Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0109/20.4BALSB
Data do Acordão:02/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
MESMA QUESTÃO DE DIREITO
Sumário:Não havendo, entre o acórdão arbitral recorrido e o aresto apresentado como fundamento, contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, não deve tomar-se conhecimento do mérito do recurso.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P27272
Nº do Documento:SAP202102240109/20
Data de Entrada:10/01/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:MASSA INSOLVENTE DA A............ SCR, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X

A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA deduziu recurso para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., visando o aresto arbitral proferido no âmbito do processo nº.699/2019-T, datado de 17/08/2020, o qual julgou totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela sociedade recorrida, "Massa Insolvente da A…………, SCR, S.A.", tendo por objecto liquidação oficiosa de I.R.C., relativa ao ano de 2017 e no valor total de € 1.434.208,06.
A recorrente invoca oposição com o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do T.C.A. Norte, proferido em 30/10/2014, no âmbito do proc.40/04.0BEPNF (cfr.cópia junta a fls.52 a 65 do processo físico-I volume).
X
Para sustentar a oposição entre a decisão arbitral recorrida e o aresto fundamento, a entidade recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.3 a 18 do processo físico-I volume), formulando as seguintes Conclusões:
A-O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência tem como objeto o Acórdão arbitral proferido no processo n.º 699/2019-T, por Tribunal Arbitral Coletivo em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro;
B-O Acórdão arbitral recorrido colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo Tribunal Central Administrativo Norte no Acórdão de 30-10-2014, proferido no processo n.º 00040/04.0BEPNF, já transitado em julgado;
C-A Recorrente defende, com o devido respeito, que o Acórdão arbitral recorrido incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu, em contradição total com o Acórdão fundamento, anular a liquidação oficiosa de IRC de 2017 efetuada nos termos do artigo 90.º, n.º 1, alínea b) do CIRC, por falta de entrega da declaração de rendimentos, com base na totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontrava determinada, considerando o Tribunal arbitral que o preceito comporta o conceito de matéria coletável negativa ou igual a zero;
D-Assim, considerando a jurisprudência invocada, é inteiramente justificado o recurso à presente via processual para uniformização de jurisprudência, com a consequente anulação da decisão arbitral recorrida e substituição por outra que cumpra o disposto no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC;
E-In casu, verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC (correspondente ao artigo 83.º, n.º 1, do CIRC, na redacção do Decreto-lei n.º 198/2001, de 03 de julho), que determina os procedimentos e forma de liquidação, comporta o conceito de matéria coletável negativa ou igual a zero, para efeitos de emissão de uma liquidação oficiosa efetuada por falta de apresentação da declaração de rendimentos pelo sujeito passivo;
F-O Acórdão arbitral recorrido consignou, com relevância para a apreciação do presente recurso, a seguinte matéria de facto:
«6. No dia 15-10-2018, a AT emitiu o Aviso n.º 017558319, notificando a A………… para a entrega da declaração de rendimentos Modelo 22, relativa ao exercício de 2017, com a advertência de que caso não fosse apresentada a declaração em falta, no prazo de 15 dias, seria emitida uma liquidação oficiosa. Do aviso referido no ponto 6. consta do seguinte
(…)
7. A Requerente não se pronunciou nem apresentou a declaração Modelo 22.
8. Em 18-12-2018, foi emitida a liquidação oficiosa n.º 2018 8310010769, relativa ao exercício de 2017, apurando um valor a pagar de € 1.434.208,06.
(…)
11. A matéria coletável considerada pela Autoridade Tributária (“AT”) para efeito de liquidação do IRC do exercício de 2017, foi de € 6.695.289,60 – cf. Documento n.º 2 do PPA.
12. Os Serviços da AT tiveram por base a matéria coletável corrigida pelos Serviços da AT, em sede de inspeção tributária ao exercício de 2014, que apurou a matéria coletável de € 6.695.289,60, e que deu origem à liquidação adicional de IRC n.º 2017 8310027949, de 23/01/2017, que apurou o valor a pagar de € 1.803.933,22 – cf. Documento n.º 9 junto ao PPA.
13. Nos exercícios de 2015 e 2016 não foi apurada matéria coletável.
14. No que respeita ao exercício de 2015, a Requerente procedeu à entrega da Declaração Modelo 22 de IRC, em 20/05/2016, com a identificação 3255-C1995-17, tendo sido declarado prejuízo fiscal no valor de - €1.705.530,67 - cfr. Documento n.º 7 junto ao PPA.
15.Por sua vez, no que respeita ao exercício de 2016, foi apresentada a Declaração Modelo 22 de IRC, em 31/05/2017, com a identificação 3255-C5878-7, na qual foi apurado o prejuízo fiscal no valor de - € 2.633.904,11- cfr. Documento n.º 6 junto ao PPA.»;
G-O Tribunal Arbitral Coletivo entendeu o seguinte:
«Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRC, "a matéria colectável é, em regra, determinada com base em declaração do sujeito passivo, sem prejuízo do seu controlo pela administração fiscal".
Isto é, a "matéria coletável" determinada com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo é uma "matéria coletável" que se há de ter por determinada, porque prevista esta forma de determinação no n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRC.
As declarações apresentadas pelo sujeito passivo podem, no processo de determinação da "matéria coletável", que parte, como se sabe, do "resultado contabilístico", chegar, na fase subsequente, à determinação de "lucro tributável" ou de "prejuízo fiscal". Verificando-se este último caso, o prejuízo fiscal constitui uma matéria coletável "0" no ano em que foi determinado.
Não se refere, de facto, no Código do IRC, em "matéria coletável" positiva ou negativa. Fala-se, apenas em "matéria coletável" que é o resultado de um processo determinado por lei. E só há, potencialmente, imposto quando essa matéria coletável for >1.
Apenas na redação dada ao preceito em 2018, o legislador veio alargar os critérios de fixação da matéria coletável que deverá ter por base “ o maior dos seguintes montantes: 1)A matéria coletável determinada, com base nos elementos que a Administração tributária e aduaneira disponha, de acordo com as regras do regime simplificado, com aplicação do coeficiente de 0, 75;2) 2) A totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada;3) O valor anual da retribuição mínima mensal.”
Somente agora, com a nova redação dada ao preceito, atendendo à letra do mesmo, o legislador aponta para que a matéria coletável apurada seja positiva, o que não acontecia na redação anterior.
Finalmente, existe, de facto, a ideia de que a "matéria coletável" é sempre uma realidade quantificada positivamente. Mas é uma ideia que não se pode defender num processo de "determinação da matéria coletável" que tem fases diversas e que pode chegar a uma situação de "prejuízo fiscal" que é uma modalidade negativa de matéria coletável. De resto, a própria administração fiscal, no exercício do "poder de controlo" das declarações apresentadas pelos contribuintes, acaba por chegar a essa modalidade de matéria coletável.
Por tudo o quanto vai exposto, considera-se que, por ser uma determinação legalmente prevista, a determinação da matéria coletável efetuada pelo contribuinte na declaração que apresenta, independentemente do seu resultado, é uma determinação legalmente prevista.
Assim sendo, não se descortina fundamental legal para a AT não ter considerado, na ponderação da determinação da matéria coletável para servir de base à liquidação oficiosa a que procedeu quanto a 2017, a "totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada" ou seja a "matéria coletável" determinada pela Requerente na declaração apresentada a 2016. Pois é esse o resultado que decorre da aplicação dos elementos histórico e literal aplicados à interpretação do artigo 90.º do CIRC, na redação de 2017.»;
H-No Acórdão fundamento (também) estava em causa o procedimento a adotar na emissão de uma liquidação oficiosa efetuada por falta de apresentação da declaração de rendimentos pelo sujeito passivo, nos termos do, à data, artigo 83.º, n.º 1, do CIRC;
I-O Acórdão fundamento consignou, com relevância para a apreciação do presente recurso, os seguintes factos:
«7°) A liquidação oficiosa impugnada foi emitida em 13.09.2002 - cfr. doc. de fls.78 dos autos.
8°) A liquidação oficiosa foi notificada à impugnante em 01.10.2002 cfr. doc.25 do P.A. apenso aos autos.
9°) Nessa data, o sujeito passivo apenas tinha apresentado a declaração modelo 22 de IRC do exercício de 1996, em 02/06/1 997 e a declaração respeitante ao ano de 1997 em 26.04.2002 - cfr. doc. de fls.78 dos autos.
10°) Nessas declarações não foi apurada matéria colectável - cfr. doc. de fls.78 dos autos.
11º) O ora impugnante só apresentou a declaração modelo 22 correspondente ao exercício de 1998 em 03.01.2003 - cfr. doc. de fls.26 do PA.
12°) A Administração Fiscal, por consulta do sistema informático constatou a falta da entrega da declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao ano de 1998 por parte do sujeito passivo ora impugnante.
13°) A Direcção de Serviços de IRC, face a esta situação e de acordo com o disposto na alínea e) do n.º 1 do art.83° do CIRC, procedeu à liquidação do imposto com base nos elementos de que dispunha - cfr. doc. de fls.78 dos autos.»;
J-Decidiu o TCA, no Acórdão fundamento:
«Estabelece o n.º 1 do art.17.º, do Código do IRC que “O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.
Por outro lado, preceitua o n.º 1 alínea a) do art.º15.º daquele Código:
«Para efeitos deste Código:
a) Relativamente às pessoas colectivas e entidades referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3º, a matéria colectável obtém-se pela dedução ao lucro tributável, determinado nos termos dos artigos 17º e seguintes, dos montantes correspondentes a:
1) Prejuízos fiscais, nos termos do artigo 47º;
2) Benefícios fiscais eventualmente existentes que consistam em deduções naquele lucro;». Ora, salvo devido respeito, a lei não comporta, em sede de IRC, o conceito de matéria colectável negativa. O que poderá haver é resultado líquido negativo por via de resultados correntes negativos ou, havendo variações patrimoniais positivas ou negativas não reflectidas naquele resultado (cf. artigos 21.º e 24.º do IRC), se apure valor absoluto negativo depois de somadas ao resultado corrente as variações patrimoniais positivas e subtraídas as negativas, assim se achando o resultado antes de impostos.
Se este resultado antes de impostos for negativo, não há lucro tributável, há prejuízo fiscal.
A determinação da matéria colectável só tem lugar havendo lucro tributável, ao qual se deduzem os prejuízos fiscais reportáveis e os benefícios fiscais que consistam em deduções ao lucro tributável (cf. art.º 15.º, n.º 1 alínea a), do CIRC).
Resultando dos autos e admitindo o Recorrente que apurou prejuízo fiscal no ano de 1997 (cf. declaração a fls.4/5 do apenso de reclamação graciosa), não pode pretender que, na falta de apresentação da declaração reportada ao ano em causa de 1998, fosse efectuada liquidação oficiosa nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 83.º, do CIRC, isto é, “com base na totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada”.
Exactamente porque não apurou qualquer matéria colectável no ano de 1997, o que apurou foi prejuízo fiscal, tal como sustenta a Administração fiscal, entendimento que a sentença sufragou, sem erro de julgamento neste segmento.»;
K-Resulta, assim, demonstrada a identidade da questão fundamental de direito no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento, já que em ambos, em concreto, foi decidida em idêntica situação de facto a mesma questão de direito, que consiste em saber se o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC (correspondente ao artigo 83.º, n.º 1, do CIRC, na redacção do Decreto-lei n.º 198/2001, de 03 de julho), que determina os procedimentos e forma de liquidação, comporta o conceito de matéria coletável negativa ou igual a zero, para efeitos de emissão de uma liquidação oficiosa efetuada por falta de apresentação da declaração de rendimentos pelo sujeito passivo;
L-Em suma, entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão arbitral, por errónea interpretação do artigo 90.º, n.º 1, alínea b), do CIRC;
M-A infração a que se refere o n.º 2 do artigo 152.º do CPTA, consiste num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que o Acórdão Arbitral viola o disposto no CIRC sobre as regras atinente à determinação da matéria coletável, constantes dos artigos 15.º e 17.º, bem como viola o artigo 90.º, n.º 1, do mesmo diploma legal;
N-Dispõe o artigo 15.º do CIRC:
«1 - Para efeitos deste Código:
a) Relativamente às pessoas colectivas e entidades referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º, a matéria colectável obtém-se pela dedução ao lucro tributável, determinado nos termos dos artigos 17.º e seguintes, dos montantes correspondentes a:
1) Prejuízos fiscais, nos termos do artigo 52.º;
2) Benefícios fiscais eventualmente existentes que consistam em deduções naquele lucro;»
O-Estabelece, por seu turno, o artigo 17.º do CIRC:
«O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.»
P-Assim, de acordo com os preceitos transcritos, obtém-se um resultado fiscal que pode corresponder:
(i) ou a uma situação de lucro tributável, ao qual se deduzem os prejuízos fiscais de anos anteriores e os benefícios fiscais apurando-se matéria coletável;
(ii) ou a uma situação de prejuízo fiscal, o que consubstancia a inexistência de matéria coletável;
Q-Ora, como sustenta o Acórdão fundamento «a lei não comporta, em sede de IRC, o conceito de matéria colectável negativa. O que poderá haver é resultado líquido negativo por via de resultados correntes negativos ou, havendo variações patrimoniais positivas ou negativas não reflectidas naquele resultado (cf. artigos 21.º e 24.º do IRC), se apure valor absoluto negativo depois de somadas ao resultado corrente as variações patrimoniais positivas e subtraídas as negativas, assim se achando o resultado antes de impostos.
Se este resultado antes de impostos for negativo, não há lucro tributável, há prejuízo fiscal.»;
R-Assim, com o devido respeito, não tem sustentação legal o entendimento expresso no Acórdão recorrido de que uma situação em que se apura prejuízo fiscal constitui «uma modalidade negativa de matéria coletável.»;
S-Ora, não comportando a lei, em sede de IRC, o conceito de matéria coletável negativa nem igual a zero, a liquidação oficiosa efetuada por falta de apresentação da declaração de rendimentos pela ora Recorrida, que teve por base a totalidade da matéria coletável do período mais próximo que se encontrava determinada, cumpriu integralmente o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.° do CIRC, sendo manifesta a sua legalidade;
T-Por tudo o exposto, resta concluir que o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento por violação das normas legais aplicáveis, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada no Acórdão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue procedente o presente recurso e determine a revogação da decisão arbitral recorrida;
U-Por fim, em virtude de o valor da causa ser superior a € 275.000,00, desde já se requer que, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, esse douto STA determine a dispensa do pagamento da taxa de justiça aí prevista.
X
Foi proferido despacho pelo Exº. Conselheiro relator a admitir liminarmente o recurso, mais ordenando a notificação da sociedade recorrida para produzir contra-alegações (cfr. despacho exarado a fls.574 do processo físico).
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.578 a 590 do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
A-No presente recurso para uniformização de jurisprudência a Recorrente alega que a decisão arbitral proferida pelo CAAD no âmbito do processo n.º 699-T/2019-T (Decisão recorrida), relativa ao IRC do exercício de 2017, encontra-se em contradição com o Acórdão proferido pelo TCA Sul no processo n.º 00040/04.0BEPNF (Acórdão fundamento);
B-De acordo com o entendimento da Recorrente, a Decisão arbitral recorrida deverá ser anulada por o Tribunal Arbitral ter admitido que o conceito de matéria coletável, tal como previsto no artigo 90.º, n.º 1, al. b) do CIRC, em vigor à data dos factos, comporta uma vertente negativa ou igual a zero, o que – de acordo com a Recorrente – colidiria com a posição do TCA Sul, plasmada no Acórdão fundamento;
C-Perante os requisitos formais e substancial legalmente previstos no artigo 25.º n.º 2 do RJAT e 152.º do CPTA, a Recorrida demonstra nestas contra-alegações que, apesar de se mostrarem (ou presumirem) verificados os requisitos formais de que depende a aceitação do presente recurso, não se verifica, no caso, o requisito substancial de a Decisão recorrida e o Acórdão fundamento estarem em contradição «quanto à mesma questão fundamental de direito»;
D-Para valoração do requisito substancial de oposição de decisões «quanto à mesma questão de direito», a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo fixou critérios que devem dar-se por verificados: (i) identidade dos pressupostos de facto, (ii) regulamentação idêntica dos preceitos legais aplicáveis; (iii) oposição entre decisões expressas, e não implícitas;
E-Critérios esses que, no caso, não se encontram verificados, o que inviabiliza a verificação do requisito substancial e, consequentemente, o conhecimento do presente recurso pelo Tribunal;
(i) identidade substancial das situações de facto
F-Apesar de as duas decisões em confronto terem em comum liquidações de oficiosas de IRC emitidas pela administração fiscal em face da não apresentação de declaração de rendimentos pelos sujeitos passivos, a Recorrente ignora em toda a sua alegação que, conforme decorre da matéria dada como provada nas decisões em confronto, a liquidação de IRC em crise no processo arbitral foi emitida com base na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, na redação em vigor em 2017, ao passo que a liquidação que subjaz ao processo judicial no âmbito do qual foi proferido o Acórdão fundamento foi emitida com base na alínea c) do n.º 1 do artigo 83.º do CIRC, em vigor à data da emissão da liquidação;
G-Fruto da disparidade de critérios legais que esteve na base da emissão dos atos tributários contestados nas duas decisões, no caso que subjaz à Decisão recorrida, para efeito de emissão da liquidação oficiosa emitida ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, a AT considerou que a «matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada» correspondia à matéria coletável do exercício de 2014 que resultou de ação de inspeção tributária (cujo processo judicial continua pendente);
H-Por sua vez, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 83.º do CIRC (al. c) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC na redação em vigor em 2017), que previa que a liquidação «tem por base os elementos que a administração fiscal disponha», na liquidação oficiosa relativa ao exercício de 1998, que subjaz ao Acórdão fundamento, foi aplicado um coeficiente de 20% à base tributável do IVA declarado pelo sujeito passivo para o ano de 1997;
I-O facto de as liquidações que subjazem às decisões em confronto terem sido emitidas com base em critérios legais diferentes inviabiliza a conclusão de que as situações em confronto são substancialmente idênticas, sendo necessário, para verificação deste critério que as situações factuais pudessem ser subsumíveis às mesmas normas legais, conforme vem sendo reiterado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo - o que, no caso, não se verifica;
(ii) Alteração substancial na regulamentação jurídica
J-Para além de a situação factual que subjaz às decisões em confronto não se subsumir aos mesmos preceitos legais, a Recorrente ignora ainda que a redação da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, em vigor em 2017, era, em substância, diferente da redação da alínea b) do n.º 1 do artigo 83.º do CIRC em vigor em 2002 (não aplicada na situação que subjaz aos factos a que se reportam o Acórdão fundamento);
K-Na redação da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, em vigor em 2017, diferentemente do que sucedia em 2002 [al. b) do n.º 1 do artigo 83.º do CIRC], a lei previa que a liquidação oficiosa a emitir pelos Serviços da AT, na ausência de cumprimento de obrigação declarativa pelo sujeito passivo, «tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada»;
L-Ao critério da totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada, legalmente prevista até 2005, o legislador aditou, por alteração introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2006, uma critério alternativo com base no qual a AT poderia emitir liquidações oficiosas, sendo esse critério, em 2017, o valor anual da retribuição mínima mensal, ou da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontrasse determinada, consoante o maior;
M-A ratio dessa alteração legislativa pode ser encontrada no Relatório do Orçamento do Estado para 2006, no qual pode ler-se que esta alteração visou reforçar a eficácia da administração fiscal nos casos em que o contribuinte não cumpre com a obrigação declarativa de entrega de declaração de rendimentos, «nos casos em que não haja matéria colectável no ano anterior ou esta seja inferior a um montante mínimo definido»;
N-Ao prever um critério alternativo na alínea b) do n.º 1 do artigo 83.º do CIRC, na redação que entrou em vigor em 2006, o legislador quis, precisamente, salvaguardar os casos em que a última matéria coletável declarada pelo sujeito passivo fosse zero, ou inferior a um montante mínimo (que, em 2017, correspondia ao valor anual da retribuição mínima mensal);
O-Foi precisamente por a redação do preceito em vigor em 2017 prever, de forma expressa, duas “grandezas” para efeito de determinação da matéria coletável, que o Tribunal Arbitral, na decisão sob recurso, decidiu que a matéria coletável relativa ao exercício de 2016, determinada pelo sujeito passivo, independentemente de ser negativa ou zero, era atendível;
P-Nestes termos, e sem prejuízo de no Acórdão fundamento a liquidação impugnada não ter fundamento na al. b) do n.º 1 do artigo 83.º do CIRC, conclui-se que, mesmo que as questões de facto fossem substancialmente idênticas – o que não se verifica - o facto de a regulamentação jurídica ser diferente à data do facto tributário (2017)/ano de emissão da liquidação oficiosa (2002), sempre justificaria que o Tribunal Arbitral interpretasse e aplicasse o preceito com base no qual foi emitida a liquidação que subjaz à Decisão recorrida (al. b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC), como o fez;
(iii) Oposição entre decisões expressas
Q-Por outro lado, releve, ainda, este Tribunal que, contrariamente ao que defende a Recorrente, nas duas decisões em confronto não se discutiu a mesma questão de direito, tal como definida pela Recorrente: saber se «o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC (correspondente ao artigo 83.º, n.º 1, do CIRC, na redacção do Decreto-lei n.º 198/2001, de 03 de julho), que determina os procedimentos e forma de liquidação, comporta o conceito de matéria coletável negativa ou igual a zero, para efeitos de emissão de uma liquidação oficiosa efetuada por falta de apresentação da declaração de rendimentos pelo sujeito passivo.»;
R-Conforme se demonstrou, enquanto que na Decisão recorrida o Tribunal Arbitral procurou prima facie, interpretar o sentido com que o legislador utilizou a expressão «matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada», previsto na al. b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC em vigor em 2017, no julgamento que subjaz ao Acórdão fundamento, coube ao TCA Sul pronunciar-se, entre outras questões, sobre a verificação dos pressupostos de aplicação do artigo 83.º, n.º 1, al c) do CIRC, com base no qual foi emitida a liquidação oficiosa que subjaz àquele processo;
S-Do que antecede resulta que a interpretação do conceito de “matéria coletável” no Acórdão fundamento, assume um caráter meramente instrumental no julgamento, atendendo a que a liquidação em crise não havia sido emitida com base na então alínea b) do n.º 1 do artigo 83.º do CIRC;
T-Acresce que, conforme se deixou evidenciado, na Decisão recorrida, o Tribunal Arbitral não se preocupou em definir o conceito de “matéria coletável” mas antes interpretá-lo no contexto do elemento literal e histórico da alínea b) do n.º 1 do então artigo 90.º do CIRC, em vigor à data do facto tributário;
U-Por a questão decidenda não ser a mesma nas duas decisões em confronto, também sob esta perspetiva deverão ter-se por não verificados, no caso, os requisitos de que depende a admissibilidade do presente recurso para uniformização de jurisprudência;
V-Em face de todo o supra exposto, conclui-se que inexiste identidade da questão de facto e de direito (questão decidenda) subjacente às decisões em confronto, e que a redação do preceito que fundamentou a liquidação de IRC que subjaz à Decisão recorrida (al. b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC), sofreu uma alteração substancial no lapso temporal decorrido entre a emissão dessa liquidação e aquela que subjaz ao Acórdão fundamento (emitida com base noutro critério legal);
W-A constatação desses factos - que a Recorrida pura e simplesmente ignora nas suas alegações de recurso - resultam numa impossibilidade objetiva de as situações em confronto poderem ser consideradas como substancialmente idênticas para efeito de admissão do presente recurso, pelo que deverá este Supremo Tribunal Administrativo abster-se de tomar conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, para os devidos efeitos legais;
X-E caso assim não se entenda, o que por mera cautela e por dever de patrocínio se equaciona, sendo o presente recurso admitido, não poderá uniformizar-se jurisprudência no sentido pretendido pelo Recorrente, porquanto a Decisão recorrida fez uma correta interpretação e aplicação das normas legais em vigor à data do facto tributário, aplicáveis ao caso, devendo ser esta a decisão prevalecente, na medida em que a tese vertida na mesma se mostra ser a melhor solução de Direito para o caso em apreço.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual conclui que não estão reunidos os requisitos do recurso de uniformização de jurisprudência no caso concreto, motivo pelo qual não é admissível a pronúncia ao abrigo do disposto no artº.152, do C.P.T.A. (cfr.fls.595 a 596-verso do processo físico).
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Colhidos os vistos de todos os Exºs. Conselheiros Adjuntos, vêm os autos à conferência do Pleno da Secção para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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O aresto arbitral recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.35 a 39 do processo físico-I volume):
1-A sociedade A…………, SCR, SA foi declarada insolvente, por sentença judicial proferida no processo n.º 21631/15.9T8LSB, que corre termos na Instância Central – 1.ª Secção de Comércio – J1 da Comarca de Lisboa, que transitou em julgado a 05/08/2015;
2-Em 07-08-2015 foi publicitada a sentença de declaração de insolvência da sociedade A…………, bem como foram citados os credores e outros interessados para reclamar os seus créditos;
3-Na Assembleia de Credores de Apreciação do Relatório, que ocorreu no dia 07-10-2015, foi aprovada a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento da insolvente, constando, ainda, do despacho que deveria ser cumprido o disposto do artigo 65.º n.º 3 do CIRE e que os autos prosseguiriam para liquidação, nos termos do artigo 158.º do CIRE;
4-Em 27-10-2015, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa efetuou comunicação ao Serviço de Finanças Lisboa 10, nos termos do n.º 3 do artigo 65, do CIRE, informando que havia sido deliberado o encerramento da atividade do estabelecimento da insolvente, com a consequente extinção de todas as obrigações declarativas e fiscais;
5-Em 25-02-2019, a Direção de Finanças de Lisboa - Insolvências, enviou um e-mail à Direção de Serviços de Registo de Contribuintes - DGA - Divisão de Gestão de Atividade (DSRC), solicitando o averbamento da cessação oficiosa de atividade, nos termos do artigo 65.º, n.º 3 do CIRE, reportada à data constante da deliberação do encerramento da atividade do estabelecimento da insolvente, o dia 07-10-2015;
6-No dia 15-10-2018, a AT emitiu o Aviso n.º 017558319, notificando a A………… para a entrega da declaração de rendimentos Modelo 22, relativa ao exercício de 2017, com a advertência de que caso não fosse apresentada a declaração em falta, no prazo de 15 dias, seria emitida uma liquidação oficiosa. Do aviso referido no ponto 6. consta do seguinte:




7-A Requerente não se pronunciou nem apresentou a declaração Modelo 22;
8-Em 18-12-2018, foi emitida a liquidação oficiosa n.º 2018 8310010769, relativa ao exercício de 2017, apurando um valor a pagar de € 1.434.208,06;
9-Da liquidação consta do seguinte:



10-E a demonstração de juros;
(imagem)
11-A matéria coletável considerada pela Autoridade Tributária (“AT”) para efeito de liquidação do IRC do exercício de 2017, foi de € 6.695.289,60 – cf. Documento n.º 2 do PPA;
12-Os Serviços da AT tiveram por base a matéria coletável corrigida pelos Serviços da AT, em sede de inspeção tributária ao exercício de 2014, que apurou a matéria colectável de € 6.695.289,60, e que deu origem à liquidação adicional de IRC n.º 2017 8310027949, de 23/01/2017, que apurou o valor a pagar de € 1.803.933,22 – cf. Documento n.º 9 junto ao PPA;
13-Nos exercícios de 2015 e 2016 não foi apurada matéria coletável;
14-No que respeita ao exercício de 2015, a Requerente procedeu à entrega da Declaração Modelo 22 de IRC, em 20/05/2016, com a identificação 3255-C1995-17, tendo sido declarado prejuízo fiscal no valor de - € 1.705.530,67 - cfr. Documento n.º 7 junto ao PPA;
15-Por sua vez, no que respeita ao exercício de 2016, foi apresentada a Declaração Modelo 22 de IRC, em 31/05/2017, com a identificação 3255-C5878-7, na qual foi apurado o prejuízo fiscal no valor de - € 2.633.904,11- cfr. Documento n.º 6 junto ao PPA;
16-No exercício de 2017 a Requerente obteve rendimentos que ascenderam ao valor total de € 1.107.143,21, sujeitos a retenção na fonte de € 276.785,80, sendo as entidades declarantes o Banco Santander Totta, SA e o Banco Comercial Português, SA;
17-A Requerente apresentou, na declaração Modelo 10, respeitante ao exercício de 2017, pagamentos da categoria B efetuados a B…………, NIF ………, e na declaração mensal de remunerações (DMR) nos períodos de janeiro a julho de 2017, pagamentos efetuados a C…………, NIF ………;
18-A Requerente apresentou a reclamação graciosa n.º 3255201904002580, que deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 10 no dia 20-03-2019;
19-A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3255201901019503, em 30/10/2019, cfr. Documento n.º 2 anexo ao Requerimento de ampliação do pedido;
20-A Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral a 17 de outubro de 2019, na sequência do indeferimento tácito da reclamação graciosa.
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O acórdão fundamento julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.55 e 56 do processo físico-I volume):
1-A liquidação ora impugnada, no valor total de 5.631.20 euros, (sendo 5.441,28 euros relativos a IRC e 189.92 euros de juros Compensatórios), foi emitida pelos Serviços Centrais, conforme instruções do ofício circulado n.º 35523 de 01.10.2002 - cfr. doc. de fls.26 a 28 do PA apenso aos autos;
2-O sujeito passivo foi notificado para efectuar o pagamento das importâncias referidas em 30.09.2002 - cfr. doc. de fls.29 do PA apenso aos autos;
3-O prazo de pagamento voluntário terminou em 30.10.2002;
4-O ora impugnante apresentou reclamação graciosa, contra a liquidação n.º 8310029979 de IRC do exercício de 1998, nos termos do art.66° do Código de Procedimento e de Processo Tributário em 21.02.2003 - cfr. carimbo de fls.2 do Processo de Reclamação apenso aos autos;
5-Foi notificado do projecto de despacho no âmbito do Proc. de reclamação graciosa por si apresentado e para o exercício do direito de audição - cfr. fls. 14 a 16 dos autos;
6-Em 5 de Fevereiro de 2004 foi notificado do despacho de indeferimento da Reclamação e da respectiva fundamentação - cfr. docs. de fls.33 e 34 do PA apenso aos autos;
7-A liquidação oficiosa impugnada foi emitida em 13.09.2002 - cfr. doc. de fls.78 dos autos;
8-A liquidação oficiosa foi notificada à impugnante em 01.10.2002 cfr. doc.25 do P.A. apenso aos autos;
9-Nessa data, o sujeito passivo apenas tinha apresentado a declaração modelo 22 de IRC do exercício de 1996, em 02/06/1997 e a declaração respeitante ao ano de 1997 em 26.04.2002 - cfr. doc. de fls.78 dos autos;
10-Consta da informação da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, veiculada por ofício n.º 30585, de 11/12/2006, a fls.78 dos autos, que nas declarações referidas no anterior ponto 9.º não foi apurada matéria colectável;
11-O ora impugnante só apresentou a declaração modelo 22 correspondente ao exercício de 1998 em 03.01.2003 - cfr. doc. De fls.26 do PA;
12-A Administração Fiscal, por consulta do sistema informático constatou a falta da entrega da declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao ano de 1998 por parte do sujeito passivo ora impugnante;
13-A Direcção de Serviços de IRC, face a esta situação e de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.83° do CIRC, procedeu à liquidação do imposto com base nos elementos de que dispunha - cfr. doc. de fls.78 dos autos;
14-O apuramento da matéria colectável por parte dos Serviços Centrais teve por base a aplicação do coeficiente de 20% sobre a Base Tributável do IVA declarado pelo sujeito passivo para o ano de 1997;
15-Em 17 de Fevereiro de 2004 foi apresentada impugnação da referida liquidação.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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A Autoridade Tributária e Aduaneira veio, ao abrigo do disposto no artº.25, nº.2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (na redacção introduzida pela Lei 119/2019, de 18/09, a aplicável ao caso dos autos)., o qual foi consagrado pelo dec.lei 10/2011, de 20/01 (RJAT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo CAAD no âmbito do processo nº.699/2019-T (datada do pretérito dia 17/08/2020), invocando contradição entre essa decisão e o acórdão (fundamento) da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 30/10/2014, no âmbito do proc.40/04.0BEPNF, oposição essa respeitante à questão que consiste em saber se o actual artº.90, nº.1, do C.I.R.C. (alegadamente, correspondente ao artº.83, nº.1, do C.I.R.C., na redacção do dec.lei 198/2001, de 3/07), que determina os procedimentos e forma de liquidação, comporta o conceito de matéria colectável negativa ou igual a zero, para efeitos de emissão de uma liquidação oficiosa estruturada devido a falta de apresentação da declaração de rendimentos pelo sujeito passivo.
Para tanto e em síntese, argumenta que a decisão arbitral recorrida sofre de erro de julgamento, porquanto decidiu, em contradição com o acórdão fundamento, anular a liquidação oficiosa de I.R.C. de 2017, estruturada nos termos do artº.90, nº.1, al.b), do C.I.R.C., por falta de entrega da declaração de rendimentos, com base na totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontrava determinada, considerando o Tribunal arbitral que o preceito comporta o conceito de matéria colectável negativa ou igual a zero. Que não tem sustentação legal o entendimento expresso no acórdão arbitral recorrido de que uma situação em que se apura prejuízo fiscal constitui "uma modalidade negativa de matéria coletável". Que se deve anular a decisão arbitral recorrida, a qual deve ser substituída por outra que cumpra o disposto no citado artº.90, nº.1, do C.I.R.C.
Pelo contrário, a sociedade recorrida defende, desde logo, que deve este Supremo Tribunal Administrativo abster-se de tomar conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, devido a falta de verificação dos respectivos pressupostos, posição em que é secundada pelo Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal.
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Contemplemos, em primeiro lugar, os requisitos formais e substanciais de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
O regime de interposição do recurso de decisão arbitral para o S.T.A., ao abrigo do artº.25, nºs.2 e 3, do R.J.A.T., difere do regime do recurso previsto no artº.152, do C.P.T.A., na medida em que aquele tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral, enquanto neste o prazo se conta do trânsito em julgado do acórdão recorrido, como decorre do referido artº.152, nº.1 (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.72/19.4BALSB; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.484).
Já quanto ao acórdão fundamento, o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe o seu trânsito em julgado, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo, condição verificada no caso "sub judice".
Não se colocando dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da entidade recorrente e tempestividade do recurso), haverá que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Nos termos do citado artº.25, nºs.2 e 3, do R.J.A.T., normas que remetem, com as devidas adaptações, para o artº.152, do C.P.T.A., os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, dirigido ao S.T.A. e visando decisão arbitral, são os seguintes:
1-Que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral;
2-Que essa decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo;
3-Que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do S.T.A.
No que ao segundo requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, é mester adoptar os critérios já firmados no domínio do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (E.T.A.F.) de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição.
Estes critérios jurisprudenciais são os seguintes:
a) haver identidade da questão de direito sobre que incidiram as decisões em oposição, que tem pressuposta a identidade das respectivas circunstâncias de facto;
b) a oposição deve emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;
c) não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos, se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
d) as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;
e) em oposição ao acórdão recorrido podem ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/06/2014, rec.1447/13; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 25/02/2015, rec.964/14; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.72/19.4BALSB; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.1177 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230 e seg.; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.488 e seg.).
Vejamos se tais pressupostos se verificam no caso concreto.
Examinemos, pois, o que decidiram os acórdãos em confronto (o arbitral, ora sob recurso, e o fundamento) tendo sempre presente, como pano de fundo, a questão relativamente à qual foi invocada a contradição de julgados, que consiste em saber se o actual artº.90, nº.1, do C.I.R.C. (alegadamente, correspondente ao artº.83, nº.1, do C.I.R.C., na redacção do dec.lei 198/2001, de 3/07), que determina os procedimentos e forma de liquidação, comporta o conceito de matéria colectável negativa ou igual a zero, para efeitos de emissão de uma liquidação oficiosa estruturada devido a falta de apresentação da declaração de rendimentos pelo sujeito passivo.
A decisão arbitral recorrida tem por objecto a liquidação oficiosa de I.R.C., relativa ao ano fiscal de 2017, estruturada ao abrigo do artº.90, nº.1, al.b), do CI.R.C., na redacção em vigor no citado ano de 2017 (cfr.nºs.8 e 9 do probatório supra), acto tributário este que teve na sua génese a matéria colectável corrigida pelos Serviços da A. Fiscal, em sede de inspecção tributária ao exercício de 2014, no montante de € 6.695.289,60 (cfr.nºs.11 e 12 do probatório supra). Já o sujeito passivo do acto tributário objecto da decisão arbitral recorrida é uma sociedade insolvente e em fase de liquidação, cujo regime de apuramento de imposto (I.R.C.) vem expressamente previsto no artº.79, do C.I.R.C., o qual consagra um procedimento de apuro do lucro tributável por referência a todo o período de liquidação, ainda que haja lugar a liquidações anuais provisórias (cfr.artº.79, nº.2, al.b), do C.I.R.C.).
Por sua vez, o acórdão fundamento tem por objecto liquidação oficiosa de I.R.C., relativa ao ano fiscal de 1998, estruturada ao abrigo do artº.83, nº.1, al.c), do CI.R.C., na redacção resultante do dec.lei 198/2001, de 3/07, acto tributário este que teve na sua génese a aplicação do coeficiente de 20% sobre a Base Tributável do I.V.A., declarado pelo sujeito passivo para o ano de 1997 (cfr.nºs.12 a 14 do probatório supra). Já o sujeito passivo do acto tributário objecto do acórdão fundamento é uma sociedade que desenvolve a sua actividade de forma regular, assim estando sujeito ao regime geral de apuramento do lucro tributável (cfr.v.g.artºs.15, nº.1, al.a), 17 e seg. do C.I.R.C.).
Concretizando, as circunstâncias de facto subjacentes a ambos os arestos são diferentes.
Na decisão arbitral recorrida a liquidação oficiosa de I.R.C. objecto do processo, é relativa ao ano fiscal de 2017, estruturada ao abrigo do artº.90, nº.1, al.b), do CI.R.C., na redacção em vigor no citado ano de 2017, mais tendo na sua génese a matéria colectável corrigida pelos Serviços da A. Fiscal, em sede de inspecção tributária ao exercício de 2014, no montante de € 6.695.289,60. O sujeito passivo do acto tributário objecto da decisão arbitral recorrida é uma sociedade insolvente e em fase de liquidação, cujo regime de apuramento de imposto (I.R.C.) vem expressamente previsto no artº.79, do C.I.R.C.
Já no acórdão fundamento a liquidação oficiosa de I.R.C., objecto do processo, é relativa ao ano fiscal de 1998, estruturada ao abrigo do artº.83, nº.1, al.c), do CI.R.C., na redacção resultante do dec.lei 198/2001, de 3/07, acto tributário este que teve na sua génese a aplicação do coeficiente de 20% sobre a Base Tributável do I.V.A., declarado pelo sujeito passivo para o ano de 1997. Por sua vez, o sujeito passivo do acto tributário objecto do acórdão fundamento é uma sociedade que desenvolve a sua actividade de forma regular, assim estando sujeito ao regime geral de apuramento do lucro tributável.
Por conseguinte e desde logo, não se verifica o segundo requisito de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, acima identificado (que exista contradição entre a decisão arbitral e o acórdão fundamento, relativamente à mesma questão fundamental de direito, que tem pressuposta a identidade das respectivas circunstâncias de facto).
Em consequência das diferentes situações de facto subjacentes a cada uma das decisões judiciais, o tratamento da questão de direito foi divergente nos arestos em oposição.
O acórdão arbitral recorrido concluiu que não havia fundamento legal para a A. Fiscal não considerar como referência para a liquidação oficiosa objecto do processo o resultado apurado no exercício mais próximo em que o sujeito passivo tinha registado prejuízo fiscal, por a aplicação da norma constante do citado artº.90, nº.1, al.b), do CI.R.C., não pressupor um valor positivo da matéria colectável.
Por sua vez, o acórdão fundamento corroborou o entendimento da A. Fiscal, ao considerar que não tendo sido apurada matéria colectável nos dois exercícios em que tinha sido apresentada declaração por parte do sujeito passivo (1996 e 1997), não se mostrava aplicável a alínea b), mas sim a alínea c), do nº.1, do artº.83, do C.I.R.C., na redacção do dec.lei 198/2001, de 3/07.
Por outras palavras, inexiste a pretendida identidade de situações de facto entre as apontadas decisões, sendo, precisamente, a diversidade dessas situações de facto e os distintos juízos que se formularam sobre a prova produzida nos respectivos autos, a imporem as diferentes soluções jurídicas em cada caso, assim não tendo, os arestos em confronto, consagrado soluções opostas para a mesma questão jurídica fundamental, contrariamente ao defendido pelo apelante.
Concluindo, não se mostram reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº.25, nº.2, do R.J.A.T., e no artº.152, do C.P.T.A., desde logo, porque não pode afirmar-se ter a decisão arbitral recorrida adoptado entendimento oposto ao do acórdão fundamento no quadro de uma situação de facto similar. Não se verificam, portanto, os pressupostos de que depende o conhecimento do salvatério, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DESTE SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NÃO TOMAR CONHECIMENTO DO MÉRITO DO RECURSO.
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Condena-se a recorrente em custas, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida no âmbito da instância de recurso (cfr.artº.6, nº.7, do R.C.Processuais), atendendo ao facto do presente acórdão não ter conhecido do mérito da uniformização de jurisprudência solicitada, o que o torna de "complexidade inferior à comum".
X
Registe.
Notifique.
Comunique ao CAAD.
X
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2021


Joaquim Manuel Charneca Condesso (Relator)

O Relator atesta, nos termos do artº.15-A, do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade dos Exº.mos Senhores Conselheiros Adjuntos: Isabel Cristina Mota Marques da Silva; Francisco António Pedrosa de Areal Rothes; Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia; José Gomes Correia; Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos; Aníbal Augusto Ruivo Ferraz; Paulo José Rodrigues Antunes; Gustavo André Simões Lopes Courinha; Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro; Pedro Nuno Pinto Vergueiro; Anabela Ferreira Alves e Russo.
Joaquim Manuel Charneca Condesso