Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0134/20.5BALSB
Data do Acordão:05/26/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Sumário:Identificada falta de identidade da questão fundamental de direito, temos, sem mais, de concluir pela não verificação da primeira condição/requisito, para que recurso uniformizador de jurisprudência possa prosseguir os demais termos e conhecer-se do respetivo mérito.
Nº Convencional:JSTA000P27767
Nº do Documento:SAP202105260134/20
Data de Entrada:11/19/2020
Recorrente:A..........., LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.


A…………., Lda., …, a coberto do disposto nos artigos (arts.) 25.º n.ºs 2 a 4 e 26.º do Decreto-Lei (DL.) n.º 10/2011 de 20 de janeiro, que estabeleceu o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT) e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpôs, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário, do Supremo Tribunal Administrativo, recurso, objetivando uniformização de jurisprudência, da decisão proferida, no âmbito de pedido de pronúncia arbitral, formulado no processo nº 235/2020-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a qual julgou totalmente improcedente o pedido arbitral (“declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRC n.º 2020 8310000142, relativa ao exercício de 2018, com o valor a pagar de € 183.328,37, incluindo o valor de € 2.803.20 de juros compensatórios”).
Aponta-lhe contradição/oposição com o decidido na, também, decisão arbitral (colegial), datada de 24 de setembro de 2019, emitida no processo nº 88/2019-T, do CAAD.

A recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões: «

A) A douta decisão arbitral aqui recorrida proferida no Processo n°. 235/2020-T está em manifesta oposição com a douta decisão arbitral que serve de fundamento proferida no Processo n°. 88/2019-T;

B) Tendo ambos os processos idênticas situações fácticas subsumíveis ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica, divergem, contudo, quanto às soluções jurídicas propugnadas, pelo que verifica-se a manifesta oposição relativamente à mesma questão fundamental de direito, o que justifica a prossecução do presente recurso jurisdicional para uniformização de jurisprudência por oposição de julgados que deve prosseguir para conhecimento do respetivo mérito, em conformidade com o disposto no n°. 2 do artigo 25° do RJAT e do artigo 152° do CPTA;

C) Encontrando-se preenchidos os pressupostos para a admissibilidade do recurso e porque as duas decisões arbitrais aqui chamadas à colação divergem quanto às soluções propugnadas, à que decidir do mérito do mesmo quanto à mesma questão fundamental de direito, designadamente, a de saber do acerto da imputação das despesas não documentadas (que são presumidas sobre a inexistência dos valores monetários reflectidos na conta 11-Caixa) no ano em que é realizada a conferência do saldo de caixa pela inspecção tributária ou se, ao invés, tal imputação dever ser feita nos exercícios onde essas despesas efectivamente ocorreram por aplicação do princípio da especialização dos exercícios;

D) Com efeito, tendo a AT realizado de controlo do saldo de caixa da aqui Recorrente, verificou a inexistência de valores monetários em caixa, bem como a falta da relevância contabilística do recebimento de Clientes no valor de 90.000,00€, pelo que considerou que tal divergência no valor de 300.875,29€ (210.875,29€ + 90.000,00€) tinha a natureza de despesas não documentadas sujeitas a tributação autónoma e procedeu à correspondente liquidação adicional de IRC, a qual foi sindicada no pedido de pronúncia arbitral aqui sob escrutínio;

E) Em ambas as decisões arbitrais ficou demonstrado que o saldo contabilístico da conta Caixa já vinha com valores muito elevados nos exercícios anteriores ao da imputação da tributação e que, no caso da decisão recorrida, inclusivamente era em 2017 de montantes superior ao do exercício de 2018;

F) A decisão arbitral aqui ora recorrida pronunciou-se pela improcedência do pedido com o fundamento (na parte que aqui interessa analisar por se mostra em contradição com a decisão-fundamento) de que a liquidação da tributação autónoma prevista no CIRC não se mostra viciada de ilegalidade na medida em que se pode presumir a ocorrência dessas despesas não documentadas no exercício de 2018 em que ocorreu a ação de verificação de caixa para comprovação do saldo da conta 11-Caixa promovida pela A.T., uma vez que não se aplicam à tributação autónoma prevista no CIRC os princípios e regras constantes do referido Código para a liquidação e cobrança do próprio IRC que se mostram incompatíveis com a natureza da tributação autónoma enquanto imposto incidente sobre certas despesas, e não sobre o rendimento, designadamente, os princípios da periodização do lucro tributável e da anualidade;

G) Termos em que na decisão arbitral recorrida conclui-se que se pode presumir que tais despesas não documentadas são imputadas integralmente ao exercício de 2018 em que se realizou a conferência da caixa social, considerando ser este o exercício para a sua tributação autónoma nos termos previstos no artigo 88.°, n.° 1, do CIRC;

H) Em contradição com a decisão recorrida, a decisão arbitral fundamento pronunciou-se pela procedência do pedido, anulando a liquidação impugnada com fundamento em fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário nos termos do artigo 100.°, n° 1, do CPPT, concluindo pela verificação de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, com a consequente anulação da liquidação de tributação autónoma, considerando que a tributação autónoma em sede de IRC “está sujeita às normas próprias daquele tributo, que não sejam incompatíveis com a sua natureza, designadamente e no que ao caso importa, no que diz respeito às regras relativas à especialização dos exercícios e periodização do lucro tributável, conforme decorre, para além do mais, dos artigos 8.° e 18.° do CIRC”;

I) Com efeito, a douta decisão-fundamento alicerça o seu julgamento no facto de que “não é possível, julga-se, extrair de tais movimentos contabilísticos o momento em que as despesas indiciadas ocorreram, sendo que, à míngua destes elementos, não é possível concluir, para lá de qualquer dúvida razoável, que, e em que dias, naquele exercício de 2015, hajam ocorrido despesas correspondentes ao valor assumido pela AT como base para a liquidação de tributações autónomas, ora em crise”.

J) Ora, em ambas as decisões aqui escrutinadas estão em causa despesas não documentadas e não contabilizadas pelo que, pelo facto de não constarem da contabilidade, não é possível apreender através desta o momento da ocorrência da despesa, mas tão só a sua quantificação;

K) O que implica que, para além do mais, a imputação das despesas não documentadas a um determinado exercício não pode ser presumida apenas com base no facto de ter sido nesse ano que ocorreu a conferência do saldo de caixa pela A.T.;

L) Com efeito, ao contrário do que foi perpetrado pela A.T. e foi corroborado na douta decisão aqui recorrida, a verificação em 17-12-2018 da inexistência na empresa dos valores correspondentes ao saldo da conta Caixa não permite presumir que nessa mesma data ocorreu a totalidade das despesas não documentadas correspondentes ao valor dessa divergência, de forma que as mesmas sejam susceptíveis de tributação autónoma nesse mesmo ano;

M) Ademais, é certo que tais despesas não documentadas poderiam ter igualmente ocorrido em qualquer um dos exercícios anteriores, atendo aos elevados saldos da conta Caixa já verificados nesses exercícios, o que indicia que as despesas já teriam ocorrido muito antes de 2018, o que implicaria sempre a verificação de erro sobre os pressupostos de facto e de direito quanto à quantificação do facto tributário ao imputar ao exercício de 2018 a totalidade das despesas não documentadas ou, mais que não fosse, estar-se-ia, pelo menos, perante uma fundada dúvida quanto a essa quantificação imputada ao ano de 2018 que justificaria a anulação da liquidação, na parte correspondente, por força do disposto no artigo 100.°, n.° 1, do CPPT;

N) A não se entender assim, coloca-se em crise o instituto da caducidade previsto no artigo 45° e seguintes da LGT, porquanto a inexistência dos valores correspondentes aos saldos da conta Caixa pode corresponder a exfluxos financeiros ocorridos muito anos antes da verificação levada a cabo pela inspecção tributária, porquanto, em face da experiência comum, é sabido que as empresas não têm à sua disposição esses elevados valores monetários na caixa social;

O) A questão aqui sub judice foi igualmente analisada e julgada na decisão arbitral proferida Processo n°. 93/2020-T em 11-10-2020, sendo a situação de facto e de direito absolutamente idêntica à da decisão aqui recorrida e onde se decidiu pela procedência do pedido, anulando parcialmente a liquidação impugnada com fundamento em vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito por a A.T. ter imputado ao exercício de 2018 a totalidade das despesas não documentadas que são presumidas em resultado da inexistência dos valores monetários correspondentes ao saldo da conta Caixa;

P) Também nesta decisão arbitral se entende que se deve atender ao princípio da especialização dos exercícios como decorre do artigo 18.° do CIRC, na medida em que as tributações autónomas também têm de ser efectuadas relativamente ao período fiscal em que ocorreram as despesas não documentadas, tal como vigora quanto a tal tributação o princípio da anualidade enunciado no artigo 8.° do CIRC;

Q) Acresce que o próprio artigo 88.° do CIRC, no seu n.° 14, revela expressamente a conexão das tributações autónomas com o período de tributação do rendimento em que em que ocorrem os factos que lhes estão subjacentes, ao estabelecer que um agravamento da taxa quando se verifique a ocorrência de prejuízo fiscal no período a que respeitem as despesas não documentadas, sendo manifesto que em cada ano apenas podem ser tributadas autonomamente despesas que tenham ocorrido nesse mesmo exercício;

R) Ora, caso em apreço, porque as despesas não estão documentadas e não se encontram contabilizadas e a A.T. não faz qualquer outra prova, da prova produzida não se pode concluir que todas as despesas que estão subjacentes à falta de meios financeiros correspondentes aos saldos da conta 11-Caixa em 26-12-2018 tenham ocorrido neste ano de 2018 e, pelo contrário, os indícios que resultam do facto de aquela conta já apresentar saldos elevados antes de 2018 apontam no sentido de a falta de meios financeiros ter ocorrido antes deste ano;

S) No resto a aqui recorrente a acompanha os fundamentos pugnados quer na decisão-fundamento, quer na referida decisão arbitral Processo n°. 93/2020-T em que foi árbitro-presidente o Exmo. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa e árbitros-vogais a Exma. Dra. Sílvia Oliveira e o Exmo. Prof. Doutor Guilherme W. d’Oliveira Martins, sendo eu tais fundamentos e posição jurídica vêm melhor advogados no voto de vencido proferido na decisão recorrida pelo mesmo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa que aqui se dão por reproduzidas e perfilham integralmente;

T) De facto, mesmo admitindo-se a presunção de que à divergência do saldo da conta Caixa correspondem exfluxos financeiros com a natureza de despesas não documentados, não é legítimo concluir que tais despesas ocorreram à data da conferência levada a cabo pela A.T., já que, como se avança naquele voto de vencido, “são, obviamente, coisas diferentes a existência de despesas e o momento em que ocorrem, e a prova da sua existência e o momento em que a prova é obtida”;

U) A tese que obteve vencimento da douta decisão recorrida, para além de contrariar o texto do n.° 1 do artigo 88.° do CIRC, que identifica as despesas e não a contagem física da caixa como o facto tributário sujeito a tributação autónoma, é também incompatível também com o n.° 14 do mesmo artigo que impõe a conexão das despesas com determinado período de tributação e, como se disse, ao prescindir do momento da realização das despesas para efeitos da sua tributação autónoma, é incompatível com o regime da caducidade do direito de liquidação;

V) Com efeito, a concluir-se pela existência das despesas não documentadas em causa, estas não poderiam ser imputadas na sua totalidade ao exercício de 2018 em que foi feita a conferência da caixa, porquanto o saldo da conta 11-Caixa já vinha com valores mais elevados nos exercícios anteriores, pelo que ao permitir a tributação autónomas de despesas ocorridas em qualquer momento do passado, desde que a contagem se faça dentro do prazo de caducidade, viola-se também a proibição da retroactividade das leis fiscais consagrada no artigo 103.°, n.° 3, da CRP;

W) Face a tudo que antecede, a decisão decisão arbitral recorrida padece de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 81º, n°s 1 e 14° e dos artigos 8º e 18º do CIRC, bem como do disposto no artigo 74°, n° 1 da LGT e no artigo 101°, n° 1 do CPPT;

X) Por conseguinte, impõe-se a sua anulação e substituição por outra decisão, em que se julgando procedente o presente recurso, em consequência, se julgue procedente o pedido de anulação da liquidação da tributação autónoma em sede de IRC referente ao ano de 2018.

Nos termos sobreditos, verificada a alegada oposição de decisões arbitrais e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser admitido o presente recurso por estarem preenchidos os respectivos requisitos e ser o mesmo julgado procedente no sentido pugnado pela Recorrente para a questão controvertida, e, consequentemente, ser anulada a douta decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que julgue procedente o pedido de anulação da liquidação da tributação autónoma em sede de IRC referente ao ano de 2018 com fundamento na sua ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito e/ou fundada dúvida na quantificação do facto tributário, com as legais consequências, pois assim o impõem o DIREITO e a JUSTIÇA TRIBUTÁRIA. »


*

Por despacho do relator, foi o recurso admitido, liminarmente, com efeito suspensivo, nos termos do art. 26.º n.º 1 do RJAMT.

*

A recorrida (rda), autoridade tributária e aduaneira (AT), contra-alegou e concluiu de forma tão alongada (23 páginas de conclusões, até à alínea FFFFF), que, sem prejuízo de, se necessário, serem consideradas, nos dispensamos, aqui, da respetiva reprodução.

*

A Exma. magistrada do Ministério Público, notificada, emitiu pronúncia, nos termos e para os efeitos do art. 146.º n.º 1 do CPTA, onde conclui pela reunião dos requisitos para admissão deste recurso e manutenção da decisão recorrida.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

*******

# II.


A decisão arbitral recorrida (acórdão recorrido) efetuou julgamento factual, da forma que se transcreve: «

A) A requerente é uma sociedade que tem por objecto a actividade de restauração;

B) Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente ao abrigo da ordem de serviço OI201900715/6, relativa ao exercício de 2018;

C) Nessa acção inspectiva foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, em que se refere, além do mais o seguinte:

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS à MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.1. TRIBUTAÇÕES AUTÓNOMAS

A presente ação inspetiva teve por base a existência de saldos elevados de caixa que contabilisticamente foram declarados pelo sujeito passivo.

As Notas de Enquadramento do Código de Contas (SNC) referem que a classe de meios financeiros líquidos se destina a registar os meios financeiros líquidos que incluem, quer o dinheiro quer depósitos bancários, bem como ativos ou passivos financeiros mensurados ao justo valor.

Isto é, a conta caixa engloba os meios de pagamento, tais como notas e moedas metálicas de curso legal, cheques e vales postais recebidos de terceiros, expressos em euros ou outra moeda, detidos pela empresa/entidade, em determinado momento.

Ora esta conta regista o valor dos recursos monetários imediatamente disponíveis para efetuar pagamentos relacionados com a atividade do sujeito passivo.

Na consulta ao balancete analítico, constatou-se que o sujeito passivo, no ano de 2018, tinha um saldo devedor de caixa no valor total de 210.875,29€.

Verificou-se também a existência de saldo devedor na conta cliente (SNC - Conta 21- Clientes) um valor de 90.000,00€.

Esta conta 21 - Clientes regista os movimentos com os compradores de mercadorias, de produtos e de serviços. Isto é, considera clientes todos os compradores de bens produzidos e vendidos ou de serviços prestados pela empresa/entidade.

Também na consulta ao balancete analítico, verificou-se que não existia saldo na conta fornecedores (SNC -Conta 22 - Fornecedores).

Relativamente à situação da conta caixa, e a fim de testar a fiabilidade do saldo de caixa contabilizado, desloquei-me em 2018-12-17 pelas 15:30 horas, na seguinte morada em …………., Lt. ……, Lj. ……e ………, Marina de Albufeira, local onde se encontrava o sócio-gerente o Sr. B……….., NIF ………., tendo-se procedido à contagem de caixa, ao qual não se apurou qualquer valor. Mais foi declarado pelo sócio-gerente que "não tem qualquer dinheiro além do depositado em banco" e que deixou de exercer a sua atividade desde 2015 (não tendo a certeza da data).

No dia 2019-07-23 o Sr. B…………, NIF ……….., na qualidade de sócio gerente, declarou que o saldo da conta 21 no valor de 90.000,00€, era devido a uma "dívida do cliente C……….. Lda, W/PC ………. registada na contabilidade pelo montante de 90.000,00 € em 31-12-2018, que o montante já não se encontra em dívida, tendo sido pago em numerário. Repartido em dois pagamentos de 45.000,00 € um recebido em finais de outubro de 2017 e outro um ano depois, finais de 2018. Não tendo sido registado na contabilidade por não ter fornecido essa informação à contabilidade."

Assim, o saldo de caixa existente é do valor de 300.875,29€ (210.875,29€+90.000,00€).

Tendo em atenção ao exposto anteriormente, o sujeito passivo não conseguiu provar e justificar a saída/utilização do montante de 300.875,29€ da conta 11.1 - Caixa (SNC), desconhecendo o destino dado à verba que não se encontra efetivamente em caixa. Daí concluir-se que a diminuição dos referidos meios monetários foi efetuada através de despesas não documentadas, encontrando-se as mesmas sujeitas a tributação autónoma nos termos do preceituado do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC.

Determina aquele normativo legal que "As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A.".

Dado que o sujeito passivo apresentou prejuízo fiscal no ano de 2018 e conforme o estipulado no n.º 14 do artigo 88º do CIRC as taxas de tributação são elevadas em 10 pontos percentuais.

Desta forma, e considerando a taxa de 60% (50%+10%) a que as mesmas se encontram sujeitas, apura-se um imposto em falta relativo a tributações autónomas do exercício de 2018 no valor de 180.525,17€ (300.875,29€ * 60%).

D) Na sequência da inspecção, a Administração Tributária emitiu:

• a liquidação de IRC n.º 2020 8310000142, com inclusão de € 180.525,17 de tributações autónomas;

• a liquidação de juros compensatórios relativos a pagamentos especiais por conta n.º 2020 00000008441 no valor de € 13,72;

• a liquidação de juros compensatórios por retardamento da liquidação com o n.º 2020 00000008442, no valor € 2.789,48;

• a demonstração de acerto de contas n.º 2020 0000509506 (documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

E) Na data de 17-12-2018, em que foi feito o controlo pela inspecção tributária, o saldo devedor da conta 11-Caixa era de € 210.875,29, sendo este também o saldo no final de 2018 (Relatório da Inspecção Tributária e documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F) Em 31-12-2014, o saldo de caixa devedor era de € 224.839,52 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

G) Em 31-12-2015, o saldo de caixa devedor era de € 247.960,02 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

H) Em 31-12-2016, o saldo de caixa devedor era de € 225.209,11 (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

I) Em 31-12-2017, o saldo de caixa devedor era de € 213.829,38 (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

J) Em 31-12-2018, existia ainda um saldo devedor na conta 21-Clientes, no valor de € 90.000,00, referente a uma dívida de um cliente que se encontrava já paga, tendo € 45.000,00 sido pagos em 2017 e € 45.000,00 em 2018;

K) No exercício de 2018 a Requerente teve prejuízo fiscal;

L) Em 22-04-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

Os factos provados baseiam-se no processo administrativo e nos documentos juntos pela Requerente.

Quanto aos saldos apresentados pela Requerente nos documentos n.ºs 5 a 9, os documentos não são impugnados.

Não se provou qual o destino que a Requerente deu às quantias em falta correspondentes ao saldo devedor da conta 11-caixa, nem foi apresentada qualquer prova sobre esse destino.

Não se provaram os seguintes factos alegados pela Requerente, por não ter sido apresentada qualquer prova sobre as matérias:

– não se provou que a existência do saldo de caixa referido se deva a erros ou irregularidades contabilísticas, designadamente «errada emissão de recibos sem que tenha ocorrido o respectivo pagamento ou, noutros casos, a falta ou retardamento na contabilização de documentos relativos a gastos da sociedade e/ou a pagamentos de facturas de fornecedores que não foram contabilisticamente registados ou a pagamentos que aguardam a remessa do respectivo documento de quitação do credor», como defende a Requerente;

– não se provou que seja «comum os Técnicos de Contas lançarem todos os recebimentos pela conta Caixa (...) e só posteriormente saldam esta conta por contrapartida da conta Depósitos à Ordem (quando e se procederem a reconciliação desta última com aquela), bem como lançam nesta conta todos os pagamentos por contrapartida dos recibos e outros documentos relativos à sua quitação quando estes chegam à posse do TOC».

Quanto aos factos referentes à conta 21-Clientes, dão-se como provados os factos que se referem no Relatório da Inspecção Tributária, com base nas declarações do sócio-gerente, pois não se vê no processo qualquer fundamento para duvidar que correspondam à realidade. »

Na decisão (arbitral) fundamento, foi relevada a seguinte matéria de facto: «

1 - A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas que se dedica à construção de edifícios residenciais e não residenciais.

2 - A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva interna, de âmbito parcial (IRC e retenções na fonte de IRS), ao exercício de 2015, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI201801524, que teve por objecto o controlo da situação tributária, devido à inexistência de valores em numerário verificada junto da Requerente no controlo do saldo de caixa.

3 - Em 01-01-2015, de acordo com a IES de 2015, a conta 11 - Caixa, apresentava um saldo devedor de € 248.043,26.

4 - Após ter sido notificada para o efeito, a Requerente apresentou o balancete de Abril de 2015, apresentando nessa altura a conta 11 - Caixa um saldo devedor de € 166.182,01.

5 - Tal como resulta dos balancetes analíticos, o saldo devedor da conta 11- Caixa era o seguinte:

• 2006 - € 16.284,11;

• 2007 - € 170.173,30;

• 2008 - 86.128,62;

• 2009 - € 43.609,13;

• 2010 - € 212.824,30;

• 2011 - € 288.824,30;

• 2012 - € 271.589,83;

• 2013 - € 260.099,56;

• 2014 - € 248.043,26.

6 - Em 16-09-2015, para controlo do valor existente no saldo da conta “Caixa”, foi levada a cabo a contagem física do numerário existente em caixa, através da deslocação à sede da Requerente.

7 - Naquela data não se encontrava qualquer valor em caixa.

8 - Nesse contexto, foi referido pelo sócio-gerente da Requerente, que a mesma não dispunha de “caixa física, sob a forma de caixa registadora, cofre ou outra”, dado que os recebimentos da sociedade são efectuados por transferência bancária ou cheque, os quais são depositados na conta titulada pela Requerente havendo, inclusive, casos ainda que muito pontuais, em que os pagamentos são efectuados em numerário, que também são depositados na referida conta.

9 - Na data da contagem física de caixa, a Requerente foi notificada para exibir o balancete mais actual e as folhas de caixa que mediaram a data do solicitado balancete e a data da contagem física de caixa.

10 - Posteriormente, foi exibido o balancete de Julho de 2015, apresentando a conta 11 - Caixa um saldo devedor de € 31.819,80, tendo ainda sido apresentados elementos justificativos da diminuição daquele saldo.

11 - Após análise dos elementos apresentados pela Requerente, os Serviços de Inspecção Tributária consideraram que a Requerente justificou parte da diferença do saldo de caixa, correspondente ao pagamento de salários e à compra de um imóvel.

12 - Quanto ao restante, consideraram os Serviços de Inspecção Tributária que o valor de € 115.896,73, referente à diferença do saldo de caixa não justificado, tinha a natureza de despesas não documentadas tributadas autonomamente à taxa de 50%.

13 - Através do Ofício n.º 018505, de 28-11-2018, a Requerente foi notificada do projecto de relatório de inspecção e para, querendo, exercer direito de audição nos termos do artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPIT.

14 - A Requerente exerceu o direito de audição, invocando, em síntese, o seguinte:

3. Determina o n.° 3 do artigo 62.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira que o relatório de inspeção será assinado pelo funcionário ou funcionários intervenientes no procedimento e conterá o parecer do chefe de equipa que intervenha ou coordene, bem como o sancionamento superior das suas conclusões.

4. Na nossa opinião, o projeto de relatório que nos foi notificado não cumpre o disposto nesta disposição legal.

5. Com efeito, restam-nos dúvidas sobre a concordância da senhora Chefe de Divisão com as conclusões vertidas no relatório.

6. A expressão “visto” pode ter significados como: conhecido, considerado, aceite ou recebido.

7. Mas tal expressão, não significa concordância, resultando daqui a invalidade das conclusões vertidas no mesmo por falta de sancionamento superior.

8. Acresce ainda que o projeto de relatório contém também imprecisões técnicas.

9. Na verdade, a inspeção tributária limitou a sua análise ao período de 2015, não tendo procedido a uma análise evolutiva do saldo de caixa, ainda que tenha reconhecido a diminuição deste mesmo saldo no decurso deste período.

10. A conta SNC 11 apresentava um saldo devedor de € 248.043,26 em 2015-01-01, tal como referido na página 6 do projeto de relatório.

11. Contudo, em 2014-01-01 tal conta já apresentava um saldo igualmente devedor de € 260.099,56.

12. Conclui-se assim que a origem do saldo de caixa, ainda que imputável a despesas não documentadas é anterior a 1 de janeiro de 2014.

13. Determina o n.º 1 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, que o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

14. Nestes termos, forçoso é de concluir que as correções propostas não têm sustentabilidade legal, porque se encontram caducadas.

15 - Através do Ofício n.º 024423, de 27-12-2018, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspecção.

16 - Do relatório de inspecção tributária constava o seguinte:

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

O presente procedimento inspetivo teve origem no controlo efetuado por estes serviços a sujeitos passivos que declararam um saldo de caixa elevado de acordo com as IES apresentadas (superior a 100.000.00€). Na sequência desse controlo, com suporte nos elementos disponíveis no sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira bem como dos elementos contabilísticos solicitados ao sujeito passivo, nomeadamente balancetes analíticos e extratos de conta verificámos o seguinte.

- Em 01-01-2015 a conta 11 Caixa, apresentava um saldo devedor de € 248.043,26 de acordo com a IES de 2015 (anexo 2).

- Após ter sido notificado para o efeito, o sujeito passivo apresentou o balancete de Abril de 2015, apresentando a conta 11 caixa, um saldo devedor de € 166.182,01 (anexo 3), continuando a apresentar um elevado valor.

Para controlo do valor elevado existente no saldo da conta caixa, foi elaborada a contagem física do numerário existente em caixa, junto do sujeito passivo.

III.1. Contagem física dos valores de caixa - Diligências

Para efeitos de controlo dos saldos de caixa, em 2015-09-16, foi feita uma deslocação à sede da empresa a fim de se proceder á contagem física do eventual numerário existente em caixa.

No entanto, da contagem física aos valores em caixa, não se apuraram quaisquer importâncias em numerário, tendo sido referido pelo único sócio e gerente, Sr. D……….., conforme auto de declarações (anexo 4), que a sociedade não dispunha de “caixa física, sob a forma de caixa registadora, cofre ou outra'', sendo os recebimentos da sociedade efetuados por transferência bancária ou cheque, que são depositados na conta titulada pela empresa, havendo casos muito pontuais que são efetuados em numerário, mas também estes depositados na referida conta.

Foi o sujeito passivo nesta data notificado para exibir o balancete mais atual e as folhas de caixa que medeiam entre a data do balancete e a data da contagem física.

Foi então posteriormente exibido o balancete de julho de 2015, apresentando a conta caixa um saldo devedor de € 31 819,80, muito inferior ao saldo constante do balancete de abril de 2015 (€ 166.182,01) e foram ainda apresentados elementos correspondentes a esta diminuição que foram alvo de análise por parte desta direção de finanças, conforme evidenciado nos pontos seguintes

III.2. Análise dos factos

Assim, iniciado o procedimento inspetivo verificaram-se os seguintes factos:

1. No início do ano de 2015, a conta "11 - Caixa" refletia um saldo devedor de € 248.043,26 (anexo 6. Fl 1 - extrato conta caixa),

2. Em 30-04-2015 a conta 11 caixa, apresentava um saldo devedor de € 166.182,01 (anexo 3 - fls 1 de 10).

3. A contagem física dos valores de caixa ocorreu em 2015-09-16, tendo-se apurado a inexistência de quaisquer valores físicos em caixa, tendo mesmo sido referido pelo único sócio e gerente, Sr. D…………, que a sociedade não possuía “caixa física, sob a forma de caixa registadora, cofre ou outra", sendo os recebimentos da sociedade efetuados todos por transferência bancária, cheque ou numerário sendo este sempre depositado na conta titulada pela empresa (anexo 4);

4. Após notificado para o efeito, foi fornecido o extrato da conta caixa com os registos até julho de 2015, no qual a conta caixa apresenta um saldo devedor de € 31.819,80 (anexo 5 fls 1 a 8);

5. Assim de janeiro a julho de 2015 apura-se assim uma diminuição de € 216.223,46 (€ 248.043.26 -31.819,80) que deriva principalmente de diversos movimentos contabilísticos a crédito da conta caixa:

5.1. Doc. nº 30002, de 2015/03/31, no montante de € 73.568,12, cuja contrapartida foi o lançamento a débito nas contas 253201 - Suprimentos D...............(€ 72.316,31) e 26801 - Sócios - Outras Operações – D……… (€ 1.251,81),

5.2. Doc. n.º 60081, de 2015/06/30, no montante de € 40.000,00, registado em 2015/07/28, cuja contrapartida foi o lançamento a débito na conta ………. - Banco CGD - vide Anexo 6;

5.3. Doc. n.º 60082, de 2015/06/30, no montante de € 35.000,00. registado em 2015/07/28, cuja contrapartida foi o lançamento a débito na conta ………. - Banco CGD - vide Anexo 6;

5.4. Doc. n° 70042, de 2015/07/31, no montante de € 25.285,28, registado em 2015/09/22, cuja contrapartida foi o lançamento a débito na conta 2314 - Pessoal (Conta Corrente) - vide Anexo 7. fls. 1 e 2,

5.5. Doc. n.º 70043, de 2015/07/31, no montante de € 25 000.00, registado em 2015/09/22, cuja contrapartida foi o lançamento a débito na conta 2789046 - Sinal Loja (E…………) - vide Anexo 8, fls. 1 a 32

6. Mesmo tendo em conta estes elementos que totalizam €198.853.40, não correspondem à totalidade do saldo inicial em caixa no valor de € 248.043,26 desconhecendo-se a justificação para o valor de 17.370,06.

Foram analisados os registos contabilísticos e documentos que serviram de suporte, enviados pelo sujeito passivo, após ter sido notificado para o efeito.

Relativamente ao lançamento descrito em 5.1., e uma vez que foi registado na conta caixa em março de 2015, não influencia o saldo de caixa existente à data do último balancete fornecido pelo sujeito passivo, de abril de 2015, onde constava como saldo o valor de € 156.182,01. sendo este o valor a ter em conta aquando da contagem física do numerário em 2015-09-16.

Assim sendo foram objeto co análise os movimentos ocorridos nos pontos 5.2 a 5.5 referidos anteriormente.

Quanto aos registos contabilísticos constantes em 5.2. e 5.3., por contrapartida da conta de Bancos encontram-se suportados documentalmente em talões bancários, e verifica-se que estes montantes toram meramente transferências interbancárias, tendo os montantes sido transferidos da conta bancária particular do sócio (conta nº 0035 …………) para a conta titulada pela empresa (conta n° 0035 …………), ambas da Caixa Geral de Depósitos, o que não correspondem a movimentes ocorridos na conta Caixa.

Estas transferências bancárias não justificam a inexistência do numerário verificado aquando da contagem física do mesmo.

O lançamento descrito em 5.4. respeita ao pagamento das remunerações auferidas pelo pessoal da firma. Não havendo prova dessas retribuições terem sido pagas por outro meio (cheque ou transferência bancária, por exemplo), reputa-se o registo contabilístico como verdadeiro.

Relativamente ao lançamento descrito em 5.5., este respeita ao pagamento faseado estipulado num contrato promessa de compra e venda do espaço comercial que corresponde á sua sede desde 2014-05-21, rubricado pelo sujeito passivo em 2014-07-11, na qualidade de promitente adquirente. Esse pagamento foi efetuado em numerário, encontrando-se devidamente justificado com recibos emitidos pelo promitente vendedor, E…………., NIF ………..

Diligências adicionais permitiram atestar que a sociedade D……… Construções Unipessoal. Lda começou a usufruir do referido Imóvel em Setembro de 2014 conforme informação remetida pela EDP Soluções Comerciais (Anexo 10, fls. 1 e 2). Por conseguinte, face aos elementos apurados no âmbito desta ação, comprova-se que a tradição do Imóvel por parte do sujeito passivo se verificou em Setembro de 2014.

Deste modo, encontrando-se provada a tradição do imóvel sobre o qual incidiu o contrato promessa de compra e venda, determina o artº 2º nº 2 alínea a) do CIMT que tal situação integra o conceito de transmissão de bem Imóvel. Por esse motivo, o sujeito passivo seria devedor de IMT, nos termos do art.° 4.º do mesmo Código, no ano de 2014.

Segundo o seu artº 12.°. n.º 1, o IMT incidirá sobre o valor do contrato (€ 40.000,00) uma vez que o mesmo é superior ao valor patrimonial tributário (€ 28.600,00), sendo a taxa aplicável de 6,5%, de acordo com o art.º 17.º. n.º 1, alínea d) do CIMT, dada a afetação do imóvel em questão.

Deste modo resulta imposto em falta no montante de € 2 600.00 (€ 40.000,00 X 6,5%).

Da consulta ao sistema informático da AT, verifica-se que a escritura apenas foi celebrada a 2018-05-03 (anexo 11), depois da visita dos inspetores. Dado que o correspondente IMT foi pago nesta data (anexo 12), não se irá proceder à correção.

Em suma, conclui-se que apenas parte da evolução do saldo da conta 11 - Caixa foi justificada pelo sujeito passivo, no valor de € 50.285,28. Em concreto, considera-se que, apesar de aquela apresentar um saldo devedor em € 31.819.80, à data de 2015-07-31, o seu valor deveria ser de € 115.896,73.

Note-se que este valor contrasta claramente com o saldo físico de € 0,00 detetado aquando da contagem de saldo de caixa efetuada em 2015/09/16.

III.3. Correção a efetuar - Ano de 2015

Face ao exposto, não tendo existido qualquer valor em numerário aquando da contagem e não tendo sido comprovada a restituição de empréstimos aos sócios, considera-se que a verba de € 115.896,73, referente à inexistência do saldo de caixa, configura a natureza de despesas não documentadas, tributadas autonomamente à taxa de 50%, nos termos da alínea a) do artº 88º do código do IRC, sendo de acrescer o imposto em falta no montante de € 57.948,36.

17- Em 31-12-2018, a Requerente foi notificada, mediante ofício n.° 24423 de 27-12-2018, expedido sob o registo RF399747528PT do acto de liquidação adicional de IRC n.° 2018 8310032169, no valor de € 57.948,36 e da liquidação de juros compensatórios n.° 2019 00000001501 no valor de € 5.963,12. »


***

admissibilidade do recurso;

Independentemente de, neste STA, ter sido, em despacho liminar, admitido, pelo relator, o presente recurso para uniformização de jurisprudência, impõe-se que, aqui e agora, com a intervenção de todos os Exmos. Conselheiros, desta Secção, se avalie e julgue, em definitivo, dos pressupostos da sua admissibilidade/continuidade.

Como é pronúncia, reiterada e uniforme, da jurisprudência deste Supremo Tribunal (Desde logo e em primeira linha, pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário.), o reconhecimento da ocorrência de oposição/contradição entre dois acórdãos, para efeitos deste tipo de apelo, pressupõe a verificação, cumulativa, das seguintes condições/requisitos:

1. que se afirme a existência de contradição entre os acórdãos recorrido e fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que, para caracterizar esta, importa identificar (também, em cumulação):

ü identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas;

ü a não ocorrência de alteração substancial na regulamentação jurídica;

ü o perfilhamento de solução oposta nos arestos em confronto e que essa oposição decorra de decisões expressas;

2. que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

Reconfirmado o preenchimento das exigências formais de admissibilidade deste recurso (versadas no aludido despacho inicial), impõe-se avançar e indagar da verificação, cumulativa, das demais condições/requisitos, substanciais, vindos de elencar.

Uma primeira abordagem permite-nos, após escalpelizar os julgamentos da matéria de facto, concretizados em cada uma das decisões em confronto, afirmar que, sem prejuízo de diferenças circunstanciais, ocorre identidade substancial, ou seja, nos pontos essenciais, das respetivas e concretas, situações fácticas.

Efetivamente, tendo, sobretudo, em conta o conteúdo (transcrito) dos relatórios de inspeção tributária, operada em ambos os casos, verificamos a similitude da existência de saldos elevados de caixa, contabilisticamente, declarados pelos sujeitos passivos, de IRC, com a, pequena e irrelevante, diferença de que, na situação versada pela decisão recorrida, além da conta Caixa/conta 11 - Caixa, também, foi visada a conta 21 - Clientes. Em ambos os casos, sincronicamente, foram realizadas diligências de contagem física de (eventual) numerário existente em caixa, as quais, no fundo, ainda que, por razões, casuisticamente, diversas, concluíram pela ausência de quaisquer montantes.

Com cariz de diversidade (Além de estarem em análise exercícios diferentes: 2018 (decisão recorrida) e 2015 (decisão fundamento).), na decisão arbitral recorrida, constata-se ter sido julgada não provada, alguma factualidade, dita, alegada pela requerente (do pedido de pronúncia arbitral), circunstância, contudo, que se mostra inócua, irrelevante, nesta avaliação que fazemos dos cenários factuais das decisões opostas, pois, como veremos de seguida, a não prova dos factos em causa nenhuma repercussão teve no sentido da decisão de, no acórdão recorrido, se ter julgado improcedente o pedido arbitral.

Dito isto, a problemática seguinte, que se nos coloca, é a de saber se, embora atuando sobre cenários factuais semelhantes, quanto às respetivas linhas mestras, os dois arestos, arbitrais, dirimiram a mesma questão fundamental de direito, na perspetiva de se determinar, em ambos os casos, se a operação de regras jurídicas, tidas por aplicáveis, ocorreu em moldes similares, equivalentes.

Como, desde logo, o conteúdo da conclusão F) (na redação da rte) deixa, além do mais, antever, o sentido, final, da decisão recorrida (julgar improcedente o pedido arbitral), assentou em diversos fundamentos.

Na verdade, conferido o teor integral da respetiva fundamentação respeitante à “Matéria de direito”, verifica-se o respetivo desdobramento no seguinte conjunto de “questões”: « 3.2.1. «Despesas não documentadas»; 3.2.2. A tributação autónoma sobre «despesas não documentadas» não apresenta nexo de conexão com a respetiva relevância como custos dedutíveis; 3.2.3. A questão da imputação das despesas não documentadas a um concreto período de tributação; 3.2.4. A natureza das tributações autónomas inseridas no CIRC; 3.2.5. Questão da existência de «despesas»; 3.2.6. A questão da imputação das despesas não documentadas a um concreto período de tributação e o n.º 14 do art. 88.º do CIRC; 3.2.7. Do ónus e da medida da prova pela AT; 3.2.8. Da hipotética necessidade ex lege de a AT lançar mão dos métodos indiretos. »

Ora, deste rol, a rte, presentes as conclusões F) e G), isola, como foco de contradição, unicamente, as questões/matérias versadas nos pontos “3.2.6. … da imputação das despesas não documentadas a um concreto período de tributação …; e 3.2.7. Do ónus e da medida da prova pela AT”. Isto porque, a decisão recorrida, nesta sede, entendeu dever presumir-se que as despesas não documentadas eram de imputar, integralmente, ao exercício (concretamente, de 2018) em que se realizou “a conferência da caixa social”, quando, nos antípodas, sobre o mesmo aspeto, o acórdão fundamento decidiu pela verificação, no caso, de “fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário nos termos do artigo 100.º n.º 1, do CPPT” - cf. conclusões H) e I).

De imediato, a mera consideração deste, invocado, foco de oposição, permite que detetemos uma diferença, irreconciliável, na aplicação do direito, por parte dos dois acórdãos, colocados em paralelo. No recorrido, o interveniente tribunal arbitral julga haver lugar ao funcionamento de presunções, uma das modalidades de provas, expressamente previstas no Código Civil (CC) - arts. 349.º a 351.º do CC, para solucionar a questão da imputação de despesas não documentadas, detetadas em vários exercícios, a, apenas, um concreto período de tributação, sujeitando-as, neste e na totalidade, às taxas de tributação autónoma do art. 88.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), enquanto, no acórdão fundamento, o trio de árbitros assumiu o entendimento de que a dispersão de movimentos contabilísticos, respeitantes a despesas não documentadas, por vários períodos de tributação/exercícios, não possibilitava identificar o momento, preciso, da respetiva ocorrência, daí decorrendo, sem mais, situação subsumível à previsão do art. 100.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Para melhor ficar caracterizada a divergência, recorramos aos, específicos, discursos fundamentadores, das versadas pronúncias arbitrais.

No acórdão recorrido, encontramos e respigamos: «


(…).

A Requerente defende que, a concluir-se pela existência de despesas, elas não poderão ser imputadas todas ao período de 2018, apenas devendo sê-lo as que correspondem à diferença entre o saldo da conta 11-Caixa em 31-12-2017 e 26-12-2018, data em que foi feita a conferência.

(…).

Em razão desta inserção no CIRC - e, paralelamente, no CIRS - é hoje incontrovertido que se aplicam às tributações autónomas as regras do Código relativas à apresentação de declarações, à autoliquidação, à liquidação adicional e bem assim todas as outras que sejam necessárias para a sua aplicação.

A questão de Direito essencial na controvérsia entre Requerente e AT no presente processo reconduz-se a determinar se é também aplicável às tributações autónomas o princípio da especialização dos exercícios.

Importa começar por notar que este princípio se reporta especificamente à «periodização do lucro tributável», como decorre do artigo 18.º do CIRC.

As tributações autónomas em IRC são - acompanhando o IRC propriamente dito - apuradas na declaração periódica anual, a que se referem os artigos 117.º, n.º 1, alínea b), e 120.º do CIRC, e a respectiva liquidação reporta-se a cada período fiscal. Assim, na liquidação impugnada, em que só se liquidaram adicionalmente tributações autónomas e os respectivos juros compensatórios, se faz referência ao período de 2018 e se diz que a Requerente fica notificada «da liquidação de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos» (documento n.º 1).

Ou seja, nos termos do respetivo regime legal, a liquidação das tributações autónomas tem de ser efetuada relativamente ao período fiscal em que ocorreram as despesas a elas sujeitas.

Porém, daí não decorre necessariamente que para as tributações autónomas previstas no CIRC vigore o princípio da anualidade, enunciado no artigo 8.º, em que se estabelece que «o IRC, salvo o disposto no n.º 10, é devido por cada período de tributação, que coincide com o ano civil, sem prejuízo das exceções previstas neste artigo»


(…).

A tributação autónoma exprime o exercício de uma função regulatória através do CIRC, inerente às finalidades e exigências de um Estado de direito material, onde se incluem objetivos incentivar a formalização da economia, o rigor e a fiabilidade das contas das empresas, prevenir a fraude e a evasão fiscal, nomeadamente através da retirada dissimulada de ativos monetários.

(…).

No caso em apreço, constatou-se que a conta 11-Caixa tinha um saldo elevado, mas não existiam na empresa os meios financeiros correspondentes a esse saldo, não se apurando quais as razões da divergência.

À face da experiência comum, é de presumir que os meios financeiros que estão contabilizados na conta 11-Caixa e na conta 21-Clientes deviam estar no património da empresa, pois é essa existência que justifica a contabilização. Por outro lado, se esses meios financeiros não foram encontrados, justifica-se, à face da experiência comum, a presunção de que saíram dele, pois esta é a explicação normal para meios financeiros que deviam estar num património deixarem de estar.

A Requerente aventa que a diferença entre os saldos em causa e a realidade dos meios financeiros existentes no património da empresa poderá dever-se a erros e irregularidades contabilísticas, mas não esboça sequer a respectiva prova, pelo que não há qualquer razão para afastar a presunção natural de aqueles meios financeiros existiam no património da empresa e foi-lhes dado destino desconhecido.

Por outro lado, os valores elevados dos saldos de caixa mantidos e crescendo durante vários anos, atingindo mais de duas centenas de milhar de euros, não são compatíveis, em termos de razoabilidade e normalidade, com meros erros, incorreções ou irregularidades contabilísticas, pelo que a respetiva atribuição a erros e irregularidades não se afigura minimamente credível. De qualquer forma, o ónus da prova dos alegados erros e irregularidades recai sobre a Requerente, por força do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que a falta de prova que permite concluir pela sua existência tinha de ser valorada no procedimento tributário e no presente processo contra a Requerente. De resto, é a Requerente que está em melhor posição probatória, dispondo ou devendo dispor dos elementos documentais e materiais necessários e suficientes para justificar as saídas de valores da empresa e evitar a incidência de tributação autónoma.

Por isso, há fundamento factual para a conclusão subjacente à liquidação impugnada, de que se está perante «despesas não documentadas», para efeitos do artigo 88.º, n.º 1, do CIRC, consubstanciadas por saída de meios financeiros da empresa sem documentos de suporte que permitam concluir pelo destino que lhes foi dado.

Não tem aqui aplicação, quanto à existência do facto tributário gerador da tributação autónoma, o preceituado no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, pois apenas é aplicável quando exista «fundada dúvida» e, neste caso, não se vislumbram razões que abalem a presunção de terem ocorrido despesas não documentadas a que conduzem as presunções referidas. (Sombreados, autoria nossa.)

Há, assim, fundamento factual para aplicação da tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 1, do CIRC.

Acresce que, ao não contabilizar tais despesas - daí, o saldo elevado da conta 11-Caixa - a Requerente torna opacas as saídas de caixa, as quais podem ter tido lugar por mero esvaziamento dos meios monetários gerados pelas prestações de serviços de restauração, como torna opacas as datas em que tal ocorreu.

Também é da experiência comum não ser infrequente em certas atividades que a caixa, no sentido físico, seja esvaziada no final de cada dia, podendo os valores retirados ser depositados em conta bancária da entidade, na manhã seguinte, como seria de boa prática, mas podendo em alternativa, ser simplesmente apropriados, totalmente ou em parte, pelos ‘donos’ da empresa. Nesta segunda hipótese, a eventual consulta aos movimentos bancários da entidade pouco ou nada permite apurar, nem sobre entradas nem sobre saídas. E podem tais valores também não ser depositados nas contas pessoais dos próprios ‘donos’ da empresa.


(…)

Parece de meridiana clareza: as demonstrações financeiras são preparadas segundo o regime da periodização económica, ou seja o regime de acréscimo, exceto para a informação de fluxos de caixa - à qual portanto tal regime expressamente se não aplica. Para movimentações de caixa, o regime que resta é o da sua reflexão com base na saída (ou na entrada).

E assim deveria ter sido, caso a Requerente as tivesse contabilizado. Aplicar-se-ia aquilo que a AT denomina por critério de ‘competência de caixa’.

Não o fez. Não contabilizou saídas. Pode legitimamente deduzir-se, com base na experiência, que utilizou, de facto, o que na literatura técnica sobre ‘economia não registada’ (também dita ‘informal’), se designa por ‘caixa aberta’, vindo depois alegar, sem ensaio sequer de o procurar demonstrar ou provar, a existência de erros e incorreções.

Não o tendo feito, não tendo contabilizado as saídas de caixa, a verificação do facto gerador da tributação autónoma, que são as despesas não documentadas, fica evidenciada na data da contagem física de caixa.

Entender diversamente faz uma interpretação da lei que, salvo o devido respeito, corresponde a desconsiderar o elemento teleológico.


(…).

À AT cabe o ónus da prova da existência de despesas não documentadas. No caso vertente, a prova está feita pela mera verificação da falta na caixa do valor contabilizado na Conta 11-Caixa. Não há sequer ensaio de prova pela Requerente da alegação de que o valor contabilizado na Conta 11-Caixa se mostra viciado pelos erros e incorreções que alega existirem, pelo que se tem que entender ser verídico, fazendo prova bastante contra si, o que está na contabilidade, bem como o que decorre da sua prática de retirar fundos de caixa se documentação nem contabilização.

Não tem a AT o ónus de prova de cada concreta despesa, o que, relativamente a despesas não documentadas e não contabilizadas, seria probatio diabolica, de postulado que temos por inadmissível.

Como também não vigora para as tributações autónomas o princípio da especialização dos exercícios, menos ainda se poderia defender a existência de ónus de prova pela AT de quais os exercícios em que cada despesa - não contabilizada - teria sido feita. É, salvo o devido respeito por posições diversas, um raciocínio desconforme com o Direito: não se vê como seja conforme ao Direito uma interpretação que, não sendo a única hermenêuticamente possível, nem, a nosso ver, a mais rigorosa, confere a sujeitos passivos de IRC incumpridores uma via segura para práticas de ‘caixa aberta’, que esvaziam sem nada documentarem nem contabilizarem, com o previsível resultado - deve o julgador recorrer à experiência - de que nem os sócios são tributados sobre dividendos, ou terceiros são tributados sobre recebimentos opacos, nem as sociedades suportam a tributação autónoma que está na lei. Ponto é, para que tais práticas de evasão fiscal sejam bem sucedidas, ficando imunes à aplicação da lei, que as saídas tampouco sejam contabilizadas, assim inviabilizando a aplicação a tais esvaziamentos de caixa do princípio da especialização dos exercícios, caso este fosse entendido como aplicável a mais do que aquilo que está na lei: à periodização do rendimento e portanto do lucro tributável. A posteriori, quase lhes basta venire contra factum proprium e invocar que a sua própria contabilidade não tem rigor no caso específico da conta 11-Caixa, tem incorreções, lacunas, etc. Estaria assim criada, e sancionada pela jurisprudência, uma simples mas eficaz técnica de transferência de rendimento (income shifting technique), incompatível com a teleologia inerente ao instituto das tributações autónomas, de prevenção da erosão da base tributária.

(…). »

Com relevo, comparativamente, do aresto fundamento, extratamos: «


(…).

Deste modo, e face ao exposto, não se tem dúvidas que a contabilidade da Requerente, não obstante a sua incorrecção e falta de fidedignidade, evidencia, com consistência suficiente, ao ser conjugada com a constatação de inexistência de qualquer caixa, a ocorrência de despesas não documentadas.

Não obstante, enquanto tributação em sede de IRC, a aplicação da tributação autónoma em questão está sujeita às normas próprias daquele tributo, que não sejam incompatíveis com a sua natureza, designadamente e no que ao caso importa, no que diz respeito às regras relativas à especialização dos exercícios e periodização do lucro tributável, conforme decorre, para além do mais, dos artigos 8.º e 18.º do CIRC, com as necessárias adaptações, derivadas da circunstância de a tributação autónoma em questão, conforme jurisprudência reiterada quer do Supremo Tribunal Administrativo, quer do Tribunal Constitucional, se estar perante um tipo de tributação que tem subjacente um facto tributário instantâneo e de natureza financeira.


(…).

Deste modo, para que uma concreta tributação autónoma do género daquela que ora nos ocupa seja legalmente aplicável, para além da demonstração - feita, no caso, como se viu - da ocorrência de despesas não documentadas, torna-se necessário demonstrar a respectiva quantificação, bem como que as mesmas ocorreram no exercício a que se reporta a correspondente liquidação, ou seja, e no caso, no exercício de 2015.

(…).

No caso, pretendendo a AT aplicar a tributação invocando o disposto no artigo 88.º/1 do CIRC, é àquela Autoridade que assiste o ónus de demonstrar os respectivos factos constitutivos incluindo, no que para o caso interessa, a ocorrência de despesas indocumentadas no exercício de 2015, e o respectivo montante.

(…).

Não obstante, não é possível, julga-se, extrair de tais movimentos contabilísticos o momento em que as despesas indiciadas ocorreram, sendo que, à míngua destes elementos, não é possível concluir, para lá de qualquer dúvida razoável, que, e em que dias, naquele exercício de 2015, hajam ocorrido despesas correspondentes ao valor assumido pela AT como base para a liquidação de tributações autónomas, ora em crise.

Assim, e desde logo, como se apontou já e é consensual, não se poderá deixar de ter presente que as tributações autónomas têm subjacente factos tributários de natureza instantânea.

Daí não decorre, necessariamente, que para aplicar aquele tipo de tributação a AT tenha, forçosamente, de demonstrar a sua ocorrência num determinado dia - o que de resto poderá ser extremamente difícil, atenta a necessária ausência de documentação - mas não poderá prescindir da demonstração, para lá de qualquer dúvida razoável, da sua ocorrência, no montante considerado, dentro de um período temporal definido, que se situe dentro do exercício económico a que se reporta a liquidação operada.

Ora, no caso, isso não acontece.

Com efeito, a AT situa a ocorrência das despesas que sujeitou a tributação autónoma, no valor que considerou, entre 30 de Abril de 2015 e 16 de Setembro de 2015.

Todavia, tal entendimento, funda-se na existência, naquela primeira data, do valor contabilizado pela Requerente na Conta 11 - Caixa, corrigido pelos elementos reportados a 31-07-2015, apresentados pela Requerente e aceites pela AT.

Dito de outro modo, e essencialmente, funda-se a correcção ora em crise na credibilidade da contabilidade da Requerente, no que diz às inscrições na Conta 11 - Caixa, a 30-04-2015.

Ora, essa credibilidade está, no presente caso, infirmada, desde logo pelo próprio RIT. Efectivamente, o que se verifica é que o conteúdo da Conta 11 - Caixa, não tinha a mínima correspondência com a realidade a 16-09-2015, e que não tinha, igualmente, mesmo face aos elementos contabilizados pela Requerente e aceites pela AT, correspondência com a realidade a 31-07-2015.

De resto, não se compreende a limitação da aferição da veracidade das inscrições contabilísticas na Conta 11 - Caixa da Requerente, ao período entre 30-04-2015 e 31-07-2015, quando a AT poderia, seguindo o mesmo modus operandi, fazer tal aferição a partir de anos anteriores.

Por outro lado, a evolução dos saldos da Conta 11 - Caixa da Requerente, de que dá conta o facto provado sob o ponto 5 da matéria de facto, indicia igualmente a falta de credibilidade de tais inscrições, dada a anormalidade da evolução dos saldos inscritos.

Deste modo, não é possível, julga-se, para lá de qualquer dúvida razoável, ter como assente que as despesas não documentadas incorridas pela Requerente, e consideradas pela AT, tenham ocorrido entre 30-04-2015 e 16-09-2015, uma vez que, como se escreveu no já citado Acórdão arbitral proferido no processo 287/2017-T, “essa conclusão só poderia basear-se numa presunção de correspondência da contabilidade à realidade que, neste caso, foi ilidida”.

Não se acolhe, assim, o alegado pela Requerida, segundo a qual “O ónus de prova de que o dinheiro já lá não constava anteriormente, conforme foi alegado pela Requerente, incidia precisamente sobre si, o que não preencheu.”.

Tal alegação só seria de acolher se a AT tivesse reunido indícios suficientes de que em 30-04-2015 o montante considerado pela AT estava na disponibilidade da Requerente. Ora, esses indícios consistem, unicamente, em elementos da contabilidade da Requerente, que não apresentam qualquer credibilidade, não sendo lícito à AT, sem justificação, considerar até determinado período, arbitrariamente fixado, fiável a contabilidade da Requerente, e não fiável, a partir de outro.


(…)

Assim, e face às regras do ónus da prova, bem como ao disposto no referido artigo 100.º/1 do CPPT, atenta a fundada dúvida na quantificação do facto tributária operada pela AT, haverá que concluir pela verificação do arguido erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, com a consequente anulação das liquidações de tributação autónoma e juros compensatórios sub iudice.

(…). »

Em suma, a divergência de veredictos (improcedência/procedência dos pedidos arbitrais), com que nos confrontamos, assenta, fundamentalmente, na operação ou não do disposto no art. 100.º n.º 1 do CPPT; sendo que, por parte da decisão recorrida, foi, de forma expressa e sem margem para dúvidas, assumida a não aplicação do aludido normativo, na situação que apreciou e decidiu, ao invés, da decisão arbitral fundamento.

Portanto, na perspetiva oposta, o que ocorre de semelhante é, apenas, o tratamento jurídico de ambas as situações convergir na questão, abstrata, teórica, da aplicação do regime decorrente do art. 88.º n.º 1 do CIRC, mas, casuisticamente, concretizada com contributos jurídicos distintos, mediante a operação de diferentes institutos de direito, destacadamente, de direito probatório, circunstância que justifica, só por si, a existência de decisões finais com sentidos contrários.

Identificada esta falta de identidade da questão fundamental de direito, temos, sem mais, de concluir pela não verificação da primeira condição/requisito, para que este recurso possa prosseguir os demais termos.
Ademais, importa acrescentar que a inviabilidade deste apelo é reforçada pela particularidade, resultante do antes exposto, de o mesmo, em função da delimitação efetuada pela rte, estar destinado ao tratamento, em exclusivo, de questões relativas à valoração da prova (Prova por presunções e/ou aplicação do disposto no art. 100.º n.º 1 do CPPT; sendo que, o funcionamento deste, em primeira linha, pressupondo aferir do resultado “da prova produzida”, impõe, obviamente, o recurso ao direito probatório, para resolver aspetos, igualmente, de valoração da prova.), produzida em ambos os processos arbitrais, as quais, como é entendimento, uniforme, deste STA, não constituem fundamento idóneo, capaz, da espécie de recurso em causa.

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# III.


Pelo congregado destes fundamentos, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos não conhecer do mérito deste recurso para uniformização de jurisprudência.

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Custas a cargo da recorrente.
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Comunique-se ao CAAD.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 26 de maio de 2021


Pelas (os) Exmas. (os.) Senhoras (es) Conselheiras (os) Isabel Cristina Mota Marques da Silva, Francisco António Pedrosa de Areal Rothes, Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia, José Gomes Correia, Joaquim Manuel Charneca Condesso, Nuno Miguel Morgado Teixeira Bastos, Paulo José Rodrigues Antunes, Gustavo André Simões Lopes Courinha, Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro, Pedro Nuno Pinto Vergueiro e Anabela Ferreira Alves e Russo, na condição de adjuntos, foi transmitido, enquanto relator, a mim, Aníbal Augusto Ruivo Ferraz, voto de conformidade, com os fundamentos e a decisão supra, nos termos e para os efeitos do artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março.