Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0512/11.0BEPRT
Data do Acordão:12/18/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
Sumário:Deve admitir-se revista de acórdão relativo à interpretação do art. 2º, n.º 3 do Dec. Lei 43/76, de 20/01, numa situação em que um militar, em missão de patrulhamento em zona de campanha é picado por um insecto, da qual veio a resultar a cegueira do olho direito.
Nº Convencional:JSTA000P23973
Nº do Documento:SA1201812180512/11
Recorrente:MDN
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar - art. 150º, 1, do CPTA.
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. O MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte, proferido em 15 de Junho de 2018, que confirmou a sentença proferida pelo TAF do Porto, que por seu turno julgou procedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL contra si intentada por A………….., onde este pedia a anulação do despacho de indeferimento do seu pedido de qualificação como Deficiente das Forças Armadas.

1.2. Considera que se justifica a admissão da revista para aplicação do direito em termos mais seguros, previsíveis e de igualdade de tratamento.

1.3. O recorrido contra-alegou, pronunciando-se sobre o mérito do recurso.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150º, nº 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. O autor, ora recorrido, pretende ser qualificado como Deficiente das Forças Armadas. Dos factos dados como assentes decorre que o autor durante uma missão de patrulhamento na zona da serra da "Quibinda", em Angola, sofreu uma picada de insecto no olho direito. Veio a ser internado na enfermaria de oftalmologia do Hospital militar de Luanda. Foi-lhe diagnosticado "queratite dentrítica", da qual veio a resultar a cegueira do referido olho, com uma incapacidade declarada de 30%.

Ambas as instâncias entenderam que o acidente sofrido pelo autor se enquadrava na previsão do art. 2º, nº 3 do DL n.º 43/76. Com efeito, diz o TCA Norte, "(...) uma missão de patrulhamento militar no mato, em teatro de guerra, não pode deixar de ser qualificada à luz do art. 2º, n.º 3 do DL n.º 43/76, como evento directamente relacionado com a actividade operacional que pelas suas características implique perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo, ou, no mínimo, como evento ocorrido no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade. É pois patente – conclui o acórdão – que um qualquer patrulhamento no mato, em ambiente de Guerra implica sempre necessariamente, no mínimo, alguma perigosidade (...)".

3.3. O Ministério da Defesa Nacional recorre para este STA porque considera que o entendimento acolhido se afasta, além do mais, da jurisprudência deste Supremo Tribunal. A seu ver e de acordo com essa jurisprudência deve existir uma necessária conexão entre o acidente e actividade do inimigo, sublinhando ainda que “o facto de se tratar de uma zona de campanha não é determinante, desde que essa circunstância se tenha revelado na prática como totalmente indiferente para a produção do evento, em termos de causalidade adequada”. Cita ainda jurisprudência deste STA no sentido de que "não pode considerar-se ocorrida em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha (...) a ocorrência que se deveu a circunstâncias ocasionais e fortuitas e não à especial perigosidade da operação (...)". Entende a entidade recorrida que o presente caso é, precisamente, um caso fortuito: "o acidente ficou a dever-se a causas fortuitas" (conclusão Q).

3.4. A nosso ver justifica-se admitir a revista, dada a especial relevância social da questão da qualificação de um militar como Deficiente das forças Armadas.

Justifica-se ainda a intervenção do STA com vista a estabelecer um critério uniforme que, para além da objectividade e segurança, trate todos por igual. Na verdade, decorre da jurisprudência do STA uma interpretação do art. 2º, n.º 3 do DL 43/76, segundo a qual o "as circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" não dependem apenas do acidente ocorrer em zona de campanha. É, assim, prudente que o STA reaprecie o caso com vista a apreender em que medida a decisão recorrida acolhe ou não a sua interpretação.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Porto, 18 de Dezembro de 2018. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.