Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02686/10.9BELRS 0401/17
Data do Acordão:02/27/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:DULCE NETO
Sumário:I - O benefício fiscal previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato é em regra dependente de reconhecimento, sendo, porém, automático se a Fundação destinatária dos donativos for pessoa colectiva dotada do estatuto de utilidade pública à qual tenha sido reconhecida isenção de IRC.
II - Vindo o direito a tal benefício a ser adquirido de modo automático – por efeito da declaração de utilidade pública e isenção de IRC da entidade beneficiária de tais donativos - este retroage os seus efeitos à data da verificação dos respectivos pressupostos, ex vi do disposto no então artigo 11.º (actual artigo 12.º) do EBF, ou seja, à data em que os fundadores efectuaram os donativos destinados à dotação inicial da Fundação.
Nº Convencional:JSTA000P24276
Nº do Documento:SAP2019022702686/10
Data de Entrada:04/05/2017
Recorrente:Z......................, SGPS, S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. Z…………………… SGPS, S.A. (anteriormente ……….. SGPS, S.A. e ……………………………………, SGPS, S.A.), recorre para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito do recurso que aí correu sob o nº 07438/14, invocando oposição com o acórdão que o Supremo Tribunal Administrativo proferiu em 23/10/2013, no processo nº 0471/13.

1.1. Apresentadas que foram as alegações previstas no nº 3 do art.º 284º do CPPT, o Exmo. Juiz Desembargador Relator sustentou a existência da invocada oposição.

1.2. As subsequentes alegações sobre o mérito do recurso, apresentadas pela Recorrente em conformidade com o disposto no nº 5 do art.º 284º do CPPT, mostram-se rematadas com o seguinte quadro conclusivo:

I. A RECORRENTE interpôs o presente recurso, por oposição de acórdãos, com fundamento na oposição entre o Acórdão proferido no Processo nº 07438/14, que correu os seus termos no 2º Juízo - 2ª Secção (Contencioso Tributário) do Tribunal Central Administrativo Sul (“Acórdão Recorrido”), e o Acórdão proferido pela 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, no processo nº 0471/13, de 23 de Outubro de 2013 (“Acórdão fundamento”).

II. Subjacentes às decisões proferidas pelo Acórdão recorrido e pelo Acórdão fundamento está a mesma situação fáctica, que ora, sucintamente, se descreve: i) a concessão de um donativo, por uma sociedade, a uma Fundação de iniciativa exclusivamente privada que prossegue fins de natureza predominantemente social ou cultural, a título da dotação inicial da mesma; ii) a sociedade não reportou como custo, no ano em que efectuou o donativo, essa liberalidade; iii) posteriormente foi reconhecida à Fundação donatária a condição de utilidade pública; iv) em sequência deste reconhecimento e, bem assim, do reconhecimento da isenção de IRC da Fundação donatária, a sociedade que efectuou o donativo reclamou graciosamente da autoliquidação de IRC efectuada no ano de exercício em que concedeu o donativo.

III. Indexada à identidade da situação de facto acima descrita encontra-se, entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento, uma igual materialidade de questões de fundo, como a ponderação dos efeitos do despacho de reconhecimento da utilidade pública da Fundação em termos do enquadramento do donativo, efectuado por uma sociedade, feito a título de dotação inicial daquela Fundação.

IV. Porém, perante idêntica situação fáctica e as mesmas questões de direito, foram proferidas decisões diametralmente e expressamente opostas.

V. Com efeito, no douto Acórdão Recorrido, os Venerandos Juízes Desembargadores sustentaram que o benefício fiscal em causa depende de reconhecimento, onde a declaração da utilidade pública da Fundação donatária configura o acto constitutivo daquele direito, produzindo os seus efeitos a partir da data em que foi praticado, quer em termos do enquadramento das liberalidades, ao abrigo do Estatuto do Mecenato, como para o acesso à isenção de IRC.

VI. Consequentemente entende que apenas a partir do momento daquela declaração é que se encontra verificada a previsão legal do desvio da tributação-regra, através da isenção, negando, portanto, a dedutibilidade do donativo.

VII. Por seu turno, entendeu o Venerando Supremo Tribunal Administrativo, no aludido Acórdão Fundamento, que o despacho de reconhecimento da utilidade pública da Fundação donatária tem efeitos meramente declarativos, retroagindo os seus efeitos à data da concessão da liberalidade. Sustenta este Venerando Tribunal que, a partir do momento daquela declaração, o benefício fiscal em causa passa a ser automático, não carecendo, portanto, de reconhecimento.

VIII. Concluindo, demonstra o douto Acórdão fundamento, em posição também acolhida em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido, em 15 de Janeiro de 2014, no âmbito do processo nº 0148/13, e que a RECORRENTE ora também acolhe, que os pressupostos do benefício fiscal em causa - a saber: (i) que o donativo se destina à dotação inicial de (ii) uma Fundação de iniciativa exclusivamente privada que prossiga fins de natureza predominantemente social ou cultural - verificam-se ao tempo da liberalidade, pelo que o direito a este benefício opera de modo automático a partir do momento da declaração da utilidade pública da Fundação, sendo, portanto, lícita a sua dedução como custo fiscal no período tributário em que foi efectuada a liberalidade.

IX. Também a Doutrina, como atrás citou a RECORRENTE, partilha do entendimento do efeito meramente declarativo do reconhecimento de benefícios fiscais, retroagindo os efeitos de qualquer declaração de reconhecimento ao tempo do facto que confere o direito ao benefício. De facto, a posição assumida pelo Acórdão Recorrido esvazia por completo o sentido das disposições legais em causa, por negar, sem fundamento, a dedutibilidade dos custos, no exercício em que foi efectuada a liberalidade, deste mesmo donativo.

X. A própria Administração tributária, através da Circular nº 13/2003, de 25 de Setembro, emitida pela Direcção de Serviços do IRC, perfilhou este entendimento, de acordo com o qual o nascimento do direito ao benefício fiscal deve reportar-se, sempre, ao momento da verificação histórica dos respectivos pressupostos legais, clarificando que uma vez praticado este acto de reconhecimento, os seus efeitos retroagem à data da verificação histórica dos respectivos pressupostos do benefício fiscal.

XI. De facto, entender-se que o acto de reconhecimento da utilidade pública da Fundação tem eficácia constitutiva esvazia, em termos práticos, a norma legal que confere o benefício, uma vez que está em causa a dedutibilidade de liberalidades a título de dotação inicial de uma Fundação, que, na altura da sua constituição, nunca verá reconhecida a sua utilidade pública, dado o período de carência existente para o reconhecimento de tal estatuto.

XII. Por outro lado, a declaração de reconhecimento da utilidade pública de uma Fundação apenas atesta — reconhece — que a Fundação reúne tais pressupostos desde a sua génese. O acto de reconhecimento da utilidade pública tem eficácia meramente declarativa desse estatuto. De acordo com a Lição de ALBERTO XAVIER em relação a actos com eficácia meramente declarativa, entende-se que o acto, isoladamente considerado, é inovador — lato sensu —, por introduzir algo novo no mundo jurídico preexistente, sendo constitutivo apenas num sentido genérico e impreciso; caso contrário, estar-se-ia em face de um facto irrelevante. Em sentido técnico, a “inovação” em causa ou, melhor, a eficácia em causa prende-se, apenas, com a declaração de uma situação preexistente.

XIII. Assim, dever-se-á entender que a declaração de reconhecimento da utilidade pública da Fundação PT proferida pelo Primeiro-Ministro e publicada no Diário da República de 4 de Março de 2005, 2ª série, nº 45, reconhecendo, ao abrigo do artigo 3º do Decreto-Lei nº 460/77, de 7 de Novembro, reveste natureza meramente declarativa, pelo que produz efeitos (retroactivos) reportados à data da constituição da Fundação PT, ou seja, a 11 de Março de 2003.

1.3. A entidade recorrida não apresentou contra-alegações.


1.4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido de que ocorre a invocada oposição de acórdãos e que, conhecendo do objecto do recurso, deve ser mantida a posição sufragada no acórdão fundamento, por não haver razões para dele divergir. «Com efeito, conforme foi recentemente analisado no acórdão do S.T.A. de 1-2-2017, proferido no proc. n.º 1115/13, o referido donativo, efetuado a Fundação que prossegue fins de caráter social, comporta o dito benefício, independentemente de reconhecimento, conforme foi intenção do legislador ao consagrar as ditas normas do Estatuto do Mecenato aprovado pelo Decreto-Lei 74/99, de 16 de março.
Esta lei era a aplicável à data dos factos ocorridos em 2003, em que foi efetuada a dotação em causa com vista à constituição da Fundação PT.
Aliás, conforme matéria de facto aditada no acórdão recorrido a dita Fundação foi constituída com fins de ordem social, a que corresponde ainda a dita majoração.


1.5. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência do Pleno da Secção.



2. No acórdão recorrido consta como provada a seguinte matéria de facto:

A. Por escritura pública outorgada em 11/03/2003, no 15º Cartório Notarial de Lisboa, foi instituída a Fundação Portugal Telecom, pessoa coletiva de utilidade pública, sem fins lucrativos (Doc. 1 da petição inicial; processo administrativo tributário apenso).

B. No exercício fiscal de 2003, a impugnante entregou à Fundação Portugal Telecom a quantia de €1.050.000,00, correspondente à dotação de 2003 para a constituição do património inicial da fundação (Doc. 6 da PI).

C. A impugnante não declarou o custo com essa dotação como sendo fiscalmente dedutível (Doc. 2 da PI; PAT apenso).

D. No dia 12/07/2004 a Fundação Portugal Telecom obteve o reconhecimento administrativo, pela Portaria n.º 793/2004, do Gabinete do Subsecretário de Estado da Administração Interna, publicada no Diário da República, II Série, n.º 162, de 12/07/2004 (Doc. 4 da PI).

E. Pela Declaração nº 46/2005, de 22/02/2005, da Presidência do Conselho de Ministros, publicada no Diário da República, de 04/03/2005, foi reconhecida a utilidade pública à Fundação Portugal Telecom (Doc. 5 da PI).

F. Por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais datado de 07/03/2007, foi deferido o pedido de reconhecimento de isenção de IRC da Fundação Portugal Telecom, ali se determinando que esta isenção se aplica a partir de 04/03/2005, data de publicação do despacho de reconhecimento como pessoa coletiva de utilidade pública no DR II Série nº 45, de 04/03/2005, ficando condicionada à observância continuada dos requisitos estabelecidos nas alíneas a), b) e c) do nº 3 do artigo 10º do Código do IRC, com as consequências, em caso de incumprimento, previstas nos números 4 e 5 desta disposição (Doc. 7 da PI).

G. No dia 31/05/2007, a impugnante apresentou reclamação graciosa da autoliquidação do exercício de 2003, peticionando a correção do lucro tributável apurado pelo Grupo no âmbito do RETGS, no montante de € 1.470.000,00, correspondente ao donativo concedido à Fundação Portugal Telecom no exercício de 2003, bem como a sua majoração na proporção de 40% (Doc. 8 da PI).

H. A impugnante sustentou a reclamação graciosa invocando a Circular n.º 13/2003, de 25/09/2003, emitida pelo Diretor-Geral dos Impostos (Doc. 8 da PI).

I. No dia 04/12/2008, a impugnante recebeu notificação do projeto de decisão da reclamação graciosa (Doc. 10 da PI).

J. No dia 12/12/2008, a impugnante exerceu o direito de audição prévia (Doc. 10 da PI; fls. 46/51 do PAT apenso).

K. Por despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa datado de 23/01/2009, foi indeferida esta reclamação graciosa (Doc. 9 da PI).

L. A impugnante apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa da autoliquidação do exercício de 2003 (Doc. 10 da PI).

M. Por despacho da Diretora de Serviços da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas datado de 27/07/2010, foi indeferido o recurso hierárquico, com os termos de fls. 49/55, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e do qual consta o seguinte:

«De acordo com o nº 2 do artigo 1º do Dec. Lei 74/99 de 16 de Março, para os efeitos do presente diploma, apenas têm relevância fiscal os donativos em dinheiro ou em espécie concedidos sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial às entidades públicas ou privadas nele previstas, cuja actividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, desportiva e educacional (cfr. alteração efectuada pela Lei nº 26/2004, de 8 de Julho);

Ainda, o nº 3 do mesmo artigo refere que os benefícios fiscais previstos no presente diploma, com excepção dos referidos no artigo 1º do Estatuto e dos respeitantes aos donativos concedidos às pessoas colectivas dotadas de estatuto de utilidade pública às quais tenha sido reconhecida a isenção de IRC nos termos do artigo 10º do respectivo Código, dependem do reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto dos ministros das finanças e da tutela.

Contudo, nos termos do nº 4 do citado artigo, para efeitos de usufruir do benefício fiscal previsto no nº 2 do artigo 2º e nº 2 e 3 do artigo 3º do estatuto, é necessário o reconhecimento prévio a efectuar por despacho conjunto dos ministros das Finanças e da tutela;

O artigo 1º contempla ainda, para além das associações de municípios e freguesias, cfr. b), as Fundações em que o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais participem no seu património inicial c) e as Fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, relativamente à sua dotação inicial, cfr. d).

Sendo de primordial importância referir que, o nº 2 da citada norma prevê, sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 1º do presente diploma, estarem sujeitos a reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto dos ministros das finanças e da tutela, os donativos concedidos às fundações (...) e bem assim, às fundações de iniciativa exclusivamente privada desde que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural e os respectivos estatutos prevejam que, no caso de extinção, os bens revertam para o Estado, ou em alternativa, sejam cedidos às entidades abrangidas pelo artigo 10º do Código do IRC.

(...) As dotações iniciais da entidade requerente não poderão usufruir da majoração prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 1º do estatuto do mecenato, uma vez que, em caso de extinção da Fundação Portugal Telecom, o nº 2 do artigo 22º dos seus estatutos não estabelece que, os bens da entidade requerente revertam para o Estado ou, em alternativa, poderem ser cedidos às entidades abrangidas pelo artigo 9º (actual 10º) do Código do IRC.

E isto porque o nº 2 do artigo 1º do Estatuto do Mecenato (Aprovado por Decreto Lei nº 74/99, revogado pela alínea f) do nº 3 do artigo 87º da Lei 53A/2006, de 29 de Dezembro/OE para 2007 tendo os benefícios fiscais relativos ao mecenato passado a constar do capitulo X do EBF, aditado pelo nº 3 do artigo 83º do mesmo diploma),

Estabelecia que poderiam ser considerados donativos, e, consequentemente usufruir da majoração prevista no nº 3 do mesmo artigo, as dotações iniciais das fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente cultural ou social, quando “… os respectivos estatutos prevejam que, no caso de extinção, os bens revertam para o estado ou em alternativa, sejam concedidos às entidades abrangidas pelo artigo 9º do (actual 10º) do Código do IRC.

No caso da Portugal Telecom temos que o nº 2 do artigo 22º dos seus estatutos, estabelece que: “em caso de extinção da Fundação, a respectiva deliberação ou decisão fixará o destino do seu património tendo em conta o critério de afectação a fins semelhantes aos da Fundação”

Concluindo-se assim não possuírem as entidades fundadoras da Fundação Portugal Telecom àquela data (2003), o direito de usufruir de qualquer dos benefícios fiscais do Estatuto do Mecenato.

Quanto ao seu enquadramento, no âmbito do EM, foi por despacho de 18 de Fevereiro de 2005 do Primeiro Ministro, publicado no DR-II Série nº 45, de 4 de Março de 2005, o reconhecimento à respectiva Fundação do Estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública.

Por despacho de 7 de Março de 2007, do SEAF, por delegação de competências foi reconhecida à Fundação Portugal Telecom a isenção de IRC, nos termos do artigo 10º do Código do IRC [com efeitos a partir de 4.03.2005].

Face aos motivos expostos, conclui-se não reunir a Fundação à data reclamada, quaisquer requisitos que permitissem a pretensão favorável ao ora recorrente,

Não tendo aplicação a Circular invocada, 13/2003, de 25 de Setembro, pelos motivos já descritos ou seja, não reunir a Fundação àquela data, os requisitos necessários e designadamente o estatuto de utilidade pública, para que pudesse receber o respectivo donativo.» - (Doc. 1 da PI).

N. No dia 13/04/2010, a Fundação Portugal Telecom efetuou uma alteração parcial aos seus estatutos, dando nova redação ao respetivo artigo 22.º, n.º 2, que passou a conter os seguintes termos: «Em caso de extinção da Fundação, o seu património reverterá para o Estado ou, em alternativa, será cedido às entidades abrangidas pelo artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas» - (Doc. 3 da PI).



3. No acórdão fundamento consta como provada a seguinte matéria de facto:

A. Por escritura pública outorgada em 11/03/2003, no 15º Cartório Notarial de Lisboa, por A…, S.A. (A...), B..., S.A. (B…), C…. S.A. (C...), D…. S.A. (D...) e E…. S.A. (E…), como entidades fundadoras, foi instituída a Fundação …, pessoa colectiva de utilidade pública, sem fins lucrativos (Doc. 1 da petição inicial).

B. O objecto desta Fundação é o de “exprimir e concretizar o compromisso de intervenção social e apoio ao desenvolvimento por parte do Grupo..., promovendo e apoiando, em Portugal e no resto do Mundo onde o Grupo opera, e em particular nos países de expressão portuguesa, programas de acção, iniciativas e actividades que visem ou favoreçam os avanços da Sociedade de Informação, os usos sociais dos meios e tecnologias de comunicação e informação, designadamente para a promoção da educação e formação tecnológica e cultural do combate à infoexclusão nas suas diferentes vertentes, bem como as que promovam a inovação e o desenvolvimento na promoção da saúde, da cultura e do desporto, e outras, directa ou em parceria com outras entidades que visem fins idênticos e, em particular, aquelas em que o Grupo detenha participações.” - (Doc. 1 da PI).

C. De acordo com os estatutos, as entidades fundadoras participam na Fundação …. com uma dotação inicial de € 25.000.000,00, a qual seria realizada nos seguintes moldes:

(i) € 10.000.000,00, em 2003;
(ii) €5.000.000,00, em 2004;
(iii) €5.000.000,00, em 2005;
(iv) €5.000.000,00, em 2006 – (Doc. 1 da PI).

D. Consta dos estatutos que a repartição da obrigação de contribuir com essa dotação inicial devia ser realizada com obediência às seguintes proporções:

(i) A… — 51%;
(ii) B..... — 18%;
(iii) C… — 18%;
(iv) D… — 10,5%;
(v) E... — 2,5% - (Doc. 1 da PI).

E. No exercício fiscal de 2004, a impugnante e as restantes entidades fundadoras, todas pertencentes ao mesmo grupo para efeitos do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”), efectuaram doações para a dotação inicial da Fundação ... no montante global de €4.475.000,00 - (artigo 7º da PI).

F. A impugnante e as restantes entidades fundadoras não consideraram os custos com essa dotação como sendo fiscalmente dedutíveis, uma vez que à data da entrega de declaração de rendimentos Modelo 22 do exercício de 2004 (Maio de 2005) ainda não se encontravam reunidos os requisitos necessários ao enquadramento dos donativos concedidos no âmbito do Estatuto do Mecenato - (artigo 6º da PI).

G. No dia 12/07/2004, a Fundação … obteve o reconhecimento administrativo, pela Portaria nº 793/2004, do Gabinete do Subsecretário de Estado da Administração Interna, publicada no Diário da República, II Série, nº 162, de 12/07/2004 - (Doc. 2 da PI).

H. Pela Declaração nº 46/2005, de 22/02/2005, da Presidência do Conselho de Ministros, publicada no Diário da República, de 04/03/2005, foi reconhecida a utilidade pública à Fundação … - (Doc. 3 da PI).

I. No dia 28/04/2005, a Fundação … apresentou um pedido de reconhecimento de isenção de IRC à administração tributária (Doc. 4 da PI).

J. No dia 13/03/2007, a Fundação … recebeu notificação do deferimento deste pedido de reconhecimento de isenção de IRC - (Doc. 5 da PI).

K. O reconhecimento da isenção concedido através do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais determina que esta isenção se aplica a partir de 04/03/2005, data de publicação do despacho de reconhecimento como pessoa colectiva de utilidade pública no DR II Série nº 45, de 04/03/2005, ficando condicionada à observância continuada dos requisitos estabelecidos nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 10º do Código do IRC, com as consequências, em caso de incumprimento, previstas nos números 4 e 5 desta disposição - (Doc. 5 da PI).

L. No dia 31/05/2007, a impugnante apresentou reclamação graciosa da autoliquidação do exercício de 2004, peticionando a correcção do lucro tributável apurado pelo Grupo no âmbito do RETGS, no montante de € 12.530.000,00, correspondentes aos donativos concedidos à Fundação... para a sua dotação inicial, nos exercícios de 2004 e 2005, bem como a sua majoração na proporção de 40% - (Doc. 6 da PI).

M. A impugnante alicerçou a reclamação graciosa na Circular nº 13/2003, de 25/09/2003, emitida pelo Director-geral dos Impostos (Doc. 7 da PI).

N. Através do ofício nº 100459, de 31/12/2008, a impugnante recebeu notificação do projecto de decisão e, após exercer o seu direito de audição, foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa na parte relativa a 2004 e o seu deferimento na parte relativa a 2005 - (Doc. 8 da PI).

O. Consta do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, na parte relativa aos donativos de 2004, o seguinte:

“30. O artigo 1º do Decreto-Lei nº 74/99, de 16 de março, que aprova o Estatuto do Mecenato, com a redação introdução pela Lei 160/99 de 14 setembro, previa no artigo 1º nº 3 que os benefícios fiscais, com exceção dos referidos no artigo 1.º do Estatuto e dos respeitantes aos donativos concedidos às pessoas coletivas dotadas de estatuto de utilidade pública às quais tenha sido reconhecida a isenção de IRC nos termos do artigo 9º do respetivo Código, dependem de reconhecimento, a efetuar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela.

31. Do exposto e relativamente ao exercício de 2005, terá razão a reclamante ao afirmar que não será necessário o reconhecimento em virtude de a Fundação possuir o Estatuto de Utilidade Pública e de se tratar de uma Pessoa Isenta de IRC. (...)

35. Conforme foi anteriormente mencionado, o Despacho de fls 76, datado de 7 de março de 2007, que concede isenção de IRC nos termos do artigo 10. do CIRC (anterior artigo 9º) possui efeitos retroativos à data do reconhecimento da Fundação como Pessoa Coletiva de Utilidade Pública, isto é à data de 04.03.2005.

36. Em consequência, o exercício de 2004 ficará excluída daquele regime, uma vez que não existe o formal reconhecimento do beneficio através de Despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela, a que o artigo 1º nº 3 do Decreto-Lei nº 74/99 de 16 de março refere.” - (Doc. 8 da PI).

P. No dia 08/06/2009, a impugnante apresentou recurso hierárquico contra a parte do indeferimento – (Doc. 9 da PI).

Q. No dia 15/01/2010, a impugnante apresentou uma adenda a este recurso hierárquico, demonstrando que a Fundação... havia entretanto efectuado uma rectificação aos seus estatutos nos termos do artigo 189º do Código Civil, registada na Conservatória do Registo Comercial a 07/05/2010 – (Docs. 10 e 11 da PI).

R. Pelo ofício nº 006857 de 25/01/2011, a impugnante recebeu notificação do despacho proferido em 27/12/2010, pela Directora de Serviços do IRC, no uso de competências subdelegadas, que indeferiu aquele recurso hierárquico – (Doc. 12 da PI).



4. O presente recurso tem por base a oposição do acórdão que o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) proferiu em 24/09/2015, no processo nº 07438/14 (acórdão recorrido), com o acórdão que o Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferiu em 23/10/2013, no processo nº 0471/13 (acórdão fundamento).
Importa, antes de mais, verificar se ocorre a invocada oposição de acórdãos, pois, tal como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência, essa decisão não faz caso julgado e não desobriga o tribunal de recurso de reapreciar a questão.

4.1. Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos.

Trata-se de recurso interposto em processo de impugnação judicial instaurado após 1 de Janeiro de 2004, ao qual é aplicável o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro. Razão por que o seu conhecimento depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e não ocorrer a circunstância de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA – (artigos 27.º, n.º 1, al. b), do ETAF, 152.º, n.º 1, al. a), do CPTA e 284.º do CPPT).

Por sua vez, quanto à caracterização da questão fundamental de direito sobre a qual deve existir oposição de julgados, devem observar-se os seguintes critérios: (i) identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe a existência de quadros fácticos substancialmente idênticos; (ii) inexistência de alteração substancial na regulamentação jurídica; (iii) oposição decorrente de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

No caso em análise é inquestionável que se encontram preenchidos os citados requisitos legais, porquanto o acórdão recorrido diverge, de forma expressa e frontal, do acórdão fundamento na apreciação e decisão da mesma questão fundamental de direito, pese embora o idêntico quadro factual subjacente e a sua leitura à luz da mesma legislação. Questão que se reconduz à possibilidade legal de a sociedade recorrente (mecenas) gozar do benefício fiscal de dedução como custo fiscal e majoração previsto no art.º 1.º, n.º 1, alínea d), e n.º 3, do Estatuto do Mecenato, relativamente a donativo que concedeu a uma fundação de iniciativa exclusivamente privada que prossegue fins de natureza predominantemente social ou cultural e que se destinou à sua dotação inicial, mas que foi realizado numa altura em que esta ainda não obtivera o reconhecimento de utilidade pública e a isenção de IRC.

Segundo o acórdão recorrido, o benefício da dedutibilidade do custo incorrido com o donativo só pode operar relativamente a exercícios posteriores ao acto de declaração da utilidade pública da fundação, na medida em que está em causa um acto constitutivo e não meramente declarativo do benefício. O que levou a que nele se decidisse, em suma, o seguinte:
I. A dedutibilidade fiscal do donativo efectuado pelo mecenas em sede de IRC corresponde a benefício fiscal estatutário, ou seja, depende do preenchimento de certa condição em relação à entidade donatária, a utilidade pública, cuja declaração constitui a credencial para a dispensa da tributação-regra, que o princípio da legalidade fiscal imporia.

II. Assim, o despacho de reconhecimento da utilidade pública da donatária é acto constitutivo do enquadramento das liberalidades que lhe são destinadas no Estatuto do Mecenato, bem como do acesso à isenção de IRC, a qual só existe na medida daquele e do cumprimento do seus requisitos (artigos 9.º do Decreto-Lei n.º 460/77, de 4 de Novembro, 10.º/3, do Código do IRC).

III. Do acima exposto resulta que a oponibilidade do benefício fiscal em exame depende do preenchimento da condição relativa ao reconhecimento da utilidade pública da beneficiária, o qual apenas ocorreu em 04.03.2005, pelo que no exercício de 2003, data da realização da liberalidade em causa, a mencionada condição não se mostrava preenchida, pelo que o custo realizado naquela data não é dedutível ao IRC da impugnante.

Já no acórdão fundamento, julgou-se que o benefício da dedutibilidade do custo incorrido com o donativo constitui um benefício fiscal automático para o mecenas/fundador logo que a fundação adquire o estatuto de utilidade pública com reconhecimento de isenção de IRC, e que este benefício retroage os seus efeitos à data da verificação dos respectivos pressupostos por força do disposto no art.º 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), ou seja, retroage à data em que o donativo destinado à dotação inicial da fundação foi concedido. Consequentemente, julgou-se que os pressupostos do benefício fiscal se verificavam ao tempo da liberalidade, sendo, portanto, lícita a sua dedução como custo fiscal da sociedade recorrente no período tributário em que foi efectuada.

Está-se, pois, perante respostas expressas e antagónicas à mesma questão fundamental de direito, razão por que entendemos que o recurso tem de prosseguir para conhecimento do seu mérito.

4.2. Do mérito do recurso.

A primeira questão a resolver é a de saber se o benefício fiscal concedido pelo artigo 1.º, alínea d), n.º 1 do Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, na redacção da Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro, aos fundadores de fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, e que consiste na dedução como custo fiscal do donativo efectuado para a dotação inicial da fundação, é automático ou, pelo contrário, exige reconhecimento prévio.

Da simples leitura do preceito resulta que são considerados custos ou perdas do exercício, na sua totalidade, os donativos concedidos a fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, relativamente à sua dotação inicial [alínea d) do n.º 1], e que só os benefícios fiscais previstos no n.º 2 dependem de acto de reconhecimento por despacho conjunto dos ministros das finanças e da tutela. O que se compreende, na medida em que os donativos previstos na alínea d) do nº 1 se destinam necessariamente à constituição da dotação inicial da fundação, indispensável à prossecução dos seus fins estatutários (cfr. art.º 188.º n.ºs 2 e 3 do Código Civil).

Deste modo, e considerando que na interpretação do sentido e alcance da norma jurídica há que atender, antes de mais, ao elemento gramatical (o texto ou letra da norma), logo seríamos levados a considerar que se trata de um benefício automático. O que é confirmado pelo elemento histórico, pois, como se deixou frisado no acórdão desta Secção de 1/02/2017, no proc. nº 01115/13, a história evolutiva do regime jurídico do mecenato e os respectivos trabalhos preparatórios apontam claramente nesse sentido.
«De facto com a alteração produzida pela Lei n.º 160/99, de 14 de setembro, ao artigo 1º do Estatuto do Mecenato, foi aditada uma nova al. d) com vista incluir-se no normativo as fundações de iniciativa privada e natureza predominantemente social ou cultural, por forma a que estes casos passassem a dar origem ao benefício fiscal sem necessidade de reconhecimento, tendo sido incluída uma ressalva final no sentido de tal apenas se reportar «à dotação inicial.
O sentido útil desta alteração legal é manifesto: as entidades elencadas nas alíneas a), b) e c) - Estado, Regiões Autónomas e autarquias locais e qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, Associações de municípios e de freguesias e Fundações em que o Estado, as Regiões Autónomas ou as autarquias locais participem no património inicial, têm direito ao beneficio fiscal (de consideração como custos em IRC, na sua totalidade), sem necessidade de reconhecimento, relativamente a todos os donativos efectuados, independentemente de serem dotações iniciais ou outro tipo de donativos.
Já os donativos efectuados às entidades referidas na alínea d) - Fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, como é o caso da recorrente, dão lugar a idêntico benefício fiscal, sem necessidade de reconhecimento administrativo, mas apenas nos casos em que o donativo corresponda à dotação inicial.».

No caso vertente, a declaração de reconhecimento da utilidade pública da Fundação Portugal Telecom, proferida pelo Primeiro-Ministro, foi publicada no Diário da República de 4/03/2005, pelo que a questão que se coloca consiste em saber se relativamente ao donativo que a sociedade fundadora lhe concedera em 2003 para dotação inicial (altura em que ela ainda não detinha esse estatuto) pode esta sociedade pretender corrigir o lucro tributável apurado nesse exercício de 2003 na parte correspondente ao donativo concedido e respectiva majoração.

E a resposta correcta é, salvo o devido respeito, a que tem sido dada pelo Supremo Tribunal Administrativo, tanto no acórdão fundamento (de 23/10/2013, no proc. nº 0471/13), como nos acórdãos posteriores (de 15/01/2014, no proc. nº 0148/13, e de 1/02/2017, no proc. nº 01115/13), sempre no sentido de que estando em causa um benefício automático para o mecenas/fundador por força da declaração de utilidade pública e reconhecimento de isenção de IRC da fundação, esse benefício retroage os seus efeitos à data da verificação dos respectivos pressupostos, ex vi art.º 11.º (actual art.º 12.º) do EBF, ou seja, retroage à data em que o fundador efectuou o donativo destinado à dotação inicial da fundação.
«Os pressupostos substantivos deste benefício são os de que o donativo se (1) destine à dotação inicial de uma (2) fundação de iniciativa exclusivamente privada que prossiga finda de natureza predominantemente social ou cultural.

Sabido que os benefícios fiscais, quanto ao modo pelo qual operam, são automáticos, quando resultam directa e imediatamente da lei, ou dependentes de reconhecimento, quando pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento, impõe-se averiguar como opera o benefício fiscal em causa.

Ora, resulta com mediana clareza do n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 74/99 de 16/3, que o benefício fiscal previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato é em regra dependente de reconhecimento, sendo, porém, automático se a Fundação destinatária dos donativos for pessoa colectiva dotada do estatuto de utilidade pública à qual tenha sido reconhecida isenção de IRC.

Daí que se os fundadores quisessem, na autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2003, deduzir integralmente como custo os donativos que efectuaram para a dotação inicial da Fundação, teriam de ter pedido o reconhecimento de tal benefício fiscal, o que não fizeram.

O que fizeram foi, a partir do momento em que adquiriram, de forma automática, o direito ao benefício fiscal de deduzir os custos com os donativos destinados à «dotação inicial» desta Fundação «de iniciativa exclusivamente privada e que prossegue fins de natureza predominantemente social ou cultural», reclamar da autoliquidação de IRC do exercício de 2003 na parte tocante aos custos, pretendendo que o benefício, que agora lhes é reconhecido pela lei (benefício automático), estendesse os seus efeitos à data em que começou a entregar os donativos destinados à dotação inicial daquela Fundação.

E bem, assim o julgamos.

É que, nos termos do então artigo 11.º (actual artigo 12.º) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) «O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo».

Ou seja, salvo nos casos em que a lei disponha de outro modo – o que não é o caso dos autos –, o direito ao benefício fiscal «deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos», quer os benefícios sejam automáticos, resultando imediatamente da lei, quer sejam dependentes de reconhecimento, tendo efeitos meramente declarativos – cf. artigo 4.º nº 2 do EBF (actual 5.º, n.º 2).

Ora, como dissemos já, os pressupostos substantivos do benefício fiscal previsto na alínea d), do n.º 1, do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato são os de que o donativo se (1) destine à dotação inicial de uma (2) Fundação de iniciativa exclusivamente privada que prossiga fins de natureza predominantemente social ou cultural, pressupostos estes que se verificavam já em 2003, razão pela qual o direito ao benefício, obtido de modo automático a partir de 2005, retroage os seus efeitos à data em que efectuou os donativos com aquele fim àquela Fundação, sendo lícito à recorrente deduzi-los como custo fiscal no exercício de 2003, na parte em que os suportou, ex vi do disposto no artigo 11.º (actual artigo 12.º) do Código do IRC».

Neste conspecto, impõe-se revogar o acórdão recorrido e, em substituição, conceder provimento ao recurso interposto da sentença proferida em 1ª instância, julgando totalmente procedente a impugnação judicial.

4. Face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao presente recurso, revogar o acórdão recorrido e, dando provimento ao recurso interposto da sentença proferida em 1ª instância, julgar procedente a impugnação judicial, com a anulação do acto tributário impugnado com todas as devidas e legais consequências.

Custas pela Recorrida, ainda que sem taxa de justiça uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 27 de Fevereiro de 2019. – Dulce Manuel da Conceição Neto (relatora) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Ana Paula da Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Pedro Manuel Dias Delgado.