Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0865/12.3BELRS
Data do Acordão:10/14/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IRC
BENEFÍCIOS FISCAIS
SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO
MAJORAÇÃO
CRIAÇÃO DE POSTOS DE TRABALHO
DESEMPREGO
Sumário:I - O subsídio de refeição não tem a natureza de remuneração, entendimento este que é acolhido no CIRS, ao considerar-se que essa prestação apenas está sujeita a tributação «na parte em que exceder o limite legal estabelecido ou em que o exceda em 60% sempre que o respetivo subsídio seja atribuído através de vales de refeição;» - 2) da alínea b) do nº3 do artigo 2º do CIRS.
II - O subsídio de refeição tem a natureza de benefício social e destina-se a compensar os trabalhadores das despesas com a refeição principal do dia em que prestam serviço efectivo, tomada fora da residência habitual, o que vale por dizer que é na sua causa, e apenas nesta, que radica a sua regularidade, à qual não pode, pois, ser atribuído outro sentido, como seja o indiciar, nos termos gerais, o seu carácter retributivo.
III - Igual descaracterização [da sua natureza remuneratória] era feita no art. 260º, nº 2, Código do Trabalho de 2003, excepto na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador, caso em que se considerava retribuição, e foi mantida nos mesmos termos no art. 260º, nº 1, al. a) e nº 2, do Código do Trabalho de 2009.
IV - Tratando-se não de uma componente da remuneração do trabalho mas de um benefício social cuja existência é justificada pela necessidade de custear as refeições realizadas durante o período da prestação de trabalho, tal prestação não é subsumível no conceito de “remuneração fixa” consagrada no artigo 19º do EBF, sendo a sua introdução pela Lei nº 53-A/2006, um evidente intuito do legislador em restringir o conceito de “encargos” a atender para efeitos de majoração.
V - Para efeitos de majoração dos “encargos” correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, ao abrigo do disposto no artigo 19º do EBF, deve atender-se aos montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador, a título da “remuneração fixa” e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade, nos quais não se inclui o subsídio de alimentação, por não revestir a natureza remuneratória, mas sim de benefício social.
VI - Tal entendimento é o mais harmónico com a letra e o espirito do legislador, que com as alterações introduzidas ao artigo 19º do EBF, pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, e constantes da alínea c) do seu nº2, revela o seu intuito de restringir o âmbito do conceito de “encargos” previsto nº1 do mesmo preceito legal.
Nº Convencional:JSTA000P26489
Nº do Documento:SA2202010140865/12
Data de Entrada:11/29/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A……..PORTUGAL- SUPERMERCADOS, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Autoridade Tributária e Aduaneira da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a acção intentada por A……..Portugal- Supermercados, SA, contra o ato de liquidação adicional de IRC relativo ao ano de 2009, no valor de €18.839,61 euros.

Não se conformando, nas suas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões:

“A) O art. 19º, nº 2, alínea c), do EBF, «Encargos» como os montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador, a título da remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade.
B) Para além das contribuições obrigatórias para a Segurança Social somente deverão ser considerados encargos os montantes que se enquadrem no conceito de remuneração tal como vem previsto no art. 2º do CIRS e que constitua simultaneamente um gasto aceite para a empresa nos termos do art. 23º, nº 1, do CIRC.
C) Considerando-se como remunerações fixas, para efeitos de criação líquida de emprego, as remunerações que constituem a contrapartida devida pelo trabalho prestado e com o qual estão relacionadas, dentro de uma ótica coerente com a restrição associada ao próprio conceito de Benefício Fiscal tal como vem previsto no art. 2º, do EBF
D) O conceito de remuneração fixa por contraposição à remuneração variável prevista no regime especial do EBF, não se confunde com o seu carácter regular e periódico, ou não, que decorre do regime laboral
E) O caráter restritivo que o tribunal a quo imputa, certamente por lapso, à Administração Tributária na verdade decorre do regime da própria alínea c), do nº 2, do art. 19º do EBF que aqui assume plena prevalência sobre as normas ou conceitos de índole laboral.
F) Mais do que discutir o conceito de retribuição/remuneração em função do caráter regular e periódico ou não, importa sim conformar o sentido da decisão em função da noção de remuneração fixa tal como o próprio EBF o prevê. Ou seja, associado à já mencionada contrapartida devida pelo trabalho prestado
G) Não vislumbramos nessa medida que interesse público extrafiscal procura o douto tribunal a quo prosseguir quando no lugar de conformar a sua interpretação com os princípios próprios do direito fiscal, que decorrem do EBF, do CIRS e da LGT se aventura por ramos do direito diferentes que não os prosseguem;
H) Não sabemos se a fundamentação da douta decisão recorrida se configura como sendo mais plausível, sabemos, porém, que a posição sufragada pela AT tem pelo menos o mérito de respeitar em primeira mão o direito fiscal
I) Deve-se manter a correcção também neste segmento, que tendo sido interpretada com fundamento e no limite do disposto no EBF, deverá fazer improceder a atribuição de juros indemnizatórios por daí não resultar pagamento de imposto indevido, nos termos do art. 43º da LGT
J) Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência anulada a decisão de que aqui se recorre, substituindo-a por acórdão que nos termos das conclusões que seguem e que V. Ex.ªs melhor suprirão, julgará legal o segmento da correção em crise
Termos em que, deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença.
V/Exas, porém, decidindo não deixarão de fazer a habitual e sã justiça!”

Não foram produzidas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 289º, n.º 1, do CPPT, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso, no fundamental, por considerar que a sentença recorrida incorreu no vício de erro de julgamento que lhe é assacado pela Recorrente, por errónea interpretação e aplicação do normativo legal do artº 19 do EBF, motivo pelo qual se impõe a sua revogação e em sua substituição se julgue a impugnação judicial improcedente, dando-se provimento ao recurso.

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.


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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. A Impugnante foi sujeita a uma acção de inspecção externa relativa ao exercício de 2009, abrangendo nomeadamente o IVA e o IRC, de que resultaram, entre outras, correcções ao lucro tributável, na parte assente em deduções correspondentes a montantes contabilizados a título de benefícios fiscais com a criação líquida de postos de trabalho;
2. Consta do ponto III. 1.2. – Benefícios Fiscais - Criação de Emprego [Art.º17.º, do EBF] do relatório de inspecção tributária, entre o mais que damos aqui por integralmente reproduzido, o seguinte:
“O montante, deduzido a título de benefício fiscal, corresponde ao somatório do valor relativo à majoração dos encargos com os colaboradores elegíveis, seleccionados para a criação líquida, cujo vínculo laboral se estabeleceu nos exercícios de 2004, 2005 e 2006”.
(…)
“Ainda no âmbito da validação dos pressupostos previstos no n.º 1 do art. 17.º (actual artigo 19.º), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, verificou-se que o sujeito passivo considerou no conceito de “encargos”, os montantes referentes a subsídio de refeição, na parte não sujeita a IRS.
Contudo, é entendimento da Administração fiscal que, para além das contribuições obrigatórias para a segurança social, somente deverão ser considerados “encargos”, os dispêndios que se enquadrem no conceito de remuneração previsto no art.º2.º do Código do IRS e que simultaneamente constituam um custo aceite para a empresa, de acordo com a alínea d) do n.º1 do artigo 23.º do Código do IRC, conforme proferido em várias informações emitidas pela ex Direcção de Serviços de Benefícios Fiscais (actualmente integrado na Direcção de Serviços de IRC).
Atendendo a que, em conformidade com o disposto no n.º 2 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, o subsídio de refeição não sujeito a IRS não é considerado remuneração, não poderá ser abrangido pela expressão “encargos”.
Face ao exposto, procedeu-se ao recalculo do benefício fiscal em causa, facto que se traduziu numa correcção a favor da Administração fiscal…”;
3. As correcções ao lucro tributável, nomeadamente na parte assente em deduções ao montante contabilizado a título de benefício fiscal com a criação líquida de postos de trabalhos referente a subsídios de refeição pagos, originaram a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, no montante de 41.030,63€ (cf. demonstração de acerto de contas, junta aos autos);
4. A liquidação encontra-se paga (cf. vinheta de pagamento constante do anexo 1, junto aos autos).

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Factos não provados:

Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante.

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Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada.

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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, as questões que cumpre decidir subsumem-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou totalmente procedente a impugnação, padece de erro de julgamento por entender que ao incluir o subsídio de refeição nos encargos a atender para efeitos de cálculo do benefício fiscal, o tribunal recorrido fez uma incorrecta interpretação do disposto no artigo 19º, nº1 e nº2, alínea c), do EBF.
Vejamos.
Segundo a sentença recorrida, na interpretação que a Administração fiscal faz, restringe-se o conceito de “encargos” ao de remunerações sujeitas a IRS, o que conduz a que os valores dos subsídios de refeição, quer os atribuídos em dinheiro, quer em títulos de refeição, só na parte excedente aos limites legais previstos no n.º2 da alínea b) do n.º3 do art.º2.º, do Código do IRS –na medida em que entram para a base de cálculo da incidência do imposto de rendimento–, possam beneficiar da majoração prevista no art.º17.º, do EBF mas não já a parte incluída dentro daqueles limites legais, fixados em 50% (ou 70%, se pago através de títulos de refeição) do montante do subsídio de refeição.
O julgador não sufragou esse ponto de vista que reputou restritivo, antes perfilhando o entendimento de que o conceito de remunerações, previsto na alínea c) do n.º 2 do art.º 19.º (ex 17.º), do EBF, deve coincidir com o previsto na legislação laboral e não buscar-se o seu sentido normativo no regime de tributação em IRS – n.º2 do art. 11.º, da Lei Geral Tributária.
É que, aduz-se na censurada sentença, o conceito de remuneração previsto na legislação laboral engloba a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas que o empregador, por força do contrato e da lei que o regula esteja obrigado a prestar, ficando excluídos daquele conceito, todas as prestações que não tenham um carácter regular e periódico – cf. art.º249.º, da Lei n.º99/2003, de 27 de Agosto- e, por esse prisma, o subsídio de refeição integra o conceito de remuneração, na medida em que constitui uma prestação regular e periódica, de acordo com a legislação laboral.
A Recorrente não se resigna com o assim fundamentado e decidido «no segmento da correcção referente a encargos elegíveis para efeitos de atribuição do benefício da criação líquida de emprego» sustentando que o tribunal “a quo” «…não fez correta interpretação jurídica do segmento da correcção referente aos pressupostos previstos no actual art. 19º, do EBF por entender que no conceito de encargos não se incluem os montantes referentes ao subsídio de refeição na parte não sujeita a IRS», na medida em que o «…conceito de remuneração fixa por contraposição à remuneração variável prevista no regime especial do EBF, não se confunde com o seu caráter regular e periódico, ou não, que decorre do regime laboral».
Aquilatando.
Em sede fáctica, releva para a solução do dissídio suscitado nos autos que, na sequência de ação inspectiva tendo por objecto o IRC do exercício de 2009, a Administração Tributária procedeu a correcções ao lucro tributável, «…nomeadamente na parte assente em deduções ao montante contabilizado a título de benefício fiscal com a criação líquida de postos de trabalhos referente a subsídios de refeição pagos, originaram a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, no montante de 41.030,63€».
Ainda com interesse para a resolução do pleito, apurou-se que tais correcções se estearam no entendimento elegido pelos Serviços de Inspecção de que «…para além das contribuições obrigatórias para a segurança social, somente deverão ser considerados “encargos”, os dispêndios que se enquadrem no conceito de remuneração previsto no art.º2.º do Código do IRS e que simultaneamente constituam um custo aceite para a empresa, de acordo com a alínea d) do n.º1 do artigo 23.º do Código do IRC, conforme proferido em várias informações emitidas pela ex Direcção de Serviços de Benefícios Fiscais (actualmente integrado na Direcção de Serviços de IRC).
Atendendo a que, em conformidade com o disposto no n.º 2 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, o subsídio de refeição não sujeito a IRS não é considerado remuneração, não poderá ser abrangido pela expressão “encargos”».
Ora, como já dito, o tribunal “a quo” identificou como questão a decidir a de «… saber se o subsídio de refeição pago integra o conceito de “encargos” previsto na alínea c) do n.º2 do art.º17.º, do EBF, na redacção da Lei n.º53-A/2006».
E, como também já elucidado, veio o tribunal “a quo” seguir o entendimento de que «…O conceito de remuneração previsto na legislação laboral engloba a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas que o empregador, por força do contrato e da lei que o regula esteja obrigado prestar. Excluem-se assim, daquele conceito, todas as prestações que não tenham um carácter regular e periódico – cf. art.º249.º, da Lei n.º99/2003, de 27 de Agosto. O subsídio de refeição integra o conceito de remuneração, na medida em que constitui uma prestação regular e periódica, de acordo com a legislação laboral» e, com base em tal bloco fundamentador, decretou a procedência da acção e anulou o acto impugnado.
Há, então, que solver a questão de saber se a sentença é digna da censura que lhe é dirigida pela recorrente ao assacar-lhe o vício de erro de julgamento decorrente de o tribunal recorrido ter feito uma errónea interpretação do disposto no artigo 19º, nº1 e nº2, alínea c), do EBF ao considerar ser de incluir o subsídio de refeição nos encargos a atender para efeitos de cálculo do benefício fiscal.
No mencionado preceito do EBF determina-se que em 2009 os sujeitos passivos de IRC beneficiavam de uma majoração de 150% dos encargos contabilizados como custos do exercício na parte relativa aos custos suportados com a celebração de contratos de trabalho para jovens e desempregados de longa duração (no seu saldo positivo), especificando a lei (na redacção introduzida pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro) que por “encargos” se deve entender as despesas suportadas com a “remuneração fixa” e as contribuições para a segurança social a cargo da entidade empregadora.
Como é patente, a lei tributária não particulariza o que entende por “remuneração fixa”, mas, como bem denota o EPGA no seu douto Parecer, “seguramente o legislador teve o propósito de a contrapor à retribuição variável, pelo que desse cômputo estarão afastadas as prestações pecuniárias cujo cálculo depende de vários factores relacionados com a atividade da empresa e a contraprestação do trabalhador.
A questão que se suscita nos autos consiste em saber que prestações são incluídas no conceito de “remuneração fixa” e designadamente se no mesmo é incluído o subsídio de refeição. Na sentença recorrida o tribunal “a quo” deu resposta afirmativa a tal questão, invocando a conceitualização de remuneração no direito do trabalho no sentido de englobar «a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas que o empregador, por força do contrato e da lei que o regula, esteja obrigado prestar», e partindo do pressuposto que o subsídio de refeição é uma “prestação regular e periódica”.
O tribunal “a quo” defende ainda que o conceito de remunerações, previsto na alínea c) do n.º 2 do art.º 19.º (ex 17.º), do EBF, deve coincidir com o previsto na legislação laboral e não buscar-se o seu sentido normativo no regime de tributação em IRS – n.º2 do art. 11.º, da Lei Geral Tributária pelo que a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas que o empregador, por força do contrato e da lei que o regula esteja obrigado prestar, está englobada no conceito de remuneração previsto na legislação laboral, excluindo-se daquele conceito todas as prestações que não tenham um carácter regular e periódico – cf. art.º249.º, da Lei n.º99/2003, de 27 de Agosto.
Nesse trilho, entendeu o tribunal recorrido que o subsídio de refeição integra o conceito de remuneração, na medida em que constitui uma prestação regular e periódica, de acordo com a legislação laboral, evocando para abonar a sua tese o entendimento acolhido no Ac. do STJ de 17/01/2007, proc.º06S2188, segundo o qual a retribuição global inclui a retribuição modular ou padrão, da qual devem ser excluídas aquelas prestações cujo pagamento não é justificado pela prestação de trabalho em si mesma, mas por outra razão de ser específica.
Arrimado a esse raciocínio o tribunal “a quo” veio a afirmar que os subsídios de alimentação, assumindo embora natureza remuneratória, não integram a dita retribuição modular, pois destinam-se a compensar ou minorar as despesas que o trabalhador tem de suportar por ter de tomar as suas refeições fora de casa – nessa medida não entrando no cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal - , mas integram a retribuição global; e, quanto ao carácter fixo da remuneração, apenas permitirá excluir da elegibilidade para efeitos de majoração do custo dedutível em IRC as prestações cujo direito se adquira, ou cujo montante dependa, de um facto futuro e incerto, dependente da perfomance da empresa ou do desempenho do trabalhador.
Daí, pois, a conclusão geral e definitiva a que chegou o Tribunal recorrido de que constituem encargos elegíveis como custos majorados da entidade empregadora os correspondentes ao valor do subsídio de refeição pago a trabalhadores.
Idêntica resposta foi dada no acórdão do TCA Sul de 29/06/2016, proferido no processo nº 08785/15, no qual se entendeu que «…lido aquele artigo 17º do EBF, resulta claro que o legislador não densificou, restringindo, o conceito de encargos, de modo que se possa dizer, como pretende a Recorrente, que por encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho (para efeitos do preceito em análise) só se possam considerar aqueles que constituem rendimentos do trabalho dependente sujeitos a IRS».
Como se assinala na doutrina fiscal cfr. inter alia, José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2ª ed., págs. 83 e ss, são patentes e múltiplos os pontos de conexão do direito fiscal com o direito privado, mormente o direito civil e o direito comercial que decorre, desde logo, da estrutura da relação tributária que é decalcada da obrigação civil bipolar:- do lado activo, o credor do imposto investido do poder de exigir determinada prestação pecuniária e, do lado passivo, o contribuinte, adstrito à realização dessa prestação.
É esta estrutura que torna inevitável que a disciplina e a construção jurídicas da obrigação fiscal se faça por recurso aos princípios e conceitos do direito das obrigações, não estivesse a obrigação de imposto, no dizer de J.M. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, pág.s 16 e ss, ligada à prática de actos, ao exercício de actividades ou ao gozo de situações que se apresentam disciplinadas enquanto tais pelo direito privado, que conduz a que o direito fiscal seja o sector do direito público que mais se aproxima do direito privado.
E é por isso que as normas fiscais se servem amiúde de conceitos próprios do direito privado, tais como os conceitos de remuneração, transmissão, compra e venda, doação, propriedade, usufruto, prédio, imóvel, comércio, etc., etc.
Mas se assim é, coloca-se a par e passo, como já se aventou, a questão de saber se tais figurinos jurídicos típicos do direito privado conservam o mesmo significado que aí lhes é atribuído ou se são e em que termos, objecto de reelaboração no âmbito do direito fiscal.
Ora, tendo em vista o caso concreto e como se deduz do já antes exposto, é a própria lei que, radicada em exigências específicas da matéria a disciplinar, abandona a regulamentação jurídica privada de certos actos ou situações, atribuindo um significado específico aos conceitos do direito privado, como sucede precisamente no caso que nos ocupa, da retribuição.
Na senda do expendido ainda por J.M. Cardoso da Costa, Curso, pág. 121 e ss, há, pois, que seguir a directriz metodológica segundo a qual, quando as normas fiscais utilizam expressões correspondentes a dados conceitos do direito privado, caberá aos órgãos aos quais compete a sua aplicação indagar, em cada caso, de acordo com as regras da hermenêutica jurídica e recorrendo ao elementos de interpretação disponíveis, se essa norma ou essas normas deram a tais conceitos um significado próprio ou se mantiveram o seu conteúdo originário jurídico-privado.
Todavia, com a vigente LGT, passou a ter consagração legal a orientação metodológica segundo a qual e por expressa determinação do artº 11º nº 2 “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer da lei”. Formulação que, como refere Leite de Campos, in “Interpretação das Nomas Fiscais”, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, pág. 17 e ss, não invalida que o intérprete, através dos elementos da interpretação jurídica, chegue à conclusão de que estamos perante um sentido próprio ou específico do direito fiscal quanto a termos oriundos de outros ramos do direito, resulte tal sentido directa ou indirectamente das normas interpretandas.
Tudo o que vem afirmado vale para evidenciar a autonomia que o direito fiscal marca em relação ao direito privado a qual encontra a sua raison d´étre na natureza da relação jurídica fiscal com respeito pelo princípio da legalidade tributária por mor do qual a relação jurídica se constitui com a verificação do facto tributário previsto na lei, independentemente quer da vontade dos particulares nesse sentido dirigida, como da actuação da administração fiscal, irrelevando, pois, de todo em todo, a autonomia da vontade para moldar a obrigação fiscal ao invés do que sucede nas obrigações privadas.
Tal princípio está consagrado no artº 36º da LGT ao dispor que “a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário” – nº 1 - ; “os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes” – nº 2 – e “a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária” – nº 3.
Mas, nessa actividade, terá a AT que cumprir ónus da prova enformado pelos princípios da legalidade e da tipicidade tributárias, procurando fazer, nos termos já analisados, uma aproximação aos figurinos ou tipos legais do direito privado, pelo que convém fazer uma incursão pela tipicidade normativa.
Esta é um dos instrumentos de que o Direito se socorre na regulamentação da vida económico-social, através do qual procede à fixação de certas categorias jurídicas ou tipos, que ele próprio delimita, de modo directo ou indirecto, v. g. a compra e venda, o testamento, o direito de propriedade, o usufruto, etc. os quais são categorias jurídicas, cujo regime se aplica aos eventos ou às realidades da vida que se revestem das características que constam da sua descrição jurídica.
É sabido e já acima se disse, que no Direito Privado, maxime no Direito das Obrigações, a fixação das categorias jurídicas não reveste carácter de taxatividade ou exclusividade, o que quer dizer que os particulares podem, com relevância jurídica, criar outras que melhor assegurem a realização dos seus interesses.
Já noutras áreas, a regulamentação jurídica de certas matérias faz-se mediante o recurso a categorias ou tipos exclusivos e nesses casos, só as realidades que neles se enquadrem são juridicamente atendíveis. No sistema jurídico português, encontramos este modelo, no que ao caso releva, em que está em causa o conceito de retribuição em contrato de trabalho mas para efeitos de benefício fiscal que está subordinado aos princípios da tipicidade e exclusividade.
É que, atendendo aos pontos de contacto entre o direito fiscal e o direito privado e à exigência normativa de se aproximarem os conceitos de ambos os ramos do direito, nessas áreas jurídicas domina o princípio da tipicidade ou do numerus clausus, fórmulas sinónimas de identificação da mesma realidade jurídica, em que a primeira se reporta ao facto de a sua regulamentação se fazer pelo correspondente enquadramento em tipos exclusivos e a segunda à limitação das realidades económico - sociais que podem ser objecto de tal regulamentação.
É claro que no plano das consequências a tipicidade normativa exclusiva tem contornos diferentes na área do Direito Civil em que prevalece o princípio da autonomia privada, pelo que por via interpretativa das normas fiscais no quadro que já se analisou supra, ela se virá a traduzir na limitação do seu campo de aplicação.
E, na verdade, vigora, no Direito Fiscal, o principio da legalidade que se traduz no brocardo nullum tributum sine lege e, uma das decorrências do princípio da legalidade fiscal é a proibição de pagamento de impostos que não tenham sido estabelecidos de harmonia com a Constituição, que se inscreve no quadro das garantias individuais, por isso revestindo as normas atinentes carácter preceptivo (cfr. artº 18º da C.R.P.).
Donde que, de acordo com o princípio da legalidade do imposto, só podem ser cobrados os impostos quando se verificam os pressupostos aos quais a lei condiciona a existência de uma obrigação fiscal devendo o intérprete cuidar de a conceber em termos restritos, aplicável, consequentemente, apenas aos casos e situações inequivocamente nela previstos.
Por outro lado, também é sabido que no Direito Fiscal vigora o princípio da tipicidade, que se traduz no brocardo latino nullum tributum sine lege, ou nullum vectigal sine lege, paralelo àquele outro, vigente no Direito Penal, nullum crimen sine lege. Assim como não há crime que não corresponda a uma definição legal, a um tipo legal, também não haverá imposto, nem isenção, que não corresponda a uma definição legal, a um tipo legal.
Nisto consiste a tipicidade do imposto.
A tributação só pode resultar da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstractamente, na lei de imposto. Se não se verificar um dos pressupostos, já não é possível a tributação, por obediência a este princípio da tipicidade do imposto - cf. Soares Martinez, Manual de Direito Fiscal, 1987, p. 105 e 106.
Salienta-se que no Direito Tributário, a tipologia é dominada não só por um princípio de taxatividade como também por um princípio de exclusivismo. Opera-se o fenómeno que a lógica jurídica designa por implicação intensiva. Verifica-se a implicação intensiva sempre que os elementos enunciados no pressuposto não são apenas suficientes, mas ainda necessários para a verificação da consequência: se esses elementos se verificarem, segue-se a consequência, mas esta só se segue, se eles se verificarem - cfr., sobre o princípio da tipicidade em Direito Fiscal, Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, p. 263 e ss., onde, a p. 327, cita Castanheira Neves, Questão-de-facto-Questão-de-direito, p. 264.
Vejamos, então e à luz destes considerandos, se a solução do caso passava, como se sustenta na sentença, exacta e exclusivamente, pelo figurino do direito civil.
Como decorre da matéria de facto assente a Administração Tributária assenta as suas correcções no entendimento de que o subsídio de refeição não tem a natureza de remuneração, entendimento este que é acolhido no CIRS, ao considerar-se que essa prestação apenas está sujeito a tributação «na parte em que exceder o limite legal estabelecido ou em que o exceda em 60% sempre que o respetivo subsídio seja atribuído através de vales de refeição;» - 2) da alínea b) do nº3 do artigo 2º do CIRS. E afigura-se-nos ser esse o entendimento aceite na doutrina e jurisprudência, no sentido de que o subsídio de refeição tem a natureza de benefício social e destina-se a compensar os trabalhadores das despesas com a refeição principal do dia em que prestam serviço efetivo, tomada fora da residência habitual, “o que vale por dizer que é na sua causa, e apenas nesta, que radica a sua regularidade, à qual não pode, pois, ser atribuído outro sentido, como seja o indiciar, nos termos gerais, o seu carácter retributivo” (Joana Vasconcelos, Código do Trabalho Anotado, 2016, 10ª edição, pág. 638 em anotação ao art. 260º.) – cfr. neste sentido o acórdão do STJ de 27/11/2018, proc. 12766/17.4T5LSB.L1.S1.
Invoca-se no mesmo aresto do STJ que «igual descaracterização [da sua natureza remuneratória] era feita no art. 260º, nº 2, Código do Trabalho de 2003, exceto “na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador”, caso em que se considerava retribuição, e foi mantida nos mesmos termos no art. 260º, nº 1, al. a) e nº 2, do Código do Trabalho de 2009». Ora, tratando-se não de uma componente da remuneração do trabalho mas de um benefício social cuja existência é justificada pela necessidade de custear as refeições realizadas durante o período da prestação de trabalho, tal prestação não é subsumível no conceito de “remuneração fixa” consagrada no artigo 19º do EBF, sendo a sua introdução pela Lei nº 53-A/2006, um evidente intuito do legislador em restringir o conceito de “encargos” a atender para efeitos de majoração. IV. CONCLUSÃO. Para efeitos de majoração dos “encargos” correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, ao abrigo do disposto no artigo 19º do EBF, deve atender-se aos montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador, a título da “remuneração fixa” e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade, nos quais não se inclui o subsídio de alimentação, por não revestir a natureza remuneratória, mas sim de benefício social.
Tal entendimento é o mais consentâneo com a letra e o espírito do legislador, que com as alterações introduzidas ao artigo 19º do EBF, pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, e constantes da alínea c) do seu nº2, revela o seu intuito de restringir o âmbito do conceito de “encargos” previsto nº1 do mesmo preceito legal.”
Aprovando plenamente esta percepção, é forçoso concluir que a sentença recorrida enferma do vício de erro de julgamento que lhe é exprobrado pela Recorrente, por errónea interpretação e aplicação do aludido normativo legal, pelo que deve ser provido o recurso e determinada a revogação da sentença e, em consequência, julgada a impugnação judicial improcedente.

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3. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar improcedente a impugnação.

Custas pelo recorrido.
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Lisboa, 14 de Outubro de 2020. - José Gomes Correia (relator) – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.