Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0436/09
Data do Acordão:09/23/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
CADUCIDADE
Sumário: I - No caso das contribuições e quotizações em dívida à Segurança Social não é configurável a caducidade do direito à liquidação.
II - De facto, o acto da entidade emitente do respectivo título executivo (certidão de dívida) não pode ser formalmente definido como acto de liquidação, desde logo porque não está subordinado a qualquer procedimento próprio para liquidação de tributos, nem é imposta por lei a notificação de qualquer acto antes da citação em processo fiscal.
III - Assim, é de concluir que não é aplicável à cobrança de dívidas de contribuição para a Segurança Social o regime de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT que, como resulta dos seus termos, só é aplicável a casos em que há lugar a liquidação da dívida e respectiva notificação, antes de ser instaurado qualquer processo executivo.
IV - Por outra parte, tendo-se o regime de contribuições e quotizações para a Segurança Social sempre submetido a um regime específico, ao invés do que acontece com o prazo especial de prescrição de cinco anos dos correspondentes créditos (artigo 60.º, n.º 3 da lei nº 4/07), o legislador nada consagrou, podendo fazê-lo, a respeito dum eventual prazo de caducidade do direito à extracção de certidões de dívidas à Segurança Social para efeitos de instauração de processo executivo.
Nº Convencional:JSTA000P10847
Nº do Documento:SA2200909230436
Recorrente:INST DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, IP
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 - O INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL DE BRAGA IP, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida por A…, melhor identificado nos autos, por dívidas de contribuições à Segurança Social, no montante global de € 33.988,09, dela vem interpor o presente recurso formulando as seguintes conclusões:
I - Competia à entidade empregadora/contnbuinte, proceder à entrega das declarações de remunerações dos trabalhadores ao seu serviço, bem como, efectuar os correspondentes pagamentos das contribuições.
II - O processo de liquidação não é da responsabilidade da Segurança Social, tal ónus recai tão-somente no contribuinte, limitando-se aquela entidade numa fase posterior a verificar se as liquidações efectuadas foram correctamente realizadas.
III - Assim não existindo uma obrigação de liquidação por parte da Segurança Social, não tinha o oponente que ser notificado dos valores em dívida, pois sendo os mesmos apurados pelo próprio, não se pode sequer concluir pelo seu desconhecimento.
IV - O oponente sabia que estava obrigado entregar as declarações de remunerações dos trabalhadores ao seu serviço e proceder ao pagamento das correspondentes contribuições.
V - E, portanto, quando apresentou as declarações de remunerações, sabia que sobre os valores declarados seriam aplicadas as respectivas taxas contributivas e, consequentemente, teria que proceder ao seu pagamento.
VI - A oponente, embora tenha feito a entrega das respectivas declarações de remunerações não pagou as contribuições a que estava obrigada, o que motivou a instauração do processo de execução fiscal em apreço.
VII - Tendo entregue as declarações de remunerações não há lugar a qualquer notificação para liquidação.
VIII - A entrega das declarações de remunerações corresponde a uma situação de auto-liquidação mediante a qual o próprio contribuinte apresenta os montantes efectivamente pagos aos seus trabalhadores e que são a base de incidência das contribuições para a segurança social.
XIX - As contribuições à segurança social não dependem de liquidação a fazer por esta, mas pelo próprio contribuinte, aplicando este as percentagens legais às remunerações que paga aos seus funcionários (que ele é que conhece e declara), cabendo-lhe, depois, entregar esses montantes à segurança social no prazo fixado na lei.
X - Estamos perante um caso de obrigação de auto-liquidação em que, se não pagar, segue-se directamente a extracção de certidão de dívida, a fim de ser instaurada a execução.
XI- Ora, por estarmos perante uma obrigação de auto-liquidação, não pode neste caso existir caducidade do direito de liquidação.
XII - As dívidas em causa regem-se pelo DL 199/99, de 8 de Junho e Decreto Regulamentar nº 29/99, de 27 de Outubro e estes diplomas não prevêem qualquer prazo de liquidação para as contribuições não declaradas, pelo que a LGT, como lei geral, não pode derrogar a lei especial.
XIII - Assim, havendo auto-liquidação, não é configurável a caducidade do direito à liquidação não havendo que acatar a injunção normativa contida no n° 1 do art. 45º da LGT.
XIV - Decidindo como decidiu, o Mmo. Juiz a quo não interpretou correctamente e fez errada aplicação das normas legais referidas nestas conclusões.
2 - O recorrido não contra-alegou.
3 - O Exm° Ministério Publico emitiu douto parecer nos seguintes termos:
Recorrente: Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP.(IGFSS, IP)
Objecto do recurso: sentença declaratória da procedência da oposição deduzida em processo de execução fiscal pendente na secção de processos executivos do IGFSS, IP)
FUNDAMENTAÇÃO
1. O oponente invocou como fundamentos da oposição à execução fiscal:
-inexigibilidade da dívida exequenda (por falta de notificação da liquidação das contribuições para a Segurança Social)
-inexigibilidade dos juros de mora
-pagamento parcial da dívida exequenda
-caducidade da liquidação
O tribunal omitiu pronúncia sobre as causas de pedir que configuram fundamentos característicos da oposição: inexigibilidade da dívida exequenda e dos juros de mora, pagamento parcial da dívida exequenda (art.204° n°1 ais. f) e i) CPPT); apenas se pronunciando sobre a última causa de pedir (caducidade da liquidação), ignorando que não constitui fundamento de oposição, antes de impugnação judicial por implicar a apreciação da legalidade do acto tributário (art.99° CPPT)
2.Em caso de incompatibilidade de causas de pedir devem ser apreciadas apenas as compatíveis com a forma de processo utilizada, desprezando-se aquelas para cujo conhecimento é incompatível (cf. Jorge Lopes de Sousa CPPT anotado e comentado Volume II p.116;solução paralela constante do art. 193° n°4 CPC)
Apesar de a questão não ter sido suscitada pelo recorrente o tribunal de recurso deve exercer oficiosamente o poder correctivo que permite estabelecer a correspondência entre a tutela judicial pretendida e a forma de processo adequada, em conformidade com imperativo legal (art.2° n°2 CPC/art.2° al. d) LGT/art.2° al. e) CPPT); à semelhança do poder para o conhecimento oficioso, no processo judicial tributário, da nulidade consubstanciada no erro na forma de processo (cf. Jorge Lopes de Sousa ob. cit. Volume I 2006 p690)”
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada e ordenada a devolução do processo ao TF Braga para pronúncia sobre os fundamentos de oposição à execução (supra indicados) invocados pelo oponente na petição inicial
5- Notificadas as partes do precedente parecer, apenas respondeu o recorrido A… nos termos que constam de fls.163 e seguintes e em que conclui no sentido do entendimento ali perfilhado não ser tido em consideração.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
6 - A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
1- A dívida exequenda respeita a quotizações para a Segurança Social desde Fevereiro de 1999 até Janeiro de 2001, Maio e Julho de 2001, e a contribuições desde Fevereiro de 1999 até Julho de 2001 e juros de mora respeitantes aos meses de Setembro de 2000, referente ao pagamento no valor de € 5.933,11, no dia 27/10/2000, Fevereiro de 2001, referente ao pagamento de € 997.36, no dia 27/03/01 e Abril de 2001, referente ao pagamento no valor de €9952, no dia 16/05/2001;
2- O contribuinte foi citado por citação pessoal efectuada a 03/02/2006, data em que lhe foram entregues todos os elementos a que se referem as als. a), c), d) e e), do n.° 1 do artigo 163.° do CPPT;
3- As certidões de dívida que deram origem aos processos executivos foram emitidas a 24/01/2006, importando nos montantes de 3.953,12 €, 16.526,81€ e 70,30€, perfazendo o valor global de 20.550,23 €;
4-O oponente foi citado para os termos da execução a 03/02/2006;
5- A petição inicial deu entrada a 06/03/2006,
6- A secção de contas correntes da Segurança Social apurou que os juros referentes às cotizações dos meses de Março de 2001 a Abril de 2001 e Junho de 2001, no montante global de €452,86, não são devidos pelo executado, pelo que foi emitido o competente despacho de anulação parcial daquele montante.
7- Logo que foi citado para os presentes autos, o executado apresentou uma participação criminal contra o seu TOC.
7- A sentença sob recurso, após ter considerado que no caso “sub judice” não ocorreu autoliquidação de um tributo e que o acto de liquidação em execução nos autos está integrada na certidão da dívida extraída para fins executivos, concluiu que se encontrava caducado o direito à liquidação de todos os tributos em cauda nos autos, uma vez que essa certidão, respeitando a contribuições e quotizações para a Segurança Social desde Fevereiro até Janeiro de 2001, apenas foi notificada ao oponente aquando da citação para a execução, a 03/02/06, ou seja para além do prazo de quatro anos previsto no n.° 1 do artigo 45º da LGT, dessa forma julgando procedente a oposição à execução fiscal que fora deduzida.
Mais considerou prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos de oposição que tinham sido invocados.
O recorrente Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social vem, em suma, na sua alegação de recurso defender que correspondendo a entrega das declarações das remunerações a uma situação de autoliquidação em que as contribuições à segurança social não dependem da liquidação a fazer pelos serviços, mas pelo próprio contribuinte, seguindo-se ao não pagamento a extracção de certidão para efeitos executivos, “não é configurável a caducidade do direito à liquidação não havendo que acatar a injunção normativa contida no n.° 1 do ar. 45.°da LGT.
Vejamos.
Em primeiro lugar importará apreciar a questão relativa à inadequação da forma processual de oposição à execução fiscal para o conhecimento da caducidade da liquidação suscitada pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, já que, em seu entender, essa causa de pedir não constitui fundamento de oposição, mas antes de impugnação judicial por implicar a apreciação da legalidade do acto (artigo 99.° do CPPT).
Não se desconhecendo que a questão acima delineada ocasiona controvérsia na jurisprudência deste Supremo Tribunal, a respeito do que se proferiram decisões divergentes, a verdade é que se adere ao entendimento segundo o qual a notificação da liquidação depois de decorrido o prazo de caducidade constitui fundamento de oposição à execução fiscal à luz da alínea e) do n.° 1 do artigo 204.° do CPPT, desta forma se podendo desde já adiantar que foi com acerto que a sentença conheceu da questão relativa à caducidade do direito à liquidação, tal como foi configurada pelo oponente.
O entendimento jurídico que se perfilha encontra proficiente e exaustiva fundamentação no acórdão de 19-12-07, no processo n.° 844/07, para cujos termos se remete, por brevidade, para mais aprofundada análise da questão.
Mas ainda que assim se não entenda, sempre se dirá que no caso das contribuições para a Segurança Social a oposição à execução fiscal será o meio processual adequado para impugnar a legalidade do acto de extracção da certidão confirmativa da dívida, posto que em relação a esta dívida não é assegurada ao contribuinte qualquer via autónoma de impugnação e daí que o uso do meio processual de oposição à execução fiscal seja abrangido pelo campo de aplicação da norma constante da alínea h) do artigo 204.° do CPPT-cfr. Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, a fls. 367 e verso, anotação 42 ao artigo 204.° do CPPT.
Improcede, desta forma, a questão do erro na forma de processo que vem suscitada.
Enfrentemos de seguida a questão de fundo que vem suscitada no recurso jurisdicional interposto.
Como acima se disse, a sentença recorrida julgou procedente a oposição com fundamento na caducidade do direito à liquidação das quotizações e contribuições em dívida à Segurança Social.
Desde logo cumpre questionar a existência dum verdadeiro acto de liquidação no caso desses tributos em dívida à Segurança Social.
Na verdade, o que se passa no caso é a permissão de extracção de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento, sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio, definidor dessa obrigação (cfr. Jorge Lopes de Sousa, ob citada, a fls.367).
Sendo assim, o acto da entidade emitente desse título executivo (certidão de divida) não pode ser formalmente definido como acto de liquidação, desde logo porque não está subordinado a qualquer procedimento tributário próprio para liquidação de tributos, nem é imposta por lei a notificação de qualquer acto antes da citação em processo fiscal.
Assim, é de concluir que não é aplicável à cobrança de dívidas de contribuição para a segurança social o regime de caducidade previsto no artigo 45.° da LGT que, como resulta do seus termos, só é aplicável a casos em que há lugar a uma liquidação da dívida e respectiva notificação, antes de ser instaurado qualquer processo executivo.
Por outra parte, tendo-se encontrado o regime de quotizações e contribuições à Segurança Social sempre submetido a um regime específico (Leis n.°s 103/80, de 9/5, 17/200, de 8/8,32/02, de 20/1 e 4/07, de 16/1) a verdade é que, ao invés do que sucede com o prazo especial de prescrição de dez e posteriormente cinco anos dos correspondentes créditos ( cfr. artigo 60.° n.° 3 da Lei 4/07), o legislador nada consagrou, podendo fazê-lo, a respeito dum eventual prazo de caducidade do direito à extracção das sobreditas certidões das dívidas à Segurança Social para efeitos de instauração de processo executivo.
Nesta conformidade, aqui se acompanhando o recorrente, no caso das contribuições e quotizações em dívida à Segurança Social não é configurável a caducidade do direito à liquidação, pelo que a decisão sob recurso não pode ser mantida.
8- Uma vez que o tribunal recorrido não conheceu dos restantes fundamentos de oposição por os considerar prejudicados pela solução perfilhado para o litígio, impor-se-ia agora neste tribunal de recurso a sua apreciação de harmonia com a regra de substituição estabelecida no n°2 do artigo 715 do CPC, no caso de se dispor dos elementos para o efeito necessários.
Acontece que no que toca ao alegado pagamento parcial das quantias em dívida por Contribuições à Segurança Social (alínea c), artigos 73.° a 78.° da petição de oposição) o probatório é totalmente omisso.
Sendo assim, certo é que os autos não fornecem os elementos de facto para o conhecimento desse fundamento de oposição, pelo que importa a baixa dos autos à instância para o respectivo apuramento.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida, julgando-se não verificada a alegada caducidade, e ordenar-se a baixa dos autos à 1.ª instância com vista ao conhecimento das questões aí consideradas prejudicadas.
Sem custas, dado que o oponente não contra-alegou neste STA.
Lisboa, 23 de Setembro de 2009. - Miranda de Pacheco (relator) - Pimenta do Vale - Isabel Marques da Silva.