Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01107/12
Data do Acordão:07/09/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:COIMA
INSOLVÊNCIA
SOCIEDADE COMERCIAL
Sumário:Constituindo a declaração de insolvência um dos fundamentos da dissolução das sociedades e equivalendo, para efeitos fiscais, essa dissolução à morte do infractor, de harmonia com o disposto nos arts. 61º e 62º do RGIT e art. 176º, nº 2, al. a) do CPPT, daí decorre a extinção da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada tendente à sua cobrança coerciva.
Nº Convencional:JSTA00068844
Nº do Documento:SA22014070901107
Data de Entrada:12/04/2012
Recorrente:MASSA INSOLVENTE A..............., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS.
Objecto:SENT TAF AVEIRO.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART41 ART56 ART176 ART180 N6 ART204 N1 B H I ART259 ART280 N5 ART281 - ART284.
RGIT ART61 ART62.
CIRC01 ART5 A.
CIRE ART39 N7 ART88 N1 ART156 ART182 N1 ART192 ART230 ART232 ART234 N1 N3 N4 ART243 N3.
CSC ART141 N1 ART146 ART160 N2.
CRC ART1 N1 A.
DL 53/04 DE 2004/03/18.
DL 200/04 DE 2004/08/18.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC024046 DE 1999/11/03.; AC STA PROC025000 DE 2000/06/15.; AC STA PROC01895/02 DE 2003/01/21.; AC STA PROC01891/02 DE 2003/02/26.; AC STA PROC01079/03 DE 2003/10/29.; AC STA PROC01569/03 DE 2005/01/12.; AC STA PROC0715/05 DE 2005/06/10.; AC STA PROC0524/05 DE 2005/11/16.; AC STA PROC01057/07 DE 2008/02/27.; AC STA PROC01053/07 DE 2008/03/12.; AC STA PROC01163/09 DE 2010/03/17.; AC STA PROC0779/11 DE 2011/09/21.; AC STA PROC01011/12 DE 2013/02/14.; AC STA PROC0374/12 DE 2012/10/31.; AC STA PROC01020/12 DE 2012/12/19.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII PAG323 PAG498 VOLIV PAG421.
ALFREDO JOSÉ DE SOUSA E SILVA PAIXÃO - CÓDIGO DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO 3ED PAG410.
JORGE DE SOUSA E OUTRO - RGIT ANOTADO PAG395-396.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO

1.1. A Massa Insolvente de A………………., Lda., representada pelo Administrador de Insolvência recorre, por oposição de julgados, da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, julgou improcedente a oposição à execução fiscal nº 0035201101016741 relativa a dívida por coima fiscal.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A. A sentença agora recorrida encontra-se em oposição com diversos Acórdãos e centenas de sentença, nomeadamente:
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.02.2011, proferido no âmbito do Processo nº 0617/10, em foi Relator Dulce Neto, publicado em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/478991baa56b1ff78025783a003f0ebb?OpenDocument&ExpandSection=1;
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.04.2010, proferido no âmbito do Processo nº 051/10, em foi Relator Isabel Marques da Silva, publicado em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bble680256f8e003ea931/6ef8be60395ae0988025770b0056dc05?OpenDocument&ExpandSection=1;
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.02.2008, proferido no âmbito do Processo nº 01057/07, em foi Relator Miranda de Pacheco, publicado em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bble680256f8e003ea931/3a614987ae26fa9d80257401 005952fa?OpenDocument;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.03.2007, proferido no âmbito do Processo nº 07B436, em foi Relator Oliveira Rocha, publicado em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa8l4/ec2f2f223ce69bde802572aa004c0a85?OpenDocument;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do Processo nº 674/08.4IDLSB-A.L1-3, em foi Relator Maria José Costa Pinto, publicado em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/9bf4b90a4fcacdfb8025793500523f26?OpenDocument;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.01.2011, proferido no âmbito do Processo nº 559/07.1TALSD.P1, em foi Relator Cravo Roxo, publicado em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/baaa429lc0c5l1c38025783b003b3c9b?OpenDocument;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.06.2011, proferido no âmbito do Processo nº 178/10.5IDLSB-A.LI, em foi Relator Maria José Costa Pinto, publicado em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6elf17fa82712ff80257583004e3ddc/9bf4b90a4fcacdfb8025793500523f26?OpenDocument
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3/11/1999, proferido no âmbito do Processo nº 24.046, publicado em http://www.dgsi.pt;
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15/06/2000, proferido no âmbito do Processo nº 25.000, publicado em http://www.dgsi.pt;
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21/01/2003, proferido no âmbito do Processo nº 01895/02, publicado em http://www.dgsi.pt;
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26/02/2003, proferido no âmbito do Processo nº 01891/02, publicado em http://www.dgsi.pt;
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2005, proferido no âmbito do Processo nº 1569/03, publicado em http://www.dgsi.pt;
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6/10/2005, proferido no âmbito do Processo nº 715/05, publicado em http://www.dgsi.pt;
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16/11/2005, proferido no âmbito do Processo nº 524/05, publicado em http://www.dgsi.pt;
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27/02/2008, proferido no âmbito do Processo nº 1057/07, publicado em http://www.dgsi.pt e;
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/03/2008, proferido no âmbito do Processo nº 1053/07, em foi Relator Brandão de Pinho, publicado em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bble680256f8e003ea931/27c598294b7baab48025741 8004c1cd6?OpenDocument&ExpandSection=1.
B. De facto, andou mal o Tribunal a quo ao considerar a improcedência da oposição apresentada. É que,
C. pretende a Administração fiscal que o Administrador da Insolvência/massa insolvência procedesse à entrega de declaração do período posterior ao processo de insolvência. No entanto;
D. o Administrador da Insolvência é claramente parte ilegítima para se encontrar demandado, já que, na qualidade de Administrador da Insolvência, este NÃO É REPRESENTANTE da sociedade insolvente nos termos e para os efeitos consignados nos CIVA e CIRC. Na verdade,
E. da mesma forma, não pode a Administração Fiscal pretender assacar à actividade e processualismo de um processo de insolvência que corre subordinado ao diploma ESPECIAL CONSUBSTANCIADO NO C.I.R.E. a factualidade processual que decorre da figura da «liquidação de sociedades» imposta pelo CIRC e pelo CPPT. De facto,
F. a Administração Fiscal insiste obsessivamente a confundir o instituto da “liquidação” de sociedades com o instituto da “insolvência”. Ora,
G. os mesmos não são comparáveis / compagináveis, dispensando-se o aqui exponente de discorrer longamente sobre as disparidades / conflitualidade que ostentam as situações em causa. E,
H. Por outro lado e em primeiro lugar, a declaração de insolvência opera a DISSOLUÇÃO IMEDIATA DA SOCIEDADE – cfr. art. 141º, alínea e) do CSComerciais –, embora se mantenha a personalidade jurídica e
I. em segundo lugar, seria muito estranho que a Massa Insolvente apresentasse actividade sujeita a tributação!
J. Da mesma forma, as contas da agora Massa Insolvente NÃO PODEM SER FISCALIZADAS PELA ADMINISTRAÇÃO FISCAL, designadamente, ao nível da apresentação ou não das declarações tributária,
K. a actividade tributária agora dirigida contra a opositora constitui, ainda, uma violação de princípios fundamentais da relação tributária, designadamente, O PRINCÍPIO DO PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO, PRINCÍPIO DA DECISÃO, PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO e da BOA FÉ, previstos nos arts. 55º, 56º e 59º nºs. 1 a 3 da LGTributária. É que,
L. À Massa Insolvente e ao Administrador da Insolvência não pode ser imputada qualquer obrigação adveniente dos actos próprios do exercício de qualquer actividade de GERÊNCIA da sociedade.
M. Dito de outra forma, o escopo do Administrador de Insolvência é, exclusivamente, a atribuição de valor aos credores, por via da liquidação do património da massa falida, não podendo assumir os deveres funcionais do T.O.C.;
N. Sendo que, após a declaração de insolvência, os únicos responsáveis pelos cumprimentos das declarações de imposto são quem tem competência legal para tal, designadamente, em regra, os T.O.C. que, deixam de existir, na prática, na massa insolvente, não sendo substituídos na sua função por qualquer outro profissional.
O. Por seu lado, a empresa, declarada insolvente, não deixa de ser representada neste processo, para efeitos tributários, pelo seu legal representante E NÃO o AI e a respectiva Massa Insolvente;
P. É este o princípio que releva claramente do disposto no art. 82º, nº 1 do CIRE.
Q. O Administrador da Insolvência cumpriu as suas obrigações legais e requereu atempadamente a citação pessoal dos dirigentes dos serviços centrais da administração fiscal, assim como a do Ex.mo. Chefe do Serviço de Finanças da área de actividade comercial da insolvente, o que permitiu ao credor Fazenda Nacional a remessa de certidões de dívida para reclamação, através do representante do Ministério Público, e;
R. Com a declaração de insolvência, opera-se a “morte” da sociedade, pois que a mesma não pode ser prefigurada nos mesmos moldes que a dissolução de sociedade, como pretende a Administração Tributária. Assim sendo,
S. Tenta a Administração Fiscal obter dividendos de tributação e, no rateio/distribuição do produto da liquidação, ainda obter pagamentos preferenciais constituiria um duplo ónus que recairia sobre os restantes credores em benefício apenas de uma entidade;
T. Significando: revelar-se-ia manifestamente desproporcional que o processo de insolvência fosse colocado em pé de igualdade com uma mera execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, mais a mais privilegiados, sem atender à particular condição dos demais credores e da falência;
U. Nestes termos, pugna-se pelo exarar de decisão que, avalizando os argumentos ora expostos, já que a pretendida liquidação ocorre após na persistência do processo de insolvência, determine a procedência do presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se extinta a execução.
V. Assim se realizando JUSTIÇA!

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
«1. Massa insolvente de A………………, Lda., representada por B……………., administrador de insolvência veio interpor recurso por oposição de acórdãos da sentença proferida nos autos, a qual declarou improcedente a oposição que tinha sido deduzida com fundamento em extinção da obrigação de pagamento responsabilidade contra-ordenacional dada a insolvência da executada.
2. Estando em causa coima de montante inferior à alçada do S.T.A., o recurso interposto foi tramitado, nos termos do art. 280º nº 5 do C.P.P.T..
A recorrente foi notificada para efeitos do previsto nos nºs. 5 e 7 do art. 282º do C.P.P.T..
Não consta que tenha apresentado conclusões no recurso interposto, mas ainda assim não é de deixar de conhecer do mesmo apesar de na notificação efectuada em 1ª instância não se ter procedido à aplicação da cominação previsto no art. 685º-A do C.P.C., subsidiariamente aplicável, a que seria ainda de dar lugar, a entender-se seguir o recurso em causa o regime geral.
3. Para o caso de se entender ser de conhecer de imediato do mesmo, até porque o art. 280º nº 5 do C.P.P.T. não é específico quanto a tal aplicação subsidiária, entende-se ser de adiantar a seguinte posição:
No domínio do processo de falência decidia-se no sentido que se defende no recurso interposto; tal o que se passou a decidir também no âmbito do processo de insolvência – assim, especificamente quanto a este último o acórdão do S.T.A. de 9-2-2011, proferido no proc. nº 0617/10, citado em primeiro lugar pela recorrente.
É certo que mais recentemente já se decidiu no sentido da sentença proferida em face da nova regulamentação legal constante do C.I.R.E..
Contudo, trata-se de casos de insolvência com efeitos limitados e em que não foi requerido o complemento de declaração de insolvência, nos termos do previsto no art. 39º nº 7 do C.I.R.E. – neste sentido acórdão do S.T.A. de 14-2-2013, proferido no processo nº 01011/12, acessível em www.dgsi.pt, em que se entendeu ser de aplicar então o previsto no art. 180º nº 6 do C.P.P.T.; no sentido de que a execução pode prosseguir quanto a dívidas fiscais vencidas após a declaração de insolvência se decidiu ainda, mas em geral, nos acórdãos de 31-10-12 e 19-12-12, proferidos nos processos nºs. 0374/12 e 01020/12, acessíveis na mesma base de dados.
Concluindo, sendo de entender conhecer desde já do recurso interposto, é de julgar o mesmo procedente, revogando-se o decidido na sentença recorrida, e julgando-se extinta a execução, continuando no caso a entender-se como anteriormente.»

1.5. Notificadas as partes do teor do Parecer do MP, apenas a recorrente veio pronunciar-se (fls. 176), manifestando concordância e apresentando as supra transcritas Conclusões das alegações.

1.6. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1. A sociedade oponente, A……………….., LDA., foi declarada insolvente por decisão de 16-10-2009, no âmbito do Processo nº 418/09.3TYVNG – fls. 26 a 34 dos autos;
2. Em 2-3-2011 foi levantado “Auto de Noticia” contra a oponente, com a designação A…………………, LDA. – SOCIEDADE EM LIQUIDAÇÃO, com fundamento no facto de não ter entregue a declaração periódica do IVA, relativa ao período de 2010/12T – fls. 74 dos autos;
3. Com data de 20-6-2011 foi emitida “certidão de dívida” nº 2011/5000496, que deu origem à instauração do processo de execução fiscal nº 0035 2011 01016741, para cobrança da dívida de coimas fiscais no valor de € 281 – fls. 72 e 73 dos autos;
4. Em 1-8-2001 foi, pelo Serviço de Finanças de Anadia, emitida informação onde consta que o executado ainda não foi citado pessoalmente – fls. 76 dos autos;
5. A presente oposição foi apresentada em 20-7-2011 – carimbo de fls. 6 dos autos;

3.1. A sentença recorrida julgou improcedente a oposição por ter considerado que não se verifica nenhum dos fundamentos de oposição invocados pela oponente: os constantes das als. b), h) e i) do nº 1 do art. 204º do CPPT.
E, em síntese, a fundamentação assumida na sentença é a seguinte:
I) - Não se verifica o fundamento ilegitimidade, dado que, por um lado, a citação foi efectuada na pessoa do Administrador da Insolvência (nos termos dos arts. 41º e 156º do CPPT), dado que, por outro lado, embora a oponente alegue que a Massa Insolvente ou o Administrador da Insolvência não são responsáveis pelas dívidas da executada, também não consta dos autos que a coima tenha sido imputada pessoalmente ao Administrador da Insolvência ou à Massa Insolvente (a coima vem imputada à executada e é a esta que a citação é dirigida): ou seja, a executada (e a pessoa citanda) é a pessoa que consta do título executivo (e não o seu representante).
II) - Não se verifica o fundamento previsto na al. h) (ilegalidade da divida sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação):
a) Ao alegar que não concorda com a decisão de aplicar a coima (visto que o Administrador da Insolvência não tem qualquer dever de cumprir obrigações fiscais, declarativas ou outras, relativas à sociedade declarada insolvente, donde resultaria uma espécie de inexistência do facto contra-ordenacional) a oponente está a pretender pôr em causa a legalidade da divida e a decisão de aplicar coima, pelo que tal alegação não constitui fundamento da oposição (os factos alegados não se enquadram nas als. h) ou i) - ou outra - do nº 1 do artigo 204º do CPPT), já que a lei assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de “liquidação” da coima (o “Recurso de aplicação de Coimas” previsto no art. 80º e ss. do RGIT.
E por isso há erro na forma processual, na parte relativa a este argumento, não podendo ordenar-se a convolação para a forma adequada, dada a subsistência do fundamento relativo à extinção da execução por “morte” do infractor.
b) E também não pode proceder a alegação de extinção da execução e da responsabilidade contra-ordenacional, no entendimento de que a declaração da insolvência das sociedades equivale, sem mais, à morte do infractor (nos termos dos arts. 61º e 62º do RGIT e 176º do CPPT).
É que a jurisprudência do STA, relativa à matéria da declaração de falência, nos termos do revogado CPEREF, não é directa e imediatamente transferível para os termos da insolvência, tal como os seus efeitos estão configurados no CIRE.
Na verdade, há que considerar que as sociedades comerciais apenas se extinguem com o registo de encerramento da liquidação (160°/2 CSC): quanto a elas, a declaração de insolvência apenas as dissolve (entram em liquidação) – arts. 141/1/e) e 146° do CSC), sendo que a sociedade comercial em liquidação mantém a sua personalidade, mesmo nos casos e insolvência (art. 146º/1 do CSC) e continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas – art. 146°/2 CSC.
Ou seja, na vigência do CIRE, a sociedade comercial declarada insolvente pode ter qualquer dos seguintes destinos:
- (i) considera-se extinta - 234°/3 do CIRE - com o registo do encerramento do processo (art. 230°) após o rateio final (art. 182°/1), que só ocorre após o encerramento da liquidação da massa insolvente e a remessa do processo à conta, sendo tal registo o que consta no art. 1°/1/ al. 1) do C.Registo Comercial;
- (ii) prossegue a liquidação nos termos gerais - 234°/4 do CIRE - se o encerramento do processo resultou de insuficiência da massa (232° do CIRE);
- (iii) retoma a actividade - 234°/1 do CIRE - se o encerramento do processo se baseou na homologação de um Plano de insolvência que preveja a continuidade da sociedade (156°, 192° ss. do CIRE), ou se o encerramento do processo se deveu a pedido do devedor por já não se encontrar em situação de insolvência ou por todos os credores terem prestado o seu consentimento (arts. 234°/2 e 230/1/c) do CIRE).
Portanto, só após a declaração de insolvência e depois de arquivado o processo se verificarão alguns casos de irreversibilidade do insolvente e de impossibilidade de regresso à actividade (situações previstas no n° 3 do art. 243° do CIRE). Mas, mesmo nesses casos, é preciso que já tenha ocorrido o registo do encerramento da liquidação, que é o momento a partir do qual se deve considerar que cessa a personalidade jurídica das sociedades comerciais (e também é isso o que se retira da alínea a) do n° 5 do Código do IRC).
Donde resulta que, no caso, a analogia entre a insolvência e a morte não é uma analogia válida por lhe falhar o momento relativo à analogia do caso, já que a morte extingue necessariamente a personalidade das pessoas físicas mas a insolvência não extingue em todos os casos a personalidade das sociedades.
Em suma, a declaração de insolvência duma sociedade comercial não equivale (nunca), só por si, à morte do infractor, pelo que não tem o efeito de extinguir a execução fiscal instaurada para cobrança coerciva duma coima aplicada à sociedade.
Diferente questão é a de saber se a coima foi aplicada de acordo com a lei ou com os princípios aplicáveis, sobretudo, nos casos em que a coima resulte de facto ocorrido no período posterior à declaração de insolvência.
Todavia, por essa ser uma questão que contende com a legalidade da dívida não pode ser apreciada nesta sede.
III) – Também não se verifica fundamento de oposição quanto à invocada (a título subsidiário) suspensão da execução fiscal, nos termos do nº 1 do art. 88° do CIRE (aprovado pelo DL n° 53/2004, de 18/3 e alterado pelo DL n°200/2004, de 18/8) e do art. 180° do CPPT.
- Por um lado, o processo de oposição à execução não visa a suspensão da execução, mas a sua extinção. Pelo que tal pedido não é genericamente admissível em Processo de Oposição.
- Por outro lado, fundando-se o pedido de suspensão da execução no disposto no n° 1 do art. 88° do CIRE (a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas - e do processo executivo - que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência, excepto se houver outros executados, caso em que a execução poderá prosseguir contra estes), o que se verifica é que a citação agora efectuada não atingiu bens integrantes da massa insolvente (a citação é apenas um acto comunicativo) e a execução fiscal aqui em causa não tem enquadramento na norma do art. 88° do CIRE porque, nos termos do n° 6 do art. 180º do CPPT, a entidade exequente não se apresenta como credora da insolvência (segundo este n° 6, a obrigação de sustação das execuções fiscais e sua remessa para o tribunal da insolvência não se aplica nos casos em que os respectivos créditos exequendos se venceram após a declaração de falência ou insolvência; nestes casos, tais execuções seguirão os termos normais até à extinção da execução por qualquer das respectivas formas previstas na lei (arts. 259° e ss.).
Ora, no caso, o crédito exequendo venceu-se posteriormente à declaração de insolvência, pelo que a lei não permite a sustação pedida pelo oponente (sem prejuízo de outros meios de defesa eventualmente oponíveis noutra fase da execução). Ou seja, estando em causa uma dívida vencida depois da declaração de insolvência, na execução não poderão ser apreendidos bens compreendidos na massa insolvente (art. 88° do CIRE), sem prejuízo de, nos termos do n° 6 do art. 180° do CPPT, poder (e dever) prosseguir, nos termos normais, com vista à execução de outros bens eventualmente existentes ou que venham a existir no prazo de prescrição, pertencentes à sociedade original executada ou a responsáveis solidários ou subsidiários, se estes existirem e se verificarem os respectivos pressupostos legais.
Pelo que o pedido subsidiário também tem de improceder.

3.2. Do assim decidido discorda a recorrente alegando, como se viu, que a decisão está em oposição com as decisões que especifica, e reiterando, quer a ilegitimidade do Administrador da Insolvência para ser demandado, quer a não equivalência entre os institutos da “liquidação” de sociedades e o da “insolvência”.
Vejamos.

4.1. O recurso vem interposto da decisão que julgou improcedente a oposição deduzida pela recorrente contra a execução contra ela instaurada para cobrança de dívida proveniente de coima fiscal, no montante de 281 Euros, aplicada à oponente, designada no respectivo auto de notícia como A……………., Lda., Sociedade em Liquidação, por não ter entregue a declaração periódica de IVA relativa ao período de 2010/12T.
E como também consta do Probatório, a A………………… Lda., foi declarada insolvente por decisão de 16/10/2009 e a certidão de dívida emitida em 20/6/2011.
Atentos o valor da causa e a alçada do TT de 1ª instância, estamos, portanto, em face de recurso interposto nos termos do disposto no nº 5 do art. 280º do CPPT, no qual se estabelece que «A existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior
Sendo que, conforme aponta o Cons. Jorge Lopes de Sousa, (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª ed., Vol. IV, anotação 11 ao art. 280º, p. 421.) este recurso de decisões dos tribunais tributários com fundamento em oposição de julgados segue a tramitação dos recursos jurisdicionais previstos no art. 280º, designadamente a que resulta dos arts. 281º a 283º, e não a prevista no art. 284º, «não havendo uma decisão autónoma sobre a questão preliminar da existência da oposição, que deve ser apreciada como mais um Pressuposto do recurso, que acresce aos restantes pressupostos processuais (como, por exemplo, a legitimidade e a tempestividade que também devem ser apreciadas, expressa ou tacitamente, antes de se passar à apreciação do mérito do recurso» e sendo que «… o que está em causa no recurso previsto no art. 280º, nº 5, do CPPT é apreciar a correcção da decisão da 1ª instância, sendo a oposição com um acórdão do STA um mero requisito de admissibilidade do recurso
Assim, para que possa interpor-se e eventualmente ser admitido e provido o presente recurso, torna-se necessário que estejamos perante decisão de Tribunal Tributário de 1ª Instância proferida em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal, que não seja susceptível de recurso ordinário por estar fora da respectiva alçada e que perfilhe, quanto ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, solução oposta à proferida em três sentenças do mesmo ou de outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.
Ora, no caso, encontram-se preenchidos os referidos pressupostos: trata-se de recurso de uma sentença do TAF de Aveiro, proferida em processo de oposição à execução fiscal, e em que, no âmbito da mesma legislação, sendo idêntica a situação de facto e reportando à mesma questão fundamental de direito, se decide apelando a solução jurídica oposta à do aresto do STA indicado e especificado em primeiro lugar pela recorrente.
Na verdade, ali se decidiu que constituindo a declaração de insolvência um dos fundamentos da dissolução das sociedades e equivalendo essa dissolução à morte do infractor, de harmonia com o disposto nos arts. 61º e 62º do RGIT e art. 176º, nº 2, al. a) do CPPT, daí decorre a extinção da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada tendente à sua cobrança coerciva.
A sentença considera, ainda assim, que a jurisprudência do STA, relativa à matéria da declaração de falência, nos termos do revogado CPEREF, não é directa e imediatamente transferível para os termos da insolvência, tal como os seus efeitos estão configurados no CIRE, sendo que a declaração de insolvência duma sociedade comercial não equivale, só por si, à morte do infractor, pelo que não tem o efeito de extinguir a execução fiscal instaurada para cobrança coerciva duma coima aplicada à sociedade, além de que a questão de saber se a coima foi aplicada de acordo com a lei ou com os princípios aplicáveis, sobretudo, nos casos em que a coima resulte de facto ocorrido no período posterior à declaração de insolvência, é uma questão que contende com a legalidade da dívida e que não pode, por isso, ser apreciada em sede de oposição.

4.2. Não sufragamos, porém, estas conclusões da sentença recorrida.
Por um lado, como salienta o Cons. Jorge Lopes de Sousa, (Ob. cit., Vol. III, anotação 7 ao art. 180º, p. 323) apesar de o art. 180º do CPPT se referir à falência ou recuperação de empresa, o mesmo regime «… deverá aplicar-se à declaração de insolvência, por força do redireccionamento das remissões imposto pelo art. 11º do DL nº 53/2004».
Por outro lado, a jurisprudência do STA tem vindo a consolidar-se no sentido de que equivale à morte do infractor, para efeitos de extinção de coima fiscal, a dissolução, por declaração de insolvência, de sociedade que haja sido objecto de tal condenação e não vislumbramos, de todo o modo, que este entendimento haja de alterar-se em face do regime jurídico da insolvência: aliás, também o CIRE, referindo-se ao momento da extinção das obrigações fiscais de sociedade insolvente, estabelece, no seu art. 65º, que as mesmas (obrigações declarativas e fiscais) necessariamente se extinguem com a deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento (nos termos do nº 2 do art. 156º), o que deve ser comunicado oficiosamente pelo Tribunal à AT para efeitos de cessação da actividade; sendo que, na falta daquela deliberação, as ditas obrigações fiscais passam a ser da responsabilidade daquele a quem a administração do insolvente tenha sido cometida e enquanto esta durar. Ou seja, em termos estritamente fiscais e, consequentemente, para aplicação de coimas por incumprimento de obrigações fiscais, também no âmbito do CIRE (e tal como já se entendia no âmbito do CPEREF e do CSComerciais) não há que remeter para o encerramento da fase de liquidação e partilha da sociedade insolvente, a libertação da respectiva responsabilidade.
No caso vertente, como supra se disse, a dívida exequenda resulta de coima fiscal aplicada à oponente, por decisão administrativa proferida em processo de contra-ordenação autuado em 2/3/2011, sendo que a oponente havia sido declarada insolvente por decisão de 16/10/2009.
Ora, a invocada aplicação da coima já depois de decretada a insolvência da executada, também tem sido entendida como alegação de inexigibilidade da respectiva quantia, e subsumível, portanto, ao fundamento de oposição previsto na al. i) do nº 1 do art. 204º do CPPT. Como aponta, igualmente, o citado autor, ao referenciar exemplos de situações enquadráveis naquela al. i) encontrados na jurisprudência do STA, «Caberão nesta alínea i), por exemplo, as seguintes situações, retiradas da jurisprudência do STA: - quaisquer factos extintivos ou modificativos da obrigação exequenda não abrangidos nas alíneas anteriores; entre estes, incluem-se, nas execuções por coimas e sanções pecuniárias, a morte do infractor, a amnistia e a anulação da decisão condenatória em processo de revisão, previstas no art. 176º, nº 2, do CPPT, além da prescrição, enquadrável na alínea d) do nº 1 deste art. 204°».(Ob. cit., Vol. III, anotação 38 b) ao art. 204º, p. 498.)
Por outro lado, constituindo a declaração de insolvência um dos fundamentos da dissolução das sociedades, ela equivale, para efeitos fiscais, à morte do infractor, de harmonia com o disposto nos arts. 61º e 62º do RGIT e art. 176º, nº 2, al. a) do CPPT.
E assim, como se escreve no invocado acórdão fundamento, «… significa que quando lhe foram aplicadas essas coimas ela já havia sido judicialmente declarada insolvente, encontrando-se em fase de liquidação.
Ora, a insolvência constitui um dos fundamentos da dissolução das sociedades, conforme decorre do disposto no artigo 141º, n° 1, alínea e), do Código das Sociedades Comerciais. E a dissolução equivale à morte do infractor, em harmonia com o disposto nos artigos 61º e 62º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e no artigo 176º, nº 2, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, daí decorrendo a extinção do procedimento contra-ordenacional, da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada tendente à sua cobrança coerciva.
Nesse sentido se tem vindo a pronunciar de forma pacífica e reiterada este Supremo Tribunal, conforme se pode ver pela leitura dos acórdãos proferidos em 3/11/1999, 15/06/2000, 21/01/2003, 26/02/2003, 12/01/2005, 6/10/2005, 16/11/2005, 27/02/2008 e 12/03/2008, nos recursos nºs 24.046, 25.000, 01895/02, 01891/02, 1569/03, 715/05 e 524/05, 1057/07 e 1053/07, respectivamente.(Para além dos acórdãos referenciados neste acórdão proferido em 9/2/2011 (acórdão fundamento) também decidiram no mesmo sentido os acs. De 17/3/2010 e de 21/9/2011, respectivamente, nos procs. 1163/09 e 779/11.)
Como se deixou frisado no acórdão proferido no recurso 1569/03, «essa parece ser a única solução harmónica com os fins específicos que justificam a sanção: repressão e prevenção, que não de obtenção de receitas para a Administração Tributária. Cfr. Alfredo de Sousa e J. Paixão, CPT Anotado, 3 edição, pág. 410 e Jorge de Sousa, CPPT Anotado, 4ª edição, pág. 807 e RGIT Anotado, págs. 395/96.
E, mantendo embora a sociedade dissolvida, em liquidação, a sua personalidade jurídica - art. 146°, n° 2 do CSC - são, com a declaração de falência, apreendidos todos os seus bens, passando a constituir um novo património, a chamada “massa falida”: um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar, em primeiro lugar, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos - cfr. o Ac. do STA de 29/10/2003 rec. 1079/03.
Pelo que, então, já não encontrará razão de ser a aplicação de qualquer coima.».
Por outro lado, e como se deixou salientado no acórdão proferido no recurso nº 1057/07, «no tocante à persistência da responsabilidade judiciária uma vez declarada falida a sociedade, sendo embora certo que uma vez dissolvida mantém, na fase de liquidação, a sua personalidade jurídica - artigo 146º, nº 2 do CSC - a verdade é que não tal em nada interfere com o facto da consequência objectiva da respectiva dissolução decorrente da declaração de falência, enquanto realidade jurídica societária, dever ser equiparada à morte do infractor, como acima se viu.».
Diga-se, finalmente, que o decidido nos demais arestos referenciados pelo MP (acs. de 14/2/2013, proc. nº 1011/12; de 31/10/2012, proc. nº 374/12; e de 19/12/2012, proc. nº 1020/12), não releva para o caso presente, sendo que, além disso, os mesmos se reportam, como se sublinha, aliás, no respectivo parecer, a casos de insolvência com efeitos limitados e em que não foi requerido o complemento de declaração de insolvência, nos termos do previsto no nº 7 do art. 39º do CIRE.
Nesta base, procede o recurso, ficando prejudicada a apreciação das demais questões nele suscitadas.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a oposição, com a consequente extinção da respectiva execução fiscal.

Custas pela recorrida, apenas na 1ª instância.

Lisboa, 9 de Julho de 2014. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.