Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0805/13
Data do Acordão:06/18/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
LOCAÇÃO FINANCEIRA
Sumário:De modo a ser garantida a neutralidade fiscal desejada pelo legislador, o disposto no artigo 3º do Decreto-lei n.º 311/82, de 04/08, na sua redacção originária, deve ser interpretado no sentido de que o termo da vigência do contrato de locação financeira tanto ocorre no final do contrato, como nas situações em que as partes, ao abrigo do próprio contrato, põem termo ao mesmo, mediante a opção de compra antecipada do imóvel, objecto da locação financeira.
Nº Convencional:JSTA00068779
Nº do Documento:SA2201406180805
Data de Entrada:05/07/2013
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:DL 311/82 DE 1982/08/04 ART3.
L 55-A/2010 DE 2010/12/31.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0831/12 DE 2013/01/16.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
A………………, SA., inconformada, recorre da sentença proferida pelo TAF de Loulé, datada de 31 de Janeiro de 2013, que julgou improcedente a presente impugnação deduzida contra a decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa de liquidação adicional de IMT, n.º 2004 403752003, de 15/11/2006.

Alegou, tendo concluído:

A) O presente recurso tem por objecto a decisão proferida em 31.01.2013 pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa da liquidação adicional de IMT n.º 2004 403752003, de 15.11.2006, no montante total de € 71.844,97, da autoria Exma. Sra. Subdirectora-Geral da Área do Património da Direcção Geral dos Impostos, Ministério das Finanças, Rua da Prata, n.º 10, 2º, 1149-027 Lisboa, notificada através do ofício n.º 009633, de 14.10.2010.

B) A questão decidenda dos presentes autos consistia em aferir se a alteração/antecipação, por acordo das partes, do termo do contrato de locação financeira, inicialmente acordado, determina, ou não, a perda de isenção de IMT prevista e regulada no artigo 3.° do D.L. n.º 311/82 de 4 de Agosto.

C) O Tribunal a quo, seguindo o entendimento da Autoridade Tributária, decidiu que apenas quando a transmissão do imóvel ocorra no termo da vigência do contrato, fixado pela lei ou pelas partes, é que há lugar à isenção de IMT, mas já não quando as partes, durante a vigência do contrato, anteciparem tal termo.

D) Tendo também sustentado a sua tese com base na alteração ao referido normativo, efectuada pela Lei do Orçamento de Estado para 2011.

E) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo interpretou e aplicou de forma errada a disciplina consignada no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 311/82, com a redacção em vigor em 2004, ao caso concreto.

F) A sentença recorrida deverá, com efeito, ser anulada por incorrer num vício substancial de erro de julgamento, ao julgar, erradamente, que o acto impugnado não padece de vício de violação de lei.

Pelas seguintes razões:

G) Em 27.12.2002 a Recorrente celebrou um contrato de locação financeira, na qualidade de locatária, pelo período de dez anos, referente a várias fracções sitas em Portimão.

H) No ano de 2004, por razões inerentes à prossecução do seu objecto social, a Recorrente acordou com a locadora atribuir um novo termo ao contrato de locação financeira, relativamente à fracção "A", do prédio sob o artigo 4029, da freguesia de …….., concelho de Portimão.

I) Em 31.05.2004, as partes celebraram escritura pública de resolução parcial do referido contrato de locação financeira, tendo a Recorrente adquirido, nessa data, aquela fracção autónoma.

J) Em virtude de se tratar da primeira aquisição após a Reforma do Património, o referido imóvel foi objecto de uma avaliação nos termos do Código do IMI.

K) O que deu origem a uma liquidação adicional de IMT no montante de total de € 71.844,97, objecto de impugnação nos presentes autos.

L) A referida liquidação adicional de IMT é ilegal por violação do disposto no artigo 3.º do D.L. n.º 311/82, de 4 de Agosto, com a redacção em vigor à data da venda (2004).

M) Estabelecia o artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 311/82, de 4 de Agosto, com a redacção em vigor à data da celebração do contrato de locação financeira aqui em causa, que a aquisição dos imóveis, pelo locatário, no final do aludido contrato, está isenta de IMT.

N) A lei não distingue se esse final tem de ser o inicialmente acordado, ou o resultante da renegociação entre as partes.

O) Pelo que, na ausência de menção legal expressa, ter-se-á que concluir que poderá ser um final, ou outro.

P) Por cinco razões:

Q) Primeira: porque quer um, quer outro, consubstanciam, de facto, o termo da vigência do contrato de locação financeira.

R) Sendo que, atento o consagrado princípio a observar na interpretação das leis, “onde a lei não distingue não é lícito ao intérprete distinguir”.

S) Nesta conformidade, aludindo o artigo 3.º do Decreto-Lei 311/82 apenas a "termo da vigência do contrato", sem distinguir entre termo contratual, e termo antecipado por vontade das partes, mal andou o Tribunal a quo ao distinguir onde o legislador não distinguiu.

T) Segunda: porque na data em que o contrato de locação financeira foi celebrado (2002) não existia qualquer exigência quanto à duração, mínima ou máxima, do contrato.

U) Contrariamente ao que sucedeu até final de 2001, em que o contrato de locação financeira só assumia essa classificação se fosse celebrado por um período mínimo de sete anos.

V) Assim, se o contrato em causa foi inicialmente celebrado pelo período de dez anos, tal não se deveu a qualquer imperativo legal.

W) Tendo assentado, apenas e só, na vontade das partes, na sua liberdade contratual e autonomia privada, e com o objectivo de melhor concretizar os seus interesses comerciais.

X) Pelo que, de igual modo, as partes tinham também total liberdade para decidir, acordar, ou renegociar o termo de vigência do contrato de locação financeira, sem que com isso violassem qualquer norma imperativa.

Y) Tal entendimento apenas se afiguraria defensável nos casos em que a duração do contrato, por antecipação do termo do prazo estabelecido no contrato, venha a ser inferior ao período de sete anos, estabelecido no n.º 1 do art.º 6.° do Dec. Lei 149/95, como prazo mínimo de duração para a locação financeira de imóveis.

Z) Por não se poder classificar como locação.

AA) Ante o exposto, permitir, por um lado, que as partes possam renegociar os limites do contrato de locação financeira, sem que percam a classificação do contrato enquanto tal.

BB) Mas, por outro, retirar-lhe os correspondentes efeitos fiscais em virtude dessa renegociação, seria perverter o espírito do legislador.

CC) Terceira, porque a solução preconizada pela Recorrente é a que melhor se compadece com o princípio da neutralidade fiscal, que consubstancia o alicerce do referido artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 311/82,

DD) de acordo com o qual, quem adquire através de um contrato de locação financeira não deve ficar, fiscalmente, mais onerado do que aquele que adquire directamente.

EE) Deste modo, a prosseguir a posição assumida pelo Tribunal a quo, não ficaria salvaguardada a neutralidade fiscal do IMT no contrato de locação financeira, visto que a Recorrente, para além de já ter suportado nas rendas a importância de IMT inicialmente paga pela locadora.

FF) Ver-se-ia confrontada, como viu, com o pagamento de um novo IMT, no momento da compra do imóvel.

GG) Ficando mais onerada do que se tivesse adquirido o mesmo imóvel directamente, sem recurso ao instituto da locação financeira.

HH) O que constitui uma violação do princípio constitucional da igualdade tributária.

II) Quarta: só seguindo o entendimento da Recorrente é possível concretizar, de facto, a liberdade contratual e a autonomia privada prevista e regulada no artigo 405.º do Código Civil.

JJ) Se assim não fosse, a liberdade das partes para renegociar o termo de vigência do contrato estaria fortemente restringida, sob pena de, exercendo essa liberdade, serem fortemente penalizadas, uma vez que seriam obrigadas a pagar duas vezes o IMT, por uma única transmissão.

KK) Assim, o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, para além do mais, violou também o princípio basilar do Direito Civil, traduzido na liberdade contratual e na autonomia privada previsto no artigo 405.º do Código Civil.

LL) Quinta: porque sendo a alteração efectuada pela Lei do Orçamento de Estado para 2011 àquele normativo, uma norma interpretativa, a mesma tem efeitos retroactivos.

MM) Não é pelo facto de inexistir uma menção expressa ao carácter interpretativo da norma em causa, que a mesma deixa de revestir essa qualidade.

NN) Na verdade, a alteração ao artigo 3.° Decreto-Lei 311/82, efectuada pela Lei OE 2011, reveste todas as características das normas interpretativas.

OO) E, como tal, é uma norma interpretativa.

PP) Porquanto, aquela alteração, constituiu, de facto, uma solução cujo escopo foi o de dirimir dúvidas quanto à interpretação e aplicação da norma.

QQ) Dúvidas que, como referido, existiam no próprio seio da Autoridade Tributária, e das quais decorriam duas putativas leituras da norma.

RR) Acresce que, a solução constante da Lei do Orçamento de Estado para 2011 poderia perfeitamente ser aquela a que chegaria o intérprete dentro dos limites próprios da actividade interpretativa.

SS) Pois, o que o legislador veio esclarecer foi que aquilo que entendia por "no termo da vigência do contrato" era que a isenção de IMT abrangia as transmissões realizadas no momento em que as partes decidiam, ao abrigo da sua autonomia contratual privada, exercer o direito de opção de compra.

TT) O mesmo é dizer, no momento em que decidiam pôr fim ao contrato, mesmo que isso se traduzisse numa antecipação do momento originalmente contratualizado para esse efeito.

UU) Por outro lado, este entendimento em nada escapa aos parâmetros normais da actividade interpretativa, sobretudo quando nele está ínsito um princípio axial do direito dos contratos e, mais genericamente, do Direito Civil: o princípio da liberdade contratual (art. 405.°, CC), na sua dupla modalidade de liberdade de celebração e liberdade de modelação do conteúdo do contrato.

VV) Nesta segunda se incluindo, naturalmente, a capacidade das partes em colocarem fim ao contrato em momento diverso do originalmente contratualizado.

WW) Por fim, no caso em apreço, não havia expectativas cuja violação importasse acautelar, como seja evitar ou prevenir a evasão fiscal.

XX) Porque o IMT, com ou sem taxa reduzida, é sempre devido na aquisição inicialmente feita pela locadora, e nos mesmos termos em que seria devida se a aquisição fosse feita directamente pelo locatário que, por força do contrato, acaba por suportar nas rendas esse encargo, que a locadora não deixará obviamente de repercutir.

YY) Por todo o exposto, tendo sido atribuído, no caso concreto, por acordo das partes, ao abrigo do princípio da autonomia privada e da liberdade contratual, um novo termo do prazo do contrato de locação financeira celebrado relativamente à fracção em causa.

ZZ) E tendo a transmissão do imóvel ocorrido nesse (novo) termo de vigência do contrato de locação financeira.

AAA) Não existe qualquer impeditivo legal para que aquela transmissão beneficie do regime de isenção previsto no artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 311/82, de 4 de Agosto.

BBB) Não é, pois, aceitável que a Autoridade Tributária ou o Tribunal a quo se substituam, ou se sobreponham à vontade das partes.

CCC) Deste modo, com a decisão recorrida, o Tribunal a quo violou as regras de interpretação das normas, o princípio da neutralidade fiscal, o princípio da substância sobre a forma, o princípio da liberdade contratual, da autonomia privada e da declaração negocial das partes.

DDD) Tendo contrariado a disciplina consignada no artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 311/82, de 4 de Agosto.

EEE) E o princípio constitucional da igualdade da tributação do património.

FFF) Pelo que padece a sentença recorrida de vício de erro de julgamento, devendo ser anulada.

GGG) E, consequentemente, ser anulada a liquidação adicional de IMT objecto dos presentes autos, por se revelar manifestamente ilegal.

Nestes termos, e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, anulando-se a sentença aqui em causa por incorrer em vício de erro de julgamento e, em consequência, ser objecto de anulação o acto impugnado com base na respectiva ilegalidade, por violação das regras de interpretação das normas, do princípio da neutralidade fiscal, do princípio da substância sobre a forma, do princípio da liberdade contratual, da autonomia privada e da declaração negocial das partes, da disciplina consignada no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 311/82, de 4 de Agosto e do princípio constitucional da igualdade da tributação do património, com as demais consequências legais.

Não foram produzidas contra-alegações.

Nos termos legais, o Ministério Público emitiu o seguinte parecer:

FUNDAMENTAÇÃO

Questão decidenda: interpretação do inciso no termo da vigência do contrato de locação financeira constante do art.3° DL n° 311/82, 4 agosto, por forma a discernir se a alteração/antecipação, por acordo das partes, do termo inicial da vigência de contrato de locação financeira determina a perda da isenção de IMT na transmissão por compra e venda a favor do locatário da propriedade do imóvel locado.

Quadro normativo aplicável

Art. 1º DL n° 149/95, 24 junho

«Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o prazo acordado, por preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados»

Art.6° DL nº 149/95, 24 junho redacção introduzida pelo DL n° 285/2001, 3 novembro)

«1. O prazo de locação financeira de coisas móveis não deve ultrapassar o que corresponde ao período presumível de utilização económica da coisa.

2. O contrato de locação financeira não pode ter duração superior a 30 anos, considerando-se reduzido a este limite quando superior.

3. Não havendo estipulação de prazo, o contrato de locação financeira considera-se celebrado pelo prazo de 18 meses, ou de 7 anos, consoante se trate de bens móveis ou de bens imóveis»

Art.3° DL n° 311/82, 4 agosto (redacção originária)

«Está isenta de sisa a transmissão por compra e venda a favor do locatário, no termo da vigência do contrato de locação financeira e realizada nas condições nele estabelecidas, da propriedade ou do direito de superfície constituído sobre os bens locados»

Art.3° DL nº 311/82, 4 agosto (redacção introduzida pela art. 117° Lei n° 55-A/2010, 31 dezembro-Lei OGE 2011)

«Está isenta de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis a transmissão por compra e venda a favor do locatário, no exercício do direito de opção de compra previsto no regime jurídico do contrato de locação financeira, da propriedade ou do direito de superfície constituído sobre o imóvel locado»

A norma controvertida constante do art.3° DL n° 311/82, 4 agosto (redacção originária) deve ser interpretada com o sentido de que a antecipação/alteração, por acordo das partes, do termo do prazo inicial de vigência do contrato de locação financeira não determina a perda de isenção de IMT na transmissão por compra e venda a favor do locatário do imóvel locado.

1° O regime da locação financeira constante do DL n° 311/82, 4 agosto visou uma regulamentação do contrato que assegurasse os seguintes objectivos:

- eliminação de eventuais obstáculos de índole fiscal ao recurso a este tipo de contrato;

- impedimento da utilização do contrato de locação com propósito de evasão fiscal;

- neutralidade fiscal, por forma a que o locatário não suportasse na compra do imóvel locado carga fiscal superior à que resultaria da sua aquisição directa (cf. preâmbulo do diploma)

2° Não tendo o legislador distinguido na formulação da norma termo inicial do contrato e termo resultante de posterior acordo das partes, não compete ao intérprete estabelecer a distinção, na medida em que não fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.9° n.º 3 CCivil)

3° Na data da celebração do contrato (27 dezembro 2012) não vigorava qualquer exigência legal de duração mínima dos contratos de locação, podendo as partes renegociar o termo da vigência do contrato sem violação de norma legal imperativa

4° A interpretação restritiva do inciso adoptada na sentença não observa o princípio da neutralidade fiscal, na medida em que o adquirente do locado suportaria uma carga fiscal superior à que resultaria da aquisição directa sem recurso ao instituto da locação porque, tendo suportado nas rendas do contrato o montante do imposto pago pela locadora e nelas repercutido, estaria sujeita ao pagamento formal de novo imposto na data da aquisição

5° A interpretação extensiva do inciso observa o princípio da liberdade contratual na sua dupla vertente de liberdade de celebração e de liberdade de modulação do conteúdo do contrato (art. 405° CCivil)

6° A norma constante do art.117° Lei nº 55°-A/2010, 31 dezembro (Lei OGE 2011) deixou de exigir como pressuposto da isenção de IMT a transmissão por compra e venda no termo da vigência do contrato; esta norma tem natureza substancialmente interpretativa, devendo retroagir os seus efeitos ao início da vigência da lei interpretada, porque:

-clarificou dúvidas resultantes da anterior interpretação e aplicação da norma, na redacção inicial;

-consagrou a interpretação que um intérprete hábil adoptaria, por observância dos princípios enunciados da neutralidade fiscal e da liberdade contratual na sua dupla vertente de liberdade de celebração e de liberdade de modulação do conteúdo do contrato.

O recurso merece provimento.

A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão anulatório da liquidação adicional de IMT.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida selecionou-se a seguinte matéria de facto:

a) Em 27/12/2002, a impugnante celebrou, na qualidade de locatária, um contrato de locação financeira com a sociedade B………….., S.A. [documento de fls. 41 a 67 dos autos].

b) O contrato referido em a) foi celebrado pelo período de 10 anos [documento de fls. 41 a 67 dos autos].

c) O mesmo contrato tinha por objecto as seguintes fracções autónomas: a) Fracção autónoma designada pela letra "A", do prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 4030, da freguesia de ……….., concelho de Portimão; b) Fracção autónoma designada pela letra "A", do prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 4029, da freguesia de …………., concelho de Portimão; c) Fracções autónomas designadas pelas letras "A", "B", "C", "D", "E", "F", "G", "H", "I", "J", do prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 10272, da freguesia e concelho de Portimão; d) Fracções autónomas designadas pelas letras "A", "B", "C", "D", "E", "F", do prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 8704, da freguesia e concelho de Portimão; e) Fracções autónomas designadas pelas letras "A", "B", "C", "D", "E", "F", "G", "H", "I", "J", "L", "M", “N", “O", "P", 'Q", "R", "S", "T", "U", ''V'', "X", "Z", "M", "AB", "AC", "AD”, "AE", "AF", "AG", "AH", "AI", "AJ", "AL" do prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 11373, da freguesia e concelho de Portimão " [documento de fls. 41 a 67 dos autos].

d) Em 31/05/2004, entre a impugnante e a C…………………, S.A. foi celebrado, mediante escritura pública, um acordo de "resolução parcial contratual de locação financeira e compra e venda" relativo à fracção autónoma designada pela letra "A", inscrita na matriz sob o artigo 4029-A, com o valor patrimonial tributário de €85.502.73 [documento de fls. 69 a 75 dos autos].

e) Na escritura referida em d), consta, designadamente, o seguinte: "(...) Que, pela presente escritura, acordam na resolução parcial do referido contrato de locação financeira, quanto à fracção autónoma atrás identificada, permanecendo o mesmo em vigor quanto às demais fracções autónomas.

Que pela presente escritura e ao abrigo da cláusula XXII das Condições Gerais a Locatária decidiu exercer o seu direito de antecipação parcial de compra e a locadora decidiu vender, pelo preço de sessenta e quatro mil oitocentos e cinquenta euros e quatro cêntimos, já recebido, a referida fracção autónoma designada pela letra ''A''.

Que, em consequência, o mencionado contrato de locação financeira extingue-se parcialmente quanto à fracção ora vendida, não produzindo nenhum efeito a partir da presente data, pagando a locatária uma penalização de seiscentos e quarenta e oito euros e cinquenta cêntimos, acrescida de IVA à taxa legal, correspondente a um por cento do capital em dívida na presente data. (...)" [documento de fls. 69 a 75 dos autos].

f) Aquando da aquisição da fracção identificada em d), a impugnante liquidou o respectivo IMT no montante de €5.557.68 [documento de fls. 116 do processo administrativo apenso].

g) Após a aquisição pela impugnante, a fracção identificada em d) foi objecto de uma avaliação nos termos do CIMI, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial de €1.190.810.00 [documento de fls. 77 dos autos].

h) Em consequência, em 15/11/2006, foi emitida a liquidação adicional de IMT n.º 617661, no valor de €71.844.97 [documento de fls. 77 dos autos].

i) Em 27/10/2009, a impugnante apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação identificada em 11), com fundamento na violação do disposto no artigo 3.º do Decreto-lei n.° 311/82, de 4 de Agosto [documento de fls. 79 e 80 dos autos].

j) Por despacho da Subdirectora-Geral da Área do Património da Direcção-Geral dos Impostos, de 02/08/2010, o pedido de revisão oficiosa referido em i) foi indeferido [documento de fls. 114 e 115 dos autos].

k) Pelo ofício n.º 09633, de 14/10/2010, a impugnante foi notificada do despacho referido em j) [documento de fls. 30 dos autos].

Nada mais se levou ao probatório.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.

Como bem se identifica na sentença recorrida, a questão trazida a esta Supremo Tribunal consiste em saber “...se o acto de liquidação de IMT, que constitui o objecto mediato da presente impugnação...viola o disposto no artigo 3º, do Decreto-Lei n.º 311/82, de 4 de Agosto, na redacção à data da ocorrência do facto ao qual se atribuiu relevância fiscal.

Dispunha, na sua redacção originária, este inciso legal, sob a epígrafe “Transmissão de imóveis locados a favor do locatário, que, está isenta de sisa a transmissão por compra e venda a favor do locatário, no termo da vigência do contrato de locação financeira e realizada nas condições nele estabelecidas, da propriedade ou do direito de superfície constituído sobre os imóveis bocados.

Entretanto, tal redacção foi alterada, a partir de 01/01/2011, por força do Orçamento de Estado de 2011, Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, passando a dispor que, está isenta de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis a transmissão por compra e venda a favor do locatário, no exercício do direito de opção de compra previsto no regime jurídico do contrato de locação financeira, da propriedade ou do direito de superfície constituído sobre o imóvel locado.

A grande diferença entre ambas as redacções do mesmo preceito consiste em que, na redacção originária a isenção do imposto estava dependente da transmissão do imóvel objecto do contrato ocorrer por compra e venda a favor do locatário, no termo da vigência do contrato de locação financeira e realizada nas condições nele estabelecidas e a partir de 2011 passou a estar dependente da transmissão por compra e venda a favor do locatário, no exercício do direito de opção de compra previsto no regime jurídico do contrato de locação financeira.

Ou seja, enquanto que da redacção originária se poderia concluir (como se fez na sentença recorrida) que o legislador teria querido que a isenção só vigorasse para aqueles casos em que a opção de compra apenas ocorria no termo de vigência do prazo inicial estipulado pelas partes para a duração do contrato, já na redacção conferida pela Lei do Orçamento de Estado de 2011 o legislador apontou claramente para que tal isenção se verificaria em todos os casos em que o locatário exercesse a sua opção de compra, quer a mesma ocorresse no terminus do prazo estipulado para o contrato, quer ocorresse antecipadamente, em qualquer momento durante a vigência do contrato.

Esta questão não é nova e já foi anteriormente tratada por este Supremo Tribunal em sentido oposto àquele que se propugnou na sentença recorrida relativamente à interpretação da expressão termo de vigência do contrato, não se vendo agora, razões de fundo (tanto mais que a redacção do preceito em análise foi alterada no sentido interpretativo já defendido por este Tribunal) para alterar o anterior entendimento.

Escreveu-se, a propósito desta questão no acórdão datado de 16/01/2013, recurso n.º 0831/12:

A locação financeira começou por estar regulada, no Decreto-Lei nº 171/79, de 6 de Junho, diploma que previa apenas a aplicação deste regime de financiamento à aquisição de bens de equipamento ou de imóveis destinados ao investimento produtivo na indústria, na agricultura ou em outros sectores de serviços de manifesto interesse público. O alargamento do leasing ao financiamento da aquisição de habitação por particulares, foi alcançado com o Decreto-Lei nº 10/91, de 9 de Janeiro, estabelecendo o seu art. 1º que “é permitida a celebração de contratos de locação financeira de imóveis que sejam destinados a habitação própria do locatário, nos termos do presente diploma.”

Com o Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, verificou-se o alargamento do leasing ao financiamento da aquisição de quaisquer outros bens e permitiu-se que os prazos mínimos de vigência dos contratos fossem reduzidos para 18 meses, quando se tratasse de locação de coisas móveis e de 7 anos, quando os bens fossem imóveis.

Finalmente, com o Decreto-Lei nº 285/2001, de 3 de Novembro, foi eliminado o prazo mínimo de vigência dos contratos, permitindo-se que as partes pudessem a qualquer tempo ajustar o exercício do direito de opção do locatário, antecipando o pagamento das rendas ainda não vencidas.

É nesta sequência que o contrato celebrado pelas partes, no caso em apreço, prevê, na Cláusula XX, que até um ano antes do termo do contrato a “Locatária” deverá comunicar à “Locadora” se pretende adquirir a propriedade do imóvel, sendo que se fizer essa opção deverá pagar, nos termos da Cláusula XXI, a título de valor residual, a importância estabelecida na Cláusula V das “Condições Particulares”.

Por sua vez, na Cláusula XXII, sob a epígrafe “Antecipação de compra”, estabelece-se que:

“A partir do quinto ano de vigência do presente contrato, a “Locatária” poderá exercer antecipadamente o seu direito de opção de aquisição da propriedade do imóvel, nos termos seguintes:

a) A “Locatária” apenas poderá, por exercício da referida opção, adquirir a propriedade do imóvel locado antes do termo do Contrato, desde que não se encontre em mora relativamente a qualquer uma das suas obrigações;

b) Decidindo exercer antecipadamente o seu direito de opção, a “Locatária” deverá comunicar a sua decisão à “Locadora” e proceder, simultaneamente com essa comunicação, ao pagamento do valor correspondente ao montante do “Capital Financeiro em Dívida” à data da rescisão, penalizado em dois pontos percentuais;

c) Com o pagamento da importância referida no número anterior, e na data desse pagamento, considerar-se-ão cumpridas todas as obrigações da “Locatária”.

d) (…)”.

Assim sendo, assiste razão à recorrente quando defende que “O termo da vigência do contrato de locação financeira tanto ocorre no final do contrato como nas situações em que as partes, ao abrigo do próprio contrato, põem termo ao mesmo, mediante a opção de compra antecipada do imóvel, objecto da locação financeira.”.

Vejamos, então, se esta interpretação que se fez da expressão “termo de vigência do contrato”, também permitirá de resolver de modo idêntico a questão concreta de que tratam os presentes autos.

Na sentença recorrida entendeu-se que “...concluímos que tendo a aquisição pela impugnante ocorrido, por efeito da resolução parcial do contrato de locação, antes do termo do prazo de vigência de 10 anos estabelecido no contrato [alínea b) dos factos provados], não beneficia da isenção de IMT, pelo que a liquidação de IMT em causa nos autos não viola o disposto no artigo 3º do Decreto-Lei n.º 311/82, de 4 de Agosto, não padecendo, nesta medida, de vício de violação de lei”.

Lido de forma simples este trecho da decisão recorrida, fica-nos a impressão de que o contrato de locação financeira, que havia sido celebrado entre as partes, terminou abruptamente, sem razão evidente que justificasse esse fim.

Mas, se atentarmos de forma cuidada na matéria de facto que foi levada ao probatório, podemos concluir que não foi assim, o contrato teve o seu desenvolvimento no âmbito das cláusulas gerais e especiais que anteriormente haviam sido definidas pelas partes.

Na verdade, provou-se que, em 31/05/2004, entre a impugnante e a C………………., S.A. foi celebrado, mediante escritura pública, um acordo que as partes designaram de "resolução parcial contratual de locação financeira e compra e venda" relativo à fracção autónoma designada pela letra "A", inscrita na matriz sob o artigo 4029-A, com o valor patrimonial tributário de €85.502.73.

Mas nessa escritura, o que as partes pretenderam foi que o contrato se mantivesse vigente, à excepção da parte respeitante à fracção “A”.

Sendo que relativamente a esta fracção a locatária, ao abrigo da cláusula XXII das Condições Gerais, decidiu exercer o seu direito de antecipação parcial de compra e a locadora decidiu vender, pelo preço de sessenta e quatro mil oitocentos e cinquenta euros e quatro cêntimos.

E esta clausula XXII tinha uma redacção exactamente igual àquela que foi analisada no acórdão atrás referido, ou seja, sob a epígrafe “Antecipação de compra”, estabeleceu-se que:

“A partir do quinto ano de vigência do presente contrato, a “Locatária” poderá exercer antecipadamente o seu direito de opção de aquisição da propriedade do imóvel, nos termos seguintes:

a) A “Locatária” apenas poderá, por exercício da referida opção, adquirir a propriedade do imóvel locado antes do termo do Contrato, desde que não se encontre em mora relativamente a qualquer uma das suas obrigações;

b) Decidindo exercer antecipadamente o seu direito de opção, a “Locatária” deverá comunicar a sua decisão à “Locadora” e proceder, simultaneamente com essa comunicação, ao pagamento do valor correspondente ao montante do “Capital Financeiro em Dívida” à data da rescisão, penalizado em dois pontos percentuais;

c) Com o pagamento da importância referida no número anterior, e na data desse pagamento, considerar-se-ão cumpridas todas as obrigações da “Locatária”.

d) (…)”.

Ora, daqui ressalta que locador e locatária não resolveram, sem mais, o contrato de locação financeira relativamente à fracção “A”, o mesmo extinguiu-se por força da opção de compra antecipada, nos termos das cláusulas contratuais que previamente haviam sido estabelecidas e portanto, é forçoso concluir que o mesmo chegou ao seu fim no termo de vigência do contrato a que se referia o dito artigo 3º, tanto mais, que esse termo resultou de uma conjugação da vontade das partes.

De resto, só esta interpretação permite fazer uma aplicação da norma que vai ao encontro do espírito com que o legislador editou o DL n.º 311/82.

Na verdade sempre foi sua intenção, “...tendo em vista assegurar um adequado grau de neutralidade fiscal, isenta-se de sisa a transmissão por compra e venda a favor do locatário, no termo da vigência do contrato de locação financeira e realizada nas condições nele estabelecidas, da propriedade ou do direito de superfície constituído sobre os imóveis locados e estabelece-se uma disciplina que permite a isenção do imposto de transacções dos bens adquiridos pelas sociedades de locação financeira, quando locados a empresas que, se os adquirissem directamente, poderiam beneficiar dessa isenção”, cfr. preâmbulo daquele DL.

Ou seja, o legislador teve em vista expressamente que a compra e venda a favor do locatário fosse realizada nas condições nele estabelecidas (no contrato), no termo da vigência do contrato de locação financeira.

Prevendo-se expressamente no contrato que a aquisição poderia ser antecipada, relativamente ao prazo inicialmente estabelecido, teremos que concluir, forçosamente, que o mesmo contrato chega ao seu termo de vigência por força dessa opção de compra antecipada, contratualmente estabelecida, ou seja, respeitando as condições nele estabelecidas quanto à compra e venda do imóvel objecto do contrato, assim se respeitando a neutralidade fiscal legalmente consagrada.

Conclui-se, assim, que a sentença recorrida não se pode manter, bem como os actos impugnados, por não ter feito uma correcta interpretação do disposto no artigo 3º do Decreto-lei n.º 311/82, de 04/08.

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo decidem, em conferência, revogar a sentença recorrida, dando provimento ao recurso e, em consequência, julgar procedentes os pedidos formulados nesta impugnação judicial, com as legais consequências.

Custas pela AT.

D.N.

Lisboa, 18 de Junho de 2014. – Aragão Seia (relator) – Francisco RothesPedro Delgado.