Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0756/17
Data do Acordão:01/24/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
RECURSO HIERÁRQUICO
DIREITO DE AUDIÊNCIA
Sumário:A falta de audição da recorrida antes da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que havia interposto consubstancia preterição de formalidade essencial com efeitos invalidantes, sobre o mesmo recurso na circunstância de terem sido invocados novos fundamentos, e nova matéria de facto.
Nº Convencional:JSTA000P22814
Nº do Documento:SA2201801240756
Data de Entrada:06/22/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:BANCO A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 - RELATÓRIO

A Representante da Fazenda Pública, vem recorrer da decisão do TAF do Porto, exarada a fls. 150 e seguintes, que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida pelo Banco A…….., SA, melhor identificado nos autos, e consequentemente anulou a decisão de arquivamento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento parcial da reclamação por ele deduzida contra a liquidação de IRC de 2001

Inconformada com o assim decidido, apresentou a Representante da Fazenda Pública as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:
«A. A sentença recorrida formulou, salvo melhor opinião, um juízo errado na apreciação da decisão do recurso hierárquico que não foi precedida de notificação para exercício de direito de audição por parte da impugnante, conforme sentença recorrida, “consubstancia uma preterição de formalidade essencial com efeitos invalidantes da decisão de recurso hierárquico (e não, naturalmente da liquidação)”
B. Com base na matéria de facto dada como provada no caso em apreço e antes do recurso hierárquico, apresentado com os mesmos motivos e fundamentos jurídicos da reclamação e conforme exposição no direito de audição no momento do projecto de conclusões do relatório de inspecção, o impugnante exerceu o direito de audição, e concedido o direito para uma segunda participação em sede de reclamação graciosa, optou por não intervir.
C. Segundo Rui Duarte Morais in Manual de Procedimento e Processo Tributário, ano 2012, pág. 36. nova audição em sede de recurso hierárquico seria “inútil, uma vez que o interessado já teve oportunidade de se pronunciar sobre os elementos relevantes para a decisão (a própria petição de reclamação ou recurso constitui oportunidade para ele expressar as razões da sua discordância com a decisão anterior)”
D. No entender de Lima Guerreiro in LGT anotada ano 2001, pág. 275 a 281, nas anotações ao art. 60° da LGT refere que “o direito de audição é exercido geralmente por uma única vez no procedimento: finda a instrução e antes da decisão. Não pode ser utilizado para introduzir dilações sucessivas no procedimento… Em caso de o objecto do direito de audição constituir um acto preparatório da liquidação, como são os previstos nas alíneas c), d) e e) do número 1 do presente artigo, o contribuinte não deve ser, de novo, ouvido antes de esta se realizar, a não ser quando a liquidação se fundamente em elementos distintos daqueles por que o direito de audição inicialmente se concretizou”.
E. E seguindo o mesmo raciocínio que “o direito de audição não se aplica necessariamente aos chamados procedimentos de segundo grau, incluindo reclamações ou recursos hierárquicos. De acordo com o princípio da unidade do procedimento, apenas quando, nos procedimentos de segundo grau, se abrir nova fase instrutória, tem lugar o direito de audição. Não há, nos procedimentos de segundo grau, direito de audição, quando a decisão se deva basear nos mesmos factos em que fundamentou a decisão anterior
F. Existe uma errónea aplicação do normativo do art. 60° n.º 3 da LGT, pelo que, contrariamente ao doutamente decidido, não se verifica a existência de qualquer preterição de uma formalidade essencial na decisão do recurso hierárquico, pois tal formalidade já tinha sido cumprida anteriormente no procedimento tributário.
G. No caso em concreto, a haver novo direito de audição prévia antes da decisão final do recurso hierárquico, não existindo factos novos, constituiria uma medida dilatória da decisão final do procedimento, e com a repetição dos mesmos argumentos pela impugnante, seria um acto inútil sem relevância para o procedimento. Não existindo novidade nos factos, tendo já sido ouvida a impugnante, foram concedidos todos os direitos e garantias de participação, sendo que do indeferimento do recurso hierárquico, a impugnante apenas optou por articular, em sede de impugnação, aspectos procedimentais, actos e vícios que se situam em momentos posteriores à liquidação discutida e fora da génese desta.
H. No recurso hierárquico, a impugnante não trouxe factos novos ao processo susceptíveis de alterar a decisão de indeferimento da reclamação graciosa. A AT regida pelas instruções sobre a dispensa do direito de audição veiculadas através da Circular n.º 13/99, de 08.07.99, no ponto 3, da Direcção de Serviços de Justiça Tributária e art. 60° n.º 3 da LGT entendeu, correctamente, dispensar nova audição ao contribuinte. O que o legislador pretendeu acautelar foi a audição dos contribuintes em qualquer das fases do procedimento que culmina com a liquidação, não tendo o mesmo que exercer esse direito em cada uma das diferentes fases procedimentais, a não ser que se invoquem factos novos sobre os quais o mesmo se não tenha pronunciado.
I. Isso mesmo resulta também do disposto no artigo 103°, n.º 2, alínea a) do CPA, nos termos do qual a audiência dos interessados pode ser dispensada se estes já se tiverem pronunciado no procedimento sobres as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas.
J. Pelo que a sentença encontra-se viciada de erro de julgamento na matéria de direito, não podendo manter-se na ordem jurídica, nunca poderia ser exigida a formalidade da audição prévia antes do indeferimento do recurso hierárquico, por no caso em concreto ser possível a dispensa da audição prévia nos termos do art. 60° n.º 3 da LGT, quando esse direito já foi exercido previamente no procedimento, em sede de relatório de inspecção, assim como foi concedido novamente direito de participação em sede de reclamação graciosa.
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.»

O Recorrido, Banco A………., S.A., veio apresentar as suas contra alegações que as resumiu nas seguintes conclusões:
«(a) A Recorrente nada disse em sede de contestação a propósito do vício invocado pelo Recorrido e que o Tribunal a quo considerou verificar-se.
(b) Por outro lado, na decisão objecto da presente acção o Director de Finanças de Lisboa, aqui representado pela Recorrente, nada referira quanto aos motivos que terão estado na origem da (pelo menos implícita) decisão de não notificação do Recorrido para efeitos de exercício do direito de audição previamente à decisão do recurso hierárquico.
(c) Tal significa que a Recorrente considera que o Tribunal a quo errou na sua decisão por não ter atendido a (alegadas) razões que não foram invocadas na sede própria.
(d) A jurisprudência tem vindo a considerar inadmissível a fundamentação a posteriori do acto tributário, enfatizando, por outro lado, a adequação da apreciação pelo tribunal apenas da fundamentação contemporânea do mesmo acto.
(e) Assim, nada nas alegações de recurso da Recorrente é susceptível de afectar a adequação da decisão do Tribunal a quo quando formulou o seu juízo sobre a legalidade da correcção em análise à luz da fundamentação contemporânea do acto tributário, sendo irrelevante no âmbito do presente recurso a fundamentação a posteriori aqui implicitamente preconizada pela Recorrente.
(f) Mas, ainda que fosse de admitir que a Recorrente pode em sede de recurso tentar fundamentar a decisão do seu representado, ainda assim haveria que concluir que as suas alegações não procedem, porque não se verificam na situação em análise os pressupostos da alegada decisão de dispensa de notificação para exercício do direito de audição.
(g) Com efeito, o Recorrido invocou como fundamento da anulação da decisão do recurso hierárquico, entre outros, a ilegalidade da decisão de indeferimento parcial da reclamação por violação dos princípios constitucionais da boa fé e da imparcialidade nas relações entre os particulares e a Administração Pública, vício que se reporta à decisão da reclamação que precedeu o recurso hierárquico, o que significa que os fundamentos invocados pelo Recorrido no recurso hierárquico não são os mesmos da reclamação, não procedendo o que a este respeito é invocado pela Recorrente.
(h) Por outro lado, o Recorrido invocou em sede de recurso hierárquico o facto de em processo de reclamação relativo ao IRC do mesmo ano de 2001, em que se discute também uma das questões discutidas no presente processo (a relativa aos juros de mora), em que o coordenador que emite o parecer que é submetido a despacho é o coordenador que emitiu o parecer no procedimento e em que o chefe de divisão que emitiu o despacho sobre o parecer e assinou os ofícios é o chefe de divisão que emitiu o despacho sobre o parecer e assinou os ofícios no procedimento, a decisão ir no sentido oposto à do procedimento de reclamação aqui relevante porque decisão diversa fora preconizada pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, facto que não tinha sido invocado em sede de reclamação, o que significa que o Recorrido trouxe factos novos no âmbito do recurso hierárquico, pelo que não procede o que a este respeito é invocado pela Recorrente.
(i) Invocou o Recorrido como fundamento da anulação da decisão do recurso hierárquico, entre outros, a respectiva falta de fundamentação e a violação do princípio da decisão a que se encontra obrigada a Administração Tributária, questões relevantes para efeitos de apreciação da decisão e que poderiam ter sido suscitadas pelo Recorrido em sede de exercício do direito de audição caso para o efeito lhe tivesse sido dada a oportunidade, o que significa que não foi dada ao Recorrido oportunidade para se pronunciar sobre todas as questões que importam à decisão do recurso hierárquico, pelo que não procede o que a este respeito é invocado pela Recorrente.
(j) Conforme alegado e demonstrado nos presentes autos, a decisão de arquivamento do recurso hierárquico baseia-se em informação e pareceres dos serviços, pelo que não procede a alegação da Recorrente de que no procedimento de recurso hierárquico não foi aberta fase instrutória, o que, na tese da Recorrente, permitiria a dispensa de notificação para exercício do direito de audição prévia da decisão.
(k) O número 3 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária prevê a dispensa de audição prévia quando o contribuinte já foi ouvido em fases anteriores do procedimento e não são apresentados “factos novos” (o que — saliente-se — o Recorrido demonstrou já não se verificar no caso concreto), mas tal dispensa limita-se ao procedimento de liquidação, não abrangendo (a contrario) procedimentos posteriores, o que significa que não procede o que a este respeito é invocado pela Recorrente.
(I) Desta forma, nada nas alegações de recurso da Recorrente é susceptível de afectar a adequação da decisão do Tribunal a quo quando formulou o seu juízo sobre a legalidade da decisão do recurso hierárquico.
(m) Em conformidade, não merece a decisão do Tribunal a quo a censura que lhe é apontada pela Recorrente.»

O Recurso apresentado pelo mesmo Banco a fls.160 foi julgado deserto por falta de alegações e conclusões (vide fls. 210).

O Ministério Público emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
«A recorrente, FAZENDA PÚBLICA, vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada a fls. 150/156, em 08 de Março de 2017, no segmento em que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de indeferimento do recurso hierárquico, no entendimento de que ocorre vício formal por omissão de notificação para o exercício do direito de audição prévia antes da decisão do procedimento de recurso hierárquico.
Ressalvado melhor juízo, afigura-se que o recurso não merece provimento.
Vejamos.
O direito consagrado nos artigos 121º do CPA (correspondente ao anterior artigo 100°), 45°/1 do CPPT e 60° da LGT constitui uma concretização do princípio da participação dos particulares na formação das decisões administrativas que lhe digam respeito, dando, assim, satisfação à diretriz consagrada no art. 267°/5 da CRP, revestindo a natureza de um princípio estruturante da lei especial sobre o processamento da actividade administrativa, traduzindo a intenção legislativa de atribuição de um verdadeiro direito subjetivo procedimental.
Nos termos do disposto no artigo 60.°/1/b) da LGT, o contribuinte deve ser ouvido, nomeadamente, antes do indeferimento total ou parcial dos recursos.
Nos termos do artigo 60.°/2/ a) é dispensada a audição prévia do contribuinte no caso da decisão do recurso lhe ser favorável.
Questão que é debatida é a de saber se nos procedimentos de 2.º grau, como é o caso do recurso hierárquico, é obrigatória a audição prévia do contribuinte no caso da decisão que se vai tomar é meramente confirmativa da decisão anterior.
Ora, sendo a decisão a tomar no recurso hierárquico meramente confirmativa, que nada acrescenta à anterior e que se limita a reafirmar a sua validade jurídica, a audição prévia é inútil e, por isso, não há lugar à sua realização, uma vez que a lei proíbe a prática de atos inúteis.
Portanto, apenas haverá a obrigatoriedade de audição prévia antes da decisão do recurso hierárquico sempre que haja uma “nova decisão”, em alguma medida desfavorável ao contribuinte (Neste sentido acórdãos do STA, de 15/10/2008-R. n.º 0542/08, disponível no sítio da internet ww.dgsi.pt e de 04/10/2017-R. n.º 0406/13, ainda não publicado e Manual de Procedimento e de Processo Tributário, 2012, Almedina, páginas 36/37, Rui Duarte Morais).
Ora, no caso em análise, como resulta do probatório, a recorrente na sua petição de recurso hierárquico invocou como fundamentos a violação dos princípios constitucionais da boa-fé e da imparcialidade por banda da decisão de reclamação graciosa por ter sido proferida acriticamente por parte da DF de Lisboa com base nas conclusões da DSIT, entidade que foi responsável pela ação inspetiva de que a recorrida foi objeto, sem que se tivesse relevado a argumentação da recorrida, o direito ao percebimento de juros indemnizatórios, uma vez que a liquidação tem origem em erro imputável aos serviços e a ilegalidade da liquidação de juros de mora, uma vez que o artigo 101.º do CIRC apenas a prevê a liquidação de juros de mora no caso de autoliquidação do tributo, o que não é o caso.
Portanto, a decisão do recurso hierárquico, que apreciou a petição do recurso, como resulta do probatório, é uma “nova decisão” face à decisão da reclamação graciosa, desfavorável à recorrida, em que foi apreciada nova matéria de facto e de direito.
O artigo 60.°/2/ a) da LGT apenas prevê a dispensa de notificação para o exercício do direito de audição prévia, no caso de a decisão do recurso ser favorável ao contribuinte, sendo certo que a dispensa a que se refere o n.º 3 do mesmo artigo, apenas prevê a audição anterior ao ato de liquidação.
A sentença recorrida não merece, assim, censura.
Termos em que deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

2 - Fundamentação

O Tribunal a quo deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 04.08.2004, foi emitida em nome da impugnante a liquidação de IRC e juros compensatórios n.º 2004 8310002998, relativa ao exercício de 2001, no montante de €57.162,24— cfr. fls. 11 do PA apenso.
2. Em 22.03.2005, a impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação que antecede, na qual contesta as correcções relacionadas com encargos não devidamente documentados e/ou de carácter confidencial e com a respectiva tributação autónoma bem como com custos não aceites, os juros compensatórios e os juros de mora — cfr. fls. 102 do PA apenso.
3. Em 04.04.2008, pelo técnico economista assessor principal da Direcção de Serviços da Inspecção Tributária foi subscrita informação que se debruça sobre a reclamação apresentada pela impugnante — cfr. fls. 60 a 67 do PA apenso.
4. Em 13.05.2008, pelo Director de Serviços de Inspecção Tributária foi proferido despacho de concordância com a informação que antecede — cfr. fls. 60 do PA apenso.
5. Em 09.12.2008, pelo inspector tributário da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa foi subscrita informação sobre a reclamação apresentada, a qual, por sua vez, remete para a informação datada de 04.04.2008 — cfr. fls. 73 e ss. do PA apenso.
6. Em 22.12.2008, pelo Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa foi proferido despacho de indeferimento parcial da reclamação apresentada com a fundamentação constante da informação que antecede — cfr. fls. 73 do PA apenso.
7. Em 02.01.2009, foi assinado o aviso de recepção relativo à carta de notificação do despacho que antecede — cfr. fls. 78 do PA apenso.
8. Em 23.02.2009, a impugnante interpôs recurso hierárquico do despacho de indeferimento parcial, invocando: a) A violação dos princípios constitucionais da boa fé e da imparcialidade por parte da decisão da reclamação graciosa por ter sido emitida acriticamente por parte da Direcção de Finanças de Lisboa com base nas conclusões da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, entidade esta que foi responsável pela acção inspectiva de que a impugnante foi objecto, sem ter sido considerada a argumentação apresentada pela impugnante; b) Que lhe devem ser atribuídos juros indemnizatórios uma vez que a liquidação que contesta tem origem em erro imputável aos serviços; c) Que é ilegal a liquidação de juros de mora por assentar no artigo 101.º do CIRC e tal norma apenas prever a liquidação de juros de mora no caso de autoliquidação de imposto, não sendo esse o caso — cfr. fls. 3 e ss. do PA apenso.
9. Em 17.04.2009, sobre o recurso hierárquico recaiu informação com o seguinte teor — cfr. fls. 20 e ss. do processo físico:
Vem, a Contribuinte, em 23.02.2009, interpor recurso hierárquico da decisão de Deferimento Parcial expressamente proferida, em 22.12.2008, nos autos de reclamação graciosa n° 3085-05 que lhe foi notificada em 23.01.2009.
Nos termos do Art° 9° do C.P.P.T, há legitimidade. É também este o meio próprio. E é, igualmente, a petição tempestiva, por ter sido apresentada no prazo de 30 dias contados da notificação da decisão à Contribuinte.
Verifica-se ainda estar a peça processual dirigida, como de resto o determinam os preceitos legais supra referidos, ao órgão competente, i.e, a Sua Exª o Ministro das Finanças, “o mais elevado superior hierárquico do autor do acto”.
*
1. Na reclamação graciosa, a Contribuinte que assumiu através de fusão por incorporação todos os direitos e obrigações do extinto B……………….. SA, veio contestar as correcções promovidas pelos SIT no âmbito de uma acção inspectiva realizada contra esta Entidade.
2. Designadamente as tocantes a Despesas Confidenciais e/ou não Documentadas e respectiva Tributação Autónoma, e ainda as referentes a Juros Compensatórios e de Mora.
3. Quanto às despesas confidenciais a Reclamante veio admitir que não tinha apresentado quando solicitada a documentação de suporte dos encargos uma vez que não fora possível aceder aos mesmos em tempo útil, encontrando-se, porém, à data da interposição do procedimento, em condições de o fazer conforme Documento n°2 anexo à p.i.
4. Consequentemente entendeu a Reclamante não serem devidos quaisquer juros compensatórios no valor de € 4.257,25, nem juros de mora no montante de € 4.531,711.
5. De resto, alegando que ainda que se considerasse existir obrigação tributária em falta o prazo para o respectivo pagamento ainda não teria sido ultrapassado na data em que a liquidação adicional fora emitida.
6. Face às alegações deduzidas reputou-se útil solicitar à DSIT a prestação de uma matéria de facto.
7. Em cumprimento do solicitado e uma vez ponderadas as alegações da Reclamante os SIT sancionaram a manutenção da correcção do valor de € 24 324,38, respeitante a regularização de rendas de imóveis de 1999 por existirem divergências de valores e também porque o documento apresentado “Nota de débito/NB de 30.01.04” emitida pelo ……. ao A…………….. não se referia ao B…………….., SA.
8. Sancionando igualmente ser de manter a tributação autónoma sobre este valor, anulando-se em contrapartida todas outras as correcções.
9. Quanto aos juros compensatórios os SIT informaram que na proporção do imposto retardado haveria lugar a juros compensatórios quanto aos juros de mora entendeu-se que deveria ser a Direcção de Serviços de Cobrança a pronunciar-se acerca da sua determinação.
10. Com base nesta informação foi elaborado o projecto de decisão que aderiu integralmente ao que fora informado por aqueles Serviços, e não tendo a Reclamante exercido o direito de audição foi prestada a informação final sobre a qual veio a recair o despacho ora recorrido.
11. Na sua p.i a ora Recorrente invoca a violação por parte da AT dos princípios constitucionais da boa-fé e da imparcialidade na medida em que a DF se limitou a aderir à informação prestada pelos SIT que já se haviam prenunciado sobre a matéria aquando da acção inspectiva, não se garantido desse modo uma apreciação imparcial, o que no seu entender fere o acto de legalidade.
12. Em conformidade vem requerer o pagamento de juros indemnizatórios.
13. Invoca ainda omissão de pronúncia quanto ao pedido de anulação dos juros de mora. O que tendo em conta o informado a fls. 75 desde já se contradita.
14. Vejamos.
15. Na apreciação dos pedidos formulados pelos sujeitos passivos o órgão instrutor do processo administrativo com vista ao apuramento da verdade material pode, se entender necessário, requerer, nos termos do Art° 72° da LGT, a intervenção de prova pericial.
16. Prova a prestar por quem tem conhecimentos especializados sobre o objecto em discussão no procedimento.
17. Esta prova pericial limita-se na reclamação graciosa, de acordo com a alínea e) do Art° 69° do CPPT à prova documental.
18. Assim se contextualiza o pedido de matéria de facto à DSIT que por força da alínea d) n.º 2 do Art° 2° do RCIT tem por incumbência justamente a prestação dessa prova.
19. E não obstante as informações prestadas pela AT fazerem fé desde que fundamentadas e baseadas em critérios objectivos (Art° 76° n° 1 da LGT);
20. Essa prova poderá, ou não, vir a ser aceite por quem a solicitou que é quem em última instância tem a obrigação de a valorar.
21. Uma vez produzida, o órgão decidente não está obrigado a com ela concordar pelo que, se isso suceder, terá que fundamentar essa divergência, como decorre do n° 1 do Art° 77º da LGT, interpretado a confraria.
22. Mas o órgão não está obrigado a discordar, nem pode a tal ficar condicionado, e nesse caso a norma citada admite a fundamentação do acto por remissão aos fundamentos constantes dessa informação.
23. Ora, ao actuar de acordo com os meios legais ao seu dispor a AT não age de má-fé (Artº 59° n° 2 da LGT).
24. Por outro lado, o que o princípio da imparcialidade (Art° 55° da LGT) impõe é que a AT na prossecução da sua actividade seja isenta, não beneficiando, nem prejudicando os sujeitos passivos que em condições análogas devem merecer tratamento fiscal equivalente.
25. Podemos então assegurar que a AT exerceu no caso em apreciação como age em todos os demais. Ou seja, dando a intervenção dos SIT por Indispensável sempre que esteja em causa o apuramento da verdade material a que aliás se refere o Art° 58º da LGT.
26. Por fim refira-se que ao contrário do que alega a Recorrente, o legislador ao elencar as competências dos SIT face ao propósito de definir a real situação tributária dos Contribuintes fê-lo na perspectiva de todas se complementarem e não de as mesmas conflituarem.
27. Quanto aos juros de mora contidos na liquidação reclamada há que dizer o seguinte: De facto a norma do Art.º 101° do CIRC prevê que “Havendo lugar a autoliquidação de imposto e não sendo efectuado o pagamento deste até ao termo do respectivo prazo comecem a correr imediatamente juros de mora.
28. Porém, o nº 1 do Art.º 102° do CIRC salvaguarda que caso a liquidação do imposto seja promovida pelos Serviços, o que se verifica no caso em apreciação, o Contribuinte deverá ser notificado para pagar o imposto e juros que se mostrem devidos no prazo de 30 dias a contar da notificação. Procede assim a alegação da Recorrente.
29. Todavia cumpre informar que os juros de mora no montante de € 4.837.70 foram já objecto de anulação na totalidade como fica comprovado a fls. 109 e 112 dos presentes autos, razão pela qual a pretensão da Recorrente deverá quanto a este ponto ser Arquivada, por Inutilidade Superveniente da Lide.
30. Quanto aos juros indemnizatórios não cabe aqui a apreciação da sua obrigatoriedade uma vez que esta depende de uma decisão final que nos é neste momento desconhecida.
31. Quanto ao demais informado e com o douto suprimento de Vª Exª deverão os presentes autos de Recurso ser considerados IMPROCEDENTES, com todas as consequências legais que daí advierem.”

10. Em 22.04.2009, pela Chefe da Equipa 1 foi subscrito parecer com o seguinte teor: “Confirmo. Face ao informado e demais elementos que integram os autos verifica-se que parte do pedido inicial do recorrente, designadamente quanto à anulação dos juros de mora, encontra-se satisfeito, pelo que nesta parte o presente recurso deverá ser arquivado; quanto às restantes alegações, consideramo-las improcedentes nos termos em que vem informado. (...).“ — cfr. fls. 113 (verso) do PA apenso.
11. Sobre a informação que antecede recaiu parecer do Chefe de Divisão com o seguinte teor: “Confirmo. Face ao informado, ao parecer do Sr. Chefe de equipa e aos demais elementos que integram os autos, sou de parecer que o pedido da recorrente é de indeferir no que respeita à anulação dos juros de mora, sendo de negar provimento relativamente à restante matéria controvertida (...).“— cfr. fls. 113 do PA apenso.
12. Em 04.05.2009, pelo Director de Finanças Adjunto foi proferido despacho com o seguinte teor: “Concordo, pelo que, com os fundamentos constantes da presente informação e respectivos pareceres, determino que se proceda ao arquivamento do presente recurso hierárquico. Notifique-se.” — cfr. fls. 113 do PA apenso.
13. Em 28.05.2009, foi assinado o aviso de recepção relativo à carta de notificação do despacho que antecede — cfr. fls. 119 do PA apenso.
14. Em 27.08.2009, foi remetida a este Tribunal, via correio, a p.i. que deu origem aos presentes autos — cfr. fls. 65 do processo físico.

A decisão considerou ainda como provados os seguintes factos com relevância para a decisão.
A. Em 29.01.2004, pelo ofício n.º 332 foi remetido à B………… S.A., o projecto de conclusões do relatório de inspecção ao exercício de 2001, no qual veio a assentar a liquidação em causa — cfr. fls. 11 do relatório de inspecção.
B. Notificada do documento que antecede, a B……………., S.A., pronunciou-se por escrito — cfr. anexo n.º 20 do relatório de inspecção.
C. Com data de 20.02.2004, pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção- Geral dos Impostos foi elaborado “Relatório de inspecção tributária”, por referência a B……………., S.A., do qual resultaram correcções de natureza meramente aritmética à matéria colectável do exercício de 2001, no valor de €253.293,33 — cfr. fls. 25 e ss. do PA apenso.
D. A impugnante assumiu, através de fusão por incorporação, todos os direitos e obrigações do extinto B………………., S.A. — cfr. fls. 21 do processo físico.
E. Em 13.11.2008, pelo ofício n.º 087493 foi remetido, via correio registado, o projecto de decisão da reclamação graciosa — cfr. fls. 134 do processo físico e fls. 71 e 72 do processo de reclamação graciosa.
F. Notificada do documento que antecede, a impugnante não se pronunciou sobre o mesmo — cft. fls. 134 do processo físico.

3- DO DIREITO:
A decisão sob recurso exprimiu a seguinte motivação de direito que se apresenta por extracto:
“(…) 1. Da ilegalidade da decisão do recurso hierárquico por preterição de audiência prévia.
Resulta do n.º 5 do artigo 267.° da Constituição da República Portuguesa que “O processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará (...) a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.” Nos termos do n.º 1 do artigo 45.° do CPPT, “O procedimento tributário segue o princípio do contraditório, participando o contribuinte, nos termos da lei, na formação da decisão.” Tal participação consiste, designadamente, no “Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições” — cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT. Porém, “Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado. “— cfr. n.º 3 do artigo 60.º da LGT.
Assim, a lei prevê o direito de audição antes do indeferimento dos recursos sem que seja aplicável ao caso a dispensa prevista no nº 3 do artigo 60º da LGT considerando que a liquidação já foi emitida.
No caso em apreço, como resulta da matéria assente, a decisão do recurso hierárquico não foi precedida de notificação para exercício de direito de audição por parte da impugnante, o que consubstancia preterição de formalidade essencial com efeitos invalidantes da decisão do recurso hierárquico (e não, naturalmente, da liquidação).
Por conseguinte, impõe-se a anulação da decisão do recurso hierárquico por a mesma não ter sido precedida de audição prévia da impugnante.

Atenta a procedência da invocada preterição de audição prévia relativamente à decisão do recurso hierárquico, fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios apontados à mesma — cfr. artigo 608°, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2°, alínea e), do CPPT.
2. Da ilegalidade da decisão da reclamação graciosa por violação do princípio da imparcialidade
Do artigo 55.º da LGT decorre que a Administração Tributária exerce as suas atribuições de acordo com diversos princípios, designadamente os da justiça e da imparcialidade, os quais lhe impõem que “se norteie por critérios de isenção na averiguação das situações fácticas, realizando todas as diligências que se afigurem necessárias para averiguar a verdade material, independentemente de os factos a averiguar serem contrários aos interesses patrimoniais que à administração tributária cabe defender.”(DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 3.ª edição, Vislis Editores, Setembro de 2003, p. 449.)
Resulta da matéria assente que o relatório de inspecção tributária no qual assentou a liquidação em crise foi elaborado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção- Geral dos Impostos. Mais resulta que a informação que se debruça sobre a reclamação apresentada contra a liquidação é da autoria de elementos dos mesmos serviços, remetendo para a respectiva fundamentação a decisão que, embora proferida pelo Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, veio a recair sobre a mesma.
Todavia, a mera circunstância de a decisão da reclamação remeter para a fundamentação elaborada pelos serviços de inspecção, ainda que tenham sido os mesmos a fundamentar a liquidação, só por si e isolada, não belisca, de forma alguma aqueles princípios. Efectivamente, o que se impõe é que a Administração Tributária — no seu todo, em termos de organização - milite no sentido do apuramento da verdade material, não ficando o mesmo em causa só por serem os serviços de inspecção a fundamentar o indeferimento. Acresce que também não é a remissão para a fundamentação que faz coincidir o órgão instrutor com o órgão decisor, como defende a impugnante, sendo permitida a fundamentação por remissão nos termos do n.º 1 do artigo 77.º da LGT.
Pelo exposto, improcede este fundamento invocado.
3. Do direito a juros indemnizatórios
Considerando que os fundamentos invocados nesta impugnação judicial se prendem com irregularidades nos procedimentos de reclamação e recurso hierárquico — sem contenderem directamente com a liquidação impugnada -, inevitavelmente improcede o pedido de juros indemnizatórios pois que a liquidação se mostra, nesta sede, intocável.
Por conseguinte, improcede o pedido de juros indemnizatórios.

Vencidas, são ambas as partes responsáveis pelo pagamento das custas na proporção do decaimento que se fixa em 50% para a impugnante e 50% para a Fazenda Pública, nos termos do artigo 446.° do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
V - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar a presente impugnação parcialmente procedente e, em consequência, anular a decisão de arquivamento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento parcial da reclamação contra a liquidação de IRC de 2001, no mais, absolver a Fazenda Pública do pedido.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento que se fixa em 50% para a impugnante e 50% para a Fazenda Pública.

DECIDINDO NESTE STA
Como resulta do já apresentado a sentença anuiu à tese da Impugnante, no entendimento de que se verificou preterição do direito de audiência prévia em sede de recurso hierárquico.
A Fazenda Pública insurge-se contra a sentença, neste segmento em que se considerou verificada a preterição de formalidade essencial por ter sido negado ao contribuinte o exercício do direito de audiência prévia à decisão do recurso hierárquico.
Por outro lado, o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, emitiu parecer no sentido de que o recurso da Fazenda Pública não merece provimento.
A questão a apreciar e decidir é a seguinte:
Saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que a decisão do recurso hierárquico enferma de preterição de formalidade essencial por a AT não ter facultado à aí recorrente (o Banco ora Recorrido) o exercício do direito de audiência previamente àquela decisão.

A Fazenda Pública sustenta que não se verifica a apontada preterição de formalidade legal nos termos das suas conclusões de recurso supra destacadas.
Adiantamos já que a decisão recorrida é de confirmar, desde logo, na circunstância de o recurso da Fazenda Pública assentar em pressuposto que não se verifica. A saber: não existirem questões novas que tenham sido suscitadas no recurso hierárquico. Ora, como destaca o Banco recorrido nas suas contra-alegações é exacto que foram suscitadas questões novas. Assim devia ter-se concedido ao Contribuinte a possibilidade de exercer o direito de audiência previamente à liquidação. O que se controverte nos autos é se essa possibilidade deveria devia ou não ter sido conferida ao Banco contribuinte antes da decisão do recurso hierárquico (obviamente, depois da liquidação adicional de IRC de 2001).
Deve desde já referir-se que o facto de o contribuinte ter prescindido do exercício do direito num determinado procedimento ou fase procedimental não autoriza que a Administração fique autorizada a recusar-lhe no futuro a faculdade de exercício do mesmo direito num procedimento diverso ou numa outra fase processual, caso a lei o imponha (assim se afirmou e decidiu no Ac. deste STA de 04/10/2017 tirado no recurso nº 0406/13, num caso muito próximo do que agora nos ocupa). Como ali se referiu:
“(…) Na verdade, o direito de audiência é um verdadeiro direito e, por isso, de exercício facultativo, não estando prevista sanção ou consequência desfavorável alguma para o seu não uso, que, aliás, seria contrário à sua natureza, que é a de permitir (e não obrigar) aos administrados o direito de participação na formação das decisões e deliberações que lhes disserem respeito (cfr. art. 267.º, n.º 5, da CRP).
O que cumpre averiguar é se, tendo sido concedida ao Contribuinte a possibilidade de exercer esse direito antes da decisão da reclamação graciosa, como foi no caso, pode a AT dispensar-se de lhe conceder essa possibilidade (que, para ela, constitui um dever) antes da decisão do recurso hierárquico (omitindo a notificação para o efeito), ainda que não tenham em sede de recurso hierárquico sido invocados factos sobre os quais aquele ainda não se tivesse pronunciado, o que, nesse caso, também importará averiguar(…)..

E esta questão foi de facto suscitada pela recorrente Fazenda Pública nas suas conclusões B) a H) onde em suma sustenta que, porque foi concedida ao Contribuinte a possibilidade de exercer o direito de audiência previamente à decisão da reclamação graciosa, a AT já não tinha que lhe conceder esse possibilidade previamente à decisão do recurso hierárquico. Para tanto, louva-se no disposto no n.º 3 do art. 60.º da LGT, na posição de LIMA GUERREIRO, em comentário àquele preceito na Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, notas 11 e 12 ao art. 60.º, págs. 278 e 279, onde aquele autor afirma, respectivamente:
«O direito de audição não se aplica necessariamente aos chamados procedimentos de segundo grau, incluindo reclamações ou recursos hierárquicos. De acordo com o princípio da unidade do procedimento, apenas quando, nos procedimentos de segundo grau, se abrir nova fase instrutória, tem lugar o direito de audição. Não há, nos procedimentos de segundo grau, direito de audição, quando a decisão se deva basear nos mesmos factos em que fundamentou a decisão anterior» e «O direito de audição é exercido geralmente por uma única vez no procedimento: finda a instrução e antes da decisão. Não pode ser utilizado para introduzir dilações sucessivas no procedimento. O presente artigo recusa, pois, a ideia de qualquer dupla ou tripla audição no procedimento».)
Mas, não podemos concordar.
Desde logo, porque a posição sustentada pela Recorrente não encontra apoio na lei – nem na sua letra, nem na sua razão de ser (sendo que esta deve procurar-se a partir daquela, como resulta do disposto do art. 9.º do Código Civil) – e também porque tem na sua génese um entendimento restritivo do direito de participação que não podemos subscrever. Vejamos:
O n.º 3 do art. 60.º da LGT dispõe: «Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado».
Como resulta da letra da norma («é dispensada a sua audição antes da liquidação»), a dispensa da audiência aí prevista refere-se ao procedimento de liquidação e ao momento anterior à prática do acto final desse procedimento (a liquidação propriamente dita). Ora, no caso, como deixámos já dito, não é o direito de audiência antes da liquidação que está em causa; é esse direito relativamente ao recurso hierárquico (rectius, o exercício desse direito previamente à decisão do recurso hierárquico) que foi interposto da decisão da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação. Assim, não vislumbramos como possa aplicar-se aquele normativo à situação sub judice.
Como resulta dos seus termos e deixámos já dito, o n.º 3 do art. 60.º da LGT apenas dispensa a audição prevista na alínea a) do n.º 1 (i.e., a que é anterior ao acto de liquidação), e não em qualquer das outras situações previstas nas alíneas b) a e) do n.º 1 do mesmo artigo.
Mas não é só a letra da lei a não dar cobertura ao entendimento da Recorrente é também a razão de ser que preside ao instituto da audiência prévia, impondo-a à AT como um dever e ao contribuinte como um direito, não permitindo extrair argumento algum a favor da dispensa da audiência previamente à decisão do recurso hierárquico.
Na verdade, o aresto por nós, já supra, referenciado é exaustivo na dilucidação desta temática razão porque o passamos a citar:
“(…) o princípio da participação – que vimos já ter merecido consagração constitucional no art. 267.º, n.º 5, da Lei Fundamental – visa que as decisões administrativas sejam, na sua formação, participadas pelos seus destinatários (decorrência da mudança do paradigma da Administração autoritária para a Administração participada), ou seja, ao administrado deve ser facultada a possibilidade de ter intervenção activa no processo de formação da decisão administrativa que lhe respeite.
Esse princípio veio a ser concretizado no art. 8.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) – de acordo com o qual «os órgãos da administração pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência», de harmonia com as regras fixadas nos arts. 100.º a 103.º, e veio igualmente a ser acolhido no âmbito do procedimento tributário no art. 60.º da LGT, sob a forma de «direito de audição do contribuinte», e no art. 45.º do CPPT.
Assim, só em casos em que essa intervenção no processo de formação da decisão se afigura, com segurança, totalmente desnecessária, por inútil, se poderá admitir a sua dispensa. Em todo o caso, essa dispensa deve resultar expressamente da lei, não se permitindo à Administração qualquer juízo de oportunidade relativamente a facultar ou não o exercício do direito de audiência.
Deixámos já dito que, a nosso ver, a dispensa da audiência do contribuinte antes da decisão do recurso hierárquico não pode ser justificada com base no n.º 3 do art. 60.º da LGT.
Também não encontramos fundamento legal para que o facto de ter sido concedida ao Contribuinte a oportunidade de exercer o direito de audiência previamente à decisão da reclamação graciosa dispense a audiência previamente à decisão do recurso hierárquico. Só assim não seria caso a decisão do recurso hierárquico houvesse sido totalmente favorável ao Contribuinte, hipótese em que a alínea a) do n.º 2 do art. 60.º da LGT prevê a dispensa da audiência prévia, o que não foi o caso. Na verdade, sendo que a decisão do recurso hierárquico foi no sentido do deferimento parcial, a alínea b) do n.º 1 do referido art. 60.º da LGT impunha a audiência prévia.
Por outro lado, apesar de ambos os procedimentos em causa – de reclamação graciosa e de recurso hierárquico – se destinarem à reavaliação da liquidação adicional, não podemos afirmar que a solução preconizada em cada um deles seja a mesma, como resulta manifesto da divergência de decisões neles proferidas: enquanto no primeiro a decisão foi de improcedência, no segundo a decisão foi de parcial procedência. O que significa que a argumentação jurídica considerada não foi a mesma ou, pelo menos, não foi integralmente a mesma ou não foi ponderada no mesmo sentido.
Ora, sendo certo que há doutrina (Cfr. LIMA GUERREIRO, ob. cit., que sustenta que nos procedimentos de segundo grau apenas há lugar ao direito de audiência quando «se abrir nova fase instrutória», não existindo esse direito «quando a decisão se deva basear nos mesmos factos em que fundamentou a decisão anterior» (nota 11 ao art. 60.º, pág. 277).) e jurisprudência (Cfr. a jurisprudência invocada pela Recorrente e pelo Procurador-Geral Adjunto.) que restringem o exercício do direito de audiência em sede de procedimento de segundo grau aos casos em que há novos factos a motivar a decisão, nada na lei permite concluir que o direito de audiência se pode dispensar quando haja apenas matéria de direito a considerar na decisão a proferir.
Como diz JORGE LOPES DE SOUSA, «há que notar que não é apenas quando a decisão se fundamenta em factos não afirmados pelos interessados que se justifica o direito de audiência, pois o direito de participação na formação na decisão constitucionalmente reconhecido reporta-se à sua globalidade, abrangendo por isso, o direito de este se pronunciar sobre qualquer questão de direito relativamente à qual não haja sintonia entre a sua posição e a que a administração tributária pretende adoptar no procedimento tributário» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, anotação 3 ao art. 45.º, pág. 426.).

O mesmo Autor explica detalhadamente por que o direito de audiência não se justifica só nos casos em que haja apreciação de factos, mas também tem lugar nos casos em que tenha de haver apenas apreciação de questões de direito (Ibidem, sendo que o Autor, comentando a Circular n.º 13/99, de 8 de Julho de 1999 (disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/D9501C35-463A-420D-A531-3D2C5DAF846A/0/circular_13_de_08-07-1999_direccao_de_servicos_de_justica_tributaria.pdf),
designadamente os casos aí previstos sob a alínea a) das «Decisões sujeitas a audiência» – casos descritos como «As decisões que se fundamentam em factos não revelados nos pedidos, petições, reclamações ou recursos hierárquicos, apresentados pelos contribuintes» –, salienta que «em relação à situação referida na alínea a), há que notar que não é apenas quando a decisão se fundamenta em factos não afirmados pelos interessados que se justifica o direito de audiência, pois o direito de participação na formação na decisão constitucionalmente reconhecido reporta-se à sua globalidade, abrangendo por isso, o direito de este se pronunciar sobre qualquer questão de direito relativamente à qual não haja sintonia entre a sua posição e a que a administração tributária pretende adoptar no procedimento tributário».).
No procedimento administrativo comum, a dispensa de audiência prévia nos procedimentos de 2.º grau, como o é o recurso hierárquico, quando o interessado se tenha já pronunciado sobre todos os factos ou questões relevantes para a decisão em anterior fase do procedimento, nomeadamente em procedimento de 1.º grau, e não haja factos ou elementos novos no recurso, tem vindo a ser sustentada ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do art. 103.º do CPA, na redacção anterior à do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, à qual hoje corresponde o art. 100.º, n.º 3, alínea d).
Como resulta do que deixámos já dito, entendemos que esse regime não tem aplicação no procedimento tributário. Na verdade, da alínea b) do n.º 1 do art. 60.º da LGT resulta, expressamente, o dever de proceder a audição prévia do interessado, em caso de indeferimento total ou parcial, nos procedimentos de 2.º grau.
Por outro lado, se é certo que com a alteração efectuada ao art. 60.º da LGT pela Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio (primeira alteração à Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2002), o legislador contemplou um caso de dispensa de audição prévia em termos idênticos aos previstos na alínea a) do n.º 2 do art. 103.º do CPA, não o é menos que, como resulta expressamente do n.º 3 do art. 60.º da LGT, restringiu-o às situações anteriores à liquidação.
Ora, porque a LGT se assume como lei especial relativamente ao CPA, prevendo aquela Lei causas específicas de dispensa da audiência prévia, não pode considerar-se (Sobretudo após a redacção dada ao n.º 3 no art. 60.º pela Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio.) que exista lacuna (Lacuna é uma «incompletude contrária ao plano do Direito vigente, determinada segundo critérios eliciáveis da ordem jurídica global» (cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 194.).) alguma, a justificar uma eventual aplicação subsidiária do CPA.
Não desconhecemos que a AT afirmou a desnecessidade de audição em sede dos procedimentos de segundo grau, na doutrina subscrita na Circular n.º 13/99, de 8 de Julho de 1999 (Ver nota 11 quanto ao local em que a mesma está disponível para consulta.), da Direcção de Serviços de Justiça Tributária, em cujo ponto 3 se afirma que a audiência «poderá ser dispensada», nomeadamente, nos casos em que «A administração tributária pratique um acto com base em factos já submetidos, noutra fase do procedimento, a audiência dos contribuintes» [alínea c)], e, explicando porquê, afirma que «a participação do contribuinte só deverá verificar-se mais uma vez quando haja factos novos e apenas no âmbito de um procedimento que tenha diversas fases ou vários procedimentos sequenciais. Neste sentido dispõe a alínea a) do artigo 103.º do CPA.//Assim, por exemplo, não deverá haver direito de audição antes de uma liquidação quando esta se fundamenta em correcções efectuadas em acção inspectiva, sempre que nesta fase do procedimento já tenha sido possibilitado o exercício daquele direito.//O mesmo acontece nos procedimentos de segundo grau, de que são exemplo as reclamações e os recursos hierárquicos, sempre que não existam factos novos capazes de influenciar a decisão final e o contribuinte já tenha sido ouvido sobre os factos em discussão, no procedimento objecto do recurso ou reclamação».
Ou seja, segundo a doutrina veiculada pela referida circular, nos procedimentos de 2.º grau, designadamente nas reclamações graciosas e recursos hierárquicos, a audição do contribuinte só terá lugar quando o fundamento da decisão se basear em matéria de facto nova, i.e., em factos que não constavam do procedimento de primeiro grau. Se bem alcançamos a razão de ser dessa doutrina, a mesma assenta no princípio da unidade do procedimento: o direito de audição, nos procedimentos de segundo grau, apenas existirá se se abrir nova fase instrutória, e já não quando a decisão se basear nos mesmos factos que fundamentaram a decisão anterior.
Salvo o devido respeito, a doutrina só pode valer caso a decisão a proferir no procedimento de 2.º grau seja substancialmente idêntica à que foi proferida no procedimento de 1.º grau. Assim não sendo, ou seja, quando a decisão a proferir no procedimento de 2.º grau não seja idêntica, quer nos seus pressupostos factuais, quer na solução ou soluções jurídicas das questões sob apreciação, àquela que foi proferida no procedimento de 1.º grau, não encontramos base legal que autorize restringir o direito (constitucionalmente consagrado e, por isso, insusceptível de eliminação ou compressão pelo legislador ordinário) de participação, designadamente não concedendo ao sujeito passivo que deduziu recurso hierárquico a possibilidade de exercer o direito de audição prévia à decisão com o fundamento de que essa possibilidade lhe foi já concedida previamente à decisão da reclamação graciosa.
Note-se que o princípio da máxima efectividade das normas constitucionais impõe que lhes seja atribuído o sentido que lhes der maior eficácia (Cfr. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional – Teoria da Constituição, 3.ª edição, pág. 1149.).
Aliás, a própria Circular n.º 13/99, depois de no seu n.º 3 logo alertar que «[a] audiência dos interessados poderá ser dispensada, sem prejuízo da necessária ponderação do caso concreto e de adequada fundamentação» (sublinhado nosso), no seu n.º 4 salienta que «[a]s orientações divulgadas nas presentes instruções não obstam a que, em caso de dúvida, se possibilite o exercício do direito de participação».
Por outro lado, ulteriormente à referida circular e como bem referiu o Recorrido, a extinta Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, cuja orgânica constava do Decreto-Lei n.º 82/2007, de 29 de Março, foi extinta pelo Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, diploma que aprovou a orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo esta última entidade sucedido nas atribuições daquela, como resulta do respectivo art. 12.º, n.º 1.), emitiu doutrina em sentido contrário, através da Circular n.º 17/2008, de 14 de Fevereiro de 2008. Aí, com os mesmos fundamentos que acima enunciamos, no ponto 6 afirma-se expressamente que «em sede de recurso hierárquico regido pelos arts. 66.º e segs. do CPPT, deverá ser efectuada audição prévia, mesmo que não sejam invocados factos novos relativamente à decisão recorrida e o interessado já tenha sido ouvido em audição prévia em procedimento de 1.º grau, sob pena de invalidade do acto final de indeferimento do recurso».

Aqui chegados consideramos que a decisão do recurso hierárquico, que apreciou a petição do recurso, na qual foi alegada a ilegalidade da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa por violação dos princípios constitucionais da boa fé e da imparcialidade nas relações entre os particulares e a Administração Pública o que consubstancia a invocação de novos fundamentos, é uma “nova decisão” face à decisão da reclamação graciosa, que foi desfavorável em parte à recorrida, sendo ainda que foi invocada como matéria de facto nova a referida na alínea h) das contra-alegações supra destacadas. Conclui-se que foi apreciada nova matéria de facto e de direito pelo que se nos afigura que bem decidiu a sentença ao concluir que a falta de audição da recorrida antes da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que havia interposto consubstancia preterição de formalidade essencial com efeitos invalidantes, sobre o recurso hierárquico, na medida ali referida.
Pelo exposto, deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.

4- DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2018. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - António Pimpão.