Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01406/16
Data do Acordão:03/08/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
NULIDADE
FALTA DE ENTREGA DE IMPOSTO
Sumário:É nula a decisão de aplicação da coima que imputa à arguida a prática da contra-ordenação p.p. no artigo 114.º/2 e 26.º/4 do RGIT que tem como elemento objectivo do tipo a dedução do imposto nos termos da lei e que não consta da factualidade dada como provada, sendo certo que a factualidade apurada integra a contra-ordenação p.e p. no artigo 114.º/5 do RGIT, norma essa que não é indicada na decisão de aplicação da coima.
Nº Convencional:JSTA00070060
Nº do Documento:SA22017030801406
Data de Entrada:12/14/2016
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO
Legislação Nacional:CONST05 ART32 N10.
RGIT01 ART26 N4 ART63 N1 D ART79 N1 B ART114 N1 N2 N5.
CIVA08 ART27 ART41.
L 64-A/08 DE 2008/12/31.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0723/16 DE 2017/02/01.; AC STA PROC0382/15 DE 2015/06/25.; AC STA PROC0160/12 DE 2012/05/16.; AC STA PROC0855/11 DE 2011/11/23.; AC STA PROC0784/07 DE 2008/03/12.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA E MANUEL SIMAS SANTOS - REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO 4ED 2010 PAG812.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório-
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 27 de Maio de 2016, que, no recurso de contra-ordenação que aí correu termos sob o número 1208/13.4BESNT, interposto por A............, S.A. contra decisão de aplicação de coima no valor de €20.558,39 que lhe foi aplicada pelo Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras – 3, declarou a nulidade da decisão administrativa de aplicação de coima e, em consequência, os termos subsequentes do processo de contra-ordenação dependentes dessa decisão, para o que apresentou as seguintes conclusões:
I. Nos termos das obrigações prescritas no n.º 1 do artigo 27.º e pela alínea b) do n.º 1 do artigo 41, ambos do CIVA, resulta para os sujeitos passivos de IVA a obrigação de entrega do montante de imposto exigível dentro do prazo legalmente determinado, sendo que às obrigações de liquidação e entrega do IVA correspondem as normas punitivas previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 114.º do RGIT, norma que define o tipo legal de ilícito contraordenacional, configurando-se o n.º 3 como norma que permite proceder ao preenchimento do tipo legal já definido.
II. Para que ao agente seja efectivamente imputável prática da contra-ordenação necessário é que a sua conduta se reconduza à prática do facto típico, ilícito e culposo, em obediência aos princípios da legalidade e da tipicidade plasmados no artigo 2.º do RGIT.
III. E, enquanto o tipo legal subjectivo exige que a prática dos factos descritos no tipo objectivo sejam imputáveis ao agente a título de dolo (n.º 1 do artigo 114.º) ou a título de negligência (n.º 2 do artigo 114.º do RGIT), para preenchimento do tipo objectivo do ilícito em apreço nos autos necessário é determinar o que se entende, à luz do RGIT, em conjugação com as normas tributárias que lhe subjazem, por “prestação tributária” e por “prestação tributária deduzida”.
IV. Nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RGIT consideram-se como prestação tributária os impostos cuja cobrança caiba à administração tributária ou à administração da segurança social, não restando dúvidas de que o IVA autoliquidado se inclui na noção de prestação tributária, conforme entendimento defendido por Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos.
V. Sendo certo que o tipo legal objectivo resulta de forma inequívoca e absoluta do artigo 114.º, n.º 1 e n.º 2, do RGIT, conformando-se tão só o conceito de prestação tributária ao prescrito em normas auxiliares, como o sejam as contidas nos n.ºs 3 e 5 do artigo 114.º do RGIT e a referida norma do artigo 11.º do RGIT.
VI. No que diz respeito à expressão “deduzida” não só nos casos de retenção na fonte previstas nos artigos 71.º e 98.º do CIRS, como também no caso do IVA, estamos perante prestação tributária deduzida, uma vez que, em resultado da obrigação de liquidação do imposto, nos termos do disposto nos artigos 35.º e 36.º, n.º 1 do CIVA, o sujeito passivo de Iva exige aos adquirentes de mercadorias ou de serviços uma quantia global, que é o valor da prestação, que inclui o preço do bem ou serviço e o correspondente IVA, e assim vai proceder à dedução do imposto subtraindo-o de uma quantia global que é o valor exigido ao seu adquirente.
VII. Acresce considerar que a entrega do Iva liquidado, por força do regime próprio de funcionamento do imposto, impõe-se independentemente do recebimento do mesmo, sendo que a tal omissão de obrigação de entrega da prestação tributária que foi deduzida ao valor global do serviço prestado ou do bem vendido ao adquirente corresponderá a sanção respectiva, e vertida no n.º 1 e n.º 2 do artigo 114.º do RGIT, sob pena de se esvaziar de conteúdo a obrigação fiscal.
VIII. Milita ainda a favor de tal interpretação o facto de o legislador ter procedido a alteração legislativa com o intuito de esclarecer que o IVA liquidado e não entregue se inclui no conceito de prestação tributária: à alínea a) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT foi dada nova redacção pela Lei n.º 65-A/2008, de 31 de Dezembro, passando a mesma a considerar expressamente como falta de prestação tributária a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado.
IX. E, refira-se, com particular relevância para os presentes autos, que a jurisprudência indicada na douta sentença se refere a infracções praticadas em data anterior à referida alteração legislativa, porquanto o acórdão de 21/04/2010, proferido no recurso 85/10, se reporta a factos ocorridos em 2004, o Acórdão de 02/12/2009 proferido no recurso 887/09 se reporta a factos ocorridos em 2003 e o Acórdão de 18/11/2009 proferido no recurso 593/09 se reporta a factos ocorridos em 2005, o acórdão de 25/11/2009 proferido no recurso 624/09 se reporta a factos ocorridos em 2005, e o Acórdão de 16/09/2009 proferido no recurso 540/09 se reporta a factos ocorridos em 2004, e o Acórdão de 28/05/2009 proferido no recurso 279/08, daí resultando a falta de semelhança entre o direito aplicável aos factos sobre que se debruçam os referidos arestos e o direito aplicável aos factos dos presentes autos.
X. Mais, já em momento anterior à alteração da redacção da norma se impunha que se considerasse como falta de entrega da prestação tributária a falta de liquidação e a liquidação inferior à devida, situações em que logicamente não pode haver recebimento do IVA, não ficando o preenchimento do tipo legal dependente disso, concluindo-se que a prática da infracção se verifica quando não há liquidação de Iva, por maioria de razão também se verificará quando há liquidação de IVA, recebido ou não recebido.
XI. À recorrente foi aplicada coima pela entrega fora de prazo de IVA liquidado, e independentemente do recebimento ou não do IVA, reconduz-se a sua conduta à prática da infracção contra-ordenacional vertida no artigo 114.º do RGIT, n.º 1, do RGIT, bem como do seu n.º 2, pois que imputável a título negligência.
XII. Considerando-se o requisito descrição sumária dos factos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT como plenamente preenchido, não padecendo a decisão de aplicação da coima de qualquer nulidade.
XIII. Pelo que entende Fazenda Pública não resta senão concluir, respeitosamente, que a douta sentença proferida pelo tribunal a quo assenta em errónea interpretação do direito aplicável no caso em apreciação, designadamente as normas dos n.ºs 1, 2 e 5, alínea a), do artigo 114.º do RGIT, para efeitos de subsunção da conduta da recorrente na norma do artigo 114.º, n.º 1 e 2 do RGIT, determinante de errada exclusão da mesma do tipo legal do ilícito contraordenacional de falta de entrega da prestação tributária.
XIV. Violando a douta sentença inelutavelmente o disposto nas normas do n.º 1 e 2 e 5 do artigo 114.º do RGIT, aplicáveis no âmbito da contraordenação imputada à recorrente, bem como as normas vertidas no n.º 1 do artigo 63.º, sua alínea d), e no n.º 1 do artigo 79.º, sua alínea b), ambas do RGIT, por não aplicáveis à situação em apreço nos presentes autos de contraordenação.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão recorrida ser revogada e o recurso interposto da decisão de aplicação da coima ser julgado improcedente.
Porém V. Exas DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.

2 – Contra-alegou a arguida, defendendo a bondade da sentença recorrida, sustentando em conclusão que:
A) A exponente recorreu da decisão de aplicação de coima que lhe foi aplicada por decisão do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras – 3.
B) Por decisão do Exmo Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra,
C) Foi reconhecida razão à recorrente, declarando-se a procedência do seu Recurso de Impugnação de aplicação de Coima.
D) Não se conformando com tal decisão, a Fazenda Pública recorreu da mesma, nos termos que constam das alegações de recurso que apresentou. Ora,
E) Não nos parece que a Fazenda Pública tenha razão em quanto alega, no recurso que interpôs.
F) Até porque nem os fundamentos que invoca, parecem susceptíveis de potenciar reacção aos termos e fundamentos da Decisão posta em crise,
G) A qual, salvo melhor opinião, não merece reparo. Com efeito,
H) O Recurso interposto pela respondente, do despacho do Chefe do Serviço de Finanças que a acoimou,
I) Invocava a existência de irregularidades e Nulidades, no mesmo.
J) Uma das quais, a falta de fundamentação do despacho então recorrido.
K) O Mmo Juiz “a quo” reconheceu razão à aqui respondente,
L) Concluindo que a decisão de aplicação da coima, “não cumpre o requisito da descrição sumária dos factos e da forma como foi fixado o imposto em falta”. Ora,
M) No recurso a que ora se responde (salvo melhor opinião e sempre com o máximo respeito), a Fazenda Pública perde-se em confabulações,
N) Centrando a sua argumentação na diferença entre “prestação tributária” e “prestação tributária deduzida”,
O) Para concluir (como faz em XI, XII e XIII das suas conclusões) que o requisito da descrição sumária se mostra preenchido,
P) Mas sem especificar como (eventualmente por remissão), pois não perde, sequer, tempo a tentar esclarecê-lo. Ora,
Q) Como bem se extrai da decisão recorrida e resulta igualmente do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (proferido no Procº 0784/07, em 12/03/2008)
R) O requisito da fundamentação da decisão administrativa decorre da Lei e,
S) “a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal, aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão…”
T) E isso, não só não resulta como tendo sido preocupação do Chefe do Serviço de Finanças ao acoimar a aqui respondente,
U) Como se confirma que constitua motivo de preocupação de inflexão de postura por parte da Recorrente Fazenda Pública,
V) Que, a julgar pelas suas alegações de Recurso, parece pretender perorar na postura que vem assumindo.
W) O que tido ponderado,
X) Nos parece impor a improcedência do Recurso da Fazenda Pública,
Y) A contra-alegante deve considerar-se isentada do pagamento de taxa de justiça devida pela apresentação do presente articulado.
Z) Pois só negando provimento ao recurso, V. Exas farão a verdadeira JUSTIÇA.
AA) Que é quanto se espera e se sabe que ocorrerá.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 163/164 dos autos, concluindo no sentido de que o recurso não merece provimento, pois a decisão de aplicação da coima imputa à arguida recorrida a prática da contra-ordenação p.p. no artigo 114.º/2 e 26.º/4 do RGIT que tem como elemento objectivo do tipo a dedução do imposto nos termos da lei e que não consta da factualidade dada como provada, sendo certo que a factualidade apurada integra a contra-ordenação p. e p. no artigo 114.º/5 do RGIT, norma essa que não é indicada na decisão de aplicação da coima.// Esta realidade põe, claramente em causa os direitos de defesa da recorrida(neste sentido acórdão do STA, de 16/5/2012, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt)./ A decisão da autoridade tributária que aplicou a coima à recorrida é, pois, nula nos termos do estatuído nos artigos 63.º/1/b) do RGIT, como bem decidiu a sentença recorrida. – cfr. parecer, a fls. 164 dos autos.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 - Questão a decidir
É a de saber se a decisão administrativa de aplicação da coima que está na base dos presentes autos se encontra ferida de nulidade insuprível por do seu conteúdo decisório não ser possível apreender os factos ilícitos praticados pela Arguida/Recorrente e sua implicação legal, com prejuízo para o exercício de direito de defesa do arguido (artigos 63.º, n.º 1 alínea d), primeira parte e 79.º, n.º 1, alínea b) ambos do RGIT).

5 – Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
A. Entre 1 de Outubro e 31 de Dezembro de 2011, a Arguida/Recorrente, A............, S.A., com o NIF ............, emitiu facturas no valor total de €361.615,05, acrescidas de €79.753,06 de IVA e emitiu uma nota de crédito no valor de 15.000, acrescida de €3.450 de IVA – cf. Extracto da contabilidade referente a “Documentos emitidos de Vendas”, a fls. 32
B. Em 12 de Março de 2012 foi autuado o PCO n.º 3522201206064949, em que é arguida a, ora Recorrente, a sociedade A............, S.A., com o NIF ........., por alegada infracção ao disposto nos artigos 27º nº 1 e 41º nº 1 alínea b) do Código do IVA, por apresentação da declaração periódica dentro do prazo, sem meio de pagamento ou com pagamento insuficiente, e punida pelo artigo 26º nº 4 e 114.º n.º 2 do RGIT, referente ao período de tributação 2011712T, em 15 de Fevereiro de 2012. – Cf. autuação e detalhe do processo de contra-ordenação, a fls. 3 e 4
C. A Arguida/Recorrente recebeu a “NOTIFICAÇÃO DE DEFESA/PAGAMENTO C/ REDUÇÃO ART. 70 RGIT”, referente ao PCO n.º 3522201206064949, emitida em 12 de Março de 2012. – Cf. notificação, a fls. 6 e 27.
D. No mês de Março de 2012, foram pagas por transferência bancária para a conta da Arguida/Recorrente, as seguintes facturas emitidas entre 1 de Outubro e 31 de Dezembro de 2011:
. No dia 8, a factura n.º 117/2011, no valor global de €12.036,31;
. No dia 13, a factura n.º 113/2011, no valor global de €3.081,06;
. No dia 29, as facturas n.º 110/2011 e 111/2011, no valor global de €59.718,21;
. No dia 29, a factura n.º 108/2011, no valor global de €10.147,50. – cf. confronto do Extracto da contabilidade referente a “Documentos emitidos de Vendas” com extracto bancário, a fls. 32 e 33.
E. No dia 29 de Março de 2012, o saldo bancário da conta da Arguida/Recorrente no Banco Santander, passou de €47.583,71 para €107.301,92. – Cf. extrato bancário, a fls. 33
F. No dia 29 de Março de 2012, foi pago o imposto a que se reporta a infracção punida no PCO n.º 3522201206064949. – Cf. comprovativo de pagamento de serviços e extracto bancário, a fls. 28 e 33.
G. Em 1 de Abril de 2012, foi proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras-3, a decisão de fixação da coima no PCO nº 3522201206064949, de cujo teor se extrai:
Descrição Sumária dos Factos
Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante do imposto exigível: 68.150,93; 2. Valor da prestação entregue: 0,00; 3. Valor da prestação em falta: 68.150,93;4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2012-02-15; 5. Período a que respeita a infracção: 2011/12T, os quais se dão como provados.
(…)

Normas Infringidas
Normas Punitivas
Período Tributação
Data Infração
Coima Fixada
Artigo
Artigo
201112T
2012-02-15
20.588,39
Artº 27 n.º 1 e 41 n.º 1 b) CIVA - Apresentação dentro prazo D.P., s/pagamento ou c/ pagamento insufic. (T) Art. 114 nº 2 e 26 nº 4 do RGIT - Falta entrega prest. tributária
dentro prazo (T)

(…) Requisitos/Contribuintes (…)
Benefício económico 0,00
Frequência da prática Acidental
Negligência Simples (…)
Situação Económica e Financeira Baixa
Tempo decorrido desde a prática da infracção <3 meses (…)
DESPACHO
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art. 79.º do RGIT aplico a coima de Eur 20.588,39 cominada no(s) Art (s) 114º n.ºs 2 e 26º, n.º 4, do RGIT, com respeito pelos limites do Art. 26.º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50)” – Cf. Decisão de fls. 8 e verso.

H. No dia 6 de Abril de 2012, a Arguida/Recorrente foi notificada da decisão de aplicação da coima fixada no PCO n.º 3522201206064949. – Cfr. notificação e histórico de operações, a fls. 42 e 43.

6 – Apreciando
6.1 Da julgada nulidade da decisão administrativa de aplicação da coima
A sentença recorrida julgou verificada nulidade insuprível da decisão de aplicação da coima, por entender não poder ter-se como adequadamente cumprido o requisito a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, no que respeita à descrição sumária dos factos, pois que no caso concreto, ainda que da decisão administrativa de aplicação de coima conste qual o preceito legal que foi violado, os artigos 27.º e 41.º do Código do IVA, e as normas punitivas, os artigos 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4 RGIT, a verdade é que do conteúdo decisório não é possível apreender os factos ilícitos praticados pela Arguida/Recorrente e a sua implicação legal.// Com efeito não se faz sequer menção ao “recebimento do imposto anterior à entrega à administração tributária da declaração periódica que aí vem referida” que, como vimos, constitui um elemento caracterizador da infracção – cfr. sentença recorrida, a fls. 113 dos autos.
Invoca em apoio do decidido a jurisprudência deste STA quanto à suficiência de fundamentação dos actos administrativos - Acórdão de 12 de Março de 2008, rec. n.º 0784/07 -, e quanto ao cumprimento do requisito “descrição sumária dos factos” nas contra-ordenações tributárias por “falta de entrega da prestação tributária” p.p. no artigo 114.º n.º 1 e 2 do RGIT no caso específico do IVA, anterior à alteração introduzida no n.º 5 do artigo 114.º do RGIT pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro – cfr. Acórdão de 23 de Novembro de 2011, rec. n.º 0855/11 e demais jurisprudência aí citada.
Discorda do decidido a Fazenda Pública, alegando que o requisito descrição sumária dos factos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT se encontra plenamente preenchido, não padecendo a decisão de aplicação da coima de qualquer nulidade, que a jurisprudência indicada na douta sentença se refere a infracções praticadas em data anterior à alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 65-A/2008, de 31 de Dezembro, que a recorrente alega ter tido o intuito de esclarecer que o IVA liquidado e não entregue se inclui no conceito de prestação tributária a que se referem os n.ºs 1 e 2 do artigo 114.º do RGIT, mas que já em momento anterior à alteração da redacção da norma se impunha que se considerasse como falta de entrega da prestação tributária a falta de liquidação e a liquidação inferior à devida, situações em que logicamente não pode haver recebimento do IVA, não ficando o preenchimento do tipo legal dependente disso, concluindo-se que a prática da infracção se verifica quando não há liquidação de Iva, por maioria de razão também se verificará quando há liquidação de IVA, recebido ou não recebido.
A recorrida pugna pela manutenção do julgado recorrido e também o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA, no seu parecer junto aos autos, se pronuncia pelo não provimento do recurso, em conformidade com o já decidido por este STA por Acórdão de 16 de Maio de 2012, rec. n.º 160/12.
Vejamos, pois.
Tem razão a recorrente quando diz que a sentença invoca em defesa da sua decisão jurisprudência deste STA anterior à alteração legislativa introduzida no n.º 5 do artigo 114.º do RGIT pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, o que não quer dizer, porém, que depois de tal alteração legislativa tenha passado a ser pacificamente aceite pela jurisprudência deste STA que uma decisão de aplicação de coima por falta de entrega da prestação tributária de IVA que não faça menção ou ao prévio recebimento da prestação ou à norma do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT (depois de tal alteração legislativa), não enferme de nulidade insuprível.
É que, como ainda recentemente se consignou no Acórdão deste STA de 1 de Fevereiro último – rec. n.º 723/16 – e bem salienta o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, não obstante o não recebimento do imposto não seja agora (após a redacção introduzida pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12, na al. a) do nº 5 do art. 114º do RGIT) elemento do tipo legal de contra-ordenação p. e p. nesse nº 5 do art. 114° do RGIT, no presente caso, as decisões administrativas de aplicação de coima imputam à arguida a prática da contra-ordenação p. e p. no nº 2 desse mesmo art. 114°, e esta tem como elemento objectivo do tipo a dedução do imposto nos termos da lei, factualidade que não consta provada; sendo certo, por outro lado, que apesar de factualidade apurada poder eventualmente integrar a contra-ordenação p. e p. naquele nº 5 do art. 114° do RGIT, não é essa a norma indicada nas decisões administrativas de aplicação de coima.// Ou seja, por um lado, os factos descritos não integram a contra-ordenação prevista e punida no nº 2 do art. 114° do RGIT que foi a imputada à arguida [sendo que esse normativo visa as situações de retenção na fonte, quer a título definitivo, quer por conta do imposto devido a final (Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, RGIT anotado, 4ª ed., 2010, p. 812.)] mas, antes, eventualmente, a contra-ordenação p. e p. no nº 5 do art. 114° do RGIT (norma que, no entanto, como se viu, não é indicada nas decisões administrativas de aplicação de coima).
É certo que, outros casos há – cfr. o Acórdão deste STA de 25 de Junho de 2015, rec. n.º 0382/15, por nós relatado –, em que se entendeu que a omissão de referência à norma do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, por si mesma, desde que cumpridos os demais requisitos essenciais da decisão administrativa de aplicação da coima, não determinava a nulidade insuprível dessa decisão.
Entendemos, porém, reponderando a questão à luz do escopo fundamental da exigência de fundamentação da decisão administrativa de aplicação da coima – a tutela dos direitos de defesa do arguido –, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, em particular a linha argumentativa de defesa da recorrente que parte dos elementos essenciais do tipo legal previsto no n.º 1 e 2 do artigo 114.º para alicerçar a sua defesa, que a orientação que emana do Acórdão deste STA que supra citámos é a que se afigura mais adequada, pois que mais garantista, sendo as garantias de defesa no processo de contra-ordenação dignas de tutela jurídica designadamente constitucional (artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República).
No caso dos autos, como no Acórdão neste STA de Fevereiro último que supra citámos e bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos, a decisão de aplicação da coima imputa à arguida recorrida a prática da contra-ordenação p.p. no artigo 114.º/2 e 26.º/4 do RGIT que tem como elemento objectivo do tipo a dedução do imposto nos termos da lei e que não consta da factualidade dada como provada, sendo certo que a factualidade apurada integra a contra-ordenação p. e p. no artigo 114.º/5 do RGIT, norma essa que não é indicada na decisão de aplicação da coima. Esta realidade põe, claramente em causa os direitos de defesa da recorrida, como também decidido no Acórdão do STA, de 16/5/2012, rec. n.º 160/12.
Daí que, a decisão da autoridade tributária que aplicou a coima à recorrida padeça de nulidade, nos termos do estatuído nos artigos 63.º/1/b) do RGIT.

O recurso não merece, pois, provimento, sendo de confirmar, com a presente fundamentação, a sentença recorrida.

- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 8 de Março de 2017. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro Delgado – Dulce Neto.