Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02060/17.6BEBRG |
Data do Acordão: | 09/16/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | SUZANA TAVARES DA SILVA |
Descritores: | DÍVIDA PORTAGEM PLANO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO EXECUÇÃO FISCAL |
Sumário: | I - Independentemente da sua natureza jurídica, a cobrança coerciva das dívidas correspondentes a créditos de portagens segue o regime jurídico da cobrança coerciva das dívidas tributárias por força do disposto no artigo 17.º-A, n.º 1, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro. II - É legalmente viável a instauração de processo de execução fiscal contra a sociedade devedora após a declaração judicial da sua insolvência, pese embora as execuções instauradas para cobrança de créditos vencidos antes da declaração de insolvência deverem ser imediatamente sustadas e avocadas pelo tribunal judicial para apensação ao processo de insolvência, e as instauradas para cobrança de créditos vencidos após a declaração de insolvências deverem prosseguir somente com a penhora de bens não apreendidos no processo de insolvência. III - É legalmente admissível a instauração de um processo de execução fiscal contra a sociedade devedora após a homologação do Plano Especial de Revitalização, sem prejuízo de esse processo apenas ser válido nas hipóteses previstas nos n.ºs 4 e 5 do art. 180.º do CPPT, ou seja: i) desde que os créditos a cuja execução fiscal agora se procede tenham sido efectivamente reclamados naquele processo de revitalização e aí não tenham sido pagos; ii) a execução tenha como objecto os montantes ainda em dívida; iii) a execução não constitua um desrespeito pelas obrigações contratuais assumidas naquele processo; e iv) sem prejuízo, também, da prescrição da dívida exequenda. |
Nº Convencional: | JSTA000P26359 |
Nº do Documento: | SA22020091602060/17 |
Data de Entrada: | 06/14/2019 |
Recorrente: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A... SA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1- O representante da Fazenda Pública interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em 17 de Abril de 2019, que julgou procedente a oposição, deduzida A…………., S.A., à execução fiscal n.º 2330201701030361, instaurada pelo Serviço de Finanças de Valença para a cobrança de taxas de portagem e custos administrativos relativos aos meses de Julho de 2013 e Janeiro, Março, Abril, Maio, Julho e Agosto de 2014, no valor global de 26.650,92€ apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo: I - O presente recurso tem por objeto a douta sentença recorrida, proferida no processo supra referenciado, a qual julgou a Oposição totalmente procedente e, em consequência, determinou a extinção do processo de execução fiscal n.º 2330201701030361 e apensos, instaurado contra a Recorrida "pelo Serviço de Finanças de Valença para cobrança coerciva de taxas de portagem e custos administrativos, respeitantes aos meses de Julho de 2013 e Janeiro, Março, Abril, Maio, Julho e Agosto, todos de 2014, no montante exequendo global de € 26.650,91". II - A Recorrente não se conforma com a douta sentença em causa, na medida em que entende que a mesma padece de erro de julgamento, em matéria de direito, ao ter concluído, em suma, que os créditos exequendos em causa nos autos, provenientes de taxas de portagem e custos administrativos associados, no montante global de € 26.650,92, respeitantes aos meses de Julho de 2013 e Janeiro, Março, Abril, Maio, Julho e Agosto, todos de 2014 (cfr. ponto 1. do probatório) não assumem a natureza de créditos tributários e, em consequência, ao entender que não poderia o Serviço de Finanças de Valença ter instaurado o PEF em causa nos presentes autos à luz do disposto no artigo 17°- E, n.º 1 do CIRE, aditado pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril. Vejamos: III - Tal como decorre da douta sentença aqui em causa, o M. mo Juiz do Tribunal "a quo" entendeu que os créditos aqui em causa "(...) não assumem, assim, a natureza de créditos tributários" exclusivamente com fundamento no entendimento vertido a este respeito no douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2016.05.02, Processo n.º 1749/14.GTBVCT-B.G1. IV - Não obstante o entendimento vertido no douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães antes referido, o certo é que, ao que se nos afigura, a maioria da Jurisprudência e da Doutrina existente sobre esta matéria entende que as taxas de portagem e respetivas custas têm natureza tributária V - Na verdade, importará ter presente que as taxas de portagem são tributos da espécie taxas, porquanto constituem a contrapartida pela utilização de um bem público, tal como se prevê no artigo 4°, n.º 2 da LGT. - (cfr. RIBEIRO, Teixeira - Noção Jurídica de Taxa, RLJ - Ano 117 - p. 290). VI - No mesmo sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2004.10.14, processo 04B2885, disponível em www.dgsi.pt. cujo sumário reza o seguinte: "I - Exercendo actividade pública de que a Administração é titular, as empresas privadas concessionárias de bens públicos substituem a Administração nas relações com o público e actuam como se fossem entidades públicas. II - O pagamento de uma - taxa de portagem "pelos utentes da auto-estrada representa a cobrança de uma receita coactiva, de um financiamento público, e não a satisfação, por parte do utilizador dessa via, de uma obrigação assumida no âmbito de um contrato sinalagmático, cuja contraprestação do Estado, transferida, por concessão, para a Brisa, seria a possibilidade de circulação na via referida, com condições de segurança e níveis de fiscalização mais elevados em comparação com as demais estradas". VII - No mesmo sentido, veja-se ainda o douto acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 640/95, disponível em www.pgdlisboa.pt. VIII - Por sua vez, o Professor José Casalta Nabais, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pronunciou-se, igualmente, sobe esta questão em parecer jurídico elaborado em novembro de 2017, a solicitação da Associação Portuguesa das Sociedades Concessionárias de Auto-Estradas ou Pontes com Portagens ("APCAP"), remetido por esta entidade para a Direção dos Serviços de Justiça Tributária, da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a coberto do ofício com a referência n.º 2018/APC.010, de 2018.02.20, no qual refere, nomeadamente: "Em suma, a taxa de portagem continua a consubstanciar-se numa contraprestação à prestação estadual constituída pela utilização privativa do domínio público do Estado, nada se alterando, sob o ponto de vista da substância das coisas, pela circunstância de essa utilização ocorrer no quadro de uma concessão de exploração desse domínio público." IX - No mesmo sentido, veja-se ainda "Algumas Considerações sobre o Processo de Cobrança Coerciva da Taxa de Portagem", Dissertação de Mestrado em Direito Fiscal de Sílvia Rosas Dantas (Orientador: Professor Doutor Rui Duarte Morais), Universidade Católica Portuguesa, outubro de 2015, disponível em https:l/repositorio.ucp.pt, na qual se conclui, nomeadamente, a páginas 17, "que apesar da concessionária, ser habitualmente uma sociedade anónima, a lei atribui-lhe, por força do contrato de concessão, prerrogativas e deveres de autoridade típicos ao Estado, o que significa que a atividade que ela explora não perde a sua natureza pública administrativa" e "Deste modo, concluo que o valor da portagem cobrado ao utente pela utilização da infraestrutura autoestrada, objeto de concessão, é uma verdadeira taxa, devendo obedecer aos princípios da proporcionalidade e da equivalência". X - Assim, aqui chegados, ao invés do que foi decidido na douta sentença aqui posta em crise, impera concluir, que os créditos exequendos em causa nos autos, provenientes de taxas de portagem e custos administrativos associados, no montante global de € 26.650,92, respeitantes aos meses de Julho de 2013 e Janeiro, Março, Abril, Maio, Julho e Agosto, todos de 2014 (cfr. ponto 1. do probatório) assumem, inequivocamente, a natureza de créditos tributários. XI - Impondo-se seguidamente averiguar, à luz do entendimento antes referido relativamente à natureza tributária dos créditos exequendos, se poderia ou não o Serviço de Finanças de Valença ter instaurado o PEF em causa nos presentes autos, tendo em vista, nomeadamente, o disposto no artigo 17º- E, n.º 1 do CIRE, aditado pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, em confronto, nomeadamente, com o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários plasmado no n.º 2 do artigo 30º da LGT, e com disposto no n.º 3 do mesmo artigo 30° da LGT, aditado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011). XII - Ora, a nosso ver, a questão antes acabada de enunciar encontra resposta inequívoca no (a nosso ver, paradigmático) acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2015.05.27, proferido no processo n.º 0473/15, disponível para consulta em www.dgsi.pt. XIII - Assim, atendendo à vasta e acertada Jurisprudência e Doutrina invocada no douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo acima reproduzido em parte, e, em especial, atendendo ao princípio da indisponibilidade dos créditos tributários plasmado no n.º 2 do artigo 30° da LGT, e atendendo, ainda, ao disposto no n.º 3 do artigo 30° da LGT, aditado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011), afigura-se-nos ser de concluir que a decisão do Serviço de Finanças de Valença de instaurar, contra a Recorrida, o processo de execução fiscal melhor identificado nos pontos 1. e 2. do probatório, para cobrança de dívidas referentes a taxas de portagem e respetivas custas, não merece, pese embora a existência do PER a que aludem os pontos 3., 4., 5., 6. e 7. do probatório, e pese embora a ocorrência dos factos aí melhor referidos, qualquer censura no plano jurídico. XIV - Deveria, pois, a nosso ver, a oposição à execução fiscal aqui em crise ter sido julgada totalmente improcedente, por não provada, com todas as legais consequências, impondo-se, em sequência, em sede do presente recurso, determinar-se a revogação da douta sentença ora em crise, substituindo-a por outra que declare a oposição à execução fiscal totalmente improcedente, por não provada, com todas as legais consequências - o que, respeitosamente, se requer a V. Exas. Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, anulando-se a douta decisão em apreço, com todas as legais consequências». 2- A recorrida contra alegou, concluindo nos seguintes termos: «Ao julgar procedente a oposição extinguindo, na sequência, a execução fiscal n.° 2330201701030361 e apensos, a douta sentença proferida pelo Tribunal "a quo" fez uma certíssima e correta interpretação e aplicação dos factos, da lei e do direito, não merecendo qualquer censura ou reparo. Não há, assim, qualquer motivo para alterar o julgado. NESTES TERMOS e nos melhores de direito aplicáveis deve negar-se provimento ao recurso interposto, mantendo-se a douta sentença Recorrida nos seus precisos termos e respetivos efeitos. Assim decidindo farão V. Exas. a sã e já costumeira, Justiça.» 3- O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso, com base nos seguintes fundamentos: 1.º Não obstante a sua actual configuração jurídica, as portagens devem continuar a qualificar-se juridicamente como taxas; 2.º A circunstância de os títulos executivos (certidões de dívida) terem sido emitidos pela subconcessionária não é impeditiva de que a administração tributária assuma a qualidade de exequente; 3.º Da indisponibilidade do crédito tributário e da impossibilidade de modificação dos elementos essenciais da relação jurídica tributária por vontade das partes decorre que a aprovação e homologação judicial do plano de recuperação da empresa não determina a extinção do processo de execução fiscal para a sua cobrança coerciva.
Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e ordenar a baixa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga para que aí se julgue a oposição à execução fiscal de acordo com as condicionantes aqui enunciadas.
Custas pela Recorrida [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário]. |