Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01143/18.0BELSB
Data do Acordão:03/28/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:PROTECÇÃO INTERNACIONAL
DIREITO DE ASILO
PRETERIÇÃO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I – Os beneficiários de protecção internacional podem ter direito de asilo (cfr. art. 3º), que lhes confere o estatuto de refugiado (art. 4º), ou ser-lhes concedida autorização de residência por protecção subsidiária (art. 7º), sendo único o procedimento desses pedidos, estando a respectiva tramitação prevista nos arts. 10º a 22º, se o pedido de protecção internacional foi formulado junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF.
II - O art. 17º, nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30/6, prevê expressamente que após a realização das diligências cabíveis, no caso houve lugar às declarações previstas no art. 16º, o SEF elabora um relatório escrito do qual constam as informações essenciais ao processo, sendo sobre este relatório que ao requerente é facultada a possibilidade de se pronunciar, no prazo de 5 dias, sendo ainda esse relatório comunicado ao representante do ACNUR e ao CRP (nºs 2 e 3).
III - A falta da elaboração desse relatório, tem que ser considerada como preterição de uma formalidade essencial que a lei prescreve, e que determina, consequentemente, que não tenha sido possível ao requerente pronunciar-se nos termos do nº 2 do referido art. 17º, havendo, como tal, preterição da audição do interessado.
Nº Convencional:JSTA000P24389
Nº do Documento:SA12019032801143/18
Data de Entrada:03/07/2019
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A…………, por si, e em representação dos seus filhos menores, B………… e C…………, todos de nacionalidade angolana, propôs, junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, acção administrativa urgente em matéria de asilo contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, a impugnar o despacho de 14/05/2018, proferido pelo Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que considerou infundado o seu pedido de protecção internacional apresentado, quer no que concerne ao pedido de asilo, quer no que concerne ao pedido de autorização de residência por razões humanitárias.
Por sentença de, 24.07.2018, foi julgada a acção procedente, anulando-se o acto impugnado, que considerou o pedido de protecção internacional apresentado por A………… infundado, e considerou a decisão extensível aos seus filhos, B…………, e C…………, devendo o procedimento administrativo ser retomado.
Inconformado com a decisão, veio o MAI/SEF dela recorrer, para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) que, por acórdão datado de 22.11.2018, revogou a sentença proferida pela TAC de Lisboa e, consequentemente, julgou improcedente a Acção Administrativa através da qual os autores impugnaram a deliberação do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que considerou infundado o pedido de protecção internacional.
Os Recorrentes nos autos, notificados do acórdão do TCAS datado de 22.11.2018, e não se conformando com o mesmo, dele vêm, interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Nas suas alegações de recurso foram formuladas as seguintes conclusões:
(i) O douto Acórdão recorrido ao afirmar que “não há lugar ao direito de audiência prévia dos interessados”, sem para tanto, indicar princípio, regra ou norma que fundamente a desconsideração de formalidades essenciais, incorre em nulidade por não especificação dos fundamentos de direito, o que se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA, ainda mais tendo em conta o art.º 17º, nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30/6, os art.ºs 121º e 122º do CPA, o art.º 89-A do CPTA, o art. 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o artigo 20.º da CRP, os artigos 8.º, n.º 4, 267.º n.º 5 e 268.º, n.º 4, da CRP, todos eles impondo a audição do interessado e/ou de testemunha e/ou declarações de parte.
(ii) Os Recorrentes pediram e têm direito a uma Tutela Jurisdicional Efectiva, nos termos consagrados no artigo 20.º da CRP, cuja violação se invoca, para todos os devidos e legais efeitos, incorrendo o Tribunal a quo em erro de julgamento.
(iii) Os Recorrentes pediram e têm direito a um tratamento em juízo, justo, equitativo e não discriminatório.
(iv) Perante a questão central sub judice – o requerente do pedido de protecção internacional tem direito a ser ouvido sobre as informações essenciais ao seu pedido, constantes de um relatório escrito que as indique, assim se assegurando a audiência do interessado – estão verificados os requisitos da admissibilidade de recurso de revista previstos no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, porquanto se trata de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social se reveste de importância fundamental, pois que não apreciando o Tribunal a quo as questões relacionadas com a preterição de formalidades essenciais, atirou o recorrente para a impossibilidade de ter a única defesa, qual seja, a de relatar a sua versão dos factos de uma forma leal, o que constitui uma entorse clara à concretização do direito constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20.º da CRP e concretizado, no contencioso administrativo, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição.
(v) Por outro lado, o art. 17º, nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30/6, prevê expressamente que após a realização das diligências cabíveis, no caso houve lugar às declarações previstas no art. 16º, o SEF elabora um relatório escrito do qual constam as informações essenciais ao processo, sendo sobre este relatório que ao requerente é facultada a possibilidade de se pronunciar, no prazo de 5 dias, sendo ainda esse relatório comunicado ao representante do ACNUR e ao CRP (nºs 2 e 3) e a falta da elaboração desse relatório, tem que ser considerada como preterição de uma formalidade essencial que a lei prescreve, e que determina, consequentemente, que não tenha sido possível à requerente pronunciar-se nos termos do nº 2 do referido art. 17º, havendo, como tal, preterição da audição do interessado.
(vi) Significa que o requerente do pedido de protecção internacional tem direito a ser ouvido sobre as informações essenciais ao seu pedido (que no caso concreto não podiam deixar de ser a inadmissibilidade do pedido), constantes de um relatório escrito que as indique, assim se assegurando a audiência do interessado.
(vii) Do procedimento administrativo seguido (e que se encontra descrito nos factos provados), verifica-se que não foi elaborado o relatório contemplado no art. 17º, nº 1 da Lei 27/2008, sobre o qual o requerente se pudesse ter pronunciado, não podendo considerar-se como “relatório”, as declarações do próprio requerente.
(viii) A falta da elaboração desse relatório, tem que ser considerada como preterição de uma formalidade essencial que a lei prescreve, e que determina, consequentemente, que não tenha sido possível ao requerente pronunciar-se nos termos do nº 2 do referido art. 17.º.
(ix) A preterição da audição do interessado, que conduz à anulação do acto impugnado. Ou, para o caso de assim não se entender, sempre se dirá, por aplicação dos arts. 121º e 122º do CPA, o que conduz à anulação do acto impugnado. Por cautela no patrocínio, invoca-se, novamente a violação do art. 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e inconstitucionalidades por violação dos arts. 8º, nº 4 e 267º, nº 5 da CRP.
(x) Além do mais, verifica-se também o pressuposto da necessidade clara de admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, atenta a injustiça flagrante no caso concreto, mas também pelos usos ou formas de interpretar a lei ou de a aplicar que conduzem, in casu, a indefesa dos direitos ou a deficiências de tutela efectiva e também por estarmos perante um erro grave de interpretação e aplicação do direito em prejuízo da prossecução do interesse público, ainda mais face ao que tem vindo a ser entendimento deste Supremo Tribunal Administrativo (cfr. douto Acórdão do STA, de 28.06.2012, processo nº 0672/12, disponível em www.dgsi.pt).
(xi) A invocação de se estar perante um acto vinculado, não pode ser o meio para a preterição de formalidades essenciais.
(xii) Os Recorrentes foram sujeitos de um acto administrativo que directamente os afecta, sem que tenham tido a oportunidade de ser ouvidos, de exercer o contraditório, ou seja, o acto praticado pelo SEF é vinculado ao ponto de violar descaradamente o direito de audição prévia, ou até, de ver prejudicada a produção de prova por declaração de parte ou testemunhal, em qualquer instância, sucessivamente, seja ela administrativa ou judicial.
(xiii) Não apreciando o Tribunal a quo as questões relacionadas com a preterição de formalidades essenciais, atiraram os recorrentes para a impossibilidade de ter a única defesa, qual seja, a de relatar a sua versão dos factos de uma forma leal, o que constitui uma entorse clara à concretização do direito constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20.º da CRP e concretizado, no contencioso administrativo, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição.
(xiv) O art. 17º, nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30/6, prevê expressamente que após a realização das diligências cabíveis, no caso houve lugar às declarações previstas no art. 16º, o SEF elabora um relatório escrito do qual constam as informações essenciais ao processo, sendo sobre este relatório que ao requerente é facultada a possibilidade de se pronunciar, no prazo de 5 dias, sendo ainda esse relatório comunicado ao representante do ACNUR e ao CPR (nºs 2 e 3).
(xv) A falta da elaboração desse relatório, tem que ser considerada como preterição de uma formalidade essencial que a lei prescreve, e que determina, consequentemente, que não tenha sido possível ao requerente pronunciar-se nos termos do nº 2 do referido art. 17º, havendo, como tal, preterição da audição do interessado.
(xvi) O requerente do pedido de protecção internacional tem direito a ser ouvido sobre as informações essenciais ao seu pedido (que no caso concreto não podiam deixar de ser a inadmissibilidade do pedido para si e para os seus dois filhos menores), constantes de um relatório escrito que as indique, assim se assegurando a audiência do interessado.
(xvii) Do procedimento administrativo seguido (e que se encontra descrito nos factos provados), verifica-se que não foi elaborado o relatório contemplado no art. 17º, nº 1 da Lei 27/2008, sobre o qual o requerente se pudesse ter pronunciado, não podendo considerar-se como “relatório”, as declarações do próprio requerente.
(xviii) A falta da elaboração desse relatório, tem que ser considerada como preterição de uma formalidade essencial que a lei prescreve, e que determina, consequentemente, que não tenha sido possível à requerente pronunciar-se nos termos do nº 2 do referido art. 17º.
(xix) Há preterição da audição do interessado, que conduz à anulação do acto impugnado. Ou, para o caso de assim não se entender, sempre se dirá, por aplicação dos arts. 121º e 122º do CPA e/ou art. 89º-A do CPTA, o que conduz à anulação do acto impugnado. Por cautela no patrocínio, invoca-se, novamente a violação do art. 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e inconstitucionalidades por violação dos arts. 8º, nº 4 e 267º, nº 5 da CRP.
(xx) O douto Acórdão recorrido não se referiu a nenhum fundamento de direito (princípio, regra ou norma), tirando a conclusão de que sendo um acto vinculado pode preterir formalidades essenciais como sejam as acabadas de referir supra, não podendo, assim, deixar de consubstanciar interpretações inconstitucionais do art.º 17º, nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30/6, dos art.ºs 121º e 122º do CPA, do art.º 89º-A do CPTA, do art. 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20.º da CRP e concretizado, no contencioso administrativo, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição e inconstitucionalidades por violação dos arts. 8º, nº 4 e 267º, nº 5 da CRP, o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.
TERMOS EM QUE, ADMITIDO NOS TERMOS DO DISPOSTO NO N.º 6 DO ARTIGO 150.º DO CPTA, AO RECURSO DEVE SER DADO PROVIMENTO, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, COM QUE V. EXAS., VENERANDOS CONSELHEIROS, FARÃO JUSTIÇA!

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), vem apresentar as suas contra-alegações que apresentam conclusões do seguinte teor:
A. O douto Acórdão ora recorrido, não padece, como se pode constatar, de qualquer vício que o pudesse prejudicar, pelo que se adere na íntegra à sua fundamentação, bem como à sua decisão.
B. Na verdade analisou de forma exaustiva os normativos alegados pelo Recorrente, efectuou o seu correcto enquadramento.
C. No presente recurso, o ora Recorrente vem reiterar, nas suas conclusões, que:
O douto Acórdão recorrido ao afirmar que “não há lugar ao direito de audiência prévia dos interessados”, sem para tanto, indicar princípio, regra ou norma que fundamente a desconsideração de formalidades essenciais, incorre em nulidade por não especificação dos fundamentos de direito, o que se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 615° n° 1, alínea b) e n° 4 do CPC, ex vi do artigo 1° do CPTA., ainda mais tendo em conta o art.° 17°, n° 1 da lei n° 27/2008, de 30/06, os art.ºs 121º e 122º do CPA, o art.° 89°-A do CPTA, o art° 41° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o art.° 20° da CRP, os artigos 8°, n° 4, 267° nº 5 e 268°, n° 4, da CRP, todos eles impondo a audição do interessado e/ou de testemunha e/ou declarações de parte.
• Os Recorrentes pediram e têm direito a uma Tutela jurisdicional Efectiva, nos termos consagrados no art.º 20.º da CRP, cuja violação se invoca, para todos os devidos e legais efeitos, incorrendo o tribunal a quo em erro de julgamento.
• … não apreciando o Tribunal a quo as questões relacionadas com a preterição de formalidades essenciais, atirou o recorrente para a impossibilidade de ter a única defesa, qual seja, a de relatar a sua versão dos factos de uma forma leal, o que constitui uma entorse clara à concretização do direito constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva previsto no art.° 20.º da CRP e concretizado, no contencioso administrativo, no artigo 268°, n° 4, da Constituição.
• A falta de elaboração desse relatório, tem que ser considerada como preterição de uma formalidade essencial que a lei prescreve, e que determina, consequentemente, que não tenha sido possível ao requerente pronunciar-se nos termos do n.º 2 do referido art° 17°.
• Há preterição da audição do interessado, que conduz à anulação do acto impugnado. Ou, para o caso de assim não se entender, se se dirá, por aplicação dos arts. 121.º e 122.º do CPA e/ou art° 89°-A do CPTA, o que conduz à anulação do acto impugnado. Por cautela no patrocínio, invoca-se, novamente a violação do art.° 41° da carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e inconstitucionalidades por violação dos arts. 8° n° 4 e 267° n° 5 da CRP.
D. Quanto à invocada nulidade do Douto Acórdão, ao abrigo do art.° 615º n.º 1 al. b) do CPC, e n° 4 do CPC, não assiste razão ao ora recorrente, pois consta da motivação do Douto Acórdão a justificação e invocação dos normativos que sustentaram a sua posição,
E. Na verdade, conforme se pode constatar da transcrição efectuada no parágrafo 10° das presentes contra-alegações, o Douto Acórdão, não deixou de se pronunciar sobre a questão suscitada de preterição do direito de audiência de interessados elucidando de forma exaustiva as razões porque considerou que o Tribunal de primeira instância não esteve bem ao considerar improcedente a petição do ora Recorrente.
F. O entendimento do ora recorrente ao considerar que não foi dada oportunidade de poder exercer o seu direito de audiência prévia, não pode, de todo, proceder.
G. Porquanto, conforme ao que se tem sustentado, à situação vertente não se aplicam os trâmites procedimentais (comuns) do pedido de protecção internacional previstos na Secção 1 do Capitulo III da Lei de Asilo (entre as quais o art.° 17°), pelo contrário, porque se procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, aplica-se-lhe o disposto no art.° 36° e seguintes, ou seja, as disposições do Capitulo IV da citada lei, que regem sobre o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional
H. Afigura-se-nos curial que se a situação carreada aos autos cai sob o âmbito de um procedimento especial, ao qual não se aplicam as disposições comuns do Capitulo III falecem os argumentos sobre a anulabilidade da decisão ora impugnada, assentes na violação na pretensa violação do art. 17°, que aqui não se aplica.
I. Ainda assim, reitere-se, que as declarações prestadas pelo requerente valem, para todos os efeitos como audiência prévia de interessado, na medida em que o mesmo foi ouvido e teve a possibilidade de se pronunciar e expor as suas intenções e motivos subjacentes, antes de ser proferida a decisão final, no caso concreto, de inadmissibilidade ao abrigo do art° 19°-A n° 1 a) da Lei de Asilo, atenta a retoma a cargo pela Alemanha.
J. Ademais, afigura-se que a notificação do relatório ao requerente de asilo para efeitos da respectiva pronúncia nos termos do n° 2 do art.° 17°, não obstarão sequer, em consonância com o n° 4 da referida norma, “à decisão sobre o pedido”.
K. A lei n° 27/2008, de 30 de Junho, actualmente com a redacção que lhe foi conferida pela lei n° 26/2014, de 5 de maio (Lei do Asilo), estabelece as condições e procedimentos para a concessão de asilo e protecção subsidiária, bem como os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária.
L. Na origem da legislação em vigor encontram-se os normativos transpostos para a ordem jurídica interna, mormente as Directivas n°s 2011/95/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro, 2013/32/EU, do Parlamento Europeu e do conselho de 26 de Junho, sendo implementado ainda a nível nacional o Regulamento (EU) n° 603/2013 do parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho para efeitos de aplicação efectiva do regulamento (EU) n° 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho (Cfr. artigo 1.º, n.º 1)
M. Resultou assim de tal transposição que ao requerente de protecção internacional poderá ser reconhecida o direito de asilo, verificados que se mostrem os pressupostos legais para a concessão do mesmo nos termos do artigo 3.º da referida Lei nº 27/2008. Subsidiariamente, àquele poderá ser concedida autorização de residência por protecção subsidiária, atenta a previsão do artigo 7° da mesma lei.
N. Para o efeito, com o requerimento de protecção internacional, inicia-se um procedimento único para apreciação dos pedidos formulados pelo requerente, cuja tramitação se mostra prevista nos artigos 10° a 22° da lei nº 27/2008.
O. No âmbito do procedimento de protecção internacional, conforme prevê o artigo 16.º, n° 1 da Lei de Asilo:
“Antes de proferida qualquer decisão sobre o pedido de protecção internacional, é assegurado ao requerente o direito de prestar declarações na língua da sua preferência ou noutro idioma que possa compreender e através do qual comunique claramente, e, condições que garantam a devida confidencialidade e que lhe permitem expor as circunstâncias que fundamentam a respectiva pretensão.”
P. Ouvido que seja o requerente de protecção internacional, subsequentemente, conforme prevê o artigo 17° da antedita lei:
• “1- Após a realização das diligências referidas nos artigos anteriores, o SEF elabora um relatório escrito do qual consta as informações essenciais relativas ao pedido.
2- O relatório referido no número anterior é notificado ao requerente para que o mesmo possa se pronunciar sobre ele no prazo de 5 dias.
3- O relatório no nº 1 é comunicado ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não-governamental que actue em seu nome desde que o requerente tenha dado o seu consentimento, para que aquela organização, querendo, se pronuncie no mesmo prazo concedido ao requerente.
4- Os motivos da recusa de confirmação do relatório por parte do requerente são averbados no seu processo, não obstando à decisão sobre o pedido.
Q. Da conjugação dos artigos 16° e 17° da Lei do Asilo resulta que o requerente de protecção internacional deverá ser ouvido sobre a sua pretensão, devendo, subsequentemente, o SEF elaborar um relatório do qual constam as informações essenciais relativas ao pedido. Sobre este relatório o requerente de asilo poderá pronunciar-se num prazo de 5 dias, devendo desse modo ser-lhe facultada essa possibilidade.
R. Ora a Lei exige é que a Administração elabore um relatório contendo as informações essenciais relativas ao pedido, ou seja contendo as motivações invocadas pelo requerente de protecção internacional para recorrer a tal instrumento, em lado nenhum se determina que a Administração deve elaborar um relatório contendo o sentido da decisão que vier a tomar a final.
S. Pelo que, não exigindo o legislador tal procedimento, não se afigura que possa o intérprete criar ex novo um normativo complementar.
T. Dando cumprimento ao preceituado, e como resulta provado no processo administrativo que em 30/04/2018, o autor foi ouvido pelo SEF no âmbito do processo do pedido de protecção internacional, tendo prestado as declarações que deram origem ao Auto de Declarações junto com o processo administrativo.
U. No mesmo auto, após as declarações prestadas pelo autor, foi feito constar o seguinte:
“Ao requerente é entregue cópia autenticada do presente auto de declarações e notificado de que em conformidade com o n° 2 do artigo 17.º da lei 27/08, de 3.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/14 de 05.05, pode no prazo de 5 dias a contar da presente notificação pronunciar-se, por escrito, sobre o conteúdo do presente auto, em alegações a apresentar no Gabinete de Asilo e Refugiados, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.”
V. Ora contrariamente quer ao que vem sustentado na Sentença recorrida, quer ao entendimento do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo 0306/17, afigura-se indubitável que foi dada ao recorrido a possibilidade de se pronunciar sobre o relatório previsto no n° 1 do artigo 17° da Lei do Asilo.
W. Alega o ora recorrente que apenas foi-lhe dada a possibilidade de se pronunciar sobre as declarações que o mesmo havia prestado e não sobre a apreciação que o SEF viria a fazer sobre as mesmas, não lhe tendo sido facultada deste modo a possibilidade de exercer o direito de audiência prévia relativamente à informação/relatório que viria a conduzir à decisão final objecto de impugnação nos autos.
X. A este respeito o art.° 41° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que abrange sem especificidade as situações em que o cidadão (da União ou não), seja confrontado com um acto ou medida administrativa, referindo que “Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável”, e que “Este direito compreende, nomeadamente o direito de qualquer pessoa ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente.”
Y. A concretização deste preceito no direito comunitário, no que tange à matéria do Asilo, mormente da Protecção Internacional vem estabelecida na Directiva 2011/95/EU, do Conselho, de 13 de Dezembro, a qual revogou a Directiva 2004/83/CE; na Directiva 2013/32/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, a qual revogou a Directiva 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro,
Z. Nos diplomas supra referidos a ratio é sempre no sentido de garantir que o requerente de Protecção Internacional seja ouvido em declarações - a denominada entrevista pessoal - e na sequência desta, elaborado que seja o relatório no qual consta o conteúdo da entrevista, seja este facultado ao requerente no sentido de esclarecer eventuais erros de tradução, de compreensão, ou até mesmo de o confrontar com as declarações proferidas e as constantes do relatório.
AA. Esclarecendo, o art.º 14° da Directiva 2013/32/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho, estabelece no n° 1 que “Antes de o órgão de decisão se pronunciar, deve ser concedida aos requerentes uma entrevista pessoal sobre o seu pedido de protecção internacional, a qual deve ser conduzida por pessoa competente para o fazer, nos termos do direito nacional. As entrevistas pessoais relativas aos fundamentos de um pedido de protecção internacional devem ser realizadas pelo pessoal do órgão de decisão. O presente número, é aplicável sem prejuízo do artigo 42.º, n.º 2, alínea b).”
BB. Por sua vez o art.° 17° da Directiva 2013/32/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho, estabelece nos nºs 1 e 3 respectivamente o seguinte:
“1- Os Estados-Membros devem assegurar a elaboração de um relatório exaustivo e factual do qual constem todos os elementos substantivos de cada entrevista pessoal ou a transcrição de cada entrevista pessoal;
2- (...)
3- Os Estados-Membros devem assegurar que, antes de o órgão de decisão tomar uma decisão, o requerente tenha a oportunidade de fazer observações e/ou prestar esclarecimentos oralmente e/ou por escrito relativamente a eventuais erros de tradução ou de compreensão constantes do relatório ou da transcrição, no final da entrevista pessoal ou dentro do prazo fixado. Para esse efeito, os Estados-Membros devem assegurar que o requerente seja plenamente informado do conteúdo do relatório ou dos elementos substantivos da transcrição se necessário com a assistência de um intérprete. Os Estados-Membros solicitam ao requerente que confirme que o conteúdo do relatório ou a transcrição reflectem correctamente a entrevista.”
CC. Ora não entende a ora recorrida em que medida foi violada, quer a legislação comunitária, quer as normas de direito constitucional invocadas, se a exigência que aí se faz prende-se apenas com garantir que o requerente de Protecção Internacional, finda a entrevista pessoal, que vale para todos os efeitos como audiência prévia, tome conhecimento através do relatório dos factos e circunstâncias que vão determinar o sentido da decisão que vier a ser proferida, sendo que em momento algum o legislador comunitário refere que do relatório deve constar o sentido expresso da decisão que vier a ser tomada a final.
DD. Explicitando a legislação comunitária, a par da jurisprudência assente no Tribunal de Justiça apenas obrigam os Estados-Membros a ouvir os requerentes de Protecção Internacional em sede de entrevista pessoal, na qual estes expõem as razões do seu pedido, e posteriormente através do relatório elaborado pela entidade competente, esta deve disponibiliza-lo, de molde a que “...o requerente tenha oportunidade de fazer observações e/ou prestar esclarecimentos oralmente e/ou por escrito relativamente a eventuais erros de tradução ou de compreensão constantes do relatório ou da transcrição, no final da entrevista pessoal ou dentro do prazo fixado.”
EE. Note-se que o Auto de declarações é sempre reduzido a escrito e dado a conhecer ao ora recorrido que no caso em apreço o assinou, na presença de um intérprete garantindo assim que foi por si entendido o conteúdo e não ter mais declarações a fazer.
FF. Não entende a ora recorrida em que medida se justifica a requerida anulação da decisão administrativa “por violação do art.° 17°, n° 2 da Lei n° 26/2014 de 5 de Maio, interpretado em conformidade com o que dispõe designadamente o art.° 41°, n.º 2 alínea a) da Carta dos direitos fundamentais da união europeia, sendo anulável nos termos do artigo 163°., n° 1 do CPA.
GG. O art.° 41°, n.º1 da Carta dos Direitos Fundamentais Da União Europeia (2000/C 364/01) refere que “Todas as pessoas têm o direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável”.
HH. De molde a concretizar o estabelecido no n° 1, o n° 2 do artigo refere que “Este direito compreende, nomeadamente, o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente”.
II. Na verdade o ora recorrido (limita-se a cumprir os trâmites determinados na Lei, não se antevendo que o cumprimento da lei possa gerar vícios e respectivas sanções.
JJ. Para melhor compreender esta argumentação atente-se à sentença proferida no Processo 362/16.8BESNT cujo objecto se prendeu com a impugnação de uma medida de afastamento coercivo do território nacional, e que mutatis mutandis concluía que:
“Como resulta transparente da tramitação gizada pelo legislador no transcrito artigo 148°, da Lei 23/2007, neste processo especial, não existe qualquer dever de audição prévia nos moldes do art.° 100°, do CPA.
O artigo 100, CPA, não é aplicável ao caso pois, o art.° 148-1, da lei 23/2007, é uma norma especial, em relação a essa norma geral dos procedimentos. Ora, nos termos do artigo 7-3, do CC, também o artigo 100, do CPA, está afastado pela regra especial deste procedimento também especial, do artigo 148º da lei 23/2007. Pode ver-se facilmente que o citado artigo 148 determina que «concluída a instrução, é elaborado o respectivo relatório, no qual o instrutor faz a descrição e a apreciação dos factos apurados, propondo a resolução que considere adequada, e o processo é presente à entidade competente para proferir a decisão», o que é incompatível com o artigo 100º do CPA que determina que «concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103º, os interessados têm direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta»
Também, mesmo que fosse aplicável, - e não é -, o artigo 100, do CPA, nem este nem o artigo 267-5, da CRP, visa paralisar o processo, fazendo-o depender em absoluto do exercício efectivo do direito, tuas soim apenas visam garantir a possibilidade razoável de o exercer e querendo.
O artigo 267-5, da CRP, remete o processamento da actividade administrativa para «lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito». Esta expressão «assegurará (...) a participação corresponde à expressão «é assegurada a audição da pessoa», utilizada pelo legislador no artigo 148-1, da lei 23/2007, não fazendo sentido a audição da pessoa e, ao mesmo tempo, outra audição prévia da mesma pessoa.
O direito de audição prévia inscreve-se no artigo 267-5, da CRP, que consagra o princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões Este direito distingue-se da audiência dos interessados, previsto no artigo 59, do CPA, porque, no âmbito desse artigo 59, a Administração pode, se julgar necessário ou conveniente, ouvir os interessados acerca de qualquer assunto que considere poder vir a ser relevante para o procedimento, e, traduz um poder da administração que pode ser exercido em qualquer fase do procedimento.
A audição dos interessados, nos termos do artigo 100°, do CPA, não constitui um direito fundamental, mas uma formalidade essencial do acto administrativo, quando for exigida. A sua inobservância, quando exigida, não representa a violação do conteúdo essencial de um direito fundamental gerador de nulidade do acto [133-2-d CPA], mas apenas existirá preterição de formalidade essencial gerador de anulabilidade do acto. Não sendo devida, como no caso não é, a questão fica prejudicada e sem objecto.”
KK. Resulta do supra transcrito que o regime especial atribuído aos pedidos de Protecção Internacional deve ser respeitado da mesma forma que se respeita o regime que regula o afastamento coercivo do território nacional.
LL. Não prevê aquela Lei, em sede do regime especial, que o requerente tenha que ser notificado do projecto de indeferimento para dele se pronunciar, e só posteriormente seja notificado da decisão.
MM. Quanto à alegada violação de legislação comunitária não se nos afigura que a mesma tenha ocorrido.
NN. O invocado n° 2 do art.° 41° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, expressamente refere que o direito da pessoa que está aqui em causa é o de ser ouvida antes de ser tomada qualquer medida individual que a afecte, não se podendo daí retirar que antes de se chegar à decisão, a pessoa dever ser notificada para se pronunciar sobre os argumentos que levarão o órgão decisor a decidir em sentido contrário à sua pretensão.
OO. Ora esse direito foi efectivamente respeitado com a audição da requerente em 30 de Maio de 2016, em cumprimento do disposto no n° 1 do art.° 16 da Lei n° 27/2008, de 30 de Julho, alterada pela Lei n° 26/2014 de 5 de Maio.
PP. Reitera-se que à semelhança do que o previsto, no n°2 do art° 24° da Lei de Asilo, as declarações prestadas pelo requerente valem, para todos os efeitos como audiência prévia de interessado, pelo que o mesmo será dizer que nesse âmbito, o ora recorrido foi ouvido e teve a possibilidade de se pronunciar expondo as suas intenções e motivos subjacentes ao seu pedido de protecção internacional, antes de ser proferida a decisão e não admissibilidade do mesmo.
QQ. Mais, nesta fase do procedimento a administração não indefere pedidos de Protecção Internacional, esse é um acto administrativo praticado numa fase posterior quando o pedido é considerado admissível de acordo com os requisitos legais e então inicia-se a instrução do processo nos termos do art.° 27° e seguintes da Lei n° 26/2014 de 5 de maio.
RR. No caso concreto o Pedido do ora recorrido encontrava-se apenas na fase de admissibilidade, não tendo passado para a fase de instrução em virtude de ser infundado de acordo com os requisitos previstos no art.° 19° da Lei n° 26/2014 de 5 de maio.
SS. Acresce referir que o regime especial não belisca de modo algum os direitos dos requerentes de protecção internacional na medida em que ainda que a decisão seja desfavorável, o recurso às vias judiciais suspende os efeitos da decisão, podendo o requerente permanecer no Centro de Instalação Temporária pelo prazo legalmente permitido até que seja tomada uma decisão judicial.
TT. Em conclusão, não foram preteridos quaisquer direitos do ora recorrente, tendo sido cumpridas com rigor todas as formalidades legais exigidas para o caso, não existindo assim qualquer motivo para considerar anulável a decisão em crise.
UU. No que tange ao Pedido de Protecção Internacional efectuado pelo ora recorrido afigura-se claro a decisão da entidade administrativa encontra-se legalmente fundamentada, sendo disso prova o teor da Informação 745/GAR/18 elaborada pelo Gabinete de Asilo e Refugiados, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido, e que passa a fazer parte integrante das presentes alegações.
VV. Efectivamente, o recorrente durante o procedimento administrativo não logrou provar, de forma concreta e inequívoca, quais as ameaças graves contra a sua vida e ou integridade física sofridas que pudessem justificar enquadramento da sua situação na norma veiculada pelo art.° 7° n° 2 c) da Lei de Asilo.
WW. Quanto ao pedido de asilo propriamente dito, as alegações do recorrido não merecem acolhimento, na medida em que não foi invocado qualquer receio de perseguição em virtude de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em determinado grupo social, nem foi exercida qualquer actividade individual susceptível de provocar um fundado receio de perseguição, na acepção do artigo 3° da Lei n° 27/08, de 30 de Julho.
XX. Efectivamente, verifica-se que o pedido é manifestamente infundado, face às disposições reguladoras do direito de asilo, porquanto o recorrente não concretiza nem comprova quaisquer medidas individuais de natureza persecutória de que tenha sido alvo, em consequência de actividades atrás descritas.
YY. Tal como ficou amplamente explanado na contestação, subsistem diversas contradições no relato apresentado pelo recorrido e uma manifesta falta de apresentação de elementos probatórios credíveis para sustentar os factos por si alegados.
ZZ.O recorrente prestou declarações vagas, desprovidas de pormenor e mesmo contraditórias, não tendo causado no examinador a convicção de que se trata de pessoa verdadeiramente necessitada de protecção, ou seja de pessoa perseguida nos termos da legislação de asilo e bem assim da protecção subsidiária.
AAA. Face aos elementos carreados para os autos, a Recorrida logrou provar que a decisão da Administração respeitou integralmente os princípios, normas e trâmites legalmente previstos.
BBB. Todo o exposto demonstra a legalidade do douto acórdão ora recorrido, que concluiu, que determinou que fosse revogada a sentença proferida em primeira instância, mantendo deste modo o acto praticado pela administração na ordem jurídica, dando assim pleno cumprimento às normas de direito vigentes, tanto as constantes do regime do CPC, do CPTA e da Lei de Asilo.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso, face à sua natureza excepcional, não ser admitido em sede de apreciação preliminar sumária (cf. art.° 150° n° 1 e 2 do CPTA) ou, se assim não for entendido, ser julgado improcedente, mantendo-se o Acórdão ora recorrido.

Por acórdão da Formação a que alude o art. 150º, nº 6 do CPTA, datado de 11.02.2019, foi a revista admitida.

2. Os Factos
Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
A) A…………, nasceu no dia 25 de janeiro de 1975 em Luanda, Angola (Cfr. documento junto a fls. 1, 56 e 57 do processo administrativo);
B) B………… nasceu no dia 08 de outubro de 2003 em Luanda, Angola, sendo filho de A………… e D………… (Cfr. documento junto a fls. 37, 52 e 53 do processo administrativo);
C) C………… nasceu no dia 1 de agosto de 2008 em Luanda, Angola, sendo filha de A………… e D………… (Cfr. documento junto a fls. 38, 54 e 55 do processo administrativo);
D) No dia 13/04/2018, A………… apresentou no Gabinete de Asilo e Refugiados pedido de proteção internacional ao qual foi atribuído o n.º 357/18 (Cfr. documento junto a folhas 1 e 36 do processo administrativo);
E) No dia 13/04/2018, B………… apresentou no Gabinete de Asilo e Refugiados pedido de proteção internacional ao qual foi atribuído o n.º 358/18 (Cfr. documento junto a folhas 37 do processo administrativo);
F) No dia 13/04/2018, C………… apresentou no Gabinete de Asilo e Refugiados pedido de proteção internacional ao qual foi atribuído o n.º 359/18 (Cfr. documento junto a folhas 38 do processo administrativo);
G) Em 13/04/2018 foi dado conhecimento ao CPR da apresentação por A…………, B………… e C………… de pedido de proteção internacional (cfr. documento junto a fls. 39 e 40 do processo administrativo);
H) No dia 30 de abril de 2018, A………… foi ouvido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, tendo sido elaborado o documento “Auto de Declarações”, cujo teor aqui se transcreve:
“Auto de Declarações
Aos 30 de abril de 2018, pelas 10h00 no Gabinete de Asilo e Refugiados/SEF, sito em Rua Passos Manuel, 40 em Lisboa perante mim, …………, Inspetor, compareceu o cidadão A…………, melhor identificado nos autos, que respondeu, da seguinte forma às questões que lhe foram colocadas relativas ao pedido de proteção efetuado:
Pergunta (P). Que língua(s) fala?
Resposta (R). Português, algum inglês e um pouco francês.
P. Em que língua pretende efetuar esta entrevista?
R. Português.
P. Tem advogado?
R. Não.
P. Qual é o seu estado civil?
R. Solteiro.
P. Tem filhos?
R. Sim. Três filhos. Dois estão comigo, o B………… que vai fazer 15 anos, e a C………… que vai fazer dez anos. Reconciliei-me recentemente com a mãe deles que ficou em Angola. Vivem comigo desde há dois anos e oito meses. Tenho uma terceira filha, menina, de cerca de três anos, que vive em Angola com a mãe.
P. Qual é a sua nacionalidade?
R. Angolana. Tenho o bilhete de identidade angolano meu e das crianças.
P. O que aconteceu com o passaporte?
R. Entreguei a uma pessoa de confiança em França, porque estava sempre a mudar de local de permanência e não queria perder os documentos. Embora nunca mais tenha entrado com ele, consigo rever os passaportes quando os necessitar.
P. Qual é a sua escolaridade?
R. Aproximadamente uns sete ou oito anos. Fiz o ensino médio, ia estudando, parando, tentei terminar já com família.
P. Trabalhava em Angola?
R. Trabalhei durante algum tempo nas off-shores, no petróleo, era servente, trabalhei na cozinha, em barcos e numa plataforma no mar. Trabalhei também como estivador. Depois fui fazendo alguns negócios, uma vez que arranjar trabalho era difícil pela falta de formação académica. Comércio de roupa, comprava na África do Sul, também no Dubai.
P. Professa alguma religião?
R. Cristão.
P. Pertence a algum grupo étnico?
R. Não muito, o meu avô era do Huambo, não ligo muito.
P. Tem família em Angola?
R. A minha mãe, em Luanda, um irmão mais novo e quatro irmãs. O meu irmão mais velho já faleceu.
P. Vivia onde e com quem em Angola?
R. Vivia em Luanda, com os meus filhos mais velhos, e a mãe da minha mais recente.
P. Porque solicita proteção internacional?
R. Saí de Angola de forma forçada. Já não tive uma infância boa, nunca vi Angola como devia ver, os meus filhos nesta fase seriam forçados a passar o que eu passei no meu passado. O que lá se vive é a ditadura. Eu sempre me revi nos direitos humanos, viver os meus direitos humanos. Em Angola não há, não podemos falar. Até no trânsito, numa discussão, morrem pessoas. Alguém sai do carro, a discutir, pergunta sabes quem é que eu sou, pega numa arma e mata o outro. E não vai preso, porque é importante. Já tive que agredir um polícia porque estava a bater numa senhora grávida. Nunca fui de fazer política, mas acabei por participar numa marcha ou noutra de protesto. Um menino de 14 anos, num dia que a polícia estava a deitar abaixo casas, foi perguntar a um militar porque estavam a fazer aquilo, o militar disparou e matou o menino. O menino de 14 anos, é da idade do meu filho. O meu filho se ouve tiros, não se esconde, mas vai a correr lá para fora para ver onde é o tiroteio. Já acha normal. Várias razões me fizeram abandonar, há a fome, que se aguenta, estarmos sujeitos a enorme insegurança, em qualquer esquina se perde a vida.
Educação não temos, para transitar para o ensino médio é uma luta. Todos os dias se vivem situações. O angolano por natureza é frustrado, oitenta por cento do angolano não está bom psicologicamente. Obrigam o angolano a emigrar.
P. Como tratou da sua viagem para a Europa?
R. Utilizei pessoas que tratam dos documentos necessários para viajar. Se não se for por terceiros, em Angola, não consegues atingir a meta. Pedi os vistos em Luanda, em junho de 2017, e demorou bastante, aí uns dois meses. Viajei com os meus filhos diretamente do aeroporto de Luanda para o de Paris, França, em setembro, dia 15 de 2017. A intenção era mesmo emigrar, vir para Portugal, até pela língua, mas depois pensei que com a crise, em Portugal, podia ser mais difícil, pedir asilo, legalizar-me, para trabalhar, e assim. Optei por França. Em França tentei no centro de emprego, primeiro, mas percebeu-se que sem documentos não podia fazer nada, pelo que pedi asilo, para tentar ficar, ter documentos, trabalhar. Depois, porque tinha o visto português, transferiram-me para Portugal. Estive na França aproximadamente uns oito meses até vir para cá no dia 12 de abril e no dia seguinte pedi asilo.
P. No seu pedido de visto disse que era Polícia Militar, porquê?
R. O rapaz que tratou de tudo é que preencheu, isso seria porque os indivíduos ligados ao estado são mais privilegiados. Tratou da marcação, de tudo. Só fui à embaixada tirar a fotografia e impressões digitais. De resto ele tratou de tudo.
P. No aeroporto de Luanda, teve algum problema com as autoridades na saída para Portugal?
R. Não tive problemas e a mãe deu autorização para os meus filhos viajarem comigo.
P. É, ou alguma vez foi, membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social, em Angola?
R. Não. Nem fiz o serviço militar. Participei em algumas marchas, de protesto, mas nunca me envolvi em política, diretamente não.
P. Alguma vez foi alvo de perseguição por motivos de raça, credo religioso ou pertença étnica em Angola?
R. Não.
P. Tem algum problema com as autoridades policiais ou judiciais de Angola, ou com o Estado Angolano?
R. Não.
P. Alguma vez foi preso ou condenado por um crime?
R. Não
P. Conhece alguém em Portugal? Tem amigos ou família em Portugal ou noutros países da União Europeia?
R. Família não. Sei que andam por aí angolanos que saíram há muito tempo de lá, mas ainda não me cruzei com ninguém.
P. Receia regressar a Angola?
R. Sim, a insegurança, e que tipo de futuro vou dar aos meus filhos. Crianças viverem em ditadura é muito chato. Está toda a gente a tentar abandonar Angola. Pensámos que a mudança política pudesse trazer alguma mudança, mas o outro quando saiu levou o dinheiro todo. Quero ficar cá, ter documentos, trabalhar, dar um melhor futuro aos meus filhos.
P. Tem algum problema em Angola, a nível pessoal, com alguém?
R. Individualmente não. Mas há aqueles tipos do MPLA que andam a tentar mobilizar a juventude, e que já me tentaram pôr a fazer isso. Eu disse que não concordo e que o meu voto não ia para eles, e disseram logo que eu era um revolucionário. Eles olham logo de lado para mim. O que eu fazia era dizer aos jovens para não irem apoiar o MPLA, não irem às festas que eles oferecem, com música e bebida oferecida, para os convencerem a dar o voto. Dizia que o MPLA não fazia nada por eles. Conversavam sobre isso nas minhas costas, indivíduo conotado. Mas problemas assim por causa disso não tenho.
P. Mas problemas, ameaças por causa dessas opiniões, teve?
R. Não, não tive. Vivo é a vida toda revoltado.
P. Deseja acrescentar alguma coisa?
R. No fundo tudo se está na falta de direitos humanos em Angola, crianças a morrerem do nada, falta de amor ao próximo, um cidadão não é tratado como cidadão, a democracia não existe. Quero dar um futuro aos meus filhos. As dificuldades económicas, mesmo tendo um ordenado no final do mês não se consegue comprar nada, alimentação e acabou. É uma vida de dívidas. Cai um ordenado agora, depois só recebe mais tarde, muitos são forçados a deixar os trabalhos para fazer negócios O que me inquieta é quando poderei começar a trabalhar e garantir os meus filhos.
P. Autoriza que seja comunicada ao Conselho Português para os Refugiados, de acordo com o previsto no nº 3, do artigo 172, da Lei nº 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/14 de 05.05, das suas declarações e das decisões que vierem a ser proferidas no seu processo?
R. Sim.
E mais não disse, nem lhe foi perguntado, lidas declarações em língua portuguesa, que compreende e na qual se expressa, o achou conforme, ratifica e vai assinar juntamente comigo, pelas 10:10, hora a que findou este ato.
Declaro ter sido informado que o meu pedido de proteção vai ser analisado por um único Estado Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capitulo III do Regulamento CE nº 604/13 do Conselho de 26.06, designarem como responsável.
Mais declaro, dar o meu consentimento, quando tal seja necessário, para que seja solicitado a outro Estado Membro os motivos invocados no pedido e respetiva decisão, de acordo com o artigo 34.º, do Regulamento acima citado. Afirmo nada mais ter a acrescentar e que todas as declarações aqui prestadas são verdadeiras. O presente questionário foi-me lido na língua portuguesa, que compreendo e corresponde ao meu depoimento.
À requerente é entregue cópia autenticada do presente auto de declarações e notificado de que em conformidade com o n.º 2 do artigo 17.º da Lei 27/08, de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/14 de 05.05, pode no prazo de 5 dias a contar da presente notificação pronunciar-se, por escrito, sobre o conteúdo do presente auto, em alegações a apresentar no Gabinete de Asilo e Refugiados, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, sito na Rua Passos Manuel, n.º 40,1169-089 Lisboa, ou por email gar@sef.pt ou ainda por fax + 35121423 66 48.
LISBOA, 30 de abril de 2018,
O Requerente"
(Cfr. documentos juntos a fls. 60 a 62 do processo administrativo);
I) Em 14 de maio de 2018, no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras foi elaborada a Informação n.º 745/GAR/18, cujo teor se considera aqui reproduzido e se transcreve na parte relevante para a decisão:
1. "Identificação
1.1. Nome: A…………
1.2. Data de Nascimento: 25.01.1975
1.3. Nacionalidade: Angola
2. Identificação
2.1 Cônjuge: --
2.2 Data de Nascimento: --
2.3 Nacionalidade: --
2.4 Filhos: B…………; C…………
2.5 Datas (s) de Nascimento: 08.10.2003; 01.08.2008
2.6 Nacionalidade: Angolana
3. Local e data de apresentação do pedido de asilo
3.1 LISBOA GAR
3.2. 13.04.2018
4. Antecedentes
4.1 SIRES 23.06.2017 — solicita VCD em Luanda, emitido aos 09.08.2017, válido entre 09.08.2017 e 22.09.2017
13.11.2017 — Pedido de tomada a cargo Regulamento Dublin, efetuado pela França e aceite por Portugal;
4.2. MC: Nada Consta
4.3 NSIS: Nada Consta
5. Itinerário
5.1 País de Proveniência: Angola
5.2 Países de trânsito desde a origem: -
5.3. País de Destino: França
5.4 Meio de Transporte: Avião
6. Dos factos invocados
1. Aos 13.04.2018, no Gabinete de Asilo e Refugiados deste SEF, sito em Lisboa, apresentou o requerente pedido de proteção internacional (PPI) às autoridades portuguesas, na sequência de pedido de tomada a cargo no âmbito do regulamento de Dublin efetuado pela França e aceite por Portugal.
2. Nos termos do disposto n.º 3, do artigo 13.º da Lei n.º 27/08, de 30.06, alterada pela Lei 26/14 de 05.05, foi dado conhecimento ao Conselho Português para os Refugiados (CPR) da apresentação daquele pedido de proteção.
3. Em cumprimento do disposto no n.º 1, do artigo 16.º da Lei n.9 27/08, de 30.06, alterada pela Lei n.º 26/14 de 05.05, foi o requerente ouvido quanto aos fundamentos do seu pedido de asilo, tendo prestado as declarações constantes nos autos, que se transcrevem:
(...)
7. Da apreciação da admissibilidade do pedido de asilo
O requerente, nacional de Angola, declarou ser solteiro, ter três filhos, dois dos quais o acompanham em Portugal, ser cristão, ter estudado cerca de oito anos, dedicar-se ao comércio de roupa.
Abandonou Angola por querer dar um futuro aos seus filhos, tendo viajado para a Europa com o objetivo de emigrar, optando pela França por achar que em Portugal, com a crise, poderia ser mais difícil pedir asilo, legalizar-se, trabalhar. Em França tentou primeiro o centro de emprego, mas percebendo que sem documentos nada conseguiria fazer optou pelo pedido de asilo, sendo depois transferido para Portugal por culpa do visto solicitado em Luanda e emitido por este país.
Acredita que os maiores problemas do seu país de nacionalidade são a falta de direitos humanos, falta de amor ao próximo, a democracia não existir de facto, a par da insegurança generalizada.
Em Angola, declarou, vive-se uma vida de dívidas, de dificuldades económicas. Mesmo tendo um ordenado no final do mês vai tudo para a alimentação, não dando para comprar mais nada. Nunca foi membro de qualquer organização política, religiosa, militar, étnica ou social em Angola. Participou, declarou, em algumas marchas de protesto, mas nunca se envolveu diretamente na política. Embora tenha manifestado opiniões contrárias às do MPLA nunca teve quaisquer problemas por causa disso.
Tão pouco foi alvo de perseguição por motivos de raça, credo religioso ou pertença étnica, no seu país de origem, nem tem quaisquer problemas com as autoridades policiais, judiciais ou com o estado Angolano.
Das declarações do requerente constata-se que o relato ofereceu ao examinador um cenário sem relevância para a matéria de asilo, mormente no respeitante ao país de nacionalidade, Angola, apenas indicando questões não pertinentes ou de relevância mínima para a análise do cumprimento das condições para o reconhecimento do estatuto de refugiado.
Das declarações do requerente resulta claro que subjacente ao pedido de proteção apresentado, estão motivos económicos que não se enquadram nas disposições que regulam o direito de asilo em Portugal. Com efeito, o Manual de Procedimentos do ACNUR, refere no ponto 62 que, “Um migrante é uma pessoa que, por outras razões que não as mencionadas na definição, deixa voluntariamente o seu país para se instalar algures. Pode ser motivado pelo desejo de mudança ou de aventura, ou por razões familiares ou outras razões de carácter pessoal. Se é motivado exclusivamente por razões económicas, trata-se de um migrante e não de um refugiado”.
Ora, não sendo notória qualquer medida individual de natureza persecutória de que tenha sido vítima ou receando vir a sê-lo, em consequência de atividade por ele exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana em Angola, inexiste razão atendível para a concessão do estatuto de refugiado à requerente, verificando-se que os fundamentos do atual pedido de proteção não se enquadram no espírito da Lei de Asilo portuguesa ou na Convenção de Genebra.
De igual modo, também não foi pela requerente invocado receio de perseguição em virtude de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em determinado grupo social, suscetível de provocar um fundado receio de perseguição, na aceção do artigo 3.º da Lei n.º 27/08, de 30.06 com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014 de 05.05.
Perante o exposto, entende-se que a requerente não apresentou quaisquer factos relacionados com a análise do cumprimento das condições para beneficiar de proteção internacional, pelo que se julga o presente pedido infundado por incorrer na alínea e) do n.º 1, do artigo 19.º, da Lei 27/08, de 30.06, alterada pela Lei 26/14 de 05.05.
8. Da apreciação da admissibilidade da Autorização de Residência por Proteção Subsidiária O artigo 7.° da Lei n.° 27/08
O artigo 7.º da Lei n.º 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/14 de 05.05, atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3.º, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por proteção subsidiária, quando estão impedidos ou se sentem impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações de sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.
Face ao alegado no número anterior, também aqui em sede de análise da autorização de residência por proteção subsidiária, não é de admitir que o requerente, atento o seu caso individual, sinta algum constrangimento na sua esfera pessoal pelas razões que possam levar à concessão de proteção, prevista no regime subsidiário na Lei de Asilo.
Das declarações do requerente não se pode concluir que esteve ou pode vir a estar exposta a uma violação grave e sistemática dos seus direitos fundamentais, tornando a sua vida intolerável no seu país de origem.
Não indicou qualquer ato persecutório ou ameaças que configurem terem existido situações sistemáticas de violação dos direitos humanos ou de se encontrar em risco de sofrer ofensa grave.
Pelo exposto, afigura-se que o presente caso não é elegível para a proteção subsidiária, por incorrer na alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/08, de 30.06, alterada pela Lei n° 26/14 de 05.05.
9. Proposta
Face aos factos atrás expostos, consideramos o pedido de proteção internacional infundado, por se enquadrar na alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/14 de 05.05.
Assim, submete-se à consideração do Ex.mº Diretor Nacional do SEF a proposta acima, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º, e n.º 1 do artigo 20.º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/14 de 05.05. GAR, 14 de maio de 2018,
O Instrutor"
(Cfr. documento junto a fls. 64 a 70 do processo administrativo);
J) Em 14 de maio de 2018, pelo Diretor Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, foi proferida a decisão com o teor que infra se transcreve:
"DECISÃO
Processos de Proteção Internacional N.º 357W/18
De acordo com o disposto na alínea e) do n.º 1, do artigo 19°, e no n.º 1 do art. 20°, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei n° 26/2014 de 05 de Maio, com base na informação n.º 745/GAR/18 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de asilo apresentado por A…………, nascido a 25.01.1975, nacional de Angola, infundado.
Com base na mesma informação e nos termos das disposições legais acima citadas, considero o pedido de autorização de residência por proteção subsidiária apresentado pelo cidadão acima identificado, infundado.
A presente decisão é extensível aos filhos do cidadão estrangeiro, B…………, nascido a 08.01.2003, PPI 358/18 e C…………., nascida a 01.08.2008, PPI 359/18, ambos de nacionalidade angolana.
Notifique-se o interessado nos termos do n° 3 do art.° 20° da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei n° 26/2014 de 05 de Maio.
Oeiras, 14 de maio de 2018
O Diretor Nacional
…………"
(Cfr. documento junto a fls. 71 do processo administrativo);
J) Em 23/05/2018, o autor tomou conhecimento da decisão identificada na alínea anterior (Cfr. documento junto aos autos a fls. 76 a 78 do processo administrativo).

3. O Direito
A………… intentou em seu nome e dos seus filhos menores, também recorrentes, contra o MAI acção pedindo a anulação do despacho proferido pelo Director Nacional do SEF, de 14.05.2018, que considerou inadmissível o seu pedido de protecção internacional, tanto quanto ao Pedido de Asilo, como no que respeita ao Pedido de Autorização de Residência por Razões Humanitárias, nos termos da alínea e) do nº 1, do art. 19º, e no nº 1 do art. 20º, ambos da Lei nº 27/2008, de 30/6, na redacção dada pela Lei nº 26/2014, de 5/5.
O TAC de Lisboa julgou a acção procedente, com fundamento na preterição de formalidade essencial [incumprimento do art. 17º, nº 1 da Lei do Asilo], decisão que o acórdão do TCAS revogou, sendo que neste recurso de revista interposto deste acórdão do TCAS os autores limitaram a sua crítica à invocada nulidade e erro de julgamento sobre a apreciação do vício de preterição de audiência prévia do interessado.
Na presente revista, imputa-se, portanto, ao acórdão recorrido nulidade por falta de fundamentação, nos termos do art. 615º, nº 1, al. b) do CPC e erro de julgamento na apreciação que se fez daquele invocado vício.
Alegam os Recorrentes que o acórdão recorrido incorreu na nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do art. 615º do CPC, já que não tratou as questões relacionadas com a preterição de formalidades essenciais.
Não lhes assiste razão.
Com efeito, a nulidade por falta de fundamentação apenas se pode ter por verificada quando a decisão seja completamente omissa quanto aos fundamentos de facto e/ou de direito e, não, quando tais fundamentos sejam escassos ou insuficientes.
Ora, lendo o acórdão recorrido verifica-se imediatamente que este considerou respeitada “a audição da requerente em 30 de Maio [quereria dizer 30 de Abril], em cumprimento do disposto no nº 1 do art.º 16, da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 5 de Maio.
É que, como bem observa o recorrente e é secundado pela EPGA, à semelhança do previsto no nº 2 do art.º 24º da Lei do Asilo, as declarações prestadas pelo requerente valem, para todos os efeitos como audiência prévia de interessado, pelo que o mesmo será dizer que nesse âmbito, o ora recorrido foi ouvido e teve a possibilidade de se pronunciar expondo as suas intenções e motivos subjacentes ao seu pedido de protecção internacional, antes de ser proferida a decisão e não admissibilidade do mesmo. ”.
Do que acabou de se transcrever resulta claramente que o acórdão recorrido contém fundamentação de direito sobre a questão que lhe competia apreciar, não tendo incorrido na nulidade prevista na al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC, mas, quanto muito, em erro de julgamento.


Sobre tal erro de julgamento por preterição de formalidade essencial defende, em síntese, que apenas prestou declarações no procedimento, sendo que não foi ouvido antes da decisão final do seu pedido de protecção internacional, com violação do art. 17º, nº 1 da Lei nº 27/2008 ou dos arts. 121º e 122º do CPA. Impondo o art. 41º, nºs 1 e 2 da Carta dos Direitos Fundamentais que o requerente de protecção internacional seja ouvido sobre o projecto de decisão, sendo certo que outra interpretação seria inconstitucional por violação dos arts. 8º, nº 4 e 267º, nº 5 da CRP.
A questão a decidir na presente revista é, pois, a de saber se no âmbito de um procedimento de concessão de asilo ou protecção subsidiária há lugar à aplicação do art. 17º, nº 1 da Lei do Asilo ou dos arts. 121º e 122º do CPA, constituindo a falta de audição do interessado, preterição de formalidade essencial, em desrespeito por normas de direito comunitário ou constitucional.
Sobre a aplicação do art. 17º da Lei do Asilo já se pronunciou este STA nos acórdãos de 20.12.2018, Proc. nº 0275/18.9BELSB, de 04.10.2017, Proc. nº 01727/17.BELSB e de 18.05.2017, Proc. nº 0306/17, este último por nós relatado e que aqui seguiremos de perto, com as necessárias adaptações.
A Lei nº 26/2014, de 5/5 procedeu à alteração da Lei nº 27/2008, de 30/6 (sendo todos os artigos doravante indicados, sem outra menção, a ela respeitantes), que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, transpondo as Directivas nºs 2011/95/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13/12, 2013/32/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26/6, e 2013/33/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26/6 (cfr. art. 1º). O art. 2º, nº 1, nas suas alíneas a) a ah), refere o entendimento que para os efeitos na Lei previstos deverão ter várias expressões, sendo que na al. s) define: “«Pedido de proteção internacional», pedido de proteção apresentado por estrangeiro ou apátrida que pretenda beneficiar do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária e não solicite expressamente outra forma de proteção suscetível de ser objeto de um pedido separado;” (cfr. ainda art. 10º, nº 1).
Os beneficiários de protecção internacional podem ter direito de asilo (cfr. art. 3º), que lhes confere o estatuto de refugiado (art. 4º), ou ser-lhes concedida autorização de residência por protecção subsidiária (art. 7º), sendo único o procedimento desses pedidos, estando a respectiva tramitação prevista nos arts. 10º a 22º, visto o pedido de protecção internacional ter sido formulado junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF, no dia 13.04.2018.
Prevê o art. 16º, no seu nº 1 o seguinte: “Antes de proferida qualquer decisão sobre o pedido de proteção internacional, é assegurado ao requerente o direito de prestar declarações na língua da sua preferência ou noutro idioma que possa compreender e através do qual comunique claramente, em condições que garantam a devida confidencialidade e que lhe permitam expor as circunstâncias que fundamentam a respetiva pretensão.
Por sua vez o art. 17º, prevê que:
1 – Após a realização das diligências referidas nos artigos anteriores, o SEF elabora um relatório escrito do qual constam as informações essenciais relativas ao pedido.
2 – O relatório referido no número anterior é notificado ao requerente para que o mesmo se possa pronunciar sobre ele no prazo de cinco dias.
3 – O relatório referido no n.º 1 é comunicado ao representante do ACNUR e ao CRP, enquanto organização não governamental que atue em seu nome, desde que o requerente tenha dado o seu consentimento, para que esta organização, querendo, se pronuncie no mesmo prazo concedido ao requerente.
4 – Os motivos da recusa de confirmação do relatório por parte do requerente são averbados no seu processo, não obstando à decisão sobre o pedido.
O art. 18º prevê quais os elementos a ter em conta na apreciação do pedido e o art. 19º prescreve que a análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de protecção é sujeita a tramitação acelerada.

Sendo estes os preceitos da Lei nº 27/2008 aplicáveis ao caso em apreço, importa aferir se, mormente, o disposto no art. 17º, nºs 1 e 2 foi correctamente aplicado, devendo aferir-se se a forma como em concreto foi aplicado assegura o direito de o requerente se pronunciar em audiência prévia.
No “Auto de Declarações” do requerente do pedido de protecção internacional, após as declarações propriamente ditas, consta o seguinte:
Declaro ter sido informado que o meu pedido de proteção vai ser analisado por um único Estado Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capitulo III do Regulamento CE nº 604/13 do Conselho de 26.06, designarem como responsável.
Mais declaro, dar o meu consentimento, quando tal seja necessário, para que seja solicitado a outro Estado Membro os motivos invocados no pedido e respetiva decisão, de acordo com o artigo 34.9, do Regulamento acima citado. Afirmo nada mais ter a acrescentar e que todas as declarações aqui prestadas são verdadeiras. O presente questionário foi-me lido na língua portuguesa, que compreendo e corresponde ao meu depoimento.
À requerente é entregue cópia autenticada do presente auto de declarações e notificado de que em conformidade com o n.º 2 do artigo 17.º da Lei 27/08, de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/14 de 05.05, pode no prazo de 5 dias a contar da presente notificação pronunciar-se, por escrito, sobre o conteúdo do presente auto, em alegações a apresentar no Gabinete de Asilo e Refugiados, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras,(…)”. Seguindo-se a data e assinaturas da requerente e do instrutor.
Ora, o art. 17º, nº 1 prevê expressamente que após a realização das diligências cabíveis, no caso houve lugar às declarações previstas no art. 16º, o SEF elabora um relatório escrito do qual constam as informações essenciais ao processo, sendo sobre este relatório que ao requerente é facultada a possibilidade de se pronunciar, no prazo de 5 dias, sendo ainda esse relatório comunicado ao representante do ACNUR e ao CRP (nºs 2 e 3).
O que significa que o requerente do pedido de protecção internacional tem direito a ser ouvido sobre as informações essenciais ao seu pedido (que no caso concreto não podiam deixar de ser a inadmissibilidade do pedido de asilo e do pedido de autorização de residência por protecção subsidiária), constantes de um relatório escrito que as indique, assim se assegurando a audiência do interessado.
No entanto, do procedimento administrativo seguido (e que se encontra descrito nos factos provados), verifica-se que não foi elaborado o relatório contemplado no art. 17º, nº 1 da Lei 27/2008, sobre o qual o requerente se pudesse ter pronunciado, não podendo considerar-se como “relatório”, as declarações do próprio requerente acima transcritas.
A falta da elaboração desse relatório tem que ser considerada como preterição de uma formalidade essencial que a lei prescreve, e que determina, consequentemente, que não tenha sido possível ao requerente pronunciar-se nos termos do nº 2 do referido art. 17º.
Há, como tal, preterição da audição do interessado, não por aplicação ao caso dos arts. 121º e 122º do CPA, mas porque não foi respeitado o formalismo previsto no art. 17º, nºs 1 e 2 da Lei nº 27/2008, o que conduz à anulação do acto impugnado (art. 163º, nº 1 do CPA), ficando prejudicado o conhecimento da invocada violação do art. 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e inconstitucionalidades por violação dos arts. 8º, nº 4 e 267º, nº 5 da CRP.
Diga-se ainda que não é aqui aplicável o disposto no art. 24º, nº 2 da Lei nº 27/2008, segundo o qual no regime especial dos pedidos apresentados nos postos de fronteira (art. 23º), as declarações prestadas pelo requerente valem, para todos os efeitos como audiência prévia, de acordo com o referido nº 2 do art. 24º, visto não se estar no caso presente no âmbito desse procedimento especial, mas antes, no regime geral previsto nos arts. 10º a 22º da Lei nº 27/2008.
Procede, consequentemente, o recurso, sendo de revogar o acórdão recorrido e anular o acto impugnado, devendo o procedimento administrativo ser retomado nos termos sobreditos.

Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e mantendo o decidido no TAC de Lisboa.
Sem custas (art. 84º da Lei nº 27/2008).

Lisboa, 28 de Março de 2019. - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.