Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0568/13
Data do Acordão:12/18/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:DIVIDENDOS
LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
TRIBUTAÇÃO DE SUJEITOS PASSIVOS NÃO RESIDENTES
Sumário: I - Atento o primado do direito comunitário, é vedado ao tribunal português aplicar normas do direito nacional que afrontem o que naquele se impõe, e no caso de existir acórdão do TJUE sobre interpretação de norma comunitária e sua compatibilidade com uma norma nacional, essa interpretação pode e deve ser aplicada mesmo às relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão, devendo a decisão interpretativa retroagir à data da entrada em vigor da norma nacional, excepto se o acórdão dispuser de forma diferente.

II - Resulta da jurisprudência comunitária que embora da legislação nacional decorra, em abstracto, uma restrição à livre circulação de capitais não consentida pelo art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia (actual art. 63º TFUE), importa averiguar se essa restrição, consubstanciada em maior tributação de entidade não residente, será neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.

III - É, pois, essencial esclarecer se, e em que medida, é que o ADT celebrado entre Portugal e a Holanda permite, no caso concreto, neutralizar a tributação, e, por conseguinte, fazer respeitar a imposição comunitária da livre de circulação de capitais. E não dispondo o STA de base factual para decidir a questão, há que ordenar a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª instância a fim de que nele seja proferida nova decisão após ampliação da matéria de facto pertinente.

Nº Convencional:JSTA00068503
Nº do Documento:SA2201312180568
Data de Entrada:04/15/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A................. E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CIRC01 ART20 N1 C ART94 N1 C N3 B.
EBFISC01 ART16 ART88 N11 ART16 N7.
Legislação Comunitária:TFUE ART63 ART267 ART56 ART58.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0654/13 DE 2013/11/27
Jurisprudência Internacional:AC TRIJ PROCC-493/09 DE 2011/10/06
AC TRIJ PROCC-338/11 DE 2012/05/10
AC TRIJ PROCC-347/11 DE 2012/05/10
AC TRIJ PROCC-379/05 DE 2007/11/08
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO
A…………….. e B…………….., anteriormente C……………….., D................... (doravante 1ª impugnante e 2ª impugnante), fundos de pensões constituídos de acordo com o direito holandês, ambas representadas por E…………….., com o NIF ……………….. e os demais sinais dos autos, apresentaram impugnação judicial do indeferimento tácito da reclamação graciosa relativa a retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), incidente sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2008, no valor global de € 1.059.985,84 (um milhão, cinquenta e nove mil, novecentos e oitenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos).

Por sentença de 28 de Setembro de 2013, o Tribunal Tributário de Lisboa, julgou procedente a impugnação judicial e, em consequência:
a. anulou a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa;
b. anulou os atos de retenção na fonte de IRC de 2008 objecto de impugnação;
c. condenou a entidade demandada a proceder à restituição à 1ª impugnante da quantia de € 685.171,46 e à 2.ª impugnante da quantia de €374.814,38, relativas àquelas retenções na fonte de IRC. Reagiu a Fazenda Pública interpondo o presente recurso para o TCA Sul que por decisão de 28 de Fevereiro do 2013, se declarou incompetente em razão da hierarquia, entendendo ser competente este STA, para onde os autos foram remetidos, as alegações integram as seguintes conclusões:

5.1. — Está em causa Sentença declaratória que julgou procedente a impugnação judicial identificada em epígrafe, na parte em que anulou: a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa; os actos de retenção na fonte de IRC de 2008 objecto de impugnação, e condena a entidade demandada a proceder à restituição à 1ª impugnante da quantia de € 685.171,46 e à segunda impugnante a quantia de € 374.814,38, relativas àquelas retenções na fonte de IRC.

5.2. - Decidiu o Meritíssimo Juiz que, a questão a decidir no âmbito dos presentes autos se cingia a saber se os actos de retenção na fonte ora objecto de impugnação, violam a legislação comunitária. E fundamentou tal conclusão no facto de ter sido, foi invocado pelos impugnantes que, ao sujeitar a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades anónimas residentes em território nacional a fundos de pensões estabelecidos num Estado membro da União Europeia, ao mesmo tempo que isenta de tributação de dividendos, fundos de pensões estabelecidos e domiciliados em Portugal, a legislação portuguesa, no caso do artigo 16° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (anterior 14º), viola de forma frontal os artigos 12° e 56° do Tratado da União Europeia.

5.3. - Após estabelecer o padrão normativo enquadrador da matéria “sub-judice”, a linha argumentativa na qual assentou a douta decisão do Tribunal “a quo”, baseou-se, salvo melhor opinião, unicamente no conteúdo da pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia, através de Acórdão datado de 06/10/2011 (proferido no processo nº C-493/09).

5.4. - Contrapondo, diz a Autoridade tributária que, da conjugação da alínea c), do n°1, e alínea b) do nº 3, e do artigo 94° do CIRC, resulta que estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, rendimentos obtidos em território português por entidades não residentes, sendo que, a alínea c), do nº 4 do artigo 84° do CIRC, por remissão do nº 5 do artigo 94° do CIRC, determina que os rendimentos de capitais obtidos por não residentes, estão sujeitos a retenção na fonte à taxa de 20%. Quanto às entidades residentes em Portugal, nos termos do artigo 14° do EBF (actual artigo 16°), estão dispensadas de proceder à retenção na fonte.

5.5. - Porém, o Tratado da CE (art° 58°) não proíbe, em absoluto, a aplicação de medidas nacionais que estabeleçam diferenças entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação de residência, devendo nestes casos, o Tribunal averiguar se o diferente tratamento respeita a situações não comparáveis objectivamente, ou se a medida nacional prossegue objectivos legítimos (razões imperiosas de interesse geral ou “rule of reason”) compatíveis com o tratado, como a necessidade de assegurar a coerência do regime fiscal ou de evitar a diminuição das receitas fiscais.

5.6. - Como o próprio TJCE já decidiu em matéria de impostos directos, as situações dos residentes e dos não residentes num Estado, não são em regra comparáveis na medida em que o rendimento auferido no território de um Estado Membro por um não residente, constitui, muito frequentemente, apenas uma parte dos seus rendimentos globais, centralizados no lugar da sua residência, e a capacidade contributiva pessoal do não residente (singular ou colectivo) resultante da tomada em consideração do conjunto dos seus rendimentos, pode mais facilmente ser apreciada no local onde se situa o seu centro de interesses, em regra, o local da sua residência habitual.

5.7. - O facto de as sociedades serem residentes ou não em Portugal coloca-as em situação objectivamente diferente, não pelo simples facto de se encontrarem em situação de diferente residência, mas sim, pelo que tal representa em termos do regime fiscal a que se encontram sujeitas. A título de exemplo, o caso de uma sociedade residente em Portugal, pelo facto de ser residente, está sujeita a tributação em sede de IRC, à taxa de 25%, sobre a totalidade do lucro tributável gerado pela sua actividade em cada exercício económico e de acordo com as regras de determinação do lucro tributável aplicáveis em Portugal. Contraponto de uma sociedade não residente (in casu, holandesa), não está sujeita a IRC em Portugal (salvo no caso de rendimentos obtidos em Portugal), mas sim a um imposto sobre o rendimento das sociedades no Estado da sua residência, como tal, não pode dizer-se com certeza que tal sociedade se encontra em situação idêntica. Para que tal se verificasse, as regras de tributação aplicáveis à sociedade holandesa, teriam que ser exactamente iguais às da sociedade portuguesa, sob pena de a sociedade de Direito Neerlandês se colocar numa situação mais favorável do que as sociedades residentes em Portugal.

5.8. - Para que se pudesse concluir no sentido do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as sociedades não residentes (no caso, holandesas) teria que ficar demonstrado que os Impugnantes suportaram uma tributação mais elevada no seu conjunto, ou seja, que da tributação por via da retenção na fonte efectuada em Portugal e da taxa de imposto de sociedades holandesas, incidente sobre os rendimentos obtidos globalmente, resultou uma tributação mais gravosa do que a aplicável às sociedades residentes.

5.9. - O próprio acórdão citado pelos Impugnantes: o Acórdão Gerritse, de 12 de Junho de 2003 (Processo C-234101) apresenta uma linha argumentativa semelhante ao ora explanado, ao pronunciar-se acerca da “Retenção na fonte de 25%”. Isto porque, a este respeito, o TJCE deixou claro que, em abstracto, o regime pode tratar de forma diferente residentes e não residentes, sendo que, a relevância está em averiguar se, em concreto, tal se traduz na aplicação de uma tributação efectiva mais elevada sobre os não residentes, pois, caso contrário, o regime não é discriminatório, nem consequentemente, contrário ao Direito Comunitário. (sublinhado nosso)

5.10. - Temos pois que não é inequívoco que as sociedades nacionais que distribuem dividendos a Fundos de Pensões, também eles nacionais, estejam numa situação de vantagem relativamente às entidades residentes noutros Estados membros da UE que efectuem operações semelhantes. Afigurando-se assim que o regime em causa não pode, com rigor, ser configurado como um tratamento discriminatório, nem por consequência, uma violação suficientemente caracterizada dos artigos 56° e 49º do TCE.

5.11. - Não se contesta que as normas comunitárias prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, por força do primado do Direito Comunitário, nos termos do nº 4 do artigo 8° da Constituição da República Portuguesa.

5.12 - No entanto, os argumentos expostos colocam em causa o carácter discriminatório das normas controvertidas, perdendo assim relevância a questão do primado do Direito Comunitário, na medida em que não se verifique qualquer desconformidade entre o Direito Interno e o Direito Comunitário.

5.13. - Importa não esquecer que o Primado do Direito Comunitário consiste em uma norma com efeito directo, prevalecer sempre sobre uma norma de Direito Nacional.

5.14. - Porém, nem todas gozam de tal efeito, vejamos: “O efeito directo poderá verificar-se, ou não, relativamente; às normas dos Tratados; às normas dos Regulamentos; às normas das Directivas e relativamente às Decisões quando sejam dirigidas aos Estados membros.” (Cfr. PALMA, Maria João e ALMEIDA, Luis Duarte d’, “Direito Comunitário” AAFDL, Lisboa, 2000, p. 129).

5.15. - É universalmente admitido que o Tratado inclui um certo número de disposições directamente aplicáveis na ordem jurídica interna, onde foram “recebidas” por efeito da ratificação.

5.16. - Assim, o Tribunal foi levado a reconhecer este carácter “self executing”, segundo a expressão consagrada, especificando que se tratava de disposições que produziam efeitos imediatos e que atribuíam efeitos individuais que os órgãos jurisdicionais internos deveriam salvaguardar. (Acórdão Costa c. E.N.E.L., Proc. 6/64)

5.17. — “As disposições que não têm este efeito directo apenas penetram na ordem jurídica interna através de medidas de ordem interna adoptadas pelos órgãos competentes do Estado em causa” (Acórdão Costa c. E.N.E.L., Proc. 6/64). Ora, de acordo com o entendimento exposto, seguido pelo TJCE, é de concluir que a norma do artigo 56° do Tratado CE, invocada na PI, não tem efeito directo, na medida em que não Consubstancia uma norma “self executing”.

Até porque, tendo por fim o assegurar a sua aplicação na ordem interna dos Estados-Membros, foram adoptadas inúmeras Directivas destinadas a serem transpostas para as respectivas ordens internas.

5.18. - Relativamente ao mencionado Acórdão proferido pelo TJUE em 06/10/2011 sob o nº C493/09, constata-se vir o mesmo no sentido de reconhecer o não cumprimento por parte da República Portuguesa das obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 63° TFUE (Tratado sobre o funcionamento da União Europeia) e 40° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992.

5.19. - Contudo, salvo melhor entendimento, a lei foi correctamente aplicada à data dos factos (2008), uma vez que, efectivamente, não previa a isenção na distribuição de dividendos a fundos de pensões constituídos fora do âmbito da legislação nacional.

5.20. — Reforçando tal entendimento, o facto de o orçamento de estado para 2012, através da Lei 64-A/2011 de 30 de Dezembro, ter originado a alteração do artigo 16° do EBF, que passou a vigorar a partir de 01/01/2012, prevendo-se no nº 7 do referido artigo, isenção de IRC para os rendimentos de fundos de pensões que se constituam, operem de acordo com a legislação e estejam estabelecidos noutro Estado membro da União Europeia, desde que se verifiquem os requisitos estabelecidos nas alíneas a) a d) do referido número.

5.21. — Contudo, a alteração efectuada não tem carácter imperativo, não retroage na sua aplicação. Atendendo a que a lei só dispõe para o futuro, estamos em presença de uma alteração substancial ou formal que apenas visa os factos novos.

5.22. — Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “a quo”, baseou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes ao acto de liquidação sindicado, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados no disposto da alínea c), do nº 1 e n°4, do artigo 94° do CIRC, e artigo 14° (actual 16°) do EBF, quanto à violação do direito comunitário, e alínea c), do nº 1 e alínea b), do nº 3 do artigo 94° do CIRC, quanto à retenção na fonte a título definitivo a entidades não residentes, e alínea c), do nº 4 do artigo 87° do CIRC, por remissão do nº 5 do artigo 94° do CIRC, quanto à taxa de retenção aplicável.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a legalidade do acto tributário, com as devidas consequências legais.
Porém, V. Exas. decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.

As recorridas contra-alegaram concluindo da seguinte forma:

A) O presente Recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu julgar procedente a impugnação judicial apresentada pelas ora Recorridas dos actos de retenção na fonte de IRC do ano de 2008, por considerar que os referidos actos tributários padeciam de vicio de violação de lei, em particular por violação do princípio da liberdade de circulação de capitais previsto no Tratado, tal como determinado pelo TJUE, em acórdão proferido a 6 de Outubro de 2011, no processo C-493-09;
B) Cingindo-se o presente recurso, tal como delimitado pelas respectivas alegações e conclusões, a questões de direito, parece claro, à luz do disposto nos artigos 26°, 31.°e 38. ° do ETAF e 280.° do CPPT, que este Venerando Tribunal é hierarquicamente incompetente para apreciar o presente recurso, o que se invoca para os devidos efeitos legais;
C) A questão material controvertida encontra-se resolvida, uma vez que o TJUE no processo C493/09 já declarou a legislação nacional desconforme com o direito comunitário, em particular com o artigo 56° do Tratado;
D) No referido processo, o Estado português foi condenado por conferir um tratamento discriminatório aos fundos de pensões residentes na União Europeia, uma vez que na óptica do Tribunal a diferença de tratamento conferida aos dividendos auferidos por fundos de pensões torna o investimento dos fundos de pensões não residentes em sociedades portuguesas menos atraente, constituindo, assim, uma restrição ilegítima e injustificada à liberdade de circulação de capitais e, como tal, contrária ao Direito Comunitário;
E) Considerando o disposto no artigo 288° do Tratado e carácter vinculativo das decisões adoptadas pelo TJUE, parece claro que a sentença recorrida não merece qualquer censura, o que motivou, aliás, que o legislador nacional já alterou a norma controvertida do EBF, de forma a acolher a jurisprudência firmada no referido Acórdão;
F) O dever de anulação dos actos tributários ora sindicados não decorre, assim, da necessidade de aplicação retroactiva da alteração legislativa introduzida pelo Orçamento do Estado para 2012, tal como invocado pela ora Recorrente, mas sim do reconhecimento expresso por parte do TJUE do carácter ilegal do regime fiscal em vigor até à referida data;
G) Constitui jurisprudência pacífica dos nossos tribunais que, atento o primado do Direito Internacional face ao Direito interno, a doutrina prevista em acórdãos do TJUE que declare a desconformidade de normas nacionais dos Estados Membros aplica-se também aos factos tributários que tenham ocorrido em momento anterior desde que acautelado em tempo o direito de acção processual previsto na legislação interna (vide Acórdão STA, processo n.º 0275/08, de 04.06.2008);
H) Do quadro legal em vigor à data dos factos tributários em análise resultava que um Fundo de Pensões residente em Portugal, quando recebia dividendos ou outros rendimentos provenientes de sociedades sedeada em Portugal estava sujeito a um regime fiscal mais favorável do que o aplicável a um Fundo de Pensões constituído de acordo com a legislação de um qualquer outro Estado Membro da União Europeia quando recebia dividendos ou outros rendimentos de fonte portuguesa;
I) Com efeito, a legislação nacional concedia aos Fundos de Pensões domiciliados em Portugal a possibilidade de beneficiarem de um regime que lhes permitia receber os dividendos isentos de tributação, bastando, para tal, que estivessem constituídos de acordo com a legislação nacional;
J) Por contraste, no caso de Fundos de Pensões constituídos noutros Estados Membros da União Europeia, os mesmos não eram passíveis de beneficiar de idêntica isenção, estando sujeitos a uma tributação efectiva de 20% em sede de IRC;
K) A distribuição de dividendos entre Estados Membros da UE não pode estar sujeita a quaisquer restrições, nem tão pouco a quaisquer discriminações baseadas na nacionalidade ou no local do investimento, uma vez que o Direito Comunitário estabelece um quadro legal destinado a eliminar quaisquer discriminações na circulação de capitais, nomeadamente em investimentos transfronteiriços (directos ou indirectos), bem como eliminar quaisquer restrições que possam afectar a livre circulação de capitais e a livre prestação de serviços;
L) Constitui jurisprudência assente do TJUE que a diferença de tratamento entre entidades nacionais e entidades estrangeiras consubstancia uma violação do artigo 56.° do Tratado;
M) A faceta controvertida do artigo 14.° do EBF (actual artigo 16°) centra-se na circunstância de o mesmo ser, exclusivamente, aplicável aos Fundos de Pensões estabelecidos em Portugal, daqui se concluindo que, caso as ora Recorridas fossem residentes em território português, sobre os dividendos por si percepcionados no ano de 2008 não teria incidido qualquer retenção na fonte em sede de IRC;
N) As ora Recorridas e os Fundos de Pensões residentes em Portugal estão em situações comparáveis — distribuição de lucros por sociedades residentes — sendo que as Recorridas encontram-se sujeitas a tributação em Portugal, ao passo que os Fundos de Pensões residentes estão isentos sobre os mesmos rendimentos;
O) Por outro lado, a legislação portuguesa não visa estabelecer qualquer medida anti-abuso ou evitar práticas abusivas em matéria fiscal, pelo que o tratamento discriminatório conferido às ora Recorridas não encontra aqui qualquer justificação, nem a ora Recorrente logrou invocar qualquer argumento neste sentido;
P) Não se invoque contra o entendimento ora propugnado pelas Recorridas, a circunstância de estas terem beneficiado da limitação parcial de imposto concedida pelo ADT entre Portugal e a Holanda, uma vez que como tem notado o TJUE, uma Parte Contratante não pode limitar os direitos conferidos pelo artigo 56.° do Tratado com os benefícios que possam vir a ser conferidos por via de um Acordo Bilateral entre os Estados (ver Processo “Avoir Fiscal”, processo 270/86);
Q) Tratando-se de um acto normativo de natureza internacional ratificado pelo Estado Português, as normas de direito comunitário prevalecem sobre o direito interno, por força do princípio da prevalência do direito internacional, conforme preceituado no artigo 8.° da CRP) e no artigo 1.º da LGT, não carecendo de qualquer acto de transposição de carácter interno, tal como reconhecido expressamente pela Recorrente nas suas alegações;
R) A argumentação aduzida pela ora Recorrente carece de qualquer base legal, desde logo, porquanto a legislação ora em apreço já foi declarada ilegal por parte de uma instância jurisdicional internacional à qual o Estado Português está legalmente, o que afecta de forma irremediável a legalidade dos actos tributários de retenção na fonte ora sindicados;
S) Tudo ponderado, parece inequívoco que a norma constante do actual artigo 16.° do EBF padece de manifesto vício de lei, por violação ostensiva dos princípios da legalidade tributária e do primado do direito internacional, violando, por conseguinte, os artigos 268°, 112.° e 8.° da CRP, bem como os artigos 55°, 60°, n.° 7 e 77º, n.° 1 da LGT, e ainda, os artigos artigo 12.° e 56.° do Tratado de Roma, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente para efeitos de improcedência do presente recurso, requerendo-se a este Venerando Tribunal que se digne confirmar a sentença ora recorrida, reconhecendo o direito da Primeira Recorrida à restituição da quantia de EUR 685.171,46 e da Segunda Recorrida da quantia de EUR 374,814,38, tudo com as demais consequências legais, mormente o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no artigo 43.° da LGT.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juizes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, sem prejuízo da apreciação que vier a ser efectuada sobre a excepção de incompetência em razão da hierarquia deste Venerando Tribunal, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, requerendo-se a este Venerando Tribunal que confirme a sentença recorrida, determinando a consequente anulação dos actos tributários ora sindicados, por vício de violação de lei, tudo com as devidas consequências legais.
Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!


O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:
FUNDAMENTAÇÃO
Questão decidenda: conformidade com a legislação comunitária (art.63° TFUE;art.40° Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, 2 maio 1992) da norma constante do art. 16° n°1 EBF (renumeração e republicação resultante do DL n° 108/2008, 26 junho), na interpretação segundo a qual sujeita a retenção na fonte os dividendos distribuídos por sociedades anónimas residentes em território nacional a fundos de pensões residentes em um Estado-Membro da União Europeia, enquanto isenta de tributação a distribuição de dividendos a fundos de pensões residentes em Portugal

Quadro normativo aplicável
Estão sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, os rendimentos obtidos em Portugal por entidades não residentes (art.94° n°1 al.c) 3 aI.b) CIRC); é aplicável a taxa de 20% (art.87° n°4 al.c), CIRC por remissão do art.94° n°5 CIRC)
Estão isentos de IRC os rendimentos dos fundos de pensões que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (art.16° n°1 EBF renumeração e republicação resultante do DL n° 108/2008, 26 junho)

No quadro normativo enunciado, o acórdão TJUE 6 outubro 2011 processo C-493/09 emitiu a seguinte pronúncia:

Ao reservar o beneficio da isenção de imposto sobre as sociedades apenas aos fundos de pensões residentes em território português, a República portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 63° TFUE e 40° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992

A necessidade de consonância da legislação portuguesa com a doutrina do acórdão conduziu à actual redacção do art. 16° n°7 EBF, conferida pelo art. 144º Lei nº 64-B/2011, 30 dezembro)
Impõe-se a observância do primado do direito comunitário sobre as normas de direito ordinário dos Estados-Membros, com consagração constitucional (art.8° n°4 CRP); e dos efeitos directos aplicáveis das disposições dos Tratados na esfera jurídica dos particulares, em conformidade com jurisprudência largamente consolidada do TJUE
Os actos de retenção na fonte controvertidos têm como fundamento jurídico normas que estabelecem uma distinção do regime fiscal aplicável a fundos de pensões residentes e não residentes em termos que representam uma restrição injustificada à livre circulação de capitais entre Estados-Membros (art.63° TFUE)
Neste contexto o dever de anulação dos actos tributários sindicados não decorre (...) da necessidade de aplicação retroactiva da alteração legislativa introduzida pelo Orçamento do Estado para 2012, (…) mas sim do reconhecimento expresso por parte do TJUE do carácter ilegal do regime fiscal em vigor até à referida data (contra-alegações das recorridas conclusão F) fls.482)
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.


2 – FUNDAMENTAÇÃO

O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:

A. No ano de 2008, as impugnantes, na qualidade de acionistas de sociedades anónimas com sede em território português, infra identificadas, receberam dividendos que foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 20% (Docs. 1 a 41 juntos com a petição inicial).
B. A 1ª impugnante efetuou, em Portugal, pedidos de reembolso do imposto retido na fonte em excesso face à taxa prevista no Acordo para Evitar a Dupla Tributação (“ADT”) celebrado entre Portugal e a Holanda (correspondente a 10%), através da entrega do formulário Modelo 22 RFI (Docs. 1 a 17 da PI).
C. Pela 1ª impugnante foram recebidos dividendos e suportado em Portugal imposto por retenção na fonte nos montantes a seguir discriminados:






(Docs. 1 a 17 da PI).
D. Por seu turno, a 2.ª impugnante recebeu de dividendos e suportou em Portugal imposto por retenção na fonte nos montantes a seguir discriminados:








(Docs. 18 a 41).
E. No dia 10/12/2010, as impugnantes apresentaram junto do Serviço de Finanças de Lisboa 5 reclamação graciosa, na qual contestaram a legalidade das retenções na fonte de IRC relativas ao exercício de 2008 (Doc. 42 da PI).

3 – DO DIREITO

O meritíssimo juiz do TT de Lisboa, julgou procedente a impugnação judicial e, em consequência:
a. anulou a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa;
b. anulou os atos de retenção na fonte de IRC de 2008 objecto de impugnação;
c. condenou a entidade demandada a proceder à restituição à 1ª impugnante da quantia de € 685.171,46 e à 2.ª impugnante da quantia de €374.814,38, relativas àquelas retenções na fonte de IRC, por entender que: (destacam-se os trechos mais relevantes da decisão com maior interesse para o presente recurso).

I. Relatório

“A………………” e “B…………….”, anteriormente “C……………………, D………. (doravante 1ª impugnante e 2ª impugnante), fundos de pensões constituídos de acordo com o direito holandês, ambas representadas por E……………, com o NIF …………. e os demais sinais dos autos, apresentaram impugnação judicial do indeferimento tácito da reclamação graciosa relativa a retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), incidente sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2008, no valor global de € 1.059.985,84 (um milhão, cinquenta e nove mil, novecentos e oitenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos).
Alegam, em síntese, o seguinte:
- no ano de 2008, as impugnantes, na qualidade de acionistas de sociedades com sede em território português, receberam dividendos sujeitos a tributação em Portugal;
- ao sujeitar a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades anónimas residentes em território nacional a fundos de pensões estabelecidos num Estado membro da União Europeia, ao mesmo tempo que isenta de tributação a distribuição de dividendos a fundos de pensões estabelecidos e domiciliados em Portugal, a legislação portuguesa viola de forma frontal os artigos 12º e 56.° do Tratado da União Europeia.
Pede se julgue procedente por provada a presente impugnação judicial, ordenando-se a restituição à primeira impugnante da quantia de € 685.171,46 e à segunda impugnante da quantia de € 374.514,38, relativas a retenções na fonte de IRC, e subsidiariamente requer o reenvio prejudicial para o TJCE do presente processo quanto à questão relativa à incompatibilidade do artigo 14.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais com o direito comunitário.
Com a petição juntaram 44 documentos.
Notificada para o efeito, a Fazenda Pública apresentou contestação, sustentando ser inquestionável que as retenções na fonte impugnadas decorrem imperativamente da lei, a que a Administração Tributária deve obediência, e concluindo dever a presente impugnação ser julgada improcedente por não provada.
Para tanto notificadas, as partes apresentaram alegações por escrito, mantendo as posições anteriormente enunciadas.
O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer, em que se pronuncia no sentido de se verificar a invocada violação do direito comunitário pela norma do EBF, devendo proceder integralmente a impugnação.

II. Saneamento
(…)

III. Fundamentação
(…)
Do Direito
As aqui impugnantes apresentaram-se coligadas, o que se afigura admissível por estar em causa o mesmo ato de indeferimento tácito referente a uma reclamação graciosa.
A questão a decidir no âmbito dos presentes autos cinge-se a saber se os atos de retenção na fonte ora objeto de impugnação violam a legislação comunitária.
Invocam as impugnantes que, ao sujeitar a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades anónimas residentes em território nacional a fundos de pensões estabelecidos num Estado membro da União Europeia, ao mesmo tempo que isenta de tributação a distribuição de dividendos a fundos de pensões estabelecidos e domiciliados em Portugal, a legislação portuguesa, no caso o artigo 16.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (anterior artigo 14°) viola de forma frontal os artigos 12.° e 56.° do Tratado da União Europeia.
Sobre esta mesma questão e já depois de instaurados os presentes autos, como assinalaram as impugnantes nas suas alegações escritas e o Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer, recaiu pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia, através de acórdão datado de 06/10/2011 (proferido no processo n.º C-493) 09, disponível em http://curia.europa.eu/juris).
Aqui, após pedido da Comissão Europeia para que declare que, ao tributar os dividendos auferidos por fundos de pensões não residentes a uma taxa superior à que incide sobre os dividendos auferidos por fundos de pensões residentes no território português, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 63.° TFUE e 40.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992, ponderou-se o seguinte quadro jurídico:
Por força do artigo 16°, n.º 1, do EBF, os rendimentos auferidos pelos fundos de pensões e equiparáveis, que se constituam e operem de acordo com a legislação portuguesa, são isentos de IRC.
O artigo 16.°, n.° 4, do EBF, prevê que, em caso de inobservância dos requisitos estabelecidos no n.º 1 do referido artigo 16°, a fruição do benefício aí previsto fica, no respetivo exercício, sem efeito, sendo as sociedades gestoras de fundos de pensões e equiparáveis, incluindo as associações mutualistas, responsáveis originariamente pelas dívidas de imposto dos fundos ou patrimónios cuja gestão lhes caiba e devendo efetuar o pagamento do imposto em dívida no prazo previsto no artigo 120°, n.º 1, do CIRC.
O artigo 4.°, n.º 2, deste diploma legal, prevê que as sociedades e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos, precisando o artigo 80°, n.° 4, al. c), do CIRC, que a taxa de IRC é de 20%, sem prejuízo da aplicação das disposições de convenções destinadas a evitar a dupla tributação.
Por força do artigo 4°, n.° 3, al. c), ponto 3, do CIRC, os rendimentos derivados de aplicações de capitais cujo devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado fazem parte dos rendimentos de não residentes, tributáveis em Portugal.
Em conformidade com o artigo 88°, nºs 1, al. c), 3, al. b), e 5, do CIRC, o IRC é cobrado através de retenção na fonte com caráter definitivo.
Nos termos do artigo 88°, n.° 11, do CIRC, são tributados autonomamente, à taxa de 20%, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
O artigo 88.°, n.° 12, do CIRC prevê que ao montante do imposto determinado, de acordo com o disposto no número anterior, é deduzido o imposto que eventualmente tenha sido retido na fonte, não podendo nesse caso o imposto retido ser deduzido ao abrigo do artigo 90°, n.° 2.
Perante tal quadro legal, considerou o TJUE o seguinte:
Resulta de uma jurisprudência constante que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investirem num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado-Membro de investirem noutros Estados (acórdão de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C436/08 e C-437/08, ainda não publicado na Coletânea, n.° 50).
29 Quanto à questão de saber se a regulamentação nacional em causa constitui uma restrição aos movimentos de capitais, deve observar-se que, para que o IRC não incida sobre os dividendos distribuídos a fundos de pensões por sociedades estabelecidas em território português, esses dividendos devem preencher dois requisitos. Por um lado, devem ser pagos a fundos de pensões que se constituam e operem em conformidade com o direito português. Por outro, esses dividendos devem ser distribuídos a título de partes sociais que tenham permanecido na titularidade do mesmo fundo de pensões, de modo ininterrupto, durante um período mínimo correspondente ao ano anterior à data da sua colocação à disposição ou que tenham sido mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
30 Daqui decorre que, devido ao primeiro requisito previsto pela regulamentação nacional em causa, o investimento que pode ser efetuado numa sociedade portuguesa por um fundo de pensões não residente é menos atrativo do que o investimento que poderia ser realizado por um fundo de pensões residente. Com efeito, apenas no primeiro caso os dividendos distribuídos pela sociedade portuguesa são onerados a uma taxa correspondente a 20%, e título de IRC, mesmo que sejam provenientes de partes sociais que tenham permanecido na titularidade desses fundos durante um período mínimo correspondente ao ano anterior à data da sua colocação à disposição. Esta diferença de tratamento tem por efeito dissuadir os fundos de pensões não residentes de investir em sociedades portuguesas e os aforradores residentes em Portugal de investir nesses fundos de pensões.
31 A referida diferença de tratamento não existe todavia quando os dividendos pagos por uma sociedade residente são provenientes de partes sociais que não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo durante o ano que precede a data da sua colocação à disposição. Com efeito, por força do artigo 88°, n.° 11, do CIRC, a isenção prevista no artigo 16. °, n.° 1, do EBF não é aplicável nestas condições, de modo que o IRC incide sobre estes dividendos independentemente do local de residência do fundo de pensões ao qual são pagos.
32 Nestas condições, há que concluir que, no que respeita à tributação dos dividendos pagos por sociedades estabelecidas em território português a título de partes sociais detidas por um fundo de pensões durante mais de um ano, a regulamentação controvertida constitui uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em principio, pelo artigo 63.° TFUE. (...) [O] Tribunal de Justiça já admitiu que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal pode justificar uma restrição ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado CE (acórdão de 27 de novembro de 2008, Papillon, C-418/07, Colect., p. I-8947, n.º 43, e Dijkman e Dijkman-Lavaleije, já referido, n.º 54).
36 Para que um argumento baseado nessa justificação possa ter sucesso, o Tribunal de Justiça exige, porém, um nexo direto entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem pela liquidação de um determinado imposto, devendo o caráter direto deste nexo ser apreciado à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (acórdãos, já referidos, Papillon, n.° 44, e Dijkman e DijkmanLavaleije, n.° 55).
37 A este respeito, a República Portuguesa não demonstrou suficientemente a existência do referido nexo, limitando-se a alegar que a isenção de imposto sobre as sociedades compensa o imposto sobre o rendimento, que é devido pelos aderentes dos fundos de pensões residentes em Portugal pelas pensões que recebem, e que, desse modo, a isenção em causa permite prevenir uma dupla tributação desses rendimentos.
38 De resto, impõe-se observar que, por um lado, não resulta da regulamentação em causa que os rendimentos pagos por fundos de pensões não residentes a beneficiários que residem em Portugal não estão sujeitos a imposto sobre o rendimento. Por conseguinte, nessas circunstâncias, o imposto sobre as pessoas coletivas incide sobre os dividendos pagos aos fundos não residentes, sendo os montantes pagos por estes fundos aos beneficiários residentes sujeitos a imposto sobre o rendimento.
39 Por outro lado, quando um fundo residente paga rendimentos a um beneficiário não residente, os dividendos que esse beneficiário recebe são isentos do imposto sobre as pessoas coletivas, seja qual for o tratamento fiscal reservado aos rendimentos pagos por este fundo no Estado de residência do beneficiário destes últimos.
40 Além disso, no que respeita ao argumento baseado na necessidade de garantir a perenidade do sistema de pensões português, a República Portuguesa não apresentou nenhum elemento que permita determinar em que medida o facto de isentar de imposto sobre as pessoas coletivas os dividendos pagos aos fundos não residentes é suscetível de pôr em causa o financiamento deste regime.
41 Por conseguinte, tendo em conta os elementos avançados pela República Portuguesa, esta última não pode invocar a necessidade de preservar a coerência fiscal para justificar a restrição à livre circulação de capitais que resulta da regulamentação em causa.
— Quanto ao objetivo baseado na necessidade de garantir a eficácia dos controlos
42 É jurisprudência constante que a necessidade de garantir a eficácia da fiscalização fiscal constitui uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar uma restrição ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado (acórdão Dijkman e Dijkman-Lavaleije, já referido, n.º 58 e jurisprudência referida).
43 Segundo a República Portuguesa, a isenção de IRC é uma contrapartida do respeito, por parte dos fundos de pensões, das exigências previstas pela Diretiva 2003/41 e pela legislação portuguesa.
44 Em especial, os requisitos que os fundos de pensões residentes devem preencher para beneficiarem da isenção de IRC visam garantir a perenidade do sistema de pensões português, sujeitando esses fundos a exigências particularmente estritas em matéria de gestão, funcionamento, capitalização e responsabilidade financeira. Ora, o controlo dessas exigências por parte da Administração Fiscal só é possível na medida em que esses fundos de pensões residam em Portugal.
45 A este respeito, deve contudo constatar-se que, por princípio, a regulamentação controvertida exclui os fundos de pensões não residentes do benefício da isenção de IRC, sem lhes dar a possibilidade de provar que respeitam as exigências fixadas pela legislação portuguesa. Por conseguinte, a República Portuguesa não pode sustentar que a diferença observada entre o tratamento de que beneficiam os fundos de pensões residentes e o que é reservado aos fundos de pensões não residentes, em matéria de isenção de IRC, é uma contrapartida do respeito, pelos primeiros fundos, das exigências previstas pela referida legislação. Com efeito, os fundos de pensões não residentes são, em qualquer caso, excluídos do benefício desta isenção, ainda que preencham as exigências previstas para a sua obtenção.
46 Ora, uma regulamentação nacional que impede de forma absoluta um fundo de pensões de fazer prova de que satisfaz as exigências que lhe permitiriam beneficiar da isenção de IRC, caso residisse em Portugal, não pode ser justificada a título da eficácia dos controlos fiscais. Com efeito, não se pode excluir a priori, que os fundos de pensões residentes num Estado Membro diferente da República Portuguesa possam fornecer os documentos comprovativos pertinentes que permitam às autoridades fiscais portuguesas verificar, de forma clara e precisa, que esses fundos preenchem, no seu Estado, de residência, exigências equivalentes às previstas pela legislação portuguesa.
47 Essa apreciação é válida para os Estados-Membros da União Europeia e para os Estados-Membros do Espaço Económico Europeu (EEE) tanto mais que, como observou o advogado-geral nos n.os 57 e 58 das suas conclusões, o Decreto-Lei n.° 12/2006, de 20 de janeiro de 2006, invocado pela República Portuguesa na sua contestação, visa transpor a Diretiva 2003/41, cuja aplicação foi alargada aos Estados-Membros do EEE.
48 De qualquer modo, a impossibilidade absoluta de os fundos de pensões não residentes beneficiarem da isenção concedida aos fundos de pensões residentes em Portugal também não pode ser considerada proporcionada tendo em conta as dificuldades alegadas pela República Portuguesa no que respeita à recolha de informações pertinentes e à cobrança das dívidas fiscais. (...) [A] restrição à livre circulação de capitais resultante da regulamentação controvertida não pode ser justificada pelos motivos invocados pela República Portuguesa.”
Conclui-se, pois, que:
Ao reservar o benefício da isenção de imposto sobre as sociedades apenas aos fundos de pensões residentes no território português, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 63.° TFUE e 40.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu; de 2 de maio de 1992.”
Tal decisão já levou inclusivamente à alteração do artigo 16.° do EBF, através do artigo 144.° da Lei n.° 64-B/2011, de 30 de dezembro
Como é consabido, a jurisprudência do TJUE tem caráter vinculativo para os tribunais nacionais, em matéria de direito comunitário (a este propósito, vejam-se, v.g., os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 25/10/2000, proc. n.° 25128, , de 07/11/2001, proc. n.° 26432 e proc. n.° 26404, de 26/03/2003, proc. n.° 01716/02, de 09/11/2005, proc. n.° 1090/03, e de 03/12/2008, proc. n.° 0587/08, todos disponíveis em htto://ww.dgsi.pt/jsta.nsf).
É, pois, de considerar que as normas legais que estiveram na base dos atos aqui objeto de impugnação constituem uma restrição não justificada à livre circulação de capitais, assim contendendo com o direito comunitário.
Porque assim é, afigura-se evidente que não se podem manter na ordem jurídica os atos de retenção na fonte impugnados, impondo-se a sua anulação.
Cabendo igualmente determinar a restituição às impugnantes dos montantes entregues a titulo das referidas retenções na fonte.

Nos termos do disposto nos artigos 315°, n.° 1, do CPC (na redação do Decreto-Lei n.° 303/2007, de 24 de agosto), e 97°-A, n.° 1, al. a), do CPPT, será de fixar como valor da presente ação o dos atos impugnados - € 1.059.985,84 (um milhão, cinquenta e nove mil, novecentos e oitenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos).

No que respeita à responsabilidade pelo pagamento das custas, nos termos do artigo 446°, n.°s 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.°, ai. e), do CPPT, será condenada em custas a parte que tiver dado causa à ação, entendendo-se que dá causa às custas a parte vencida. Assim, porque vencida nos presentes autos, será a Fazenda Pública responsável pelo pagamento das custas processuais.

IV. Decisão
Por todo o exposto, julgo procedente a presente impugnação judicial e, em consequência:
a. anulo a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa;
b. anulo os atos de retenção na fonte de IRC de 2008 objeto de impugnação;
c. condeno a entidade demandada a proceder à restituição à 1ª impugnante da quantia de € 685.171,46 e à 2.ª impugnante da quantia de €374.814,38, relativas àquelas retenções na fonte de IRC.
Fixo como valor da presente ação € 1.059.985,84 (um milhão, cinquenta e nove mil, novecentos e oitenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos).”

DECIDINDO NESTE STA
A questão que se coloca à apreciação deste Tribunal é, idêntica à que se suscitou no recurso para este STA nº 654/13 no qual foi prolatado acórdão em 27/11/2013 e, o qual respeitava às mesmas partes processuais estando em causa a retenção na fonte de IRC de 2007 quando nestes autos está em causa a retenção na fonte de IRC de 2008

Impõe-se saber se a sentença errou ao julgar ilegal a retenção de imposto na fonte aquando da percepção de dividendos por Fundos de Pensões de direito holandês – entidades não residentes – por violação do direito de livre circulação de capitais consagrados nos arts. 12º e 56º do TCE e proibição de discriminação em razão da residência, face à isenção de imposto de que beneficiariam homólogas entidades residentes em Portugal, atento o que dispunha, à data dos factos, o art. 14º (actual art. 16º) do EBF. Ou seja, a Administração Tributária não questiona (nem nunca questionou) que as Impugnantes, caso fossem entidades residentes em Portugal, gozariam da isenção de imposto à luz do art. 14º do EBF. O que questiona é o direito de entidades não residentes gozarem, em idêntica situação, da aludida isenção.

Seguiremos de perto o que foi expendido no supra citado aresto de 27 de Novembro de 2013. Assim:

O art. 20º, nº 1, al. c), do CIRC, na redacção vigente em 2008, os dividendos estavam, por princípio, sujeitos a IRC, e o art. 88º (renumerado art. 94º) do mesmo diploma legal, nos seus nº 1, alínea c), e nº 3, alínea b), prescrevia o seguinte:

«1 - O IRC é objecto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português:
(…)
c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à actividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade;
(…)
3 - As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, excepto nos seguintes casos em que têm carácter definitivo:
(…)
b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis.».

Todavia, o art. 14º (actual art. 16º) do EBF determinava, no seu nº 1, que «São isentos de IRC os rendimentos dos fundos de pensões e equiparáveis, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.». E, por sua vez, estabelecia o nº 11 do art. 81º (renumerado art. 88º) que «São tributados autonomamente, à taxa de 20%, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiem de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.».

Resultava, assim, da legislação vigente em 2008 que os dividendos distribuídos a Fundos de Pensões estavam isentos de IRC, desde que: (i) pagos a fundos de pensões que se constituíssem e operassem em conformidade com o direito português; (ii) os dividendos fossem distribuídos a título de partes sociais que tivessem permanecido na titularidade do mesmo fundo de pensões, de modo ininterrupto, durante um período mínimo correspondente ao ano anterior à data da sua colocação à disposição ou que tivessem sido mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.

No caso dos autos, a questão que se levanta é a da conformidade do assim legislado com a proibição de restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros, a que se referem os arts. 12º e 56º do TCE (actual art. 63º TFUE), questão que foi suscitada pela Comissão Europeia junto do Tribunal de Justiça e que sobre ela se pronunciou no processo nº C-493/09, por acórdão proferido em 6 de Outubro de 2011, no sentido de que «Ao reservar o benefício da isenção de imposto sobre as sociedades apenas aos fundos de pensões residentes no território português, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 63º TFUE e 40º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992.». Com efeito, depois de analisar os pertinentes preceitos da legislação portuguesa, o TJUE conclui no seu acórdão que «Esta diferença de tratamento tem por efeito dissuadir os fundos de pensões não residentes de investir em sociedades portuguesas e os aforradores residentes em Portugal de investir nesses fundos de pensões. (…)
Nestas condições, há que concluir que, no que respeita à tributação de dividendos pagos por sociedades estabelecidas em território português a título de partes sociais detidas por um fundo de pensões durante mais de um ano, a regulamentação controvertida constitui uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63º TFUE.».

Entendeu-se, ademais, nesse acórdão, que inexistiam razões que justificassem tal restrição, seja pela necessidade de preservar a coerência fiscal ou de garantir a eficácia do controlo do cumprimento das exigências legais conformadoras da isenção.

Na verdade, atento o primado do direito comunitário – que, aliás, a recorrente não questiona -, é vedado ao tribunal aplicar normas do direito nacional que afrontem o que naquele se impõe, sendo que, havendo acórdão interpretativo proferido pelo TJUE a decisão nele proferida retroage à data da entrada em vigor da respectiva norma, excepto se no próprio acórdão se dispusesse de forma diferente, como claramente se vê do seguinte trecho do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça em 10/05/2012, nos processos apensos C-338/11 a C-347/11 :

«58 (…) segundo jurisprudência constante, a interpretação que o Tribunal de Justiça faz de uma norma de direito da União, no exercício da competência que lhe confere o artigo 267º TFUE, esclarece e precisa o significado e o alcance dessa norma, tal como deve ou deveria ter sido cumprida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Donde se conclui que a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz mesmo às relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que decida o pedido de interpretação, se também se encontrarem reunidas as condições que permitam submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação da referida norma (v., designadamente, acórdãos de 3 de outubro de 2002, Barreira Pérez, C-347/00, Colet., p. I-8191, nº 44, e de 17 de fevereiro de 2005, Linneweber e Akritidis, C-453/02 e C-462/02, Colet., p. I-1131, nº 41, e de 6 de março de 2007, Meilicke e o., C-292/04, Colet., p. I-1835, nº 34).

59 Só a título excecional é que o Tribunal de Justiça pode, em aplicação do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição por si interpretada para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa-fé. Para que se possa decidir por esta limitação, é necessário que se encontrem preenchidos dois critérios essenciais, ou seja, a boa-fé dos meios interessados e o risco de perturbações graves (v., designadamente, acórdãos de 10 de janeiro de 2006, Skov e Bilka, C-402/03, Colet., p. I-199, nº 51, e de 3 de junho de 2010, Kalinchev, C-2/09, Colet., p. I-4939, nº 50).».

De resto, este mesmo entendimento foi vertido na informação vinculativa da AT, sancionada pelo Despacho nº 1141/2006, de 19/09/2006.

E foi na sequência dessa jurisprudência que o legislador português veio, no intuito de harmonizar o direito nacional com a referida norma comunitária e com a jurisprudência do TJUE, alterar a redacção do art. 16º do EBF no Orçamento de Estado para 2012 (Lei nº 64-A/2011, de 30.12), passando o nº 7 desse art. 16º a prever a isenção de IRC para os rendimentos de fundos de pensões que se constituam e operem de acordo com a legislação e estejam estabelecidos noutro Estado membro da União Europeia, desde que se verifiquem os requisitos estabelecidos nas alíneas a) a d) do referido número.

Sendo assim, não assiste razão à recorrente no que se refere à alegada irrelevância da decisão proferida no processo nº C-493/09 quanto aos factos tributários em apreciação - que ocorreram em 2007 – já que a sua aplicação é alheia à alteração operada no art. 16º do EBF, e, por conseguinte, é estranha à questão da retroactividade desta norma.

Como também é destituída de sentido a afirmação da recorrente de que o art. 56º do Tratado não tenha efeito directo na ordem jurídica interna, afirmação que, de resto, mal se entende ante a expressa invocação que faz do art. 58º do mesmo Tratado.

Todavia, é patente que aquele acórdão do TJUE se limitou à apreciação geral e abstracta da compatibilidade da legislação nacional com o direito comunitário na matéria em causa - visto que não se tratava ali de apreciar um caso individualizado -, concluindo pela inexistência de razões imperiosas de interesse geral, compatíveis com o tratado, que pudessem justificar a diferença de tratamento, como as invocadas necessidades de assegurar a coerência do regime fiscal, preservar as receitas fiscais, ou garantir a eficácia do controlo do cumprimento de exigências legais.

E, nesta circunstância, não foi – nem tinha que ser – abordada no referido acórdão a vertente da comparabilidade de situações a que se referia ainda o art. 58º do Tratado, e que, nesta matéria, dispunha o seguinte:

«1. O disposto no artigo 56º não prejudica o direito dos Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) (...)
2. (…)
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capital e pagamentos, tal como definida no artigo 56º».

Na exegese do sistema, o que se dispõe neste preceito do Tratado mais não é do que o desenvolvimento lógico do sentido que se deve extrair do conteúdo do art. 56º, visto que o que o objectivo que se pretende alcançar é a eliminação de barreiras de ordem legal que possam entravar a livre circulação de capitais entre os Estados, designadamente pelo efeito dissuasor de uma carga fiscal mais gravosa.

Neste contexto, só ante situações idênticas, e no enquadramento de cada caso concreto, será possível concluir se o direito nacional cumpre ou não a determinação comunitária.

Ora, a decisão proferida no processo C-493/09, dado seu carácter geral e abstracto, não permite, por si só, responder à questão colocada nestes autos, já que, tratando-se de uma situação muito concreta, implica, necessariamente, a apreciação das particularidades que a rodeiam nos termos supra referidos, ou seja, carece de ser contextualizada na globalidade do quadro fiscal que a envolve, de molde a apurar se o seu quadro fiscal é ou não mais gravoso, e, em última análise, se, por via dele, ocorre a proibida restrição à livre circulação de capitais.

Porém, a sentença recorrida obliterou, por completo, este enquadramento, não obstante aludir, na alínea D) do probatório, a reembolsos solicitados ao abrigo do ADT celebrado entre Portugal e a Holanda.

É, por isso, pertinente a censura que, neste aspecto, a recorrente dirige à sentença recorrida.

Todavia, é desnecessário suscitar, a este propósito, qualquer questão prejudicial junto do TJUE, pois esse Tribunal já se pronunciou, em situação similar à destes autos, no processo nº C-379/05 (caso Amurta), de 8 de Novembro de 2007, que teve por objecto os «Artigos 56º CE e 58º CE – Livre circulação de capitais – Legislação fiscal nacional que prevê a isenção das participações do imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas – Tributação dos dividendos – Retenção na fonte – Isenção da retenção na fonte – Aplicação às sociedades beneficiárias que dispõem de uma sede ou de um estabelecimento estável no Estado-Membro que atribui a isenção e cujas participações beneficiam da isenção do imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas – Recusa de aplicar a isenção da retenção na fonte aos dividendos distribuídos a uma sociedade beneficiária que não dispõe de sede nem de estabelecimento estável no referido Estado-Membro», decisão que foi, aliás, despoletada pelo Gerechtshof te Amsterdam (Países Baixos).

O enquadramento factual do referido processo, foi o seguinte:
«12. Em 31 de Dezembro de 2002, a F……………. pagou dividendos às suas accionistas. Os dividendos pagos à G…………….. não foram sujeitos ao imposto sobre os dividendos por estes beneficiarem da isenção prevista no artigo 4º da Wet DB, ao passo que foi cobrado o imposto sobre os dividendos, à taxa de 25%, sobre os dividendos distribuídos à Amurta e às duas outras sociedades estabelecidas em Portugal.

13. Esta cobrança foi objecto de uma reclamação, apresentada em 30 de Janeiro de 2003 pela F……….., actuando em nome da Amurta. A referida reclamação foi indeferida por decisão do inspecteur van de Belastingdienst/Amsterdam, tendo a Amurta interposto recurso no Gerechtshof te Amsterdam a fim de anular a decisão e de obter o reembolso do imposto cobrado sobre os dividendos.

14. Considerando que a resolução do litígio no processo principal requer uma interpretação do direito comunitário, o Gerechtshof te Amsterdam decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1. A isenção prevista no artigo 4º da [Wet DB] descrita [nos nºs 5 e 8 do presente acórdão], interpretada em conjugação com a isenção prevista no artigo 4º desta mesma lei, é contrária às disposições sobre a livre circulação de capitais (artigos 56º CE a 58º CE), uma vez que esta isenção só se aplica à distribuição de dividendos a accionistas sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas nos Países Baixos ou a accionistas estrangeiros com estabelecimento estável nos Países Baixos ao qual pertençam essas acções, relativamente às quais se aplica a isenção das participações prevista no artigo 13º da [Wet Vpb]?

2. Para responder à primeira questão, é relevante saber se o Estado de residência do accionista ou da sociedade estrangeira, aos quais não é aplicável a isenção do artigo 4º da [Wet DB], concede a esse accionista ou a essa sociedade o crédito integral do imposto neerlandês sobre os dividendos?».

E, respondendo às questões colocadas, o TJUE pronunciou-se da seguinte forma:

«76. Como foi referido no nº 28 do presente acórdão, a restrição à livre circulação de capitais resulta de um tratamento desfavorável dos dividendos pagos às sociedades beneficiárias estabelecidas noutro Estado-Membro relativamente ao tratamento reservado aos dividendos pagos às sociedades beneficiárias que tenham nos Países Baixos a sua sede ou um estabelecimento estável ao qual pertençam as acções da sociedade que procede à distribuição.

77. Decorre também do nº 39 do presente acórdão que, na medida em que, relativamente ao objectivo de prevenção da dupla tributação económica, as referidas sociedades beneficiárias se encontrem numa situação comparável à das sociedades beneficiárias que tenham nos Países Baixos a sua sede ou um estabelecimento estável ao qual pertençam as acções da sociedade que procede à distribuição, o Reino dos Países Baixos tem a obrigação de se certificar de que, em relação ao mecanismo previsto pela sua legislação nacional para prevenir ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades beneficiárias estabelecidas noutro Estado-Membro sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento reservado às sociedades beneficiárias estabelecidas nos Países Baixos.

78. Deste modo, o Reino dos Países Baixos não pode invocar a existência de um benefício concedido unilateralmente por outro Estado-Membro, a fim de se eximir às obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.

79. Em contrapartida, não se pode excluir que um Estado-Membro consiga garantir o cumprimento das suas obrigações resultantes do Tratado, celebrando uma convenção destinada a evitar a dupla tributação com outro Estado-Membro (v., neste sentido, acórdão Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, já referido, nº 71).

80. Na medida em que o regime fiscal resultante de uma convenção destinada a evitar a dupla tributação faz parte do quadro jurídico aplicável ao processo principal e que foi apresentado como tal pelo órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça deve tomá-lo em consideração a fim de dar uma interpretação do direito comunitário que seja útil ao juiz nacional (v., neste sentido, acórdão de 19 de Janeiro de 2006, Bouanich, C-265/04, Colect., p. I 923, nº 51; e acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, nº 71, Denkavit Internationaal e Denkavit France, nº 45, assim como Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, nº 54).

81. No entanto, como referiu o advogado-geral no nº 85 das suas conclusões, há que declarar que nenhum elemento na decisão de reenvio demonstra que o Gerechtshof te Amsterdam pretendeu fazer referência às disposições relevantes da CDT.

82. Cabe ao órgão jurisdicional nacional identificar o direito aplicável ao litígio no processo principal.

83. Assim, compete ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração a CDT no litígio no processo principal e, sendo caso disso, verificar se esta convenção permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais salientada no nº 28 do presente acórdão, no âmbito da resposta à primeira questão.

84. Há assim que responder à segunda questão que um Estado-Membro não pode invocar a existência de um crédito integral de imposto, concedido unilateralmente por outro Estado-Membro a uma sociedade beneficiária estabelecida neste último Estado-Membro, a fim de se eximir à obrigação de evitar a dupla tributação económica dos dividendos resultantes do exercício do seu poder de tributação, numa situação em que o primeiro Estado-Membro evita a dupla tributação económica dos dividendos distribuídos às sociedades beneficiárias estabelecidas no seu território. Quando um Estado-Membro invoca uma convenção celebrada com outro Estado-Membro, destinada a evitar a dupla tributação, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção no litígio no processo principal e, sendo caso disso, verificar se esta convenção permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais.».

Por conseguinte, da jurisprudência comunitária resulta que ainda que da legislação nacional decorra, em abstracto, uma restrição à livre circulação de capitais, importa averiguar se, no caso em análise, essa restrição, consubstanciada em maior tributação da entidade não residente, vem a ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.

Com efeito, se o imposto retido na fonte sobre os dividendos distribuídos por entidade com sede em Portugal à sua accionista não residente puder ser recuperado no país de residência, isto é, puder ser imputado no imposto sobre o rendimento devido pelas impugnantes na Holanda até ao montante da diferença de tratamento, não se verificará discriminação e restrição da livre circulação de capitais. Mas se o imposto retido em Portugal não poder ser imputado no imposto devido pelas impugnantes na Holanda, em qualquer percentagem, por virtude de a lei holandesa não permitir a dedução, compensação ou recuperação do imposto pago em Portugal aquando da distribuição de dividendos, designadamente por estes beneficiarem aí de isenção de imposto, tornar-se-á inequívoca a violação dos invocados princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais.

Em suma, para que se pudesse concluir no sentido da restrição da livre circulação de capitais e do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as sociedades não residentes (no caso, holandesas), teria que ficar demonstrado que por via da retenção na fonte efectuada em Portugal e da taxa de imposto holandês incidente sobre os rendimentos obtidos globalmente resultou uma tributação mais gravosa para as entidades não residentes do que a aplicável às sociedades residentes.

Ora, a sentença recorrida, apesar de fazer referência, no probatório, ao ADT celebrado entre Portugal e a Holanda, assenta a sua decisão, exclusivamente, no confronto das normas do CIRC com o acórdão proferido pelo TJUE no processo nº C-493/09.

É, pois, essencial esclarecer se, e em que medida é que o mencionado ADT, permite, no caso concreto, neutralizar a tributação, e, por conseguinte, fazer respeitar a imposição comunitária da livre de circulação de capitais, pois que sem isso não é possível, conscientemente, decidir sobre a concreta (i)legalidade e anular ou manter as liquidação impugnadas.

Neste cenário, e considerando que este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional – uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por virtude de o STA, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto – torna-se essencial que o tribunal a quo amplie a matéria de facto de modo a fixar o quadro factual suficiente para o julgamento da causa.

Termos em que se impõe anular a sentença impugnada, para ser substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que atrás se apontou, assim se concedendo provimento ao recurso.



4- DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em anular a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que acima se apontou, assim se concedendo provimento ao recurso.

Sem custas.

Lisboa, 18 de Dezembro de 2013 – Ascensão Lopes (relator) – Pedro DelgadoValente Torrão.