Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01267/15
Data do Acordão:05/31/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:INDEFERIMENTO LIMINAR
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - A invocação de ilegalidade ou inexigibilidade da dívida, por alegadamente ter ocorrido uma nulidade insuprível no processo de contra-ordenação em que foi aplicada coima cuja quantia está a ser executada, contende com a legalidade concreta da dívida, discussão essa vedada pela al. i) do art. 204º, além de que também a lei assegura meio judicial de impugnação da mesma (cfr. os arts. 80º e ss. do RGIT).
II - A nulidade decorrente de falta de requisitos do título executivo não é subsumível a fundamento de oposição à execução, antes devendo ser invocada e apreciada em requerimento a apresentar na mesma execução.
III - O erro na forma de processo (art. 193º do CPC) há-de aferir-se pela adequação do meio processual ao pedido ou conjunto de pedidos formulados pelo interessado.
Nº Convencional:JSTA000P21935
Nº do Documento:SA22017053101267
Data de Entrada:10/08/2015
Recorrente:A.......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A………., com os sinais dos autos, interpõe recurso da sentença proferida no TAF de Braga, em 14/05/2015 (fls. 33 e sgs.) a qual, no âmbito da oposição à execução fiscal instaurada para cobrança de coimas fiscais não regularizadas nos respectivos processos de contraordenação, fixadas por falta de pagamento de portagens no montante de € 2.529,83, julgou verificada e procedente a excepção do erro na forma de processos e, concluindo igualmente pela impossibilidade legal de convolação para a forma processual adequada, decidiu anular todo o processo, absolvendo a Fazenda Pública da instância.

1.2. Terminou as suas alegações formulando as conclusões seguintes:
A) O presente recurso visa a reapreciação das questões de direito, e por via disso, a revogação da decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância e a consequente correcta aplicação do direito aos factos; sua subsunção.
B) A presente Execução Fiscal reporta-se à cobrança de taxas de portagem, coimas e custos administrativos, resultantes da prática de contraordenações, previstas e punidas pelos artigos 5º nº 1, al. a) e 7º da Lei nº 25/2006, de 30 de Junho.
C) Citado de que contra si tinha sido instaurado Processo Executivo Fiscal, o Executado deduziu Oposição à Execução Fiscal, e, para tal, alegou a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas (arts. 63º e 79º do RGIT); a falta de título válido e eficaz (arts. 63º e 79º do RGIT, e arts. 2º, 163º nº 1 alínea e), 165º e 204º nº 1 alínea i) do CPPT e art. 10º do CPC); e a inconstitucionalidade do art. 15º da Lei nº 25/2009, de 30 de Junho, na sua “ratio” e aplicação.
D) Desta forma, citado no dia 28 de Janeiro de 2015, o Recorrente deduziu Oposição à Execução, que apresentou no Serviço de Finanças de V. N. Famalicão 1, o qual, por sua vez, promoveu pela sua remessa ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga;
E) E em 18 de Maio de 2015 o Recorrente foi notificado da sentença que julgou improcedente a Oposição por si deduzida, com fundamento no erro da forma do processo e na impossibilidade de convolação para o meio processual adequado, que considerou ser o recurso judicial da decisão de aplicação da coima, por decurso do prazo;
F) Resumindo a Oposição apresentada pelo Executado, à ilegalidade de aplicação das coimas, atenta a instauração dos processos de contraordenação, o que constitui um erro notório e desconforme.
G) Na realidade, incumbe ao Julgador conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, de todos os pedidos e causas de pedir, excepções invocadas e as que lhe cabe conhecer oficiosamente, o que não se verificou, no caso “sub judice”, e tal omissão determina a nulidade da sentença, ao abrigo do art. 615º nº 1 al. d) primeira parte do CPC, ex vi art. 2.º do CPPT.
H) Pois bem, o título executivo é condição essencial da acção executiva, mas não suficiente (arts. 2º e 163º CPPT, 10º do CPC)!
I) Acontece que os presentes autos de Execução Fiscal não se iniciaram com nenhum título executivo, válido e eficaz - como tempestivamente se alegou e sobre o qual o Tribunal de Primeira Instância, também, não se pronunciou.
J) Desde logo, os documentos particulares que formaram o título executivo que fundamenta a execução, são ilegais, porque os requisitos legais, necessários e essenciais, para validar e tornar eficazes estes documentos não se encontram preenchidos, o que determina a nulidade insuprível do processo contraordenacional tributário - que originou esta acção executiva - conforme o disposto nos arts. 79º, nº 1, 27º e 63º, al. d) do RGIT!
K) Porque, os documentos que serviram de base à formação do título executivo, fundam-se em infracções pretensamente cometidas pelo Recorrente, as quais constituem ilícitos de mera ordenação social, previstos e punidos no art. 5º nº 1 al. a) da Lei nº 25/2006, de 30 de Junho;
L) A simples referência ao número dos artigos violados, sem adiantar o que estipulam sequer, não é adequada, e muito menos suficiente, uma vez que impõe ao infractor o acesso a diplomas legais invocados para, por via indirecta, atente-se, se aperceber da factualidade que lhe é imputada, constituindo uma limitação à defesa.
M) Não se mostrando, por isso, satisfeitas as exigências previstas no art. 79º, nº 1 do RGIT (conforme sentenças proferidas pelo TAF de Braga em 7 de Janeiro de 2015, e pelo TAF de Mirandela em 15 de Janeiro de 2015);
N) Pelo que a sua falta, incluindo a notificação do arguido, constituem nulidades insupríveis de todo o processo contraordenacional (art. 63º, nº 1 al. d) do RGIT), de conhecimento oficioso!
O) Porquanto, da “Descrição Sumária dos Factos”, constante dos documentos particulares que formaram o título executivo, é omisso o comportamento contraordenacional modelado pelo art. 5º nº 1, al. a) da Lei que não se resume à falta de pagamento da taxa de portagem; a norma exige, como elemento constitutivo do tipo legal da contraordenação, que tal omissão seja “transposição de uma barreira de portagem através de uma via reservada a um sistema electrónico de cobrança de portagens sem que o veículo em causa se encontre associado, por força de um contrato de adesão, ao respectivo sistema”, factualidade que é omitida, em absoluto, em todos os documentos que sustentam os presentes autos executivos!
P) Sendo certo, como é, que o tipo de ilícito em causa não se basta com uma pura omissão de um dever de agir - dever de pagamento da taxa de portagem -, contendo, pois, na sua descrição típica, os elementos adicionais já referidos, que ao constituírem pressupostos da punição, têm, efectivamente, de estar suportados em factos descritos na decisão de aplicação da coima, ainda que por forma sumária, o que não aconteceu sequer nos autos.
Q) Este entendimento é partilhado pelos Ex.mos Senhores Conselheiros, Dr. Jorge Lopes de Sousa e Dr. Manuel Simas Santos, em Regime Geral das Infracções Tributárias - anotado, 4ª ed. cuja posição se acompanha: “a “descrição sumária” referida naquele artigo 79º, nº 1, alínea b), não exige “a enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” que é exigida pelo artigo 374º do CPP para as sentenças proferidas em processo criminal”;
R) E assim “pela mesma razão de que é necessário assegurar que o arguido se apercebe dos factos que lhe são imputados, não pode considerar-se suficiente uma indicação factual implícita, dedutível do enquadramento jurídico que na decisão é dado à infracção” (obra citada, pág. 518).
S) A mencionada alínea exige que a descrição factual que consta da decisão de aplicação da coima, seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e, assim, com base nessa percepção, poder defender-se adequadamente.
T) O que, directa e necessariamente, invalida o processo de execução fiscal, porque o título executivo não foi validamente constituído, o que determina a sua ineficácia (arts. 162º, 163º, 165º ex vi 88º do CPPT).
U) Desta forma, o título executivo não é suficiente para impulsionar, e prosseguir, os autos de execução fiscal, cujo primeiro momento para arguição é, precisamente, em sede de Oposição à Execução Fiscal, e que, aliás, faz parte dos fundamentos de Oposição, conforme o art. 204º n. 1 al. h) do CPPT;
V) Excepção que não foi objecto de pronúncia por parte do Tribunal a quo, o que constitui a nulidade da sentença (art. 615º nº 1, al. e) do CPC, ex vi art. 2º do CPPT).
W) Por outro lado, o art. 163º do CPPT prevê os requisitos essenciais dos títulos executivos, de entre os quais, refere a “natureza e proveniência da dívida e indicação do seu montante”, o que não se verifica!
X) Dotada de todos os elementos e documentação, compete à Exequente verificar se estão reunidas as condições para prosseguir com o processo executivo, e informar o executado sobre a dívida que se executa - de forma a este conhecer e poder organizar a sua defesa -, funções atribuídas aos títulos executivos; e uma vez que “in casu” não estão verificadas estas condições, o título executivo é nulo!
Y) O que constitui uma limitação à defesa!
Z) O título executivo não contém a natureza da dívida - e a mesma não consta do processo executivo, nem de qualquer outro processo - o que impossibilita a sanação desta nulidade, na medida em que não pode ser suprida por prova documental.
AA) Porque, o elenco indicado no campo “descrição” do pretenso título executivo, nunca poderá ser considerado como natureza da dívida (por todo o exposto no presente recurso); aliás, esta é omitida, em absoluto, em todos os documentos que sustentam os autos, e a mera indicação aposta no título não é apta a garantir as condições de defesa necessárias e essenciais do Executado;
BB) O elenco indicado não é, portanto, suficiente para integrar “a natureza da dívida”, que deve conter os elementos necessários e adequados a permitir ao Executado aperceber-se dos factos que lhe são imputados e que dão causa à cobrança coerciva e, com base nessa percepção, poder defender-se adequadamente;
CC) Descrição que não foi feita no famigerado título.
DD) É demasiado óbvio, que a Execução não pode prosseguir, desde logo, pela nulidade do título executivo!
EE) É, assim, manifesto, que nenhum título executivo, válido e eficaz, alicerçou (nem alicerça) esta execução fiscal, e esta omissão consubstancia uma nulidade insanável da acção executiva de conhecimento oficioso, passível de arguição até ao trânsito em julgado da decisão final, conforme tempestivamente alegou o Recorrente, e que determina a sua absolvição da instância executiva (conjugação dos arts. 2º, 163º nº 1 alínea e), 165º nº 1 alínea b), nºs. 2 e 4, 204º nº 1 alínea i) do CPPT, arts. 10º nº 4, nº 5, 186º alínea a), 576º nº 2, 574º, 578º do CPC);
FF) Cujo primeiro momento para a sua arguição é, precisamente, em sede de Oposição à Execução Fiscal, que, aliás, integra o elenco dos seus fundamentos (alínea i do nº 1 do art. 204º do CPPT); pelo que se impõe a sua apreciação e decisão, o que a Meritíssima Juiz não fez (art. 615º nº 1 alínea e) do CPC, ex vi art. 2º do CPPT)!
GG) Tal como ocorre no Processo Civil, a Oposição à Execução é o meio processual pelo qual se visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da inexistência do direito exequendo ou da falta de um pressuposto, especifico ou geral da acção executiva.
HH) De facto, os requisitos legais para formar, constituir e tornar eficazes os títulos executivos, não se encontram preenchidos, de forma que o título que iniciou e sustenta a presente execução fiscal, encontra-se ferido de nulidade.
II) E, nesse sentido, conforme V.Ex.as poderão constatar, impunha-se a convolação para a forma processualmente adequada, ao abrigo dos princípios da celeridade e economia processuais (cfr. o disposto nos arts. 98º, nº 4 do CPPT e, 97º nº 3 da LGT), ao contrário do decidido em sentença!
VEJAMOS:
JJ) Citado para a Execução, no dia 18 de Janeiro de 2015, o Recorrente, tempestivamente, em 24 de Fevereiro de 2015 (cfr. fls. 6 dos autos), deduziu a competente Oposição à Execução Fiscal, na qual alegou a nulidade insuprível do processo contraordenacional tributário, derivada da falta dos requisitos legais dos documentos dados à Execução, em clara violação ao disposto nos arts. 79º nº 1, 27º, e 53º do RGIT; a falta de título válido e eficaz título executivo (arts. 63º e 79º do RGIT, e arts. 163º nº 1 alínea, 165º e 204º nº 1 alínea i) do CPPT e art. 10º do CPC); e a inconstitucionalidade do art. 15º, da Lei nº 25/2009, de 30 de Junho, na sua ratio e aplicação.
KK) Perante isto, decidiu a Meritíssima Julgadora que a Oposição não é o meio de defesa apropriado para invocar estes argumentos, existindo erro na forma do processo (o que não se concebe), e que não havia possibilidade de convolação dos presentes autos de processo de execução fiscal, o que é manifestamente um erro notório e desconforme!
LL) Importa relembrar, e fazer valer, que o elenco taxativo dos fundamentos da Oposição à Execução Fiscal (art. 204º do CPPT) não pode implicar uma restrição do acesso ao direito e aos tribunais, constitucionalmente consagrado (art. 20º da CRP).
MM) Os direitos fundamentais e os direitos com dignidade constitucional são hierarquicamente superiores, e, aplicar cegamente esta norma, é violar de forma flagrante, este direito constitucional, visto que, a interpretação dada pela sentença ao art. 204º do CPPT transforma, esse dispositivo legal, num impedimento formal de acesso ao direito por parte do Recorrente, e dos demais cidadãos que se encontrem, e os que venham a estar nesta situação!
NN) O título executivo que alicerça a presente execução, é manifestamente insuficiente pela sua formação viciada, nos termos supra expostos, como padece, também, de nulidade pela falta dos requisitos legais (conforme os arts. 162º, 163º, 165º, ex vi 88º do CPPT).
OO) A ocorrer erro na forma do processo, como decidiu a Meritíssima Juiz, atendendo aos efeitos jurídicos pretendidos pelo Recorrente - no casu, nulidade do Processo de Execução Fiscal, por falta de requisitos do título executivo, nos termos expostos - e os fundamentos de direito de que este os fez derivar, não se mostram estes adequados à oposição à execução fiscal? É evidente que sim.
PP) E a nulidade do processo de execução, por vício na sua formação, e os fundamentos de direito que o Recorrente os fez derivar, não se mostram adequados a outra forma prevista na lei adjectiva, permitindo a sua convolação? É manifesto.
QQ) Podendo, assim, a Meritíssima Julgadora, convolar a petição, utilizando-a como requerimento a juntar ao processo de execução fiscal, para aquele efeito.
RR) As nulidades arguidas pelo Recorrente são de conhecimento oficioso e podem ser apreciadas até ao trânsito em julgado da decisão final, visto que o Recorrente as invocou, na altura própria, com todas as consequências legais.
SS) Além disso, o processo de impugnação vem regulado nos arts. 99º e seguintes do CPPT e, citado para o Processo de Execução, o Recorrente, no prazo que lhe foi concedido, deduziu a competente Oposição!
TT) Perante isto, e, não obstante, o alegado supra, é de todo legítimo questionar-se por que razão não pôde o Tribunal a Quo aproveitar a Oposição, e convolar a petição, nomeadamente, para o processo de impugnação (arts. 99º e seguintes do CPPT), ao abrigo dos princípios da celeridade e economia processuais?
UU) Porquanto, os efeitos jurídicos pretendidos e os fundamentos de facto e de direito (essencialmente) alegados mostram-se adequados, subsumem-se nas alíneas c), d) do art. 99º. CPPT, e sempre se mostra cumprido o prazo (nº 3 do art. 102º do CPPT), nos termos já expostos.
VV) Quanto à arguição da incompetência da Autoridade Tributária para instaurar estes processos de execução fiscal cuja actuação se revela inconstitucional, e, claramente, desvirtua o disposto no art. 15º da Lei nº 25/2009 de 30 de Junho, o que igualmente se revela inconstitucional, nenhuma apreciação foi feita pelo Tribunal a Quo, pelo que se verifica, também aqui a nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1 alínea e) do CPC, ex vi art. 2º do CPPT).
WW) A “Direcção de Finanças de Braga”, nomeadamente, não tem legitimidade para executar as dívidas dos condutores referentes ao pagamento de multas das portagens.
XX) Os sujeitos desta relação jurídica material controvertida são os condutores e as concessionárias, dúvidas não hajam!
YY) Estamos perante a constituição da “Direcção de Finanças de Braga” como autêntica cobradora da concessionária “Ascendi O&M, S.A.”, de forma gratuita, e, atente-se, à custa dos contribuintes, obviamente, a quem sobrecarrega com custos e encargos exageradíssimos, claramente em violação do princípio constitucional da proporcionalidade, previsto no art. 18º nº 2 da CRP (em vez de cobrar impostos, a Autoridade Tributária cobra dívidas de portagens. Que país!).
ZZ) Se a moda pega a outras situações, será o fim dos princípios constitucionais do Acesso ao Direito e da Igualdade (arts. 20º e 13º da CRP)!
AAA) Será o fim dos Tribunais e do Estado de Direito!
BBB) Atenção, as concessionárias não estão dotadas de ius imperium!
CCC) A “Ascendi O&M, S.A.” é uma sociedade anónima com capitais privados, e, por isso também, uma entidade de direito privado (conforme o documento nº 3 junto com a oposição), que integra a elite de concessionárias do Estado Português, que auferem rendimentos na ordem dos milhões de euros por ano, à custa dos contribuintes portugueses.
DDD) E, depois de ter sido beneficiada com um contrato SWAP milionário, com prejuízo para o Estado Português, vulgo contribuintes, ainda lhe foi concedido o privilégio de ter uma cobradora gratuita! É o cúmulo.
EEE) Tudo isto em clara violação dos princípios constitucionais da Reserva do Juiz, dos Tribunais, da Igualdade e, ainda da Separação dos Poderes.
FFF) Acresce que a referida Lei, que no seu artigo 15º atribui competência ao Serviço de Finanças da área do domicílio fiscal do agente da contraordenação, é claramente inconstitucional, pelo menos em relação ao referido artigo, por violação clara e expressa dos princípios constitucionais da Reserva do Juiz, dos Tribunais, da Separação de Poderes, do Acesso ao Direito e da Igualdade dos cidadãos (cfr. os documento nº 2 junto com a oposição).
GGG) Por conseguinte, dispõe o art. 1º da referida Lei com a epígrafe “Objecto” (nosso destacado) que “a presente lei determina que as infracções que resultam do não pagamento ou do pagamento viciado de taxas de portagem em infra-estruturas rodoviárias, anteriormente à sua entrada em vigor, previstas e punidas como contravenções e transgressões, passem a assumir a natureza de contra-ordenações”.
HHH) É claro o dispositivo legal, como igualmente é a Lei em que se insere, “contra-ordenações”, e não tributos!
III) Pelo que, não se pode tratar estas contravenções e transgressões, como tal, porque isso, em face do que foi alegado, é desvirtuar todo o sistema!
JJJ) Tanto assim é, que da análise da lei se constata não existir qualquer disposição legal que determine que a representação das concessionárias - dos credores - incumbe à Autoridade Tributária, que delega no representante da Fazenda Pública!
KKK) O serviço de finanças da área do domicílio fiscal do condutor apenas é competente para a instauração e instrução dos processos de contraordenação
LLL) Não o competente para decidir pela aplicação de coimas no processo de contraordenação!
MMM) Nem está a Autoridade Tributária legitimada para ser Exequente;
NNN) Como, também, não o estão quer a Direcção de Finanças de Braga, quer o representante da Fazenda Pública!
Em síntese, a sentença recorrida violou, entre outras normas, o disposto nos artigos 2º, 13º, 16º, 18º, 20º da Constituição da República Portuguesa, os artigos 63º, nº 1 al. d), e 97º nº 3 da Lei Geral Tributária, os artigos 10º, 86º alínea a), 576º nº 2, 574º, 578º, todos do Código do Processo Civil, os artigos 27º, 63º e 79º do Regime das Infracções Tributárias e os artigos 88º, 93º nº 4, 99º, 102º, 162º, 163º, 165º e 204º nº 1 alínea i) do Código de Procedimento e Processo Tributário, e, a Lei nº 25/2009, de 30 de Junho.
Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso, e que a decisão recorrida seja revogada, com todas as demais consequências.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emitiu Parecer, nos termos seguintes:
«Recurso interposto por A………….., em processo de oposição, sendo recorrida a A.T.:
Pese embora a extensão das conclusões apresentadas, em que constam até várias repetições e interrogações, afigura-se ser desde já possível equacionar as seguintes questões a decidir:
- se, existindo nulidade insuprível do processo de contraordenacional, ocorre o fundamento de oposição previsto no art. 204º nº 1 al. h) do C.P.P.T.;
- se a falta de título válido e eficaz integra o fundamento do art. 204º nº 1 al. i) do C.P.P.T, ou se, ao abrigo dos princípios da celeridade e economia processual - arts. 98º nº 4 do C.P.P.T. e 97º nº 3 da L.G.T., é de determinar a convolação no meio de impugnação por os seus fundamentos se subsumirem nas als. c) e d) do art. 99º do CPPT e cumprido o prazo (nº 3 do art. 102º do C.P.P.T.);
- se ocorre nulidade por omissão de pronúncia quanto à incompetência da A. T. para instaurar os processos de execução no entendimento de que ocorre inconstitucionalidade do art. 15º da Lei nº 25/009, de 30 de junho, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, previsto no art. 18º nº 2 da C.R.P., da Reserva do Juiz, dos Tribunais, da Separação de Poderes do Acesso ao Direito e da igualdade (arts. 20º e 13º da C.R.P.).
Ora, quanto à primeira questão, parece não ser de dar razão ao recorrente, porquanto o mesmo pôs em causa como invoca a legalidade concreta do próprio ato o que a dita al. i) do art. 204º, sendo certo que o recorrente teve antes oportunidade de impugnar aquele ato, sem que o tenha efetuado.
Também quanto à segunda questão, parece não ser de dar razão ao recorrente, porquanto a falta de título válido e eficaz é suscetível de integrar nulidade o que não é de conhecer em processo de execução fiscal mas em requerimento próprio.
Já quanto à terceira questão, é de dar razão ao recorrente porquanto a dita incompetência associada a inconstitucionalidade parece ser suscetível de se enquadrar no fundamento de oposição da al. i) do art. 204º do C.P.P.T., o que impede que se determine a convolação em qualquer outro meio - neste sentido, acórdão do S.T.A. de 16-5-12, proferido no proc. 064/12, acessível em www.dgsi.pt e Jorge Lopes de Sousa, em C.P.P.T. Anotado e Comentado, Vol. III, p. 147.
E, sendo certo que desta matéria não se conheceu no despacho proferido, no qual se decidiu pelo indeferimento liminar é de revogar o decidido por ter sido cometida a invocada nulidade.
Mais se afigura não ser possível conhecer agora da dita questão por não estar fixada a pertinente matéria de facto, relativamente ao que a oponente invocou ser a dívida da Ascendi, O&M, S.A., sociedade anónima com capitais privados e de direito privado, concessionária do Estado Português, juntando para o efeito 1 documento.
Concluindo:
O recurso é apenas de proceder quanto ao conhecimento que foi omitido quanto à questão da incompetência da A.T. associada a inconstitucionalidade do art. 15º da Lei nº 25/2009, de 30 de junho por violação dos vários princípios constitucionais invocados, o que enquadrando-se no fundamento previsto na al. i) do art. 204º do C.P.P.T., de que se devia ter conhecido, ocorrendo nulidade.
É, pois, de revogar nessa parte o decidido e mandar baixar os autos, a fim de que, fixada a pertinente matéria de facto, se conheça de tal fundamento.»

1.5. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
2. O recorrido despacho liminar tem, no que ora releva, o seguinte teor:
«Cumpre proferir despacho liminar.
Do erro na forma do processo.
Em consonância com a proibição da prática de actos inúteis e a celeridade da justiça, comete-se ao juiz o poder/dever de promover a normal tramitação do processo, ordenando a correcção do processo e as diligências necessárias às especificidades da causa: art. 97º nº 3 da Lei Geral Tributária (LGT), arts. 130º e 547º do Código de Processo Civil (CPC), este aplicável ex vi do art. 2º al. e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Com base no articulado e documentos juntos, releva para o conhecimento da nulidade o seguinte:
A) Com base em certidões de dívida emitidas em 22-12-2014 por dívidas de coimas relativas a taxa de portagens e encargos de processo de contraordenação no montante global de € 2.529,83 e com data limite de pagamento voluntário em 18-12-2014, foram instauradas no Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão 1 a execução fiscal nº 3590201481107340 contra o Oponente A………… - fls. 1 a 49 do PEF apenso;
B) Não foi apresentado em qualquer dos processos de execução fiscal defesa ou recurso judicial da aplicação da coima - compulso do PEF;
C) A presente Oposição foi remetida por email em 24-02-2015 (fls. 6 dos Autos).
Não se provaram outros factos relevantes.
Incumbe ao Tribunal o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 608º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art. 2º al. e) do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
Do teor da petição inicial ressalta(m) claramente da alegação do Oponente factos tendentes a demonstrar a ilegalidade da aplicação das coimas atenta a instauração dos processos de contraordenação.
A final termina peticionando que seja declarada a extinção das coimas aplicadas. Optando para tal pela via da oposição à execução fiscal.
O erro na forma de processo ocorre sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza ou valor da acção e constitui nulidade, de conhecimento oficioso: art. 193º e 196º do CPC.
O erro na forma de processo afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal com o recurso à acção; por outro lado, constitui vinculação temática para o tribunal pois é dentro dele que o tribunal se move: art. 615º nº1, al. e) do CPC
O pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção, ou seja, a finalidade, o resultado, a providência que se quer alcançar.
Ora, o recurso judicial das decisões de aplicação das coimas previsto no artigo 80º do RGIT é a via processual para atacar e/ou questionar a legalidade das mesmas.
Nesta perspectiva, a tal causa de pedir cabe impugnação judicial da decisão de aplicação da coima nos correspondentes processos de contra-ordenação e não a adoptada oposição à execução fiscal.
Incorreu, pois, o oponente quanto a tal causa de pedir em erro na forma de processo.
Vejamos então se os autos podem ser aproveitados para a apreciação do pedido formulado atinente à ilegalidade de decisão de aplicação das coimas.
Do teor do Autos emerge que as decisões de aplicação de coima tiveram como data limite de pagamento voluntário o dia 28-12-2014.
E os correspondentes recursos judiciais deveriam ter sido interpostos no prazo de 20 dias previsto nos artigos 79º nº 2 e 80º do RGIT.
A petição inicial foi remetida em 24-02-2015 (fls. 6 dos Autos).
Nos termos do art. 80º nº 1 do RGIT o recurso deve ser apresentado no Serviço Tributário onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação no prazo de 20 dias após a notificação da coima.
Atento o supra referido facilmente se constata que tal prazo não foi respeitado pelo aqui Oponente. Sendo inútil aferir do erro na forma processual escolhida e da possibilidade de aproveitamento dos Autos, para eventual convolação na forma adequada de recurso judicial de aplicação de coima, pela manifesta extemporaneidade do mesmo face ao decurso dos prazos supra indicados.
Assim, o Oponente não pode, com fundamento em ilegalidade concreta da dívida, opor-se validamente à presente execução, de acordo com os fundamentos previstos no artigo 204º do CPPT.
Concluindo, incorreu-se em erro na forma de processo, não podendo os autos ser aproveitados para prosseguirem sob a forma de processo determinada na lei.
Assim, impõe-se a anulação de todo o processado, com a consequente absolvição da instância da Fazenda Pública, de acordo com os preceitos legais citados.
Nos termos do disposto no artigo 278º, nº 1 al. b) do C.P.C. o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o demandado da instância quando anule todo o processo.
Pelo que, e de acordo com o antes exposto, na procedência da excepção de erro na forma processual e da impossibilidade de convolação, decide-se anular todo o processo e absolver a Fazenda Pública da instância.
Custas a cargo do Oponente (artigo 527º do CPC).»

3. Discordando do assim decidido, o recorrente invoca, no essencial e em síntese das extensas Conclusões que apresentou, o seguinte:
- a decisão de indeferimento liminar sofre de nulidade, por omissão de pronúncia quanto à incompetência da AT para instaurar o processo de execução, no entendimento de que ocorre inconstitucionalidade do art. 15º da Lei 25/2009, de 30/6, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade (art. 18º nº 2 da CRP), da reserva do juiz, dos Tribunais, da separação de poderes, do acesso ao direito e da igualdade (arts. 20º e 13º da CRP).
- a decisão de indeferimento liminar enferma de erro de julgamento quer porque, existindo nulidade insuprível do processo contraordenacional, ocorre o fundamento de oposição previsto no art. 204º nº 1 al. h) do CPPT, quer porque a alegada falta de título válido e eficaz integra o fundamento do art. 204º nº 1 al. i) do CPPT, quer, ainda, porque, ao abrigo do disposto nos arts. 98º nº 4 do CPPT e 97º nº 3 da LGT e dos princípios da celeridade e economia processual, deveria ter-se ordenado a convolação para a forma de impugnação, por os fundamentos se subsumirem nas als. c) e d) do art. 99º do CPPT e cumprido o prazo (nº 3 do art. 102º do CPPT).
Vejamos, pois.

4.1. Diga-se antes de mais, que não obstante o valor da oposição - 2.529,83 Euros (Com efeito, à data da instauração do presente processo judicial de oposição (em 1/4/2015), a alçada dos tribunais tributários encontrava-se já fixada em € 5.000,00, por força do aumento da alçada definida para os TT de 1ª instância, pela Lei nº 82-B/2014, de 31/12 (OE/2015) que conferiu nova redacção ao art. 105º da LGT ("A alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1ª instância") e do próprio nº 4 do art. 280º do CPPT, no qual se passou a estatuir: “Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar o valor da alçada fixada para os tribunais tributários de 1ª instância”.
Ora, como se refere no ac. desta Secção, de 24/2/2016, proc. nº 1291/15, considerando que a lei posterior revoga a anterior não só quando expressamente o declare, como, também, como é caso, seja com ela incompatível – cfr. art. 7º, nº 2, do CCivil, então, com a entrada em vigor daquela Lei nº 82-B/2014, ocorreu a revogação tácita da norma contida no nº 2 do art. 6º do ETAF, no qual se dispunha que «A alçada dos tribunais tributários corresponde a um quarto da que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1ª instância»
E a circunstância de o ETAF ter sido republicado em 2/10/2015 (face às alterações introduzidas pelo DL nº 214-G/2015 em vários normativos desse compêndio legal) não significa que o dito art. 6º «tenha visto a sua vigência reestabelecida, isto é, tenha recuperado a sua vigência e operado a revogação das normas que tacitamente a haviam revogado. Com efeito, o legislador que procedeu à alteração das referidas normas do ETAF não manifestou intenção de mexer na matéria das alçadas ou de proceder à alteração da norma que constava do artigo 6º do ETAF e que, como se viu, fora entretanto revogada (o legislador não o incluiu entre os preceitos do ETAF de 2002 que quis alterar), nem existe qualquer disposição no sentido da restauração da sua vigência ou, sequer, de revogação da lei revogatória e de repristinação da norma contida nesse artigo 6º do ETAF.») - ser inferior ao da alçada o presente recurso é admissível, uma vez que se trata de recurso de despacho de indeferimento liminar [como sublinha Jorge Lopes de Sousa, «[a]pesar da fixação da alçada, deverá entender-se que são recorríveis decisões proferidas em processos de valor inferior à alçada, nos casos em que no CPC se admitem recursos independentemente do valor da causa» ( Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6ª edição, IV volume, anotações 10 e 13 ao art. 280º, pp. 419 e 423-424.)].

4.2. Como se viu, o despacho liminar recorrido concluiu pela absolvição da instância, por existência de erro na forma de processo, considerando que todos os fundamentos da presente oposição à execução, invocados pelo oponente [(i) a falta dos requisitos legais dos documentos dados à execução, por ter ocorrido nulidade insuprível do processo de contra-ordenação tributário, tudo em violação ao disposto nos arts. 79º, nº 1, 27º, e 53º do RGIT; (ii) a falta de título executivo válido e eficaz (arts. 63º e 79º do RGIT, e arts. 163º nº 1, 165º e 204º, nº 1, al. i) do CPPT e art. 10º do CPC); e (iii) a inconstitucionalidade do art. 15º, da Lei nº 25/2009, de 30/6, na sua ratio e aplicação] se reconduzem à alegação de «factos tendentes a demonstrar a ilegalidade da aplicação das coimas atenta a instauração dos processos de contraordenação» e, por isso, considerando, igualmente, o pedido formulado (o de que seja declarada a extinção das coimas aplicadas), ocorre erro na forma de processo, dado que o meio processual para sindicar a decisão administrativa de aplicação de coima é a impugnação judicial dessa decisão.
E ponderando, em seguida, a questão da convolação para a forma processual que, na tese do despacho recorrido, seria adequada (a impugnação judicial da decisão de aplicação de coima), o despacho recorrido concluiu que não é legalmente possível proceder a tal convolação, por ter já decorrido, na data em que foi deduzida a presente oposição à execução, o prazo daquela impugnação judicial.
Ora, nesta base, não se verifica, em nosso critério, a apontada nulidade por omissão de pronúncia, imputada ao despacho recorrido.
Com efeito, ao considerar que todos os fundamentos de oposição invocados se reconduzem a fundamentos não legalmente admissíveis [por contenderem com a legalidade em concreto da dívida exequenda (com a legalidade da própria coima) e não se reportarem, apenas, à ilegalidade abstracta da dívida, enquadrável no fundamento previsto na al. a) do nº 1 do art. 204º do CPPT], a decisão recorrida emitiu pronúncia sobre tais fundamentos. Aliás, a conclusão de que ocorre a dita nulidade por erro na forma de processo, implicou, na tese do despacho recorrido, a anulação de todo o processado e a consequente absolvição da instância, por parte da Fazenda Pública,(Na ponderação do citado autor, «[A] decisão de absolvição da instância apenas poderá ser proferida se o processo tiver passado da fase liminar, tendo já ocorrido a citação da parte contrária, pois só com ela se constitui a instância quanto a esta (art. 267º, nº 2, do CPC). Quando a cumulação de fundamentos de oposição à execução fiscal com outros para que não seja adequada esta forma processual for detectada na apreciação liminar, prevista no art. 209º do CPPT, a decisão a proferir será a de rejeição parcial da oposição» (cfr. ob. cit., Vol. III, anotação 14 ao art. 165º, p. 147).) por não poder aproveitar-se a petição inicial, bem como a inerente prejudicialidade em termos da apreciação das demais questões ali suscitadas.
Por outro lado, a omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixa de conhecer de questão que devia ser conhecida e não quando deixa de apreciar argumentos produzidos pela parte. E questões para este efeito são «todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes» (cfr. A. Varela, RLJ, 122º, 112) e não podem confundir-se «as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão» (cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, 143).
Improcede, pois, a referida arguição de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
É claro que isto não significa que a decisão não possa sofrer de erro de julgamento por não ter atendido ou ponderado a argumentação apresentada pela parte, ou por ter considerado que também implica apreciação da legalidade concreta da dívida o fundamento referente à alegada inconstitucionalidade da atribuição de competência da AT para proceder aos actos de execução.
Todavia, essa é uma outra vertente do julgamento que, podendo eventualmente contender com o mérito da decisão, não contenderá com os vícios formais desta.

4.3.1. De todo o modo, afigura-se-nos que com esta alegação o recorrente também implicitamente questiona o acerto do despacho ao indeferir liminarmente a oposição, apesar de ter sido alegada na petição inicial aquela matéria da aventada incompetência da AT para instaurar o processo de execução, no entendimento de que ocorre inconstitucionalidade do art. 15º da Lei 25/2009, de 30/6, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade (art. 18º nº 2 da CRP), da reserva do juiz, dos Tribunais, da separação de poderes, do acesso ao direito e da igualdade (arts. 20º e 13º da CRP).
Daí que, embora, como se disse, o despacho recorrido logo haja concluído, em sede liminar, pela absolvição da instância, importe, ainda assim, aferir, em primeiro lugar (antes de se apreciar aquela questão da inconstitucionalidade da atribuição de competência à AT para os actos de execução), dos demais erros de julgamento que o recorrente imputa ao despacho: por não ter considerado que a alegada existência de nulidade insuprível do processo contraordenacional se subsume ao fundamento de oposição previsto na al. h) do nº 1 do art. 204º do CPPT, nem ter considerado que a falta de título válido e eficaz integra o fundamento previsto na al. i) do mesmo normativo.
Matéria em relação à qual, a nosso ver, a decisão recorrida não enferma dos erros que lhe são imputados.
Na verdade, por um lado, não se questiona que o processo de execução fiscal seja adequado para cobrança coerciva de coimas aplicadas em processo de contra-ordenação tributária (cfr. o nº 1 do art. 65º do RGIT) - sendo que, como estabelece a al. b) do nº 1 do art. 162º do CPPT, podem servir de base à execução fiscal, entre outros títulos executivos, as certidões de decisões exequíveis proferidas em processo de aplicação de coimas - e, por outro lado, a invocação de ilegalidade ou inexigibilidade da dívida, por alegadamente ter ocorrido uma nulidade insuprível no processo de contra-ordenação em que foi aplicada a coima ora em execução, contende, manifestamente, com a legalidade concreta da dívida (questionando a legalidade da aplicação da própria coima), discussão essa vedada pela dita al. i) do art. 204º, além de que, tratando-se de dívida emergente de coima aplicada ao recorrente, a lei lhe assegurou meio judicial de impugnação da mesma (cfr. os arts. 80º e ss. do RGIT; e daí que, ao invés do que parece entender o recorrente, também não caiba, a este respeito, invocação do disposto nas als. c) e d) do art. 99º e no nº 3 do art. 102º, ambos do CPPT).
Não procede, portanto, esta alegação.

4.3.2. Como igualmente não procede a alegação de erro de julgamento por o despacho recorrido ter afastado a pretendida subsunção da alegada falta de título válido e eficaz, no âmbito do fundamento previsto na al. i) do mesmo art. 204º: como sublinha o MP, a falta de título válido e eficaz é suscetível de integrar nulidade e não invocável em sede de oposição à execução fiscal, mas, antes, em requerimento próprio junto do respectivo OEF.
Segundo se dispõe nesta al. i) do nº 1 do art. 204º do CPPT a oposição à execução fiscal pode ser deduzida com quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores desse mesmo normativo, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título. Porém, não obstante a inexigibilidade da dívida exequenda constituir fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos da referida al. i), decisões exequíveis são as proferidas por tribunais tributários ou pelas autoridades administrativas que se tornem definitivas, quer por trânsito em julgado, quer por não interposição de recurso judicial [cfr. arts. 79º, nº 2 do RGIT e 88º e 89º do RGCO. (Cfr., também Jorge Lopes de Sousa, ob. Cit., III volume, anotação 6 ao art. 162º, p. 121.)]
E apelando à jurisprudência que vem sendo afirmada nesta matéria (cfr., entre outros os acs. desta Secção, de 12/02/2003, proc. nº 01529/03, e de 28/01/2015, proc. nº 01361/14, os fundamentos previstos na falada alínea i) «(…) devem consubstanciar-se (…) em factos modificativos ou extintos da dívida, ou que afectam a sua exigibilidade, importando a sua verificação, consequentemente, a impossibilidade de prosseguimento da instância executiva, ao menos, nos precisos termos em que foi instaurada. Porém, não abrange as nulidades cometidas na execução, que só no processo executivo podem ser arguidas. (...)
Posteriormente outros arestos do STA reafirmam este entendimento, quer no que respeita a nulidades atinentes ao acto de citação, quer a nulidades atinentes a falta de requisitos essenciais do título executivo, como pode ver-se, entre outros, dos acórdãos desta Secção, de 26/4/2012, proc. nº 01058/11 e de 21/3/2012, proc. nº 01119/11, bem como dos acórdãos do Pleno, de 19/11/2008, proc. nº 430/08; de 17/12/2008, proc. nº 364/08; de 6/5/2009, proc. nº 632/08; de 24/2/2010, proc. nº 923/08. Na doutrina. cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. III, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, anotações 13 e 14 ao art. 165, pp. 144 /147 e anotação 8b) ao art. 190º, pp. 369/371.
Ora, sendo certo que, como se prevê no nº 3 do art. 8º do CCivil, deve procurar-se “uma interpretação e aplicação uniformes do direito”, esta é, igualmente, a interpretação que decorre das citadas disposições legais, sendo que, de todo o modo, nem a recorrente aduz razões novas que infirmem tal interpretação, nem se vê que ocorra a alegada violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos arts. 20º, nº 1 e 268º, nº 4, da CRP, até porque de qualquer forma, como igualmente salienta o Cons. Jorge de Sousa, «a inadmissibilidade de arguição de nulidades em oposição à execução fiscal poderá não constituir obstáculo à possibilidade de o interessado ver concretizado o conhecimento da nulidade, designadamente nos casos em que se trate de uma nulidade insanável pois, nos termos do nº 4 deste art. 165º do CPPT podem ser arguidas no processo de execução fiscal até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo (...)».
Em suma, também no que se refere ao fundamento de oposição reportado à nulidade decorrente de falta de requisitos do título executivo o recorrente carece de razão legal, porquanto a falta de título válido e eficaz, susceptível de integrar nulidade, não é subsumível a fundamento de oposição à execução, antes devendo ser invocada e apreciada em requerimento a apresentar na mesma execução.

4.4. Por fim, resta, então, apreciar se o despacho recorrido enferma de erro de julgamento, quer por ter considerado e decidido pela ocorrência de nulidade, por erro na forma de processo e ter considerado não ser legalmente possível a convolação para a forma processual adequada, bem como, apreciar, se for caso disso, a supra referida questão do erro de julgamento por parte do despacho recorrido, ao indeferir liminarmente a oposição, apesar de ter sido alegada na petição inicial a incompetência da AT para instaurar o processo de execução, no entendimento de que ocorre inconstitucionalidade do art. 15º da Lei 25/2009, de 30/6, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade (art. 18º nº 2 da CRP), da reserva do juiz, dos Tribunais, da separação de poderes, do acesso ao direito e da igualdade (arts. 20º e 13º da CRP).
Vejamos.
Não sofre dúvida que o erro na forma de processo (art. 193º do CPC) há-de aferir-se pela adequação do meio processual ao pedido ou conjunto de pedidos formulados pelo interessado e que a ocorrência de tal erro (nulidade processual de conhecimento oficioso, que implica a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e necessariamente dos que resulte uma diminuição das garantias do interessado, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime da forma processual adequada - cfr. arts. 193º e 196º do CPC e arts. 97º, nº 3 da LGT e 98º, nº 4 do CPPT) determinará, em princípio, a convolação para a forma processual adequada, a menos que sejam manifestas a improcedência da pretensão formulada ou a intempestividade à face do meio processual idóneo. Sendo igualmente certo que é questão diversa a de saber se os fundamentos invocados na oposição são susceptíveis de viabilizar a pretensão formulada pelo recorrente: esta matéria contenderá com o êxito (procedência) ou o fracasso da oposição, mas não com a forma processual adequada ao pedido que haja sido formulado.
No caso, embora o recorrente peça que «seja declarada a extinção das coimas aplicadas», é de interpretar esse pedido (e o despacho recorrido não entendeu de outra forma) como tratando-se de pedido em que implicitamente também se pretende a extinção da execução e, por isso, compatível com a oposição judicial.
Não ocorrendo, portanto, ao invés do decidido, a apontada nulidade processual, por erro na forma de processo.
Por outro lado, a aceitar-se que o recorrente, ao invocar (sem razão, como se viu) a nulidade, por omissão de pronúncia, do despacho recorrido, também acaba por suscitar erro de julgamento por o despacho recorrido não considerar como fundamento de oposição admissível (na al. i) do nº 1 do art. 204º do CPPT) a apontada inconstitucionalidade quanto à competência da AT para instaurar o presente processo de execução fiscal, tal implicará que, a concluir-se que estamos fundamento de oposição e esta é a forma legal para apreciação do mesmo,(Sobre matéria similar, cfr. os acs. do STA, de 14/03/2012 e 26/04/2012, nos procs. 01053/11 e 01088/11, respectivamente. ) não possa, então, determinar-se a convolação em qualquer outro meio processual.(Cfr., neste sentido, entre muitos outros, o ac. do STA, de 16/05/2012, proc. nº 064/12, bem como Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., Vol. III p. 147.
) Ou seja, a entender-se que, para além da invocação de nulidade insuprível do processo de contra-ordenação e de falta de título válido e eficaz (alegação que o despacho recorrido entendeu não se enquadrar em nenhum dos fundamentos de oposição legalmente admissíveis), o oponente também invocou na petição inicial da oposição um outro fundamento que pretende enquadrável no fundamento previsto na al. i) do nº 1 do art. 204º do CPPT, também não cabia convolar a petição inicial de oposição à execução fiscal em requerimento de arguição de nulidade (por falta de requisitos essenciais do título executivo) no processo de execução fiscal, precisamente porque foi invocado outro fundamento de oposição.
E inexistindo, portanto, erro na forma de processo, igualmente não poderia, nessa base, o despacho recorrido concluir pela decretada absolvição da instância, considerando, aliás, que como tem salientado a jurisprudência do STA, a rejeição liminar deve ser cautelosamente decretada.
Em suma, o recurso, improcedendo embora quanto à nulidade (omissão de pronúncia) imputada ao despacho recorrido e quanto aos alegados erros de julgamento por ter considerado que nem a alegação de nulidade insuprível do processo de contra-ordenacão integra o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na al. h) do nº 1 do art. 204º do CPPT, nem a alegação de falta de título executivo válido integra o fundamento previsto na al. i) do mesmo normativo, procede quanto à questão atinente ao (assim considerado) erro de julgamento por o despacho recorrido não ter apreciado e considerado como fundamento de oposição legalmente admissível a invocada incompetência da AT para instaurar os processos de execução, no entendimento de que ocorre inconstitucionalidade do art. 15º da Lei nº 25/009, de 30/6, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade (nº 2 do art. 18º da CRP, da reserva do juiz e dos Tribunais, da separação de poderes, do acesso ao direito e da igualdade (arts. 20º e 13º da CRP).
Impondo-se, consequentemente, a revogação da decisão recorrida, e a baixa dos autos à instância para que, se a tanto nada mais obstar, seja apreciada a questão atinente ao referido fundamento de oposição, sendo que como expressamente consta do despacho recorrido, o mesmo também relevou apenas factualidade atinente à apreciação da nulidade decorrente do erro na forma de processo (tendo, porém, o oponente alegado ser a dívida da Ascendi, O&M, S.A., sociedade anónima com capitais privados e de direito privado, concessionária do Estado Português, e juntando para o efeito prova documental).

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em:
a) Dar parcial provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido, na medida em que julgou verificada a nulidade por erro na forma de processo.
b) Ordenar a baixa do processo à primeira instância para que, se a tanto nada mais obstar, seja apreciada enquanto fundamento, ou não, de oposição, a invocada incompetência da AT para instaurar os processos de execução, no entendimento da alegada inconstitucionalidade do art. 15º da Lei nº 25/009, de 30/6, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade (nº 2 do art. 18º da CRP, da reserva do juiz e dos Tribunais, da separação de poderes, do acesso ao direito e da igualdade (arts. 20º e 13º da CRP).
c) Confirmar, no mais, o despacho recorrido.

Custas a final, pela parte vencida.

Lisboa, 31 de Maio de 2017. – Casimiro Gonçalves (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.