31/2017
Recorrente:MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:



I – Relatório

1. Ministério da Justiça, devidamente identificado nos autos, vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno desta Secção do STA, nos termos do artigo 152.º do CPTA. Alega para o efeito que o acórdão ora recorrido, proferido pelo STA em 09.02.17 (Proc. n.º 796/16), já transitado, está em contradição com vários acórdãos proferidos pelo STA, os quais serviriam como acórdãos fundamento.

Notificado para indicar apenas um acórdão fundamento por cada questão em relação à qual entende haver contradição na jurisprudência (cfr. despacho de fls. 678v.), de acordo com a orientação jurisprudencial firmada por este Supremo Tribunal, veio o recorrente indicar um acórdão fundamento por cada questão:

“1.ª - «O ato de nomeação insere-se, ou não, no direito à reconstituição da situação atual hipotética?» – Acórdão do STA recaído no proc. n.º 23393B, de 02.05.2002;

2.ª «A ação administrativa especial, como a que o Autor lançou mão no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, é apta e pode ser considerada como petição de execução, a que se refere o art.º 164.º do CPTA, para reconstituir a situação atual hipotética?» – Acórdão do STA recaído no proc. n.º 01013/16, de 09.11.2016;

3.ª - «A atividade administrativa deu correta e adequada interpretação ao comando que a vincula à execução espontânea da sentença do TCAS, a que se refere o art.º 162.º do CPTA?» – Acórdão do STA recaído no proc. n.º 01448/15/16, de 14.04.2016.


2. O recorrente termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões (cfr. fls. 575-6):

a) O direito à reconstituição da situação atual hipotética – em categoria e carreira como a de investigação criminal, cujo procedimento é assumidamente conhecido pelo Venerando STA – não abrange o ato de nomeação;

b) A ação não se insere em um processo de execução, pelo que ao Tribunal não é lícito alterar o paradigma decisório, ampliar a causa de pedir e/ou o pedido;

c) O apelo a critérios de insuficiência decisória da segunda instância cede perante as limitações legais e, bem assim, perante a própria jurisprudência do Venerando STA;

d) A Administração deu correta e adequada interpretação ao comando que a vincula à execução espontânea de uma decisão judicial do TCAS – Tribunal Central Administrativo Sul, em 24/05/2007, no processo n.º 12828/03 –, a qual que não está, sequer, impugnada nos presentes autos;

e) Pelo que a Administração considerou adequadamente executada essa decisão do TCAS e plenamente alcançado o efeito de caso julgado;

f) O Recorrente invoca, no recurso, causa legítima de inexecução da decisão recorrida e disso notifica o Autor.

Em face do exposto, as contradições enunciadas impelem à revisão do acórdão recorrido e à uniformização da jurisprudência em consonância com os acórdãos fundamento e com os valores neles adotados.

Consequentemente, deverá ser a questão novamente julgada e, a final, revogada a decisão recorrida nos termos, designadamente, do n.º 2 do art. 156.º do CPTA”.

3. Devidamente notificado, o recorrido veio produzir contra-alegações, concluindo da seguinte forma (cfr. fls. 632 a 634):

“a) O presente recurso não visa qualquer uniformização de jurisprudência, mas sim duas coisas diversas: uma espécie de ‘apelação’ ou ‘revista’, do Acórdão recorrido; adiar o mais possível dar cumprimento daquilo a que foi condenado;

b) Não se encontram verificados os pressupostos legais e jurisprudenciais necessários à admissibilidade e procedência do presente recurso relativamente a nenhuma das alegadas ‘questões fundamentais de direito’ reclamadas pelo Recorrente;

c) O Recorrente chega mesmo a invocar mais do que um acórdão fundamento por cada uma das questões que consubstanciam o seu recurso;

d) Os acórdãos fundamento, que o Recorrente invoca, não contêm qualquer decisão expressa – nem implícita – que contrarie a decisão do Acórdão recorrido, conforme se prova;

e) Em todas as questões invocadas não existe qualquer semelhança entre a realidade factual dos Acórdãos fundamento, e o seu quadro jurídico, e a realidade factual e o quadro jurídico que está na base do Acórdão recorrido;

f) As soluções de direito constantes dos vários Acórdãos, para além de decorrerem de quadros factuais diversos, não têm qualquer conexão com a decisão recorrida, e nem mesmo muito esforço hermenêutico se conseguirá concluir nesse sentido;

g) Alguns dos Acórdãos fundamento invocados pelo Recorrente, após a leitura dos fundamentos da sua decisão, até vão ao encontro da decisão recorrida, nomeadamente no que concerne à forma como deve ser efectuada, nestes casos, a reconstituição da situação actual hipotética;

h) Não existe qualquer convolação processual levada a cabo por esta Suprema Instância, o que há é a consideração de que determinada nulidade processual está sanada;

i) Em caso algum se pode admitir que o Recorrente se sirva das alegações de recurso para a uniformização de jurisprudência para proceder à notificação do Recorrido da invocação da existência de causa legítima de inexecução, nos termos e para efeitos do art.º 163, nº 3, do CPTA;

j) Deve o capítulo VII das alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente ser desconsiderado ou, no limite, não ser considerada como «notificação» para efeitos do n.º 3, do art. 163, do CPTA;

k) Sendo que à cautela, e sem conceder, sempre se poderá dizer que não basta invocar a que reconstituição da situação actual hipotética causa «excepcionais prejuízos para o interesse público» para que possa existir causa legítima de inexecução, exigindo-se a fundamentação dessa causa, nomeadamente concretizando-se minimamente que prejuízos são esses, de que natureza são e de forma são excepcionais;

l) Sem essa fundamentação nem sequer é possível ao destinatário de tal notificação demonstrar a razão ou razões da sua discordância ou aceitá-la, nem aos Tribunais apreciar e decidir acerca da verificação da mesma ou da sua não verificação;

m) De qualquer forma, e sem conceder quanto à questão da notificação, sempre se dirá que não se vislumbra, num caso destes, que «excepcionais prejuízos» possam existir que obstem à reconstituição da situação actual hipotética, desde já se declarando a discordância e não aceitação, por parte do Recorrido, com a sua invocação, devendo, no limite e sabendo-se o absurdo do pedido, a notificação entre mandatários, das presentes contra alegações, valer para efeitos do art.º 163º, n.º 5, do CPTA.

n) Reservando-se o Recorrido, contudo, o direito a fundamentar, no momento próprio, a sua posição, logo que o Recorrente fundamente em concreto a causa de inexecução por si ora alegada.

o) A única conclusão possível a que se pode chegar após a leitura do recurso interposto pelo Ministério da Justiça é a de que o recurso não deve ser admitido a julgamento e a ser julgado deve ser improcedente.

Nestes Termos,
E com o elevado suprimento de V. Exa,
não deve o presente recurso ser admitido,
e, caso o seja, deve ser julgado totalmente
improcedente por não provado”.


4. O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu qualquer parecer.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

1. De facto:

Remete-se para a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC.

2. De direito:

2.1. Nos presentes autos, o recorrente alega que sobre a mesma questão fundamental de direito existe contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento. No caso concreto dos autos, são três as questões fundamentais de direito, a saber:

“1.ª - «O ato de nomeação insere-se, ou não, no direito à reconstituição da situação atual hipotética?»;

2.ª «A ação administrativa especial, como a que o Autor lançou mão no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, é apta e pode ser considerada como petição de execução, a que se refere o art.º 164.º do CPTA, para reconstituir a situação atual hipotética?»;

3.ª - «A atividade administrativa deu correta e adequada interpretação ao comando que a vincula à execução espontânea da sentença do TCAS, a que se refere o art.º 162.º do CPTA?»;

Vejamos se assiste razão ao recorrente.

2.2. Antes de mais, e em termos de enquadramento teórico, diga-se que o presente recurso de uniformização de jurisprudência é interposto ao abrigo do artigo 152.º do CPTA, e que os requisitos de admissibilidade do recurso em questão, cuja apreciação é vinculada, são os seguintes: a) que exista contradição entre acórdão do TCA e outro acórdão anterior, do TCA ou do STA, ou entre acórdãos do STA; b) que essa contradição recaia sobre a mesma questão fundamental de direito; c) que se tenha verificado o trânsito em julgado do acórdão recorrido e do acórdão fundamento e o respectivo recurso tenha sido interposto, no prazo de trinta dias, após o trânsito do acórdão impugnado; d) que não exista, no sentido da orientação perfilhada no acórdão recorrido, jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.
Estes requisitos são de verificação cumulativa, pelo que o não preenchimento de um deles constitui condição suficiente para não admitir o recurso de uniformização de jurisprudência.
Além destes requisitos legais, a jurisprudência, baseando-se na lógica deste tipo de recurso, formulou, logo no âmbito da LPTA, alguns princípios com ele relacionados cuja observância também se justifica no âmbito do CPTA, quais sejam: e) para cada questão em oposição deve o Recorrente eleger um e só um acórdão fundamento; f) só é de admitir-se a existência de oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos; g) só releva a oposição entre decisões e não entre meros argumentos (ver Acórdão do Pleno do STA de 04.06.13, Proc. n.º 0753/13).

2.3. Apreciemos, agora, a admissibilidade do recurso interposto começando por analisar os pressupostos legais enunciados em a) e c). Assim, e desde já, a alegada contradição de julgados envolve acórdãos do STA, sendo os acórdãos fundamento anteriores ao acórdão recorrido – estando, deste modo, preenchido o disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 152.º); além disso, ambos já transitaram em julgado (trânsito em julgado cuja existência se presume – cfr. art. 688.º, n.º 2, do CPC).
Cumpre, de seguida, analisar se, no caso sub judice, ocorre a identidade da questão fundamental de direito resolvida, em sentidos opostos, nos acórdãos em confronto (pressuposto legal enunciado em b)). Atentemos, então, nas questões efectivamente colocadas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento.

1.ª questão: «O ato de nomeação insere-se, ou não, no direito à reconstituição da situação atual hipotética?».

Atentemos no que é dito no acórdão fundamento – Ac. do STA de 02.05.2002, Proc. n.º 23393B – com interesse para os presentes autos:

“O requerente aceita que foram realizadas tais operações. Mas sustenta que não bastam para se considerar integralmente executado o acórdão anulatório. Com efeito, defende que a completa execução deste impõe que os efeitos da respectiva nomeação como inspector principal deverão retroagir a 01.06.84, data em que ocorreu a vaga nessa categoria deixada pelo inspector C...; e, ainda, que deverá ser a respectiva carreira reconstituída com a respectiva promoção a inspector coordenador e assessor principal nos concursos abertos, respectivamente em 19.12.90 e 09.05.94, aos quais se candidatou e de que foi excluído, por falta do requisito de tempo nas categorias anteriores de inspector principal e inspector coordenador, respectivamente.
A entidade requerida, com o apoio do Ministério Público, contesta este entendimento, defendendo que a data de 01.06.84, em que ocorreu a vaga de inspector principal de jogos, só poderia ter relevância para a execução se a ela se reportasse a nomeação do inspector B..., o que não sucedeu; e, quanto às pretendidas promoções a inspector coordenador e assessor principal, que não podem ser abrangidas pela execução, por estarem dependentes de concurso.
E assiste razão à entidade recorrida.

O despacho, de 25.09.85, do SET, anulado pelo acórdão cuja execução está em causa, limitou-se a concordar com proposta, dessa mesma data, do Inspector Geral de Jogos para que fosse preenchida interinamente, com a nomeação do inspector de 1ª classe B..., a vaga de inspector principal do quadro do pessoal da IGJ aberta pela nomeação interina do inspector D... para o lugar de inspector coordenador do mesmo quadro. Isto mesmo refere o próprio requerente, no requerimento inicial de declaração de inexistência de causa legítima de inexecução (v. fl. 2/3, dos autos).
E, sendo certo que o requerente foi candidato ao concurso, aberto em 24.04.85, para preenchimento da vaga deixada pela aposentação, em 01.06.84, do inspector principal C..., é certo também que tal concurso foi suspenso, por despacho do Inspector Geral de Jogos de 24.07.85, comunicado ao requerente em 22.08.85 (vd. pontos 4 e 5, da matéria de facto). O que também é reconhecido pelo próprio requerente.
Ora, como acima se referiu, as decisões de provimento do recurso contencioso constituem a Administração no dever da situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal. Que, no caso em apreço, se consubstanciou na nomeação, a título interino, do inspector B... para a vaga existente na categoria de inspector principal de jogos, com desrespeito da preferência legal de que dispunha o requerente. Sendo que, como se vê pelo teor do anulado despacho de 25.09.85 e da proposta em que se baseou, os efeitos da nomeação a que respeita não foram reportados a data diversa daquela em que foi proferido, designadamente a de 01.06.84, data da aposentação do inspector principal C....
Pelo que a reintegração da legalidade assim violada pelo indicado despacho de 25.09.85 não exige a nomeação do próprio requerente como inspector principal com efeitos a partir desta data, mas apenas a partir da data daquela ilegal nomeação do inspector B..., ou seja, 25.09.85. O que, como se viu, já sucedeu”.

No acórdão recorrido pode ler-se com interesse para os presentes autos:

“Daí que não assista razão à entidade demanda quando sustenta que o acórdão anulatório proferido pelo TCAS foi integralmente cumprido com a realização da prova de entrevista profissional de selecção e com a integração do autor no 37º curso de formação, para inspectores estagiários, pois estes actos não são suficientes para colocar o autor na situação em que o mesmo estaria se não tivesse sido praticado o acto anulado, ou seja, a colocação do autor na situação em que se encontram os seus colegas que frequentaram o 37º curso de formação.

Com efeito, e como bem se refere na decisão da primeira instância, uma vez concluída a frequência do curso de formação, com aproveitamento, como sucedeu, impunha-se à entidade demandada que a nomeação do autor na categoria de Inspector Escalão I, tivesse sido efectuada com efeitos retroagidos a 31/10/2003, ou seja, com efeitos à data em que os demais candidatos admitidos que frequentaram o 37º curso foram nomeados na categoria de Inspector Escalão II, com efeitos reportados ao dia 01/03/2009, data em que, novamente aqueles seus colegas do 37º curso ascenderam a essa categoria” (cfr. fl. 533).

Conforme se pode constatar, no caso do acórdão fundamento, a questão que urgia resolver prendia-se com um problema de alcance dos efeitos temporais de um determinado tipo de decisão judicial. Mais concretamente, no caso tratado pelo acórdão fundamento questionava-se o seguinte: em termos de integral execução de um acórdão anulatório, até onde vão os efeitos temporais desse acórdão? Até à data da nomeação ilegal ou até à data de abertura da vaga que deu lugar à ulterior nomeação? A decisão adoptada naquele aresto foi no sentido de considerar como decisiva a data da nomeação. A questão colocada não é exactamente a mesma que, segundo o recorrente, se coloca no acórdão recorrido, qual seja: o acto de nomeação deve ser considerado como referência para efeitos de execução integral do acórdão anulatório? Em todo o caso, e bem vistas as coisas, não se alcança em que medida haveria uma contradição decisória sobre a mesma questão fundamental de direito, haja em vista que em ambos os acórdãos a data da nomeação foi tida em conta para efeitos de apuramento do que era devido ao autor/recorrente. Deste modo, e porque é patente que não há qualquer contradição decisória, não valerá a pena aprofundar mais a nossa análise, procurando averiguar se estamos perante a mesma questão fundamental de direito, se há identidade da matéria de facto e se a decisão do acórdão fundamento não é uma decisão implícita ou subentendida, o que, a assim considerar, impediria o referido aresto de servir de referência para a comparação com outra decisão para efeitos de verificar se existem decisões contraditórias (ver, entre outros, os acórdãos do Pleno do STA de 31.03.04, 06.05.04, 05.06.12 e 20.12.17, Procs. n.os 1197/03, 1039/02, 980/03, 433/12 e 643/17).

2.ª questão: «A ação administrativa especial, como a que o Autor lançou mão no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, é apta e pode ser considerada como petição de execução, a que se refere o art.º 164.º do CPTA, para reconstituir a situação atual hipotética?».
Quanto a esta segunda questão formulada pelo recorrente cabe dizer, desde já, que o acórdão recorrido considerou que a questão relativa ao erro na forma do processo estava sanada. E disse-o nos seguintes termos:

“E, antes de mais, enfrentemos uma primeira questão debatida nos autos, referente à forma de processo encontrada pelo autor/recorrente para deduzir a sua pretensão, sendo que a mesma, pese embora, se apresentar como uma acção administrativa especial de impugnação de actos e prática de acto devido, assume toda uma natureza executiva consubstanciada no decidido no Acórdão do TCAS em 24/05/2007, visando desta forma dar execução ao julgado anulatório.
Temos, pois, que o autor ao intentar uma acção executiva sob a forma de AAE, incorreu em erro na forma do processo [cfr. artº 193º do CC]; porém, a nulidade resultante desta desconformidade não foi arguida atempadamente nem conhecida oficiosamente em devido tempo [cfr. artºs 198º e 200º do CC], pelo que tem de se considerar sanada”.

Mais à frente diz-se o seguinte:

“Assim, face ao exposto e com a presente fundamentação, impõe-se a revogação do acórdão recorrido e a procedência parcial da presente acção, nos seguintes termos:

a) Anulam-se os actos impugnados;
b) Condena-se a entidade demandada a proceder à nomeação do autor/recorrente na categoria de Inspector de Escalão I com efeitos reportados a 31 de Outubro de 2003;
c) Condena-se a entidade demandada a proceder à nomeação do autor/recorrente na categoria de Inspector de Escalão II com efeitos reportados a 01 de Março de 2009;
d) Condena-se a entidade demandada a pagar ao autor as remunerações que o mesmo deixou de auferir desde o dia 31 de Outubro de 2003 até ao dia 01 de Março de 2009, por referência ao vencimento da categoria de Inspector Escalão I em vigor durante esse período, acrescido dos respectivos juros moratórios à taxa legal em vigor desde a citação [11/12/2010] até ao trânsito em julgado da presente decisão;
e) Condena-se a entidade demandada a pagar ao autor as remunerações que o mesmo deixou de auferir desde o dia 01 de Março de 2009, por referência ao vencimento da categoria de Inspector Escalão II em vigor durante esse período, acrescido dos respectivos juros moratórios à taxa legal em vigor desde a citação [11/12/2010] até ao trânsito em julgado da presente decisão.

DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em:

- Conceder provimento ao recurso.

- Revogar o acórdão recorrido.

- Julgar a acção administrativa especial parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condenar a entidade demandada nos termos das supra constantes alíneas a) a e)”.

Da leitura deste trecho decorre que, no acórdão recorrido, a decisão propriamente dita foi a da sanação e, neste sentido, ainda que no acórdão recorrido se afirme a certa altura que o autor, “ao intentar uma acção executiva sob a forma de AAE, incorreu em erro na forma do processo”, a final limita-se a decidir que, pelos motivos que expõem, a nulidade está sanada, questão que não é colocada no acórdão fundamento indicado pelo recorrente (Ac. do STA de 09.11.2016, Proc. n.º 01013/16) – a questão da sanação de nulidades. Vale isto por dizer que a questão fundamental de direito sobre a qual o recorrente entende haver pronúncias contraditórias no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, é, na realidade, no que toca ao primeiro, uma ‘não-questão’. Mas, ainda que assim não fosse, sempre se poderá adiantar que, comparando acórdão recorrido e acórdão fundamento, pode facilmente constatar-se, por um lado, que os meios contenciosos utilizados não são os mesmos, e, por outro, que os preceitos do CPTA e do CPPT/LGT são diversos. Assim sendo, não há como defender, como o faz o recorrente, que os ditos acórdãos estejam em oposição.

3.ª questão: «A atividade administrativa deu correta e adequada interpretação ao comando que a vincula à execução espontânea da sentença do TCAS, a que se refere o art.º 162.º do CPTA?»

Desde já se diga que se trata de uma formulação algo vaga da questão sobre a qual incidiram, segundo o recorrente, decisões contraditórias. Tendo em conta o teor da questão formulada, tudo indica que o recorrente entende que nos acórdãos fundamento e recorrido há uma distinta compreensão relativamente ao que deve ser a execução espontânea, por parte da Administração, das sentenças dos tribunais administrativos que condenem a Administração à prestação de factos ou à entrega de coisas. É invocado, para o efeito, o artigo 162.º do CPTA que de seguida se reproduz:
Artigo 162.º
Execução espontânea por parte da Administração

“1 - Se outro prazo não for por elas próprias fixado, as sentenças dos tribunais administrativos que condenem a Administração à prestação de factos ou à entrega de coisas devem ser espontaneamente executadas pela própria Administração no prazo máximo de três meses, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução, segundo o disposto no artigo seguinte.
2 - Extinto o órgão ao qual competiria dar execução à sentença ou tendo-lhe sido retirada a competência na matéria, o dever recai sobre o órgão que lhe tenha sucedido ou sobre aquele ao qual tenha sido atribuída aquela competência”.

Vejamos agora se o acórdão recorrido e o acórdão fundamento tratam da mesma questão fundamental de direito.
Para fundar a alegada contradição entre acórdãos, o recorrente veio convocar, como acórdão fundamento, o Acórdão do STA de 14.04.16, Proc. n.º 01448/15. Dele extraímos o extracto que agora se reproduz:

“«Ou seja, o Acórdão recorrido fundou o seu julgamento na convicção de que havia que separar o pedido de reconstituição da situação actual hipotética do pedido de reparação de danos causados pela prática de um acto ilegal e que, muito embora essas pretensões pudessem ser cumuladas com o pedido anulatório, certo é que a pretensão ressarcitória não podia ser accionada no âmbito do processo regulado nos art.ºs 173º a 179º do CPTA por este não se destinar a indemnizar o exequente pelos prejuízos causados pelo acto anulado mas, unicamente, a reconstituir a situação da situação em que ele se encontraria se o acto anulado não tivesse sido praticado. O que não afrontava “os princípios constitucionais do acesso ao direito e à tutela judicial efectiva, dado os recorrentes terem à sua disposição o meio processual próprio para fazer valer a pretensão indemnizatória que, indevidamente, formularam em sede de execução de sentença, a acção administrativa comum».

É desta decisão que vem a presente revista.
Vejamos, pois”.

Mais adiante diz-se o seguinte:

3. E é aqui que surge a questão que se coloca neste recurso que é a de saber até onde pode o Exequente ir no pedido (ou nos pedidos) a formular no processo executivo. Ou, dito de forma diferente, a de saber quais são os limites que balizam este processo tendo em vista o correcto cumprimento da sentença anulatória e, por via disso, a plena reintegração da legalidade violada. Caberá no mesmo o pedido de ressarcimento de todos os danos – materiais e/ou morais - causados pelo acto anulado? Ou o mesmo destinar-se-á, unicamente, a reintegrar o Exequente na situação a que tem direito sem que dessa reintegração possa fazer parte o ressarcimento de todos os danos causados?

O Acórdão sob censura optou pelo segundo segmento desta alternativa por ter entendido que o processo regulamentado nas citadas normas se destinava, apenas e tão só, à reconstituição da situação actual hipotética e, quando tal fosse impossível ou causasse grave dano ao interesse público, a indemnizar o Exequente pela não reconstituição daquela situação.
A execução não era, assim, o meio adequado para fazer valer um pedido indemnizatório reparador de todos os danos causados pelo facto ilegal por tal pedido só poder ser satisfeito através da acção administrativa comum e não da acção de execução de sentenças de anulação de actos administrativos. Daí que tivesse concluído que os Recorrentes se haviam equivocado quando intentaram esta execução para obter a satisfação das pretensões nele formuladas, o que determinou a absolvição da Administração da instância.
Só que esse entendimento não pode ser sufragado.
Vejamos porquê”.

E termina assim:

“Sendo assim, sendo que os Recorrentes tinham à sua disposição uma acção onde poderiam obter a satisfação dos pedidos aqui formulados e sendo, ainda, que, perante a oscilação jurisprudencial nesta matéria, lhes cabia eleger a que consideravam que melhor defendia os seus interesses é forçoso concluir que não ocorreu violação dos princípios do acesso ao direito, da tutela judicial efectiva, que pressupõe um processo equitativo, e da protecção da confiança e da segurança jurídica”.

Como se pode concluir, a questão que estava em discussão no acórdão fundamento prendia-se com a adequação ou não de um determinado meio processual à obtenção de um certo resultado. Nada que ver, portanto, com o alcance jurídico da obrigação de execução espontânea por parte da Administração dos acórdãos anulatórios, que, in casu, seria do TCAS.
É certo que a certa altura se afirma no acórdão fundamento o seguinte:

1. É sabido que, anulado o acto impugnado, a Administração tem o dever de executar espontaneamente essa decisão e que, se tal não suceder, o interessado pode requerer a sua execução judicial a qual, não sendo possível a prática de um novo acto, passa pela reconstituição da “situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado (art.ºs 173.º/1 e 176.º/1 e 2 do CPTA). O que quer dizer que, por via de regra, a execução do julgado passa pela prática, por parte da Administração, dos actos jurídicos e operações materiais necessárias a colocar o Exequente na situação que ele teria se, em vez do acto anulado, tivesse sido praticado o acto legal. Tarefa que pode exigir a prática de actos dotados de eficácia retroactiva, desde que estes não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, e obrigar a Administração a “remover, reformar ou substituir actos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação” (art.ºs 173.º/2 e 176.º/1 e 2 do CPTA).
Deste modo, anulado o acto, a primeira obrigação da Administração é a de colocar o exequente na situação que por direito lhe cabe, ainda que essa reintegração possa exigir a prática de actos dotados de eficácia retroactiva e colidir com os direitos de terceiros de boa fé (art.º 173.º/2 e 3 do CPTA). Só lhe sendo lícito libertar-se dessa obrigação quando a mesma for impossível ou dela resultar grave prejuízo para o interesse público e, portanto, quando, por essa razão, se justifique o decretamento de existência de causa legítima de inexecução. O que tem por efeito a imediata paralisação da obrigação de reconstituir a situação actual hipotética (art.º 178.º/1)”.

Sucede que no acórdão recorrido se segue a mesma orientação. Vejamos:

“Só que esta execução anulatória, que se iniciou espontaneamente por parte da Administração com a convocação do autor a realizar a prova de entrevista, não se completou, pois atendendo à natureza do curso em causa, formação, frequência e apuramento, não se mostrou suficiente aditar o nome do autor à lista dos candidatos do 39º curso – cfr. alínea I) dos factos provados – tudo se passando como se ele não devesse pertencer ao curso 37º de onde era oriundo.
(…)
A Administração está pois obrigada a praticar actos dotados de eficácia retroactiva que não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, ou, se for adequado, remover, reformar ou substituir actos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação (nº 2 do artigo 173º)”.

Em suma, não só a questão em apreço não pode ser considerada como a questão fundamental de direito colocada no acórdão fundamento como, bem vistas as coisas, os dois acórdãos seguem a mesma orientação, segundo a qual a execução espontânea dos julgados anulatórios pode obrigar à prática de actos com eficácia retroactiva. E, se virmos ainda melhor, esta orientação nem sequer serve bem os interesses do recorrente, que pretende impugnar a decisão recorrida que, precisamente, segue a tal orientação (“Como tal, a reconstituir a situação real hipotética não pode ter retroatividade ao ponto de colidir com regras próprias de formação habilitante à nomeação e ao ingresso a carreira” – sendo certo, por um lado, que o recorrente continua a entender que “os presentes autos não são de execução”, surgindo o argumento da não retroactividade como uma decorrência dessa posição; e sendo certo, por outro lado, que não cabe a este Supremo Tribunal, no âmbito da aplicação do artigo 152.º do CPTA, fazer este tipo de apreciação.

2.4. Em face de todo o exposto, temos que não se verifica a alegada contradição entre o acórdão recorrido e os acórdãos fundamento indicados pelo recorrente em relação às três questões fundamentais de direito por ele recortadas. Deste modo, não se pode verificar um dos pressupostos do artigo 152.º do CPTA, o que impede o conhecimento do mérito do recurso em análise, o que cabe declarar com todas as legais consequências.


III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo em não admitir o presente recurso para uniformização de jurisprudência.



Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2018. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.