Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0115/10
Data do Acordão:05/05/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:IVA
CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO
PRAZO
APLICAÇÃO DA LEI NOVA
Sumário:I – O prazo de 4 anos, de caducidade do direito de liquidação, estabelecido no n.º 1 do artigo 45.º da LGT, aplica-se aos factos tributários ocorridos a partir de 1/1/1998, por força do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 389/98, de 17/12, que aprovou a LGT.
II – Na redacção do n.º 4 do artigo 45.º da LGT dada pelo artigo 43.º da Lei
n.º 32-B/2002, de 30-12, o prazo, de 4 anos, em relação ao IVA, conta-se, não «a partir da data em que o facto tributário ocorreu», mas «a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto».
III – Atendendo a que o facto extintivo do direito à liquidação do IVA é duradouro (o decurso do prazo) e não instantâneo (o "dies a quo"), a nova redacção do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária é aplicável aos prazos em curso, atento ao disposto na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.
IV – Por inexistência de aplicação retroactiva da nova disposição legal, tal interpretação não consubstancia uma violação do princípio constitucional da não retroactividade da lei fiscal, previsto no artigo 103.º, n.º 3 da CRP.
Nº Convencional:JSTA00066407
Nº do Documento:SA2201005050115
Data de Entrada:02/17/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA
Área Temática 2:DIR CONST - SISTEM FINANC FISC.
Legislação Nacional:LGT98 ART45 N1 N4 ART46 N1 N2.
L 32-B/2002 DE 2002/12/30 ART43.
CCIV66 ART297 N2 ART12 N2.
DL 398/98 DE 1998/12/17 ART5 N5.
CONST76 ART103 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1076/09 DE 2010/0303.; AC STA PROC1109/08 DE 2009/06/25.
Referência a Doutrina:BAPTISTA MACHADO INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR PAG235 PAG242-243.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, com sede em …, não se conformando com a sentença do Mmo. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa na parte em que julgou improcedente, quanto à caducidade, a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações adicionais de IVA/2001, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
1.ª- O Tribunal “a quo” considerou que as liquidações do IVA do ano de 2001 e correspectivos juros compensatórios supra identificadas foram notificadas dentro do prazo da caducidade de quatro anos, uma vez que este foi contado «a partir do ano civil seguinte ao da exigibilidade do imposto, isto é, a partir de 01/01/2002», aplicando e interpretando o disposto no n.º 4 do art.º 45.º da LGT, de acordo com a redacção que lhe foi dada pelo art.º 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, por força do disposto no n.º 2 do art.º 297.º do CC, mas sem qualquer razão legal;
2.ª- Ao interpretar como de facto interpretou, fez uma interpretação e aplicação errónea do direito, porquanto não se trata de uma situação de sucessão temporal de normas em matéria de fixação de prazos, como aquele normativo se refere, mas antes e apenas de uma alteração de modo de contagem do decurso do prazo de caducidade de 4 anos;
3.ª- Pois, repita-se, a nova redacção ínsita no n.º 4 do art.º 45.º da LGT dada pela citada Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, não veio alterar o prazo de caducidade do direito à liquidação dos tributos, pois este estava e continua a estar previsto no n.º 1 do art.º 45.º da LGT, continuando o mesmo a ser de quatro anos, mas apenas alterou o modo de contagem do decurso daquele prazo de caducidade, previsto no n.º 4 daquela norma, iniciando-se mais tarde;
4.ª- Concretamente, veio modificar o momento do início de contagem daquele prazo de caducidade, passando a contar-se tal prazo, em relação ao IVA, a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, pelo que não veio estabelecer um novo prazo de caducidade, aumentando-o ou alargando-o, como o seria na hipótese de a nova redacção determinasse que o prazo de caducidade passaria de 4 para 5 anos. O que não foi seguramente a opção do legislador;
5.ª- Respeitando os factos sub judice ao ano de 2001, não lhe pode ser aplicável a redacção dada ao n.º 4 do art.º 45.º pelo art.º 43.º da sobredita Lei n.º 32-B/2002, por aplicação subsidiária do disposto no n.º 2 do art.º 297.º do CC, à luz do art.º 2.º da LGT, uma vez que tal redacção só é aplicável aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2003;
6.ª- Atento o disposto no n.º 1 e n.º 3 do art.º 12.º da LGT, a alteração no modo de contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto em causa aplicar-se-á somente aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2003, data em que a referida Lei entrou em vigor e não antes;
7.ª- Caso contrário, estar-se-á a interpretar e aplicar retroactivamente a Lei supra, o que desde logo consubstancia uma violação não só do art.º 12.º da LGT como do princípio da irretroactividade da lei fiscal, constitucionalmente consagrado no n.º 3 do art.º 103.º da CRP;
8.ª- Por outro lado, a redacção introduzida pela mencionada Lei n.º 32-B/2002 é de carácter inovatório, pois até à entrada em vigor desta alteração o prazo de caducidade do IVA contava-se a partir da data em que o facto tributário ocorreu, passando a partir de então a contar-se do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, independentemente da qualificação jurídica do IVA como um imposto de obrigação única. Consequentemente, tendo tal alteração normativa natureza inovatória, aquela só pode vigorar para o futuro, sendo este entendimento perfilhado igualmente pela jurisprudência desse Venerando Tribunal Administrativo (Acórdão do STA, datado de 2003/05/07, proferido no Processo n.º 26806);
9.ª- Acresce que, se fosse intenção do legislador aplicar a redacção introduzida pela citada Lei n.º 32-B/2002 ao n.º 4 do art.º 45.º da LGT aos prazos de caducidade na altura em curso, certamente tê-lo-ia feito de modo expresso, como o fez em relação a outras normas do art.º 45.º da LGT, através de uma disposição especial sobre a sucessão no tempo de leis sobre os prazos, afastando a regra geral do art.º 297.º do CC, mas sempre sujeito ao crivo imperativo do art.º 12.º da LGT;
10.ª- Tendo os factos tributários ocorrido no ano de 2001, na data em que a Recorrente foi notificada das liquidações adicionais supra identificadas (em 3 de Maio de 2006) há muito que tinha caducado o direito à liquidação do imposto em questão, não obstante ter ocorrido suspensão do prazo de caducidade, atenta a data de início da acção inspectiva externa, já que este período de suspensão foi de 3 meses e 8 dias, e não de 4 meses e 13 dias, conforme referido na sentença recorrida;
11.ª- Pois o prazo de caducidade é que se suspende, cuja contagem não coincide com a duração da acção de inspecção, continuando tal contagem do prazo de caducidade que então faltava após a conclusão daquela acção, sob pena de violação do disposto no n.º 1 do art.º 46.º da LGT. No caso dos autos, parece que os 4 meses e 13 dias correspondem ao período de duração da acção inspectiva e não do prazo de caducidade. Pelo que, nesta parte, há igualmente erro de julgamento;
12.ª- Em face de tudo o exposto, a douta sentença não tem assim razão ao decidir que as liquidações supra foram notificadas dentro do prazo da caducidade, pelo que o Tribunal a quo ao decidir como decidiu fez errónea interpretação e aplicação do disposto no n.º 4 do art.º 45.º dada pela redacção do art.º 43.º da Lei n.º 32-B/2002, do n.º 2 do art.º 297.º do CC e do art.º 12.º da LGT, violando o princípio da não retroactividade da lei fiscal, previsto no n.º 3 do art.º 103.º da CRP, padecendo assim de erro de julgamento;
13.ª- A interpretar-se como a douta sentença recorrida interpretou e aplicou, tal interpretação e aplicação dever-se-á considerar inconstitucional por violação do disposto no art.º 103.º, n.º 3 da CRP.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostra-se fixada a seguinte matéria de facto:
1. A impugnante exerce a actividade de Construção de Edifícios – CAE 45.211, estando enquadrada no regime normal trimestral de IVA;
2. Foi sujeita a uma acção de inspecção externa abrangendo o IVA e o IRC e incidente sobre o exercício de 2001, a qual teve o seu início em 23/09/2005 e termo em 06/02/2006;
3. A referida acção de inspecção culminou com o relatório de 06/02/2006 que constitui fls. 2 e ss. do apenso instrutor, que aqui damos por integralmente reproduzido face à sua extensão e de que consta, textual, expressa e designadamente o seguinte:
«III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
Tal como já foi supra referido, esta acção inspectiva surgiu na sequência de uma comunicação efectuada pela Direcção de Finanças de Setúbal na sequência da acção inspectiva realizada por aqueles serviços a um sujeito passivo … o qual, apesar de ter facturado serviços à sociedade A…, declara não ter realizado nenhum dos serviços facturados, alegando, inclusive, não possuir estrutura empresarial para os executar.
Segundo declarações do mesmo, não tinha nem tem pessoal ao seu serviço, pelo que a actividade consiste, unicamente, na angariação de pessoas que apresentava aos responsáveis das empresas, sendo estas responsáveis quer pelo pagamento quer pela orientação dos trabalhadores.
Declara ainda o mesmo sujeito passivo que as facturas em posse das empresas são facturas que ele próprio requisitou, mas que eram por si assinadas em branco e entregues aos responsáveis das firmas de construção civil que o tinham encarregue da angariação dos trabalhadores.
(…)
3.1.4 – IVA dedutível
A questão do direito à dedução do IVA incluído nos respectivos custos foi analisada no contexto da regra do direito à dedução prevista no art.º 20.º do CIVA.
Da análise efectuada, detectaram-se situações susceptíveis de correcção que se resumem nos seguintes factos:
A) Face às facturas existentes no processo que integram a informação prestada pela Direcção de Finanças de Setúbal, na sequência de uma acção inspectiva a um contribuinte domiciliado naquela área – subempreiteiro da A… – que ao ser ouvido em auto de declarações o mesmo declara, tal como já foi supra referido, que os serviços supostamente por si prestados não correspondem a serviços efectivamente prestados, por falta de estrutura empresarial para os realizar.
Face aos factos, constatamos que as facturas emitidas pelo subempreiteiro em causa não correspondem a efectivas prestações de serviços, indicando as mesmas “negócio jurídico simulado” com o intuito de lesar os interesses do Estado, quer em sede de IVA, quer em sede de IRC.
Junta-se como Anexo I relação das facturas correspondentes a negócio jurídico simulado, cujo IVA liquidado através das mesmas foi deduzido pela A…, ao longo dos períodos do exercício em análise.
Face ao disposto no art.º 20.º, n.º 1 do citado código, só confere direito à dedução o IVA que tenha onerado aquisições de serviços destinados ao exercício da actividade tributável realizado pelo sujeito passivo.
Necessariamente, nos termos do disposto no citado artigo em conjugação com o disposto no art.º 19.º, n.ºs 3 e 4 do mesmo diploma, não confere direito à dedução o imposto que não se reporte a “efectivas” prestações de serviços, ou seja, o imposto que resulte de “operações simuladas” ou de operação em que, com conhecimento do sujeito passivo, o prestador de serviços, com intenção de não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, tenha declarado o exercício de uma actividade e não disponha de adequada estrutura empresarial susceptível de a exercer.
O(s) subempreiteiro(s) em causa não entregaram nos cofres do Estado o imposto liquidado. Desta forma, a aceitar-se a dedução do imposto suportado pela A… estava-se a permitir a obtenção ilegítima de vantagens económicas à custa de perdas de receitas do Estado, nomeadamente em sede de IVA e IRS ou IRC.
Face ao supra exposto, o IVA constante das facturas, cuja relação se junta como Anexo I, no total de € 30.472,68, não pode ser considerado dedutível nos termos do disposto no art.º 19.º, n.ºs 3 e 4 do CIVA, razão pela qual se procederá à sua correcção, cuja distribuição pelos períodos do exercício é a seguinte:

MESES Valor (€)
Março 4.400,80
1.º Trimestre 4.400,80
Abril 2.353,50
2.º Trimestre 2.353,50
Julho
Agosto
Setembro
3.267,22
4.254,20
3.637,52
3.º Trimestre 11.158,94
Outubro
Novembro
Dezembro
3.846,88
4.995,30
3.717,26
4.º Trimestre 12.559,44
Total a corrigir 30.472,68

B) Facturas emitidas pelos subempreiteiros: B…, …, especificamente para algumas obras: …, …, Praceta … e … – cuja relação das mesmas, para cada uma das obras, integra o Anexo II – que não cumprem os requisitos exigidos pelo art.º 35.º, n.º 5 do CIVA e explicitados pelo ofício n.º 181 044 de 91.12.06 do SIVA, para que o imposto possa ser fiscalmente dedutível, razão pela qual o IVA nelas contido, no total de € 27.957,42, não pode ser dedutível nos termos do disposto no art.º 19.º, n.º 2 do CIVA.
A distribuição do IVA a corrigir, por período, é a seguinte:

MESES TOTAIS
Julho 432.873,00
Agosto 495.882,00
Setembro 1.246.578,00
3.º Trimestre 2.175.333,00
Outubro 528.582,00
Novembro 2.751.367,00
Dezembro 149.677,00
4.º Trimestre 3.429.626,00
Total a corrigir (PTE) 5.604.959,00
Total a corrigir (€) 27.957,42

(…).»;
4. Em resultado da acção de inspecção, foram propostas, entre outras, correcções à matéria tributável do IVA, no montante de € 61.402,05 (mapa resumo das correcções resultantes da acção de inspecção, a fls. 108 do apenso instrutor);
5. Em sequência, foram efectuadas as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios que constam das notificações que constituem fls. 40 a 47 dos autos;
6. As liquidações foram emitidas em 08/04/2006, notificadas à impugnante em 21/04/2006 (“prints” de fls. 58 a 63 do apenso de reclamação) e 02/05/2006 (“prints” de fls. 64 a 66 do referido apenso) e têm como data limite de pagamento 30/06/2006;
7. As liquidações foram pagas em 30/06/2006, conforme vinhetas de pagamento apostas nas notificações e prints automáticos de fls. 58 a 66 do apenso de reclamação;
8. A impugnante deduziu reclamação graciosa em 27/10/2006 (fls. 2 do apenso de reclamação);
9. Sobre a reclamação, recaiu o despacho do Sr. Director de Finanças, de 15/02/2008, a fls. 90 do atinente apenso, do seguinte teor: “Concordo, pelo que com os fundamentos da presente informação e respectivo parecer, DEFIRO o pedido do reclamante nos termos que vem proposto.”;
10. Da informação que sustenta o aludido despacho e onde o mesmo está exarado, consta, nomeadamente, o seguinte: “Após análise dos autos, constata-se que a reclamante sujeito passivo com enquadramento em 02.10.2000 está sujeita a este imposto ficando abrangida pelo regime normal, com periodicidade trimestral. Tendo sido sujeita a uma acção de inspecção externa, da mesma resultaram correcções ao imposto que culminaram nas liquidações adicionais em análise.
Caducidade das liquidações referentes ao exercício de 2001: O início da inspecção ocorreu nos termos do art.º 51.º do RCPIT com a assinatura da Ordem de Serviço. No presente caso, o início ocorreu em 23.09.2005 tendo terminado em 06.02.2006 (…).
Assim, nos termos do art.º 46.º da Lei Geral Tributária, temos de acrescer o tempo que decorreu a inspecção que foi de 4 meses e 13 dias, verificando-se, assim, que a caducidade do direito a liquidar ocorreu em 02.05.2006 e 21.04.2006, respectivamente, cfr. fls. 58 a 66 dos autos.
Nestes termos, sou de parecer que deve o pedido ser deferido, devendo proceder-se à anulação das liquidações reclamadas, procedendo-se à restituição das importâncias arrecadadas. Nos termos dos art.ºs 43.º, n.º 1 e 100.º da LGT, devem ser pagos juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido (30.06.2006) até à emissão da nota de crédito, nos termos do art.º 61.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário.”;
11. Foi notificada daquele despacho em 22/02/2008 (fls. 93 e 94 do apenso de reclamação);
12. Sobre a reclamação graciosa e já depois da notificação antes referida, foi proferido o projecto de despacho do Sr. Director de Finanças, de 24/04/2008, a fls. 94 do atinente apenso, do seguinte teor: “Concordo, pelo que, atentas as razões invocadas na presente informação e parecer, revogo o meu despacho de 15.02.08, proferido a fls. 90 dos autos, e, com os fundamentos constantes da presente informação, é o pedido em apreço de indeferir.
Notifique-se para o exercício do direito de audição, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT.”;
13. A informação para que remete o projecto de despacho é aquela onde se encontra exarado, dando-se aqui por integralmente reproduzida face à sua extensão;
14. No seguimento do exercício do direito de audição pela impugnante, foi proferido pelo Sr. Director de Finanças o despacho de 21/07/2008, cujo teor se transcreve: “Concordo, pelo que convolo em definitivo o projecto de decisão sancionado por despacho de 2008.04.24 e, com os fundamentos constantes daquele, bem como da presente informação, indefiro o pedido da reclamante. Notifique-se.”;
15. A informação para que remete o despacho é aquela onde está exarado, a fls. 104 do apenso de reclamação, e que aqui damos também por integralmente reproduzida face à sua extensão;
16. A impugnante foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa por carta registada com aviso de recepção, que recebeu em 25/07/2008 (ofício e talão de A/R, a fls. 111 e 112 do atinente apenso);
17. A impugnação deu entrada no Tribunal Tributário em 27/08/2008, conforme carimbo aposto na petição inicial.
III – Vem o presente recurso interposto da decisão do TT de Lisboa que considerou as liquidações adicionais de IVA do ano de 2001, e respectivos juros compensatórios, aqui impugnadas, notificadas dentro do prazo de caducidade de quatro anos, considerando, para o efeito, que este se conta a partir do ano civil seguinte ao da exigibilidade do imposto, ou seja, a partir de 1/1/2002, aplicando e interpretando o disposto no n.º 4 do artigo 45.º da LGT, de acordo com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, por força do n.º 2 do artigo 297.º do CC.
Contra tal decisão, insurge-se, agora, a recorrente, alegando que, ao decidir como decidiu, fez o tribunal a quo errónea interpretação e aplicação da lei, violando o princípio da não retroactividade da lei fiscal, previsto no n.º 3 do artigo 103.º da CRP.
Vejamos. O prazo de 4 anos de caducidade do direito de liquidação é aplicável aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 1998 (artigos 45.º, n.º 1 LGT e 5.º, n.º 5 do DL 398/98, que aprovou a LGT).
Sendo o IVA um imposto de obrigação única, esse prazo de 4 anos contava-se a partir da data da ocorrência do facto tributário (artigo 45.º, n.º 4 LGT, na redacção originária).
Porém, por força do artigo 43.º da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, o termo inicial de tal prazo começou a contar-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
A questão que se coloca, então, é a de saber se a nova redacção do n.º 4 do artigo 45.º da LGT e, consequentemente, esse novo modo de contagem do prazo nele prevista se aplica, ou não, aos prazos que já se encontravam em curso no início da vigência da lei que introduziu a alteração em causa.
Ora, como se decidiu na sentença recorrida, esta alteração é de aplicação imediata, abrangendo, assim, os prazos ainda em curso, sem que isso signifique aplicação retroactiva da nova disposição legal, porquanto o facto extintivo do direito à liquidação é duradouro (o decurso do prazo) e não instantâneo (o início do prazo em momento temporal determinado) – cfr. artigo 12.º, n.º 2 do CC.
Este entendimento manifesta-se em abundante jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do STA – v. acórdãos de 26/11/2008, 20/5/2009, 25/6/2009 e 3/3/2010, proferidos nos recursos n.ºs 598/08, 293/09, 1109/08 e 1076/09, respectivamente – que merece a nossa adesão e também na doutrina (v. Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pp. 235 e 242/243).
Aplicando estas considerações ao caso em análise, verificamos que estando em causa IVA do ano de 2001, o prazo de caducidade teve início em 1/1/2002, pelo que o termo do prazo ocorreria em 1/1/2006.
Todavia, o prazo de caducidade esteve suspenso, neste caso, entre a notificação do início da acção de inspecção externa à contribuinte em 23/9/2005 e o seu termo em 6/2/2006 (cfr. n.º 2 do probatório e artigo 46.º, n.º 1 LGT).
À data em que ocorreu a suspensão do prazo de caducidade (23/9/05) faltavam ainda 101 dias para o seu termo em 1/1/2006, pelo que quando as notificações das liquidações de IVA resultantes da acção inspectiva externa foram efectuadas, em 21/4/2006 e 2/5/2006, ainda não tinham decorrido o período remanescente do prazo (101 dias) prosseguido a partir da cessação da suspensão do prazo em 7/2/2006 (cfr. n.º 6 do probatório).
Neste contexto, não se verifica, pois, a caducidade do direito de liquidação.
Quanto à alegada inconstitucionalidade desta interpretação e aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 45.º da LGT, na redacção dada pela Lei 32-B/2002, de 30/12, por violação do artigo 103.º, n.º 3 da CRP, como se acentua no acórdão deste STA de 3/3/2010, no recurso n.º 1076/09, a esse propósito, «Para que assim fosse, necessário era que a recorrente tivesse demonstrado haver sido efectuada aplicação retroactiva da norma, o que pressuporia ter esta sido aplicada a um facto pretérito, inteiramente decorrido à sombra da lei antiga – o que não sucedeu no caso dos autos, como se demonstrou, pois que o prazo de caducidade estava ainda a decorrer aquando da entrada em vigor da lei nova, não havendo, pois, retroactividade em sentido próprio, - ou que o princípio constitucional da protecção da confiança, decorrente da ideia de Estado de Direito democrático (artigo 2.º da Constituição da República) não consentiria na aplicação ao caso da lei nova, pois que esta se traduziria numa “irretroactividade intolerável”, que afectaria de forma inadmissível o núcleo essencial de direitos fundamentais, o que não se vislumbra que ocorra no caso dos autos.».
Improcede, pois, a alegada inconstitucionalidade.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso, confirmando-se, assim, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 5 de Maio de 2010. – António Calhau (relator) – Miranda de Pacheco – Pimenta do Vale.