Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01752/16.1BEPRT 0367/18
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - A jurisprudência, em especial do STA, é farta na afirmação de que não configura julgamento da matéria de facto a remissão para documentos e/ou o dar-se por reproduzidos certos e determinados elementos documentais, impondo-se dos mesmos extrair, retirar, isolar, os factos concretos e significantes (com interesse, com relevo) para a ulterior apreciação e decisão de direito.
II - Factos, para efeitos de fixação da base instrutória [discriminação entre a matéria de facto provada e a não provada, exigida pelo n.º 2 do art. 123.º do CPPT] de uma qualquer causa, demanda, judicial, são, resumidamente, as “ocorrências concretas da vida real, bem como o estado, a qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas”, englobando “não apenas os acontecimentos do mundo exterior, mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo”.
Nº Convencional:JSTA000P26354
Nº do Documento:SA22020091601752/16
Data de Entrada:04/11/2018
Recorrente:BANCO A... SA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;
# I.

Banco A…………, S.A., com os restantes sinais dos autos, recorre da sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, em 17 de janeiro de 2018, que julgou improcedente impugnação judicial, apresentada contra ato de liquidação de Imposto do Selo (IS) e juros compensatórios, no valor global de € 48.060,24.
O recorrente (rte) formalizou alegação, terminada com o seguinte quadro conclusivo: «

a. As liquidações de imposto materializam-se aquando da sua notificação, razão pela qual terão sempre de conter a sua fundamentação, porquanto só desta forma estará a dar-se pleno cumprimento ao disposto no número 1 do artigo 77.° da Lei Geral Tributária, sendo que a admitir-se que o facto de os sujeitos passivos terem sido notificados, anteriormente, de quaisquer outros atos administrativos desonera a Autoridade Tributária na indicação das razões de facto e de direito que levaram a Autoridade Tributária a decidir da forma que o fez, será considerar a parte final do número 1 do artigo 77.° da Lei Geral Tributária como letra morta - o que não deverá aceitar-se;

b. Independentemente dos atos administrativos praticados antes da emanação do ato de liquidação, o ato de liquidação tem de estar sempre - ele próprio - fundamentado, ainda que sucintamente, ou, pelo menos, indicar o(s) ato(s) onde consta(m) essa fundamentação através de remissão formal e expressa para os relatórios, informações ou pareceres antes emanados (e sua junção caso ainda não tenha sido efetuada a notificação ao destinatário) - o que notoriamente não se verifica no caso sub judice;

c. Não tendo havido qualquer remissão, direta ou indireta para outros atos administrativos e ao não constarem os elementos mínimos necessários para a correta apreensão dos elementos de facto e de direito que presidiram à liquidação, o ato emanado está necessariamente votado ao vício de ausência de fundamentação;

d. Concluindo-se que o problema reside na falta de fundamentação do ato de liquidação de Imposto do Selo - por não conter as razões de facto e de direito subjacentes à decisão da Autoridade Tributária, nem de forma sucinta nem através de remissão, terá forçosamente, de se concluir que, independentemente da possibilidade de o Recorrente utilizar o instituto do artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a liquidação de Imposto do Selo padecerá sempre do vício de falta de fundamentação, na medida em que o recurso ao referido mecanismo legal não sana o vício em análise;

e. O mecanismo do artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário não poderá servir o propósito de permitir à Autoridade Tributária fundamentar a posteriori as liquidações de imposto já notificadas aos sujeitos passivos, porquanto, apenas é de atender à fundamentação contextual e contemporânea ao ato tributário, ou seja, aquela que se integra no próprio ato e em face da qual se procede à apreciação contenciosa da respetiva legalidade;

f. E foi precisamente pelo facto de o Recorrente entender que a falta de fundamentação do ato de liquidação não é suscetível de ser sanado através do mecanismo legal previsto no artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que o Recorrente não lançou mão do mesmo: porque considerou que é o próprio ato de liquidação que padece de falta de fundamentação, quanto à qualificação e quantificação dos respetivos factos tributários, não a notificação em si mesma;

g. Ainda que o problema de falta de fundamentação residisse no ato de notificação, a realidade é que, ainda assim, o Recorrente entende que não teria de socorrer-se do mecanismo a que alude o artigo 37.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, porquanto o referido instituto apenas permitirá sanar o ato de notificação que não contiver a decisão, os meios de defesa e os prazos para reagir, sendo que caso o elemento em falta seja a fundamentação material da decisão - por não constar, ainda que sucintamente ou por remissão -, este vício da notificação não se sana pela não utilização do mecanismo previsto no artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, desta forma, a notificação será irregular e o ato notificado ilegal por vício de falta de fundamentação, nos termos da a c) do artigo 99º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

h. No caso de se verificar que o ato de notificação não contém o elemento de fundamentação da decisão (sucinta ou por remissão), o ato de notificação é ilegal, mas não é ineficaz, pelo que o sujeito passivo (i) não poderá alegar a ineficácia do ato relativamente a si pese embora a falta de fundamentação (por não ter utilizado) o mecanismo previsto no artigo 37.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no entanto, (ii) poderá alegar a ilegalidade do ato, ainda que tenha não utilizado o mecanismo previsto no artigo 37.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que fez o Recorrente na presente ação;

i. Constata-se, portanto, que o ato de liquidação de Imposto do Selo padece do vício da falta de fundamentação, em clara violação dos artigos 268°, número 3 da Constituição da República Portuguesa, 152º e 153.° do Código do Procedimento Administrativo, 77.° da Lei Geral Tributária e 36.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

j. Quanto à liquidação de juros compensatórios também andou mal o Tribunal recorrido, ao considerar que a liquidação se encontra fundamentada, na medida em que, da mera análise do ato notificado verifica-se que apenas algumas parcelas do que se refere serem juros contêm alguma indicação específica do que será o período e imposto a que respeitam, sendo que em momento algum é indicado a que corresponde o “valor base”, que não tem sequer correspondência com o “imposto” indicado na liquidação do imposto propriamente dito (€ 32.098,12 vs. € 43.625,13);

k. Ainda quanto aos juros compensatórios, o valor total indicado naquela liquidação não corresponde à soma dos valores “demonstrados” (€ 4.435,11 vs. € 3.458,21), o que denuncia uma vez mais uma total ausência de informação clara, ao destinatário do ato, sobre o quantum tributário apurado;

l. Acresce que os juros compensatórios não foram calculados e, portanto, não constam do Relatório de Inspeção, pelo que a Autoridade Tributária sempre teria que obrigatoriamente notificar o Recorrente de todos os elementos que demonstrem o cálculo dos mesmos, não se podendo considerar minimamente fundamentado um ato cujas parcelas subjacentes ao cálculo não são coincidentes com o resultado final apurado após a operação matemática para apuramento dos juros e em que não é, sequer, dado a conhecer por que razão os juros compensatórios são apenas aplicados alguns períodos (os constantes na notificação efetuada ao mesmo);

m. Conclui-se, assim, que também os atos de liquidação de juros compensatórios padecem do vício da falta de fundamentação, em clara violação dos artigos 268º, número 3 da Constituição da República Portuguesa, 152.° e 153.° do Código do Procedimento Administrativo, 77.° da Lei Geral Tributária e 36.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

n. A decisão recorrida deve, pois, ser anulada, nos termos dos artigos 268°, número 3 da Constituição da República Portuguesa, 152º e 153.° do Código do Procedimento Administrativo, 77.° da Lei Geral Tributária e 36.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na medida em que os atos ora contestados padecem, manifestamente, do vício da falta de fundamentação.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente por provado, e em consequência ser revogada a decisão recorrida, por ilegal, e substituída por outra que determine a anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo n° 2016 6430000405 e as liquidações de juros compensatórios n.° 2016 00000075529, n.° 2016 00000075530, n.° 2016 00000075531, n.° 2016 00000075532, n.° 2016 00000075533, n.° 2016 00000075534, n.° 2016 00000075535 e n.° 2016 00000075536, relativas ao ano de 2013, tudo com as legais consequências. »


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A recorrida (rda), Fazenda Pública, contra-alegou e concluiu: «

I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida em 1ª Instância que julgou improcedente a Impugnação Judicial, à margem referenciada, interposta por Banco A………… SA com o NIPC ……………. e sede em ………… - ………., Porto, contra os actos de liquidação de Imposto de Selo (IS) do ano de 2013 com o n.º 20166430000405, e das liquidações de juros compensatórios n.ºs 201600000075529, 201600000075530 201600000075531, 201600000075532, 201600000075533, 201600000075534, 201600000075535 e 201600000075536, no montante total de € 48.060,24.

II. Visava a presente impugnação judicial a anulação do Acto Tributário de liquidação de imposto de selo aqui impugnado no montante de € 48.060,24, por Vício de forma por falta de Fundamentação com as devidas consequências legais, mormente a anulação da liquidação de Juros compensatórios e o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.

III. A notificação da liquidação de IS no montante de € 43.625,13 ocorreu em 2016.03.14, acompanhada da demonstração das respectivas liquidações de juros compensatórios no montante de € 4.435,11.

IV. Na sequência das respectivas correcções a impugnante não aceita a validade das liquidações de IS e JC que lhe foram notificados, porque os documentos de cobrança enfermam de falta de fundamentação, sem remissão de direito e sem indicação do facto sujeito a imposto e sem exposição das razões de facto e de direito, bem como da incidência dos JC, o que os torna inválidos.

V. A Impugnante não impugnou em momento algum os factos materiais constantes no RIT, posto que os mesmos devem ser dados como factos certos e seguros e como tal, serem considerados provados nestes autos.

VI. A nota de liquidação é, tão só, um mero documento de pagamento, apenas com efeitos indicativos para pagamento, porquanto, todo o procedimento correctivo e fundamentante aconteceu através do procedimento inspectivo à contribuinte, levado a cabo pelos SIT da AT, em conformidade com os artigos 36.º do CIS e 36.º do CPPT:

VII. Aliás, esta estrutura configurativa é comum a qualquer nota de liquidação de um qualquer imposto, a forma como foi determinado encontra-se espelhada no relatório inspectivo, após exaustiva prelecção dos fundamentos subjacentes a essa mesma liquidação.

VIII. A impugnante também não fez uso das prerrogativas legais previstas no artigo 37.º do CPPT relativas à comunicação ou notificação insuficiente, em que se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias pode o interessado dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.

IX. Logo, não teve qualquer dúvida acerca da fundamentação dos actos tributários, ou da sua falta.

X. Não enfermam assim as correcções praticadas pelos Serviços de Inspecção Tributária de qualquer erro ou vício que lhe possa ser imputável tendo-se constituido nessa sequência a obrigação tributária de cobrança de IS, cujo imposto deveria ter sido atempadamente entregue nos cofres do estado;

XI. Posteriormente, em acto continuo, foi notificado o competente Documento de Cobrança, exclusivamente com informação relativa a dados de pagamento, aliás, como é comum e consensual, quer no desempenho tributário, quer no desempenho administrativo de qualquer órgão do Estado.

XII. ou seja a haver qualquer, alegada, falta de fundamentação do acto e da liquidação ela tinha que ter sido arguida em momento anterior, ou seja, antes da sua regular (que o foi) constituição e consolidação na ordem jurídica.

XIII. “A razão de ser dos juros compensatórios prende-se, além do mais, com um juízo de censura, a título de culpa, ou seja, numa conduta dolosa ou negligente, imputável ao sujeito passivo, determinante do não recebimento atempado, pelo Estado, da totalidade do imposto devido e, nessa medida, constitutiva de uma obrigação de indemnizar de natureza civil.” (“vide” acórdão do TCA Sul, processo n.º 03177/09, de 12/01/2010, acessível integralmente no site www.dgsi.pt).

XIV. “Os juros compensatórios funcionam como uma cláusula penal pelo retardamento da liquidação do imposto, imputável ao contribuinte, integrando-se na liquidação deste, onde vão buscar parte da sua fundamentação” (conforme acórdão do TCA Sul, processo n.º 02076/07, de 01/04/2008, também acessível no sítio da internet www.dgsi.pt).

XV. “In casu”, inexistem quaisquer dúvidas que é por culpa exclusiva da Impugnante que houve um retardamento na liquidação do imposto do selo devido, tendo o mesmo ulteriormente sido liquidado pela AT, na sequência da inspeção tributária que lhe foi efetuada.

XVI. No que concerne aos juros indemnizatórios nos termos preceituados no artigo 43.º da LGT, é nossa convicção que não há lugar aos mesmos, porquanto, não se verificou qualquer erro e/ou Vício que seja imputável à AT, até porque, conforme se demonstrou, há lugar à liquidação de IS.

XVII. Ainda sobre os juros indemnizatórios, e embora sem conceder, ainda que se viesse a decidir de forma diversa nunca poderia a AT ser condenada no pagamento dos mesmos na medida em que a jurisprudência tem entendido, pacífica e uniformemente, não serem de aplicar juros indemnizatórios nos casos em que se verifiquem divergências de entendimento e interpretação, sobre um mesmo facto tributário.

XVIII. Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente Recurso e, consequentemente, deverá a sentença recorrida, manter-se na ordem jurídica, assim se fazendo a costumada Justiça.»


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O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, concluindo que o recurso é de proceder.

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Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

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# II.


Na sentença, em sede de julgamento factual, inscreveu-se: «

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

FACTOS PROVADOS:

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os factos seguintes:

1. Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI201500023, de 19/02/2015 para o exercício de 2013 foi efectuada inspecção à Impugnante - fls. 36 e ss., do PA;

2. Tendo a AT concluído pela verificação de Imposto de Selo em falta - relatório de inspecção no PA;

3. Pelo que foram efectuadas correcções de IS pela AT - fls. 46, 133 a 144, do PA;

4. A Impugnante foi notificada do relatório de inspecção - fls. 36, do PA;

5. A Impugnante foi notificada da demonstração de liquidação do Imposto de selo e da liquidação de juros compensatórios, de fls. 15, do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no valor global de € 48.060,24;

6. Ali se refere que: Nota: Para consultar na totalidade as demostrações de liquidação deverá dirigir-se a um Serviço de Finanças - fls. 15;

7. A Impugnante procedeu ao pagamento do imposto e juros compensatórios - fls. 17 e 18.

FACTOS NÃO PROVADOS: Inexistem, com relevância para a decisão.

(…). »


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Sem prejuízo dos concretos fundamentos deste recurso jurisdicional, em primeira linha, a consideração do julgamento, em sede da matéria de facto provada, acabado de reproduzir, no pressuposto, ainda, de que a questão a solucionar passa pela avaliação de várias cambiantes da fundamentação do ato de liquidação impugnado, imediatamente, nos suscita reservas sobre a respetiva suficiência, para efeitos da aplicação do competente enquadramento jurídico/de direito.

Efetivamente, sendo certo que “factos”, para efeitos de fixação da base instrutória No caso do processo judicial tributário, corresponde à discriminação entre a matéria de facto provada e a não provada, exigida pelo n.º 2 do artigo (art.) 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). de uma qualquer causa, demanda, judicial, são, resumidamente, as “ocorrências concretas da vida real, bem como o estado, a qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas”, englobando “não apenas os acontecimentos do mundo exterior, mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo Cf. Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 406 segs., com facilidade e sem necessidade de profundas e mais aturadas lucubrações, se assume que, a sentença recorrida, na essência, patenteia uma falta quase absoluta de julgamento e fixação da matéria de facto Não obstante, os títulos e as alusões explícitas a “FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO”, “FACTOS PROVADOS” e “FACTOS NÃO PROVADOS”, mesmo que se tente adicionar “relevância para a decisão da causa”., relevante, para avaliação e decisão, segundo as diversas soluções plausíveis, da pretensão da impugnante.

Particularmente, merece consideração o teor dos pontos 2. a 5.

A jurisprudência, em especial deste STA, é farta na afirmação de que não configura julgamento da matéria de facto a remissão para documentos e/ou o dar-se por reproduzidos certos e determinados elementos documentais, impondo-se dos mesmos extrair, retirar, isolar, os factos concretos e significantes (com interesse, com relevo) para a ulterior apreciação e decisão de direito. Sem prejuízo de a aplicação casuística desta fórmula de atuação poder aceitar, nomeadamente, em situações de julgamentos envolvendo vasta documentação ou a consideração de documentos com inúmeras menções de igual teor e recorrentes (situação característica de muita da documentação oficial utilizada no procedimento administrativo em geral), alguma tolerância, de molde a evitar um dispensável trabalho de transcrição, jamais pode conceder beneplácito a atuações do cariz da aprecianda. Aqui, não se vislumbra qualquer justificativo para que o tribunal recorrido tivesse descurado a tarefa de isolar e firmar, em específica descrição, concretos factos inscritos no relatório de fiscalização tributária e nas demonstrações de liquidação do IS e de juros compensatórios, que julgasse preponderantes para a aferição e dilucidação do mérito desta causa, tendo presente as diversas soluções plausíveis do ponto de vista do direito aplicável.

Destarte, a decisão sob escrutínio emite, irradia, um julgamento da matéria de facto provada e não provada deficiente, por, clara, insuficiência.

Perante esta constatação, presente a perspetiva / orientação que o artigo (art.) 682.º n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC) Ex vi do art. 281.º do CPPT. fixa para o julgamento, por parte deste Supremo Tribunal, enquanto tribunal de revista, da decisão proferida em 1.ª instância sobre a matéria de facto, impõe-se anulá-la, oficiosamente. Na verdade, na técnica processual, esta é consequência avançada, pelo legislador, para os casos em que o tribunal de recurso/revista se confronte com insuficiente ou contraditória decisão sobre a matéria de facto, capaz de viabilizar a decisão jurídica da causa (pleito).

Concreta e obviamente, sem prejuízo de outros (todos) que o julgador venha a considerar pertinentes, entendemos ser, no mínimo, preciso o apuramento e concretização de factos, constantes dos documentos dados por, integralmente, reproduzidos (e/ou outros), relacionados com as questões, levantadas por impugnante e impugnada, ou seja, segundo a abordagem de cada uma, em torno da fundamentação (ou falta dela) dos atos tributários de liquidação (IS e juros compensatórios), visados pela corrente impugnação judicial.

Assim sendo, embora por diversa motivação, tem de atender-se o pedido de que seja viável este recurso.


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# III.


Destarte, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida;

- devolver o processo, ao TAF do Porto, a fim de, ser apreciado e julgado (se possível, pelo mesmo juiz) o mérito da impugnação judicial, após efetivada a correção/ampliação do julgamento factual, acima determinada.


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Custas a cargo da recorrida.

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[Texto redigido em meio informático e revisto, com versos em branco]


Lisboa, 16 de setembro de 2020. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Paula Fernandes Cadilhe Ribeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.