Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:062/06.7BEPRT
Data do Acordão:12/17/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
PRINCÍPIO DA NÃO RETROACTIVIDADE DA LEI
Sumário:I - A Contribuição Autárquica, imposto municipal criado pelo Código da Contribuição Autárquica (aprovado pelo dec.lei 442-C/88, de 30/11; veja-se actualmente o I.M.I. aprovado pelo dec.lei 287/2003, de 12/11), devia considerar-se um imposto sobre o património que incide no valor dos prédios situados no território de cada município, dividindo-se, de harmonia com a classificação dos mesmos prédios, em rústica e urbana. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de contribuição autárquica era aquele que em 31 de Dezembro do ano a que diz respeito o tributo tenha o uso e fruição do prédio, seja proprietário ou usufrutuário, e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) era constituída pelo valor tributável dos prédios, o qual consistia no valor do rendimento anual produzido pelos imóveis.
II - O vício de inconstitucionalidade orgânica consubstancia-se na violação das normas de competência para a formação dos actos legislativos, no caso o processo de formação do artº.32, nº.2, do dec.lei 287/2003, de 12/11.
III - A Lei 26/2003, de 30/07, da Assembleia da República, conferiu ao Governo a necessária autorização para a aprovação do C.I.M.I., tal como de um regime transitório, onde veio a enquadrar-se o citado artº.32, nº.2, do dec.lei 287/2003, de 12/11. É que a norma do referido artº.32, nº.2, do dec.lei 287/2003, de 12/11, reproduz, exactamente, a norma do artº.84, nº.2, constante do capítulo VI-Disposições finais e transitórias da Lei de autorização legislativa 26/2003, de 30/07.
IV - No ordenamento jurídico português o princípio da proibição de impostos com natureza retroactiva (o qual contempla, apenas, o tipo de retroactividade autêntica) foi expressamente introduzido no texto constitucional com a revisão constitucional de 1997 (cfr.artº.103, nº.3, da C.R.P.; artº.12, nº.1, da L.G.T.), desta forma explicitando um postulado que já poderia considerar-se como uma decorrência do princípio da protecção da confiança, inscrito no princípio do Estado de Direito (cfr.artº.2, da C.R.P.). Desse modo, não são lícitos constitucionalmente os impostos criados para incidir sobre rendimentos já auferidos ou sobre factos tributários (transacções, etc.) já transcorridos. A forma enfática como a norma está formulada não deixa dúvidas sobre a natureza absoluta desta proibição, dando a todo o contribuinte o direito de se recusar a pagar tal imposto. Nessa medida, o imposto retroactivo (ou qualquer outra norma fiscal retroactiva, desde que desfavorável) é sempre constitucionalmente ilícito. A Constituição fez aplicação à obrigação de pagar impostos - que se traduz sempre numa ablação pecuniária dos contribuintes - do mesmo regime de proibição da retroactividade que vale para as restrições de direitos, liberdades e garantias nos termos do artº.18, nº.3, da C.R.P.
V - De acordo com a doutrina, parece não haver qualquer obstáculo constitucional à consagração da retroactividade da lei tributária mais favorável ao contribuinte, como acontece no caso do artº.32, nº.2, do dec.lei 287/2003, de 12/11. Por outras palavras, a irretroactividade fiscal não é aplicável, por razões substanciais, às normas fiscais que espelhem uma situação de favorecimento fiscal, não interessando as modalidades que este venha a assumir: se de isenção total, se de desagravamento fiscal ou se de exclusão tributária.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P25344
Nº do Documento:SA220191217062/06
Data de Entrada:05/13/2019
Recorrente:A............ E OUTRO
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento: