Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0261/17
Data do Acordão:06/07/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:BALDIOS
COMPARTES
AGREGAÇÃO
FREGUESIA
CAPACIDADE JUDICIÁRIA
Sumário:I - A Lei n.º 72/2014, de 2/9, ao dar nova redacção ao n.º 3 do art.º 1.º da Lei n.º 68/93, de 4/9, eliminou os usos e costumes como forma de delimitação do conceito de comparte, o qual passou a abranger todo o cidadão eleitor inscrito no recenseamento eleitoral da freguesia em que se situe o baldio e que aí resida ou que aí exerça uma actividade agroflorestal ou silvopastoril.
II - Ao ser alargado a todos os cidadãos eleitores, este universo de compartes passou mais amplo também em resultado da criação de freguesias por agregação.
III - O Conselho Directivo, órgão executivo colegial da comunidade local, pode recorrer a juízo e constituir mandatário para defesa dos direitos e interesses legítimos desta, mas tem de expressar a sua vontade através de deliberação, da qual é elaborada acta, e está sujeito à ratificação da assembleia de compartes.
IV - O Conselho Directivo carece de poderes de representação judiciária da comunidade local quando a ratificação do recurso a juízo não foi efectuada por assembleia que inclua o universo de compartes exigido pela lei em vigor na altura em que ela teve lugar.
Nº Convencional:JSTA000P23400
Nº do Documento:SA1201806070261
Data de Entrada:05/04/2017
Recorrente:UNIÃO DE FREGUESIAS DE FELGUEIRAS E FEIRÃO
Recorrido 1:CONSELHO DIRECTIVO DOS MORADORES - COMPARTES DE FEIRÃO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:



1. O “CONSELHO DIRECTIVO DOS MORADORES – COMPARTES DE FEIRÃO”, em representação das comunidades locais que integram os compartes dos baldios de Feirão, intentou, contra a UNIÃO DE FREGUESIAS de FELGUEIRAS e FEIRÃO, acção administrativa especial de impugnação das deliberações tomadas pela Junta dessa União de Freguesias na reunião de 28 de Dezembro de 2013 que revogaram as deliberações, de 18/8/2013 e de 25/8/2013, da Junta de Freguesia de Feirão.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Viseu, por despacho saneador datado de 18.11.2016, julgou precedentes as excepções dilatórias de falta de personalidade e capacidade judiciárias, absolvendo, assim, a entidade demandada da instância.

Tendo o A. interposto recurso desta decisão para o TCA Norte, este tribunal, por acórdão de 08/04/2016, concedeu-lhe parcial provimento, revogando a decisão recorrida, relegando para final o conhecimento das excepções da falta de personalidade e capacidade judiciárias e ordenando a baixa dos autos ao TAF para aí prosseguir os seus ulteriores termos.

Inconformada com tal decisão, a referida União de Freguesias interpôs recurso de revista para este STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
1.ª - Nos termos do n° 1, do artigo 150.°, do CPTA, das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2.ª - O Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de que ora se recorre apreciou questão que pela sua relevância jurídica ou social, reveste uma importância fundamental. Tal questão é a de saber qual o âmbito do conceito de comparte resultante do n.° 3, do artigo 1.º, da Lei 68/93 de 4 de Setembro, na redação introduzida pela Lei n.° 72/2014 de 2 de Setembro, tendo em conta os limites territoriais das circunscrições correspondentes às freguesias, resultantes da reorganização administrativa territorial autárquica, cujo regime jurídico foi aprovado pela Lei 22/2012, de 30 de maio e pela Lei n.° 11-A/2013, de 28 de Janeiro?
3.ª - Ou, noutras palavras: quem é considerado comparte nos termos do n.° 3, do artigo 1.º, da Lei 68/93 de 4 de Setembro, na redação introduzida pela Lei n.° 72/2014 de 2 de Setembro, tendo em conta os limites territoriais das circunscrições correspondentes às freguesias, resultantes da reorganização administrativa territorial autárquica, cujo regime jurídico foi aprovado pela Lei 22/2012, de 30 de maio e pela Lei n.° 11-A/2013, de 28 de Janeiro?
4.ª - Quanto à relevância jurídica ou social de importância fundamental, importa salientar que, em Portugal (quer no continente, quer nas ilhas) existem inúmeros terrenos baldios. Sendo que, nos termos do n.° 2, do artigo 5.°, da Lei dos Baldios, aos compartes é assegurada a igualdade de gozo e exercício dos direitos de uso e fruição do respetivo baldio.
5.ª - E, nos termos do n.° 1, do artigo 11.º da Lei dos Baldios, estes são administrados, por direito próprio, pelos respetivos compartes, nos termos dos usos e costumes locais, através de órgãos democraticamente eleitos.
6.ª - Portanto, a questão de saber quem é que deve ser considerado comparte nos termos do n.° 3, do artigo 1.º, da Lei 68/93 de 4 de Setembro, na redação introduzida pela Lei n.° 72/2014 de 2 de Setembro tem acentuada relevância jurídica, desde logo, porque são os compartes os titulares dos direitos de uso, fruição e administração dos baldios.
7.ª - Assim, ao determinar-se o âmbito do conceito jurídico de comparte, à luz das atuais normas do ordenamento jurídico, está-se, na realidade, a determinar quem são os titulares dos referidos direitos subjetivos sobre os imóveis que constituem os baldios. Pelo que, a resolução de tal questão tem relevância jurídica de importância fundamental.
8.ª - Mas, para além da sua relevância jurídica, a resposta a tal questão tem ainda uma relevância social de importância fundamental. Pois os baldios pertencem e são administrados por comunidades locais, cujos compartes têm o direito de explorar os terrenos em questão através de atividade agroflorestal ou silvopastoril, bem como - mais recentemente - retirando dos mesmos contrapartidas financeiras resultante da exploração empresarial dos baldios.
9.ª - Sendo que, conforme alguma doutrina vem esclarecendo, na atualidade, mais do que atividade agroflorestal ou silvopastoril, estes terrenos (existentes em inúmeros locais de Portugal continental e nas ilhas) passaram a ser objeto de exploração empresarial (nomeadamente, através da instalação de parques de produção de energia eólica) geradora de rendimentos elevados. Sendo, também nestes casos, assaz importante - social e juridicamente - determinar quem são os compartes que, nos termos da Lei, constituem a comunidade local, que beneficiará de tais rendimentos elevados.
10.ª - Assim, saber quem deve ser considerado comparte à luz do ordenamento jurídico atual (ou seja, do n.° 3, do artigo 1.º, da Lei 68/93 de 4 de Setembro, na redação introduzida pela Lei n.° 72/2014 de 2 de Setembro) tem uma importância fundamental, atenta a relevância jurídica ou social da resposta a tal questão. Devendo, assim, o presente recurso de revista excecional ser admitido, conforme previsto no n.° 1, do artigo 150.º do CPTA.
11.ª - Apreciação esta questão, o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n° 595/2015 esclareceu, nomeadamente, que:
“20 - Esse juízo não é contrariado pelos limites territoriais das circunscrições correspondentes às freguesias, resultantes da reorganização administrativa territorial autárquica, cujo regime jurídico foi aprovado pela Lei 22/2012, de 30 de maio.
Apesar de, em resultado da criação de freguesias por agregação e/ou da alteração dos seus limites territoriais, a circunscrição correspondente à freguesia ser hoje mais ampla, o alargamento do universo de compartes a todos os residentes na comunidade aí inscritos levado a cabo pela Lei 72/2014 continua a ter subjacente, até pelos critérios que foram seguidos na reorganização administrativa que conduziu àquela agregação - designadamente os da preservação da identidade histórica, cultural e social das comunidades locais e do equilíbrio e adequação demográfica das freguesias (cf. artigo 3.°, alíneas a) e f), da Lei 22/2012 -, uma ideia suficientemente tangível de comunidade, não sendo de modo a pôr em causa, do ponto de vista substantivo, o caráter comunitário constitucionalmente associado à titularidade do domínio e da posse incidentes sobre aqueles meios de produção.
Em suma: a reconfiguração do conceito de comparte resultante das alterações introduzidas pela Lei 72/2014 para além de encontrar fundamento num conjunto de razões hoje reconhecidas na doutrina, não só não compromete a distinção, constitucionalmente salvaguardada, entre o domínio cívico e o domínio público, como não amplia os limites da coletividade-referência ao ponto de comprometer a natureza comunitária daqueles meios de produção. É tanto mais assim quanto é certo que, nem a Constituição impõe, nem desta natureza diretamente deriva qualquer obrigação de atribuição àquela coletividade do poder de se autoconfinar, com recurso aos usos e costumes, a um núcleo mais restrito de elementos com base numa relação com os baldios costumeiramente diferenciável” — Acórdão do Tribunal constitucional n.° 595/2015, processos n.ºs 251 e 337/2015, acessível in www.tribunalconstitucional.pt [destaque nosso].
12ª - No Acórdão de que ora se recorre, verteu-se, nomeadamente, que:
“Consequentemente, confundindo a comunidade local de Feirão, onde se situam os baldios em apreço com a circunscrição territorial da Ré União, que abrange diversa comunidade do povo de Felgueiras, a douta sentença impugnada desrespeitou o mencionado princípio e a citada disposição legal.
Além disso, as eventuais irregularidades na convocação e funcionamento das assembleias de compartes constituem meras anulabilidades que, se não suscitadas em prazo útil e no foro legalmente competente — o foro dos Tribunais comuns — deverão ser consideradas sanadas, permanecendo vinculativas e produtoras dos efeitos jurídicos inerentes às deliberações naquelas tomadas (artigo 177° do Código Civil e artigo 32° n° 1 da Lei n° 68/93).
Por consequência, deverá ser revogada a douta sentença recorrida, relegando-se o conhecimento e decisão das exceções dilatórias da personalidade e capacidade judiciários do Autor para final, por dependeram de prova a produzir” [cfr página 21].
13.ª - No douto Acórdão de que ora se recorre, o Tribunal a quo começa por dizer que adere à interpretação legal e constitucional avançada pelo Acórdão n.° 595/2015 do Tribunal Constitucional, contudo, parece-nos que, seguidamente, adota uma interpretação do conceito de “comparte” que é manifestamente contrária à respaldada pelo referido Acórdão do Tribunal Constitucional.
14.ª - No douto Acórdão de que ora se recorre, decidiu-se que “[quer] por força do princípio da preservação da identidade das comunidades locais das autarquias agregadas, quer pela inequívoca redação dada ao n°3 do artigo 1º da Lei dos Baldios pela Lei n° 72/2014, só aos eleitores residentes nas próprias comunidades locais onde se situam os baldios ou que aí desenvolvam atividades agro-florestal ou silvo pastoril pode ser reconhecida a qualidade de comparte;
Consequentemente, confundindo a comunidade local de Feirão, onde se situam os baldios em apreço com a circunscrição territorial da Ré União, que abrange diversa comunidade do povo de Felgueiras, a douta sentença impugnada desrespeitou o mencionado princípio e a citada disposição legal.
15.ª - No entanto, no douto Acórdão do Tribunal Constitucional esclareceu-se, claramente, que “20 - Esse juízo não é contrariado pelos limites territoriais das circunscrições correspondentes às freguesias, resultantes da reorganização administrativa territorial autárquica, cujo regime jurídico foi aprovado pela Lei 22/2012 de 30 de maio.
Apesar de, em resultado da criação de freguesias por agregação e/ou da alteração dos seus limites territoriais, a circunscrição correspondente à freguesia ser hoje mais ampla, o alargamento do universo de compartes a todos os residentes na comunidade aí inscritos levado a cabo pela Lei 72/2014 continua a ter subjacente, até pelos critérios que foram seguidos na reorganização administrativa que conduziu àquela agregação - designadamente os da preservação da identidade histórica, cultural e social das comunidades locais e do equilíbrio e adequação demográfica das freguesias (cf. artigo 3.°, alíneas a) e f) da Lei 22/2012) -, uma ideia suficientemente tangível de comunidade, não sendo de modo a pôr em causa, do ponto de vista substantivo, o caráter comunitário constitucionalmente associado à titularidade do domínio e da posse incidentes sobre aqueles meios de produção.
Em suma: a reconfiguração do conceito de comparte resultante das alterações introduzidas pela Lei 72/2014, para além de encontrar fundamento num conjunto de razões hoje reconhecidas na doutrina, não só não compromete a distinção, constitucionalmente salvaguardada, entre o domínio cívico e o domínio público, como não amplia os limites da coletividade-referência ao ponto de comprometer a natureza comunitária daqueles meios de produção. É tanto mais assim quanto é certo que, nem a Constituição impõe, nem desta natureza diretamente deriva qualquer obrigação de atribuição àquela coletividade do poder de se autoconfinar, com recurso aos usos e costumes, a um núcleo mais restrito de elementos com base numa relação com os baldios costumeiramente diferenciável” - Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 595/2015, processos n°5251 e 337/2015, acessível in www.tribunalconstitucional.pt [destaque e sublinhado nosso].
16.ª - Assim, verifica-se que apesar de no Acórdão recorrido se referir que se adere ao previsto no Acórdão n° 595/2015 do Tribunal Constitucional, a realidade é que o decidido naquele Acórdão é manifestamente contraditório com o respaldado neste Acórdão.
17.ª - Tendo o Tribunal a quo, no Acórdão de que ora se recorre, interpretado e aplicado norma constante de ato legislativo (n.° 3, do artigo 1.°, da Lei 68/93 de 4 de Setembro, na redação introduzida pela Lei n.° 72/2014 de 2 de Setembro) em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional.
18.ª - Pelo que, tendo em conta o supra exposto, quando, no Acórdão de que ora se recorre, se pronunciou acerca da questão de saber quem é “comparte” nos baldios em questão, o Tribunal a quo violou o n.° 3, do artigo 1° da lei dos Baldios com a sua redação atual.
19.ª - Pois, no Acórdão de que ora se recorre, o Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado o n.° 3, do artigo 1.º da Lei dos Baldios, no sentido de que são compartes dos referidos baldios todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde se situam os respetivos terrenos (União de Freguesias de Felgueiras e Feirão) ou que aí desenvolvam uma atividade agroflorestal ou silvopastoril.
20.ª - Na sua contestação, a Ré expôs que o Autor não tem personalidade nem capacidade judiciária, invocando a existência de exceção dilatória, requerendo, concomitantemente, a sua absolvição da instância. Tendo tal exceção sido considerada verificada no despacho saneador.
21.ª - A decisão do Tribunal de 1.ª Instância tem por base os atos posteriores à entrada em vigor da Lei n.° 72/2014, de 2 de Setembro - que, nos termos do respetivo artigo 11°, ocorreu a 2 Outubro de 2014 - nomeadamente as supostas assembleias de compartes correspondentes às atas n.° 4, 5 e 6, alegadamente realizadas a 9 de Novembro de 2014, 22 de Fevereiro de 2015 e 8 de março de 2015.
22.ª - Com o artigo 40.°, o legislador da Lei n.° 68/93, de 4 de Setembro, no fundo, veio esclarecer que os órgãos já eleitos podiam manter-se em vigor, desde que, sejam respeitadas as normas legais da Lei n.° 68/93, de 4 de Setembro, e que se constituísse a referida comissão de fiscalização.
23.ª - Assim, no n.° 7, do artigo 7°, da Lei n.° 72/2014, de 2 de Setembro, o legislador esclareceu que só têm a duração de 4 anos (antes a duração era de 3 anos) os mandatos que se iniciarem após a data da entrada em vigor da mesma.
24.ª - Conforme se esclarece no n.° 2, do artigo 1.º, da Lei n.° 68/93, de 4 de Setembro (norma que se mantém com a sua redação original): para os efeitos da presente lei, comunidade local é o universo dos compartes.
25.ª - E, conforme bem se decidiu na douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, in casu, depois da extinção da freguesia de Feirão e da entrada em vigor da nova redação da lei dos Baldios, prevista na Lei n.° 72/2014, de 2 de Setembro, nunca foi convocada, nem realizada qualquer assembleia do universo de compartes da União de Freguesias de Felgueiras e Feirão.
26.ª - Ou seja, a comunidade local constituída pelo universo de compartes da União de Freguesias de Felgueiras e Feirão nunca se reuniu (n.° 2, do artigo 1.º, da Lei n.° 68/93, de 4 de Setembro).
27.ª - Insistindo antes os supostos membros do Autor (e os membros da suposta mesa de assembleia) em ficcionar que as modificações da Lei dos Baldios realizadas pela Lei n.° 72/2014, de 2 de Setembro nunca aconteceram. O que, aliás, facilmente se constata da leitura das atas n.ºs 4, 5 e 6 que são referentes a supostas assembleias dos “Moradores Compartes de Feirão” e não a qualquer assembleia dos compartes da União de Freguesias de Felgueiras e Feirão.
28.ª - E, após a entrada em vigor da nova redação do n.° 3, do artigo 1.º da Lei n.° 68/93, de 4 de setembro, a qualidade de comparte passou a decorrer automática e diretamente da lei (cfr. ponto 15 da fundamentação do douto Acórdão n.° 595/2015 do Tribunal Constitucional).
29.ª - Pelo que, não podemos concordar com o Acórdão de que se recorre, quando no mesmo se sustenta que “admite-se como compartes do referido baldio de Feirão o universo de pessoas constante do recenseamento dos compartes a que se refere a ata n.° 5, de 22.02.2015, junta como documento n.° 1 com a pronuncia do Autor em cumprimento do disposto no artigo 87°, n° 1, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, caso se venha a entender que o seu conteúdo é verdadeiro, já que o mesmo foi arguido de falso pela Ré na resposta a essa pronuncia”.
30.ª - Cabendo aqui referir que na referida ata n.° 5, de 22 de Fevereiro 2015, não se faz referência a qualquer recenseamento. Parece-nos que o Tribunal a quo se quereria referir à ata n.° 4, de 9 de Novembro de 2014 e, por lapso, se terá referido à ata n.° 5.
31.ª - Sendo que, o suposto universo de compartes referido em tal ata é manifestamente ilegal e desrespeitador do determinado no Acórdão n.° 595/2015 do Tribunal Constitucional.
32.ª - Verificando-se que, os supostos membros dos órgãos do Autor (que para a Ré é inexistente) - numa atitude, aliás, consentânea com o vertido acima, no ponto II das presentes alegações - nunca aceitaram, nem respeitaram o previsto no n.° 3, da Lei n.° 11-A/2013, de 28 de Janeiro, nem o previsto na nova redação do n.° 3, do artigo 1.º da Lei n.° 68/93, de 4 de setembro.
33.ª - Pelo que, ainda que se considerasse que existia uma assembleia de compartes dos moradores de Feirão (o que a Ré não aceita e ora coloca por mera hipótese de Direito), a realidade é que, depois da extinção de tal freguesia, nunca foi realizada - constitutivamente ou não - ou sequer convocada a devida assembleia do universo de compartes da União de Freguesias de Felgueiras e Feirão.
34.ª - Nem o Autor (suposto conselho diretivo) poderia sustentar que existe enquanto órgão executivo, representativo da comunidade local constituída pelo universo de compartes da União de Freguesias de Felgueiras e Feirão, quando nunca sequer considerou os eleitores residentes na antiga freguesia de Felgueiras como com (violando claramente o n.° 3, do artigo 1.º, da Lei dos Baldios), nem sequer lhes reconhecem o direito ao voto, ou qualquer outro direito referente aos baldios!
35.ª - Na realidade, os supostos membros do Autor (e da suposta mesa de assembleia) excluíram (ou melhor, nunca incluíram) os eleitores residentes na antiga freguesia de Felgueiras, do universo de compartes, ou seja da comunidade local. Agindo como se pudessem distorcer e amputar a comunidade local no sentido dos seus interesses.
36.ª - Pelo que, o Autor - que nem sequer considera compartes os eleitores residentes na antiga freguesia de Felgueiras - nunca poderia sustentar que é um órgão representativo da comunidade local constituída pelo universo de compartes da União de freguesias de Felgueiras e Feirão.
37.ª - Assim, não nos parece admissível que o Autor se nossa arrogar a existir (nomeadamente, tendo personalidade judiciária) enquanto órgão da comunidade local constituída pelo universo de compartes da União de freguesias de Felgueiras e Feirão quando nunca foi realizada sequer qualquer assembleia de compartes da União de freguesias de Felgueiras e Feirão e nem sequer reconhece os eleitores residentes na antiga freguesia de Felgueiras como compartes.
38.ª - E, se não nos parece ser de admitir a existência do Autor, nos termos supra exposto, ainda menos se poderá admitir que o Autor tenha poderes para agir judicialmente, enquanto órgão representativo dos compartes da União de freguesias de Felgueiras e Feirão, quando nunca foi realizada sequer qualquer assembleia de compartes da União de freguesias de Felgueiras e Feirão. Sendo, também, manifesta a falta de capacidade judiciária do Autor.
39.ª - Pelo que, atento tudo o supra exposto e conforme bem se decidiu na douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, o Autor não tem personalidade, nem capacidade judiciária, o que implica a existência de exceção dilatória, nos termos da alínea b), do n.° 1, do artigo 89.° do CPTA (na redação anterior ao Decreto-lei n.° 214- G/2015, de 02 de Outubro, por ser a aplicável in casu).
40.ª - Acrescendo que, conforme o Tribunal de 1.ª Instância expõe, claramente, na sua sentença: não só não consta dos autos qualquer ata do Autor (suposto conselho diretivo) a decidir o recurso a juízo no presente caso - e, nos termos do n.° 3, do artigo 13.º, da Lei dos Baldios, a ata pode certificar validamente as discussões havidas, as deliberações tomadas e o mais que nas reuniões tiver ocorrido - como também não existe a necessária ata de ratificação de tal decisão pela assembleia dos com da União de freguesias de Felgueiras e Feirão.
41.ª - E, com todo o respeito (que é muito) também não podemos concordar com o vertido no douto Acórdão de que ora se recorre, quando se sustenta que “[o] Autor não juntou nenhuma acta do conselho Directivo, mas apenas diversas atas da assembleia de compartes, pelo que nada foi alegado, nem provado se o conselho Directivo deliberou no sentido da instalação da presente ação, pela forma legalmente prevista para o efeito, todavia a falta dessa deliberação constituiria acto anulável, nos termos do artigo 177° do código Civil, só passível de declaração de anulabilidade do foro comum” [Acórdão recorrido página 12].
42.ª - Desde logo, porque para que um ato seja anulável o mesmo tem que existir, ou seja, tem que ter sido praticado. Pelo que, se nunca foi praticado o ato (deliberação do suposto conselho diretivo) o mesmo não é anulável, mas antes inexistente.
43.ª - Ora, o Autor não juntou (nem sequer alegou a existência de) qualquer ata de deliberação do (suposto) conselho diretivo decidindo vir a juízo - a qual é obrigatória atento o conselho diretivo ter natureza colegial - nem juntou (porque inexiste) a necessária decisão de ratificação da assembleia dos compartes da União de freguesias de Felgueiras e Feirão, que à data da interposição da presente ação (04-11-2014) já correspondia à comunidade local existente.
44.ª - Atos esses que constituem requisitos cumulativos para que o Autor (caso existisse) pudesse interpor a presente ação.
45.ª - Pelo que, também, se verificaria a existência de exceção dilatória de falta de autorização ou deliberação que o Autor devesse obter, nos termos da alínea o), do n.° 1, do artigo 15.° da lei dos Baldios e do n.° 1, do artigo 89.° do CPTA (na redação anterior ao Decreto-lei n.° 214-G/2015, de 02 de Outubro, por ser a aplicável in casu).
46.ª - E não diga o Autor que a falta de autorização ou deliberação que o Autor devesse obter não constitui exceção por não estar expressamente prevista nas alíneas do n.° 1, do artigo 89.°, do CPTA (na redação anterior ao Decreto-lei n.° 214-G/2015, de 02 de Outubro), pois no texto de tal norma consta o advérbio “nomeadamente”, clarificando que tal enumeração não é taxativa (antes pelo contrário). Tendo, inclusive, tal exceção dilatória passado a constar expressamente da alínea d), do nº 4, do artigo 89.º do CPTA, na sua atual redação.
47.ª - Assim, atento o supra exposto, constata-se que o Autor não tem personalidade, nem capacidade judiciária, nem autorização ou deliberação que devesse obter para estar em juízo na presente ação. Pelo que, a douta sentença do Tribunal de 1.ª Instância foi justa e acertada ao determinar a absolvição da Ré da instância.
48.ª - Pelo que, no douto Acórdão de que ora se recorre, incorreu-se em erro na interpretação e aplicação do n.° 3, do artigo 3.° e do n.° 3, do artigo 9.° ambos da Lei n.° 11-A/2013, de 28 de Janeiro, do n.° 2, do artigo 9.º, da Lei 22/2012, de 30 de Maio, do n.° 3, do artigo 1.º da Lei n.° 68/93, de 4 de setembro, da alínea o), do n.° 1, do artigo 15º da lei dos Baldios e do n.° 1, do artigo 899 do CPTA (na redação anterior ao Decreto-lei n.° 214-G/2015, de 02 de Outubro, por ser a aplicável in casu). Pois nos termos de tais normas legais deveria o recurso interposto pela Autora ter sido indeferido e ter-se mantido a douta sentença do Tribunal de 1.ª Instância.
49.ª - Para além do supra exposto, sempre as deliberações constantes das atas n. 4, 5 e 6 estariam feridas de profunda nulidade.
50.ª - Conforme o Supremo Tribunal de Justiça esclarece no seu Acórdão de 6 de outubro de 2005: “I. A disciplina do art.º 177° do CC não é aplicável a todas as hipóteses de deliberações irregulares, o sistema conhecendo deliberações nulas no domínio das associações” - Acórdão STJ, de 06-10-2005, processo n.° 05B183, acessível in http://www.dgsi.rjtJisti.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/eb805c937ec1b1c1802570ce00485b6d?OpenDocument [nosso].
51.ª - Portanto, mesmo no domínio das associações, existem deliberações de tal forma ilegais que enfermam de nulidade.
52.ª - Ora, as ilegalidades acima referidas decorrem da violação de várias normas legais, nomeadamente, dos n.ºs 2, 3 e 5, do artigo 1.º, dos n.ºs 1 e 2, do artigo 5º, n.ºs 1 e 2, do artigo 11.º, do artigo 12.°, do artigo 14.°, do artigo 18.º, do artigo 19.°, do artigo 20.° e do artigo 24.°, da Lei dos Baldios.
53.ª - Para além disso, in casu, não estão em causa meras irregularidades procedimentais. Desde logo, porque, conforme supra exposto - até hoje - os titulares do Autor (suposto conselho diretivo que a Ré considera inexistente) e os titulares da suposta mesa de assembleia, nem sequer consideram os eleitores residentes na antiga freguesia de Felgueiras como compartes, ou seja, nem sequer lhes reconhecem o direito ao voto, ou qualquer outro direito referente aos baldios!
54.ª - Pelo que, o que ocorre in casu é o corresponde a simularem-se eleições legislativas em Portugal, estabelecendo-se que apenas podem votar as pessoas residentes em Lisboa, não se reconhecendo, nomeadamente, o direito de voto aos demais Portugueses.
55.ª - Conforme o n.° 1, do artigo 11.º, da Lei n.° 68/93, de 4 de setembro, prevê: os baldios são administrados, por direito próprio, pelos respetivos compartes, nos termos dos usos e costumes locais, através de órgãos democraticamente eleitos. E, nos termos do n.° 2, do artigo 5.º, da Lei dos Baldios: aos compartes é assegurada a igualdade de gozo e exercício dos direitos de uso e fruição do respetivo baldio.
56.ª - Ora, não se pode falar de órgãos democraticamente eleitos, ou de decisões democraticamente tomadas, quando mais de metade dos compartes é excluída, ilegalmente, do universo de compartes. Nem se pode falar em igualdade de gozo e exercício dos direitos, quando se nega, ilegalmente, a mais de metade dos compartes os direitos que a lei lhes confere.
57.ª - Em substância o que isto significa é que os supostos titulares do Autor (e da suposta mesa de assembleia) excluíram (ou melhor não incluem) os eleitores residentes na antiga freguesia de Felgueiras do universo de compartes, ou seja da comunidade local.
Como que distorcendo e amputando a comunidade local no sentido dos seus interesses.
58.ª - Pelo que, as ilegalidades em questão não são meramente procedimentais, mas antes de natureza material e bastante grave.
59.ª - Até porque, in casu, nunca ocorreu qualquer reunião de assembleia dos compartes da União de freguesias de Felgueiras e Feirão, pelo que também nunca existiu qualquer deliberação, nem eleição para os órgãos da comunidade local constituída pelos compartes da União de freguesias de Felgueiras e Feirão.
60.ª - Pelo que, mesmo que fosse de aplicar, in casu, o regime das associações, atenta a gravidade das violações de normas legais imperativas, bem como da ofensa dos interesses comunitários subjacentes a tais normas, as deliberações constantes das atas n.° 4, 5 e 6 não podiam deixar de serem consideradas nulas.
61.ª - Por outro lado, talvez não seja idónea a mera aplicação do regime jurídico das associações relativamente a eleições dos órgãos representativos de uma comunidade local - nomeadamente as supostas deliberações constantes das atas n.° 5.
62.ª - A ligação existente entre a comunidade local correspondente ao universo dos compartes e a comunidade local correspondente à respetiva autarquia local foi destacada pela nova redação do n.° 3, do artigo 1.º da Lei dos Baldios, conferida pela Lei n.° 72/2014, de 2 de Setembro, que veio determinar que são compartes todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde se situam os respetivos terrenos baldios ou que aí desenvolvam uma atividade agroflorestal ou silvopastoril.
63.ª - Conforme previsto no n.° 1, do artigo 11.º, da Lei n.° 68/93, de 4 de setembro: os baldios são administrados, por direito próprio, pelos respetivos compartes, nos termos dos usos e costumes locais, através de órgãos democraticamente eleitos.
64.ª - Pelo que, tendo em conta as realidades jurídicas (comunidades locais) em questão, bem como a necessidade de respeito das garantias de democraticidade nas eleições dos órgãos de comunidades locais, caso tivessem ocorrido verdadeiras eleições (e não ocorreram) poderia ser de aplicar, analogicamente, o n.° 1, do artigo 160º, da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de agosto.
65.ª - Não obstante, conforme supra referido in casu, verifica-se que nunca ocorreu qualquer reunião de assembleia dos compartes da União de freguesias de Felgueiras e Feirão, também nunca existiu qualquer deliberação de tal assembleia, nem eleição para os órgãos da comunidade local constituída pelos compartes da União de freguesias de Felgueiras e Feirão.
66.ª - Assim, atento tudo o supra exposto, deve o presente recurso ser considerado totalmente procedente, revogando-se o Acórdão de que ora se recorre, substituindo-o por decisão que - interpretando e aplicando o n.° 3, do artigo 1.º da Lei dos Baldios, no sentido de que são compartes dos referidos baldios todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde se situam os respetivos terrenos (ou seja, na União de Freguesias de Felgueiras e Feirão) ou que aí desenvolvam uma atividade agroflorestal ou silvopastoril - confirme a douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.
67.ª - Subsidiariamente e sem prescindir do supra exposto, caso assim não se entenda, deve o presente recurso ser considerado parcialmente procedente, revogando o Acórdão de que ora se recorre, na parte em que aprecia erroneamente a questão de saber quem é comparte dos baldios in casu, substituindo-o por decisão que interprete e aplique o n.° 3, do artigo 11° da Lei dos Baldios, no sentido de que são compartes dos referidos baldios todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde se situam os respetivos terrenos (ou seja, na União de Freguesias de Felgueiras e Feirão) ou que aí desenvolvam uma atividade agroflorestal ou silvopastoril, com os inerentes efeitos legais”.

O Recorrido contra-alegou, tendo concluído:
“- A questão invocada como fundamento do presente recurso foi objecto já de apreciação e decisão em douto Acórdão proferido pelo Plenário do Tribunal Constitucional, o que retira a sua relevância para, a título excepcional, induzir este Supremo Tribunal à sua reapreciação tendo em vista uma correcta aplicação do Direito, pelo que
- Não deverá ser admitido o presente recurso de revista.
Mas, a assim não se entender,
- A apreciação da regularidade da constituição e funcionamento da Assembleia de Moradores - Compartes do Baldio de Feirão realizada em 20 de Janeiro de 2013 deverá sempre ser apreciada e decidida à luz da Lei dos Baldios vigente àquela data, não sendo admissível a sua ponderação ao abrigo da Lei n°72/2014, de 2 de Setembro, que alterou parcialmente aquela, nomeadamente quanto ao conceito ou definição de morador-comparte.
- A posterior constituição da recorrente, por agregação determinada pela reorganização administrativa das freguesias (Lei n°22/2012, de 30.5) em resultado das eleições autárquicas de Outubro de 2013, não afectou os actos anteriores de constituição dos órgãos directivos dos baldios, que se mantiveram em funções até ao decurso do quadriénio previsto e à sua substituição.
- A recorrente União de freguesias deve obediência ao princípio da preservação da identidade histórica, cultural e social da comunidade local de Feirão, titular dos respectivos baldios, mercê do princípio exarado na al. a) do art.° 3° daquela Lei n°22/2012, pelo que
- A ser admitido o recurso interposto, deverá ser-lhe recusado provimento, mantendo inteiramente o douto Acórdão impugnado por haver manifestamente feito correcta aplicação da Lei.

Pela formação a que alude o art.º 150.º, do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista.

O digno Magistrado do MP, notificado nos termos do art.º 146.º, do CPTA, não emitiu parecer.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:
1- No dia 4 de Novembro deu entrada a petição inicial na presente acção administrativa especial, instaurada pelo Conselho Directivo dos Moradores-Compartes de Feirão, em representação das comunidades locais que integram os compartes dos baldios de Feirão contra a União das Freguesias de Felgueiras e Feirão, na qual se pede:
a) A anulação das deliberações tomadas pela Junta de Freguesia da Ré na reunião extraordinária de 28 de Dezembro de 2013.
b) A condenação da Ré a abster-se de desrespeitar as deliberações tomadas pela Junta e pelo Plenário da Freguesia de Feirão, nas suas reuniões de 18 e 25 de Agosto de 2013.
2- São invocados nessa petição inicial os seguintes factos:
a) Feirão constitui desde tempos imemoriais uma comunidade local inserida na área do concelho de Resende que durante longos anos se achava administrativamente constituída como uma freguesia, a freguesia de Feirão, com território próprio.
b) Em consequência da reorganização administrativa do território das freguesias, imposta por força do memorando de resgate celebrado em 2011 entre o Estado Português, o FMI, a EU e o BCE, a freguesia de Feirão foi agregada à freguesia de Felgueiras, gerando a aqui demandada União (Leis nºs 22/2012, de 30/05 e 11-A/2013, de 28 de Janeiro).
c) A agregação ou fusão daquelas duas autarquias ocorreu e produziu efeitos com as eleições autárquicas que tiveram lugar em Setembro de 2013, momento até ao qual qualquer delas manteve a sua existência jurídica (artigos 4º e 9º da referida Lei nº 11-A/2013.
d) Mercê do disposto pelo artigo 6º da lei acabada de referir, a Ré União integrou na sua esfera jurídica todo o património, os activos e passivos, bem como os direitos e deveres, e responsabilidades legais, judiciais e contratuais de ambas as freguesias agregadas (nº 1).
e) Na circunscrição territorial da pretérita Freguesia de Feirão situa-se um acervo de prédios rústicos considerados baldios, cuja administração esteve confiada à Junta respectiva durante anos.
f) Por acto de 20 de Janeiro de 2013, a comunidade local da então Freguesia de Feirão reuniu e elegeu os órgãos representativos dos seus moradores para administrar os respectivos baldios, nomeadamente a Mesa da Assembleia de Compartes, o seu Conselho Directivo e a Comissão de Fiscalização (documento nº 1).
g) Então, a Freguesia de Feirão era dona de um prédio urbano destinado à sede da sua Junta e bem assim a jardim de infância, composta de rés-do-chão com cinco divisões, sito na Av. Da Liberdade, dita povoação de Feirão, a seu favor inscrita na matriz urbana respectiva sob o artigo 278º (documento nº 2).
h) Uma parte do referido edifício, composta por uma sala com entrada própria e independente com o nº 57, cozinha e casas de banho, foi durante anos afectada a jardim-de-infância (documentos nºs 3 e 4).
i) Contudo, por força da desertificação humana do interior do País e do propalado decréscimo da taxa de natalidade, o jardim-de-infância deixou de funcionar há vários anos.
j) Por outro lado, os moradores-compartes de Feirão necessitavam de local para aí reunir os seus órgãos representativos.
k) E, bem assim, convinha-lhes assegurar a disponibilidade imediata da carrinha Toyota, com a matrícula 81-FV-84 e do Kit de incêndio para acorrer à extinção e controlo de fogos com prontidão.
l) Daí que, por carta de 01-08-2013 dirigida ao Presidente da Junta de Freguesia de Feirão, o Autor haja solicitado a cedência, por comodato e pelo prazo de vinte e cinco anos, da sala, cozinha e casas de banho afectados ao jardim-de-infância, e bem assim a cedência, a título definitivo, da carrinha, Kit e acessórios para protecção contra incêndios, bem como de cadeiras e de um palco, para apoio às festas da comunidade local de Feirão (documento nº 5).
m) Submetida aquela pretensão à Junta de Freguesia de Feirão esta, por deliberação tomada em 18-08-2013, aprovou as cedências propostas pelo Autor por reconhecer serem do interesse geral de Feirão, submetendo-as no entanto à aprovação do plenário da Freguesia (documento nº 6).
n) O qual, reunido em sessão extraordinária de 25-08-2013, também aprovou as cedências propostas pelo Autor e já aceites pela Junta a “formalizar em contrato pelas partes” (documento nº 7).
o) Efectivamente, em execução das deliberações tomadas pelo Plenário e Junta de Freguesia de Feirão, foi em 26.08.2013 celebrado entre esta e o Autor o contrato consumando as cedências acordadas, nos termos constantes do documento nº 8, aqui dado como transcrito.
p) Acontece, porém, que em 8 de Julho do corrente ano, foi o comparte-morador AM, residente em Feirão, citado para deduzir oposição ao procedimento cautelar contra si pessoalmente instaurado pela Ré no entretanto extinto Tribunal Judicial de Resende, autuado sob o nº 126/14.3TBRSD, ora pendente na secção cível da instância local de Lamego do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, por força da recente organização judiciária.
q) Através desse procedimento cautelar pretende a Ré que o demandado lhe restitua os bens cedidos ao Autor por força dos actos a que se reportam os documentos aqui juntos sob os nºs 6, 7 e 8.
r) Para tanto, a Ré junta àquele processo certidão da acta das deliberações tomadas pela respectiva Junta em reunião extraordinária de 28 de Dezembro de 2013 (doc. nº 10), da qual só agora o Autor tomou conhecimento por força da citação do demandado, dado este ser Presidente do Autor (documento nº 1).
s) São essas deliberações que se pretende anular por via da presente acção quer porque foram tomadas com evidente ofensa de disposições de Direito administrativo, quer porque as mesmas causam manifesto prejuízo aos interesses legítimos da comunidade local de Feirão que o Autor representa (artigos 21º alíneas h) e i) da Lei nº 68/93, de 04/09).
t) Na realidade, como deflui da análise da respectiva acta, num primeiro momento foi deliberado “revogar com efeitos imediatos todas as actas, declarações e comunicações feitas pela anterior Junta de Freguesia e Assembleia da Freguesia de Feirão que tenham por desiderato declarar devolver ao alegado Conselho Directivo dos Moradores Compartes de Feirão a sala do jardim-de-infância e respectivas casas de banho, cadeiras, cozinha, a carrinha Toyota de Matrícula 81-FV-84, assim como o Kit e acessórios de protecção aos incêndios, o palco e casas de banho públicas, bem como o pagamento da electricidade”.
u) Pese embora a deficiente redacção adoptada, entende-se que com aquela primeira deliberação a Ré, ao referir como objecto do acto revogatório “todas as actas, declarações e comunicações feitas pela anterior Junta de Freguesia e Assembleia de Freguesia de Feirão”, teve em mente revogar as deliberações documentadas pelas actas juntas sob os nºs 6 e 7, mencionada nos artºs 15º e 16º do presente articulado, quer porque as deliberações não deixam de ser actos de declaração, quer tendo em atenção os bens a que são reportadas.
v) Sem prejuízo do respeito por diversa opinião, afigura-se que aquela deliberação enferma de diversos vícios.
w) Quer se tenha presente o regime das autarquias locais da pretérita Lei nº 169/99, quer o decorrente da Lei nº 75/2013, de 12/09, já vigente à data da deliberação em apreço (art. 4º), a revogação viola o princípio da independência dos órgãos das autarquias (art. 44º da nova lei, artigo 81º da anterior).
x) Na verdade, a Junta de Freguesia constitui um órgão hierarquicamente subordinado à Assembleia ou Plenário respectivo, incumbindo-lhe zelar pela execução e cumprimento das deliberações destes (artigo 19º da Lei nº 75/2013 e 34º nº 1 alª a) da Lei nº 169/99).
y) Pelo que a Junta de Freguesia carecia de competência para revogar a deliberação do Plenário da Freguesia a que sucedeu por agregação, mercê do disposto pelo art. 142º do Código de Procedimento Administrativo.
z) Por outro lado, as deliberações tomadas pela Junta e pelo Plenário da freguesia de Feirão foram actos constitutivos de direitos.
aa) Pelo que a sua revogação só seria possível caso a deliberação em apreço invocasse qualquer concreta e precisa invalidade.
bb) Ora, a deliberação é completamente omissa sobre tanto, carecendo de qualquer fundamentação.
cc) Por isso, aquela deliberação violou o dever de fundamentação imposto pelos artigos 124º nº 1 alª e), 140º, n.º 1, e 141º do Código de Procedimento Administrativo.
dd) E ainda assim deverá ser entendido mesmo que se venha a suprir a total ausência de fundamentação da deliberação em apreço, estendendo-lhe a fundamentação encontrada para a deliberação subsequente, revogatória do contrato.
ee) Na verdade, a genérica invocação de actuação de “forma abusiva”, ausência de justificação relevante ou desrespeito do interesse público ou da própria Junta, de pretensa estratégia de “salvaguarda de interesses estritamente pessoais e privados de algumas pessoas da freguesia”, são fundamentos ou razões vagas e imprecisas que de forma alguma esclarecem concretamente a motivação da deliberação.
ff) Pelo que, a admitir-se que a fundamentação da segunda deliberação é extensível à deliberação inicial, ela é claramente insuficiente, ofensiva do disposto no artigo 125º do Código de Procedimento Administrativo.
gg) Importará referir que contrariamente ao invocado naquela deliberação, os actos pretensamente revogados visaram prosseguir relevante interesse público da comunidade representada pelos órgãos da então freguesia de Feirão, em conformidade com o regime então vigente.
hh) Na verdade, à data da tomada das deliberações do Plenário e da Junta de Freguesia de Feirão, era manifesta a comunhão de interesses daqueles e do Autor.
ii) Desde logo porque a comunidade local representada por ambos era a mesma, pois são compartes os eleitores inscritos e residentes (art. 1º da Lei nº 68/93).
jj) Por outro lado, os interesses inerentes à administração dos baldios relevam também na esfera de competências dos órgãos de Freguesia, por respeitarem ao bem-estar da comunidade, nomeadamente à apascentação de gado no respectivo território (artigo 17º nº 1 alíneas f) e r) e nº 2 alínea p) da Lei nº 169/99).
kk) De tal sorte que, em caso de inacção dos órgãos próprios de administração dos baldios e enquanto ela durar, a utilização e fruição dos respectivos terrenos passa automaticamente para a Junta de Freguesia respectiva, transitória ou definitivamente até (artigos 27º e 28º da Lei nº 68/93 e artigo 34º nº 6 alínea m) da Lei nº 169/99).
ll) Por outro lado, incumbia então à Junta de Freguesia de Feirão apoiar ou comparticipar, pelos meios adequados, no apoio a actividades de interesse da freguesia “de natureza social, cultural, educativa, recreativa ou outra”, podendo para tanto celebrar protocolos com instituições públicas, particulares e cooperativas actuantes na área da freguesia, nomeadamente cedendo o uso de equipamentos pela comunidade local (artigos 34º nº 6 alª l) e 36º da Lei nº 169/99, actualmente alíneas m), n), o) e v) do artigo 16º e alínea i) do nº 1 do artigo 9º do regime jurídico das autarquias instituído pela Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro.
m) Ora, as deliberações da Junta e do Plenário da Freguesia de Feirão, bem como o contrato que lhes deu execução, encontraram regular enquadramento legal nas disposições acima citadas.
nn) E visaram proteger óbvio interesse da comunidade local da Freguesia, apoiando a administração dos respectivos baldios, que supletivamente lhe incumbia na falta daquela, a prevenção de incêndios e o interesse daquela na manutenção do apoio tradicionalmente concedido às festas e eventos da comunidade de Feirão, disponibilizando para tanto uma área inútil porque desaproveitada há vários anos.
oo) Sendo de realçar que, presentemente, não só a área outrora afectada a jardim de infância se encontra devoluta, como também a parte do prédio próprio sito na Rua do Espírito Santo, 816, em Felgueiras.
pp) A ilegalidade da deliberação tomada em segundo lugar não reside apenas na sua óbvia insuficiente fundamentação, por falta de concreto fundamento ou motivação.
qq) De facto, padece desde logo de incongruência ao deliberar-se revogar e resolver um contrato tido por inexistente, pois quer a revogação, quer a resolução de um contrato pressupõem a sua existência (artigo 139º nº 1 a) do Código de Procedimento Administrativo).
rr) O Autor tem existência jurídica por força da deliberação dos compartes, tomada em 20-01-2013 (documento nº 1), confirmada aliás pela deliberação tomada em 3 de Fevereiro seguinte, sendo dotado de representatividade reconhecida pelo artigo 11º da Lei nº 68/93 e da capacidade e legitimidade conferida nomeadamente nas alíneas h) e i) do artigo 21º daquela mesma lei.
ss) Por outro lado, o contrato foi celebrado pelo Presidente da Junta de Freguesia de Feirão, em representação da Freguesia (artigo 38º nº 1 alª a) da Lei nº 169/99.
tt) Assim dando execução e cumprimento ao deliberado pelo Plenário daquela Freguesia, por força do imposto pelo artigo 34º nº 1 alínea a) e artigo 38º nº 1 alínea h) daquela mesma Lei.
uu) Tal contrato representa, assim, um acto de execução de uma deliberação do Plenário da Freguesia de Feirão que, como acima vimos, não enferma de ilegalidade, enquadrando-se no âmbito das suas competências (artigos 17º nº 1 alínea i) e nº 2 alínea g) da Lei nº 169/99).
vv) A revogação, tal como a resolução, do contrato firmado, representam uma clara violação da lei da nova Junta de Freguesia da União das Freguesias de Felgueiras e Feirão, ao desrespeitar frontalmente a deliberação do Plenário da Freguesia de Feirão a que deve obediência e acatamento.
ww) E isso quer por força das disposições citadas no art. 48º antecedente, bem como do art. 81º, todas da Lei nº 169/99, quer mercê das correspondentes normas dos artigos 16º nº 1 alínea w, 18º nº 1 alínea g), 19º alínea a) e 44º do regime jurídico autárquico introduzido pela Lei nº 75/2013, de 12/09, vigente à data da tomada das deliberações impugnadas.
xx) Quer, ainda, mercê do disposto pelo artigo 6º da Lei nº 11-A/2013, de 28/01, quer do artigo 9º da Lei nº 22/2012, de 30/05.
yy) Por último, o Autor, tal como a Assembleia de Compartes respectiva, representam uma emanação da realidade social que é a comunidade de Feirão.
zz) O qual tem uma identidade histórica, cultural e social própria, que a Ré deve respeitar, porquanto
aaa) A agregação de freguesias resultante pela recente reorganização administrativa imposta pelos credores do país não envolve o “amarfanhamento” dos valores e interesses próprios de cada uma das comunidades agregadas.
bbb) Bem pelo contrário, a agregação não pode pôr em causa um dos princípios fundamentais que preside à reorganização administrativa de que aquela resulta: o da preservação da identidade social e cultural das comunidades locais aglutinadas (artigos 3º alª a) e 9º nº 3 da Lei nº 22/2012 e 4º da Lei nº 11-A/2013).
ccc) Com as deliberações tomadas a demandada privará os moradores da comunidade de Feirão de dispor de um local para instalar os serviços administrativos e de apoio àqueles e às suas festas tradicionais, bem como de equipamentos apropriados à protecção contra incêndios que também lhe incumbe (alínea m) do artigo 21º da Lei nº 69/93).
ddd) Sendo incontroverso que, o prédio, agora inscrito em nome da União das Freguesias de Felgueiras e Feirão sob o artigo urbano 330º, permanece aí destinado à sede da Junta e a jardim de infância (documento nº 11).
eee) Contudo, o jardim de infância continua a não poder ser afectado, pelas razões já acima invocadas.
fff) Tal como tão pouco pode ser afectado à sede da demandada, porquanto,
ggg) A freguesia resultante da agregação só pode dispor de uma única sede, mercê do nº 2 do artigo 9º da Lei nº 22/2012.
hhh) E a Ré optou por instalar a sua sede na Rua do Espirito Santo, nº 816, em Felgueiras – como se refere no intróito da acta das deliberações impugnadas.
iii) Isto é, sem qualquer sentido, a Ré quer privar a comunidade local de Feirão de utilizar para fins sociais próprios um prédio que, não obstante hoje ter passado a ser propriedade daquela, não poderá legalmente afectar para os fins para que foi construído, permanecendo devoluto.
jjj) As deliberações em apreço são, não só legalmente censuráveis, como socialmente lesivas de relevantes interesses da comunidade local de Feirão, que a Ré cumpre respeitar.
kkk) Resta acrescentar que, aquelas em momento algum foram notificadas ao Autor, que delas só teve conhecimento pela forma indirecta acima aludida.
lll) Aliás, o Autor requereu em 25.07.2014 à Ré que lhe certificasse cópia autenticada da acta das deliberações tomadas na reunião de 28-12-2013, pedido que aquela não satisfez.
mmm) Pelo que apresentou em 14 de Agosto seguinte queixa junto da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, ao abrigo da Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto, a cuja disciplina a Ré se acha sujeita (artigo 4º nº 1 alínea e)).
nnn) Reconhecendo a pertinência da pretensão do Autor, por deliberação tomada em 21 de Outubro findo aquela Comissão ordenou à Ré que facultasse àquele a certidão requerida (documento nº 12), que se apresentará nos presentes autos logo que acatada a decisão.

3- A Ré contestou, alegando, além do mais, a falta de personalidade e capacidade judiciárias do Autor, com os seguintes fundamentos:
a) A Lei nº 11-A/2013, de 28 de Janeiro, deu cumprimento à obrigação de reorganização administrativa do território das freguesias constante da Lei nº 22/2012, de 30 de Maio.
b) Até às eleições autárquicas realizadas em Setembro de 2013, as freguesias agregadas mantiveram a sua existência, momento em que foi eficaz a sua cessação jurídica, ou seja, a freguesia criada por agregação integrou o património mobiliário e imobiliário, os activos e passivos, legais e contabilísticos, e assumiu todos os direitos e deveres, bem como as responsabilidades legais, judiciais e contratuais das freguesias agregadas.
c) A criação de uma freguesia por agregação determinou a cessação jurídica das autarquias locais agregadas nos termos do disposto no nº 3 do artigo 9º, sem prejuízo da manutenção da sua identidade histórica, cultural e social, conforme estabelece a Lei nº 22/2012, de 30 de Maio.
d) Com efeito a partir de 29 de Setembro de 2013 deixou de existir a Freguesia de Feirão (NIPC 509019439), pois com a agregação desta com a freguesia de Felgueiras, ambas deste concelho de Resende, nasceu a União das Freguesias de Felgueiras e Feirão.
e) Sendo que, no mandato imediatamente anterior ao que resultou das eleições autárquicas realizadas em Setembro de 2013, …… era o Presidente da (então) Junta de Freguesia de Feirão.
f) Sendo que (o juridicamente inexistente) Conselho Directivo dos Moradores – Compartes de Feirão surge, alegadamente, no ano de 2013, ou seja, meses antes das eleições autárquicas realizadas em Setembro de 2013, tendo como suposto Presidente ….., filho do então Presidente da Junta de Freguesia de Feirão, ………...
g) E presidindo à mesa da (inexistente) Assembleia de Compartes, ……….., a filha do então Presidente da Junta de Freguesia de Feirão, ………..
h) Assim, com os actos de oneração e transferência de património em questão, concretizados mediante o contrato datado de 26 de Agosto de 2013, na realidade, o que se tentou foi passar a posse de tais bens da Junta de Freguesia de Feirão – cuja presidência seria (e foi) perdida nas eleições que se avizinhavam no mês seguinte – para o denominado (mas juridicamente inexistente) Conselho Directivo dos Compartes de Feirão, que tinha como Presidente o filho do então Presidente da Junta de Feirão e como Presidente da Assembleia de Compartes a sua filha.
i) Procurando-se assim, defraudar as finalidades legais subjacentes à Lei nº 11-A/2013, de 28 de Janeiro e à Lei nº 22/2012, de 30 de Maio – intimamente relacionadas com a diminuição da despesa pública – bem como manter o domínio sobre os bens que pertenciam e pertencem à Junta de Freguesia.
j) Aliás, atente-se que, havia sido o então Presidente da Junta de Feirão, ….., quem, em sede judicial (por exemplo, no processo nº 37/03.8TBRSD, que correu no Tribunal de Resende, Secção única), defendera, a pés juntos, que os terrenos em apreço eram propriedade da Junta e não baldios e que até impugnaram a constituição do aqui Autor.
k) Ou seja, enquanto foi Presidente da Junta, ………., defendia que os terrenos em questão eram baldios, contudo quando se avizinharam as eleições que implicariam a perda desse cargo, mediante a aparência dos (juridicamente inexistentes) Conselho Directivo dos Compartes de Feirão e da Assembleia de Compartes, presididos pelos seus dois filho, então ….. já aceitava que os terrenos eram baldios, e até onerou e transmitiu, gratuitamente, bens da Junta, para tal suposta entidade.
l) Visando, assim, que tais bens não saíssem do seu domínio.
m) Lida a petição inicial, percebe-se que quem dirige, materialmente, o (inexistente) Autor não reconhece a Junta da União de Freguesia de Felgueiras e Feirão como representativa da população de Feirão.
n) Dizendo que as deliberações que o Autor pretende anular causam “prejuízo aos interesses legítimos da comunidade local de Feirão que o Autor representa” (cfr. artigo 20º da petição inicial), mas no artigo 34º da petição inicial “os actos pretensamente revogados visaram prosseguir relevante interesse público da comunidade representada pelos órgãos da então freguesia de Feirão”.
o) Ou seja, de acordo com o Autor, enquanto ………. foi presidente da Junta eram os órgãos da freguesia de Feirão quem representava a população de Feirão, contudo, tendo este deixado de ser Presidente da Junta e passando os seus filhos a dirigir os referidos e inexistentes Conselho e Assembleia de Compartes, então, já seriam estes órgãos – e não os órgãos da União de Freguesias e Feirão – quem representava a população de Feirão.
p) Aliás, basta ler o contrato de comodato e doação em questão para constatar que o mesmo é assinado por pai (Presidente da Junta) a cerca de um mês do final de mandato) e filho (suposto Presidente do Autor)
q) Ora, conforme resulta da lei e da Constituição, é manifesto que a representação da população de Feirão e a defesa dos seus interesses cabe aos órgãos da União de Freguesias de Felgueiras e Feirão.
r) Como já foi repetidamente decidido em Tribunal em anteriores instâncias (por exemplo, Tribunal Judicial de Resende, Secção Única, processo nº 37/03.8TBRSD), o Autor continua a não estar constituído respeitando os requisitos legalmente fixados, o que é, inclusivamente, feito de forma dolosa.
s) As pessoas que impugnaram a anterior constituição do Autor e, também, impugnaram a versão que, agora, novamente se traz a Tribunal são as mesmas que intentam a presente acção, com a diferença que anteriormente eram titulares políticos da Junta de Freguesia da Ré e, agora, estão na oposição aos actuais membros da Junta de Freguesia da Ré.
t) Eis o teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Setembro de 2010, proferido relativamente ao inexistente Conselho Directivo de Compartes de Feirão:
“VI – Como quer que seja, tanto a personalidade judiciária como a capacidade judiciária requerem a constituição válida da pessoa ou da entidade que em nome da pessoa, figura como parte na lide e a falta de qualquer destes pressupostos de validade de instância conduz ao mesmo resultado, isto é, à absolvição do Réu da instância, nos termos do artigo 288º nº 1 alínea c) do CPC” – Acórdão STJ 23/09/2010, processo nº 37/03.8TBRSD.P”.
u) A alínea c) do artigo 577º do Código de Processo Civil fixa que são dilatórias a falta de personalidade ou de capacidade judiciária de alguma das partes.
v) E o artigo 578º do Código de Processo Civil, nomeadamente, fixa que o Tribunal deve conhecer oficiosamente das excepções dilatórias.
w) Ora, in casu, à Ré cumpre arguir e alegar que o Autor carece de personalidade e capacidade judiciária como carece, inclusive, de personalidade jurídica, sendo uma absoluta inexistência jurídica, não estando, também, devidamente mandatada nos termos legais.
x) O Autor é assim uma inexistência jurídica, pois não cumpriu qualquer dos formalismos e procedimentos previstos na Lei dos Baldios (seja na anterior, Decreto-Lei 39/76, de 19 de Janeiro, seja na actual, Lei 68/93), nomeadamente:
- Existência de recenseamento provisório dos compartes, sua aprovação e regular constituição da assembleia constituinte e regular respeito pelo quórum legalmente previsto;
- Existência do caderno de recenseamento dos compartes que estivesse correcto e abarcasse todos os moradores da comunidade, os quais teriam direito a participar e deliberar na assembleia constituinte dos órgãos do baldio;
- A devida convocatória para a realização da assembleia constituinte;
- A efectiva ocorrência de eleições para os órgãos de administração do baldio no respeito do quórum legalmente necessário, etc.
y) Ora, compulsados os autos, nenhuma prova em concreto (que tinha de ser documental, máxime actas e editais) foi feita pelo Autor relativamente ao cumprimento dos formalismos e procedimentos supra discriminados, impugnando-se todos os documentos juntos com a petição inicial relativos à existência do Autor atenta a sua falsidade).
x) Na verdade, nenhuma prova, máxime prova documental legítima, como legalmente é exigido, foi produzida no sentido de demonstrar a existência jurídica do Autor.
z) E como se consagrou no acórdão do STJ acima referido, a não prova de tais elementos (que tornam válida a constituição quer da assembleia de compartes constituinte quer dos demais órgãos dos baldios) implica “a inexistência jurídica do A.”, o que torna “procedente, por provada, a excepção dilatória da falta de personalidade judiciária do mesmo”, com consequente absolvição da Ré da instância.

4- O Autor respondeu à contestação, além dos mais, nos seguintes termos:
a) Como se depreende do alegado no artigo 27º da douta contestação, a Ré sustenta as excepções em apreço em pretensas ilegalidades que afectariam a constituição e funcionamento da assembleia constituinte dos órgãos do baldio.
b) A competência para conhecer de litígios que se prendam com a legalidade das deliberações dos órgãos do baldio acha-se confinada ou reservada aos Tribunais comuns, por força do disposto pelo nº 1 do artigo 32º da Lei nº 68/93, de 04.09, na versão dada pela Lei nº 72/2014, de 02/09.
c) Afigura-se-nos – salvo melhor opinião – que escapa à competência deste Tribunal a apreciação da matéria suscitada pela Ré.
d) A pretérita e similar questão invocada pela Ré no artigo 4º do douto articulado de defesa foi precisamente discutida e apreciada no foro comum.
e) A reunião da Assembleia dos Moradores-Compartes de Feirão de 20-01-2013 (documento nº 1 da petição inicial foi precedida de convocatória de 11-01-2013 subscrita por 12 moradores compartes, logo devidamente afixada nos lugares de estilo habituais, concretamente na sede da então Junta de Freguesia e na capela local.
f) Nela se mencionando o dia, hora, local de reunião e a respectiva ordem de trabalhos (documento nº 1).
g) Nomeadamente para a actualização do recenseamento dos compartes.
h) A reunião teve lugar na data e local indicados com a presença de 49 moradores compartes, isto é, com a maioria exigível.
i) Como se retira do deliberado no ponto 3º, foi elaborado e aprovado o caderno de recenseamento dos compartes, devidamente actualizado, revelando a inscrição de 88 compartes (documento nº 2).
j) Respeitando a maioria legal (artigo 12º da referida Lei), ali foram eleitos os membros da Mesa da Assembleia, do Conselho Directivo e da Comissão de Fiscalização (ponto nº 2).
k) A acta das deliberações tomadas foi posteriormente aprovada por unanimidade na reunião da Assembleia dos Moradores-Compartes de Feirão que teve lugar em 3 de Fevereiro seguinte (documento nº 3).
l) A constituição e funcionamento da Assembleia constituinte respeitaram as exigências legais, tendo os órgãos – nomeadamente o Autor – sido legitimamente eleitos e, consequentemente, existência jurídica.
m) As deliberações referidas não foram objecto de impugnação em momento algum.
n) A própria Ré já o reconheceu expressa e iniludivelmente.
o) Através do seu ofício nº 8, de 20 de Novembro de 2013, subscrito pelo Presidente do seu órgão executivo, instou junto do Presidente do Autor pela devolução dos bens objecto do contrato de comodato (documento nº 4).
p) Os baldios são considerados patrimónios autónomos dotados de personalidade jurídica e tributária (artigo 1º n º 6 da referida Lei), dotados "por “direito próprio” de órgãos para o exercício de actos de representação, disposição e gestão (art. 11º) com capacidade para agir, se necessário, em Juízo (artigo 15º nº 1 alíneas o) e r) e 21º alínea h) e “representar o universo dos compartes nas relações com terceiros, públicos ou privados (artigo 21º alínea i)).
q) Carece, assim, do menor sentido afirmar-se que o Autor não dispõe de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 12º e 26º do Código de Processo Civil).

5 - Na sequência do despacho proferido ao abrigo do artigo 87º, nº 1, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Autor confirmou a posição supra sustentada e requereu a admissão da junção aos autos da acta da deliberação da Assembleia dos Moradores-Compartes, de 22.02.2015, da eleição dos novos membros dos órgãos representativos acompanhada do caderno de recenseamento actualizado e da convocatória e aviso respectivos (documento nº 1), comprovativos do seu regular funcionamento, bem como a acta da deliberação da Assembleia dos Moradores-Compartes de Feirão, de 09.11.2014, que ratificou o recurso a Juízo pelo Conselho Directivo para a propositura da presente acção (documento nº 2), e bem assim da acta da deliberação da posterior Assembleia realizada em 08.03.2015 que aprovou – além do mais – as actas acima referidas (documento nº 3).

6- A Ré respondeu a essa pronúncia do Autor, mantendo tudo o vertido na contestação, mantendo que o Autor é uma inexistência jurídica, pois não cumpriu os formalismos e procedimentos previstos na Lei dos Baldios (seja na anterior, Decreto-Lei n.º 39/76, de 19.01, seja na actual, Lei 68/93), nomeadamente os vertidos no artigo 27º da contestação e impugnando os documentos nºs 1 a 3, juntos pelo Autor com essa pronúncia, atenta a falsidade do seu conteúdo e os efeitos que deles se pretende retirar, concluindo que os actos referentes a uma entidade juridicamente inexistente sempre seriam, também eles, juridicamente inexistentes/nulos, o que expressamente argui.

3. O TAF, para concluir que o A. carecia de personalidade e capacidade judiciárias, considerou que, como decidira o Ac. do TC n.º 529/2015, de 17/11/2015 (publicado no DR, II Série, de 28/12/2015), a Lei n.º 72/2014, de 2/9, ao dar nova redacção à Lei n.º 68/93, de 4/9, alargou o universo dos compartes, o qual, em resultado da agregação de freguesias, passara a abranger todos os cidadãos eleitores inscritos e residentes na União de Freguesias de Felgueiras e Feirão. Assim, as deliberações da assembleia de compartes constantes das actas nºs. 4, 5 e 6, ao não tomarem em consideração essa nova realidade jurídica, não produziam efeitos jurídicos, motivo por que o A. não estava em juízo “em representação do universo dos compartes da comunidade local que integra a circunscrição territorial da R.”.
Por sua vez, o acórdão recorrido, quanto à personalidade judiciária, decidiu que, à data da instauração da acção (4/11/2014), o A. a detinha, por força do art.º 1.º, n.º 6, da Lei n.º 68/93, na redacção introduzida pela Lei n.º 72/2014, e do art.º 12, al. a), do CPC/2013. No que concerne à capacidade judiciária, entendeu que a falta de deliberação do Conselho Directivo do baldio de Feirão no sentido da instauração da acção correspondia a um acto anulável, nos termos do art.º 117.º do C. Civil que, de acordo com o art.º 32.º, n.º 1, da Lei n.º 68/93, teria de ser declarada no foro comum e que, no caso, se sanara por ausência de impugnação. E tendo o A. alegado que a constituição dos órgãos da comunidade local onde se situa o baldio resultava da assembleia de compartes realizada em 20/1/2013, conforme doc. n.º 1 junto com a petição inicial, e sendo arguida a falsidade deste documento, não era possível, em sede de despacho saneador, declarar existente e válida tal constituição, por ter de haver produção de prova. Relativamente à reunião, de 22/2/2015, da assembleia de compartes que deliberara a ratificação do recurso a juízo em data em que a freguesia de Feirão já cessara juridicamente, o acórdão colocou a questão de saber se os compartes eram só os cidadãos eleitores, inscritos e residentes na antiga freguesia de Feirão ou eram todos os que estavam inscritos na aludida União de Freguesias e, após transcrever grande parte do Ac. do TC n.º 595/2015, de 17/11/2015, concluiu:
“Aderindo-se à interpretação legal e constitucional avançada neste acórdão do Tribunal Constitucional, admite-se como compartes do referido baldio de Feirão o universo de pessoas constante do recenseamento dos compartes a que se refere a acta n.º 5, de 22.02.2015, junta como documento n.º 1 com a pronúncia do Autor em cumprimento do disposto no art.º 87.º, n.º 1, alínea a) do CPTA, caso se venha a entender que o seu conteúdo é verdadeiro, já que o mesmo foi arguido de falso pela Ré na resposta a essa pronúncia.
Contudo, segundo o disposto no artigo 40.º da Lei dos Baldios, Lei n.º 68/93 que não foi alterado pela Lei n.º 72/2014, os actuais membros da mesa da assembleia de compartes e do conselho directivo completam o tempo de duração dos mandatos em curso nos termos do Decreto-Lei n.º 39/76, de 19/1, sem prejuízo da aplicação imediata das disposições da presente lei, designadamente quanto à constituição da comissão de fiscalização.
O art.º 11.º n.º 3 da Lei dos Baldios, na redacção introduzida pela Lei n.º 72/2014, determina que os membros da mesa da assembleia de compartes, bem como do conselho directivo e da comissão de fiscalização, são eleitos pelo período de quatro anos, renováveis, e mantêm-se em exercício de funções até à sua substituição.
Mas o art.º 7.º, n.º 7, da Lei n.º 72/2014 estabelece que o disposto no art.º 11.º da Lei n.º 69/93, de 4/9, alterada pela Lei n.º 87/97, de 30/7, e pela presente lei, apenas se aplica aos mandatos dos membros da mesa da assembleia de compartes, do conselho directivo e da comissão de fiscalização que se iniciarem após a entrada em vigor da Lei n.º 72/2014, pelo que não colhe o argumento da Ré de que os mandatos dos membros eleitos em 20.01.2013 tinham que manter-se por quatro anos.
A questão que então se coloca é a de saber se tinham de ser substituídos logo que cessou juridicamente a freguesia de Feirão e deu lugar à União de Freguesias de Felgueiras e Feirão.
Não há nada na lei que imponha nova eleição dos órgãos do baldio por força da agregação de freguesias e se a lei nada diz sobre essa questão é porque tal não constitui uma obrigação a cumprir pelo baldio, que se demarca de freguesia nos termos já supra sufragados.
Conclui-se, assim, que se a assembleia de compartes de 20.01.2013 for considerada existente e válida, o que depende de prova a produzir atenta a impugnação e arguição de falsidade da correspectiva acta, o Autor tem personalidade e capacidade judiciárias, caso contrário não a terá.
A alteração do conceito ou qualidade de morador comparte, introduzida pela Lei n.º 72/2014, eliminando a atendibilidade do direito consuetudinário, não pode ser retroactivamente aplicada para ajuizar sobre o universo de compartes que foi considerado para assegurar a regularidade do funcionamento da alegada pelo Autor Assembleia de Compartes de 20.01.2013.
Aliás, da eliminação dos usos e costumes como factor relevante para a definição do conceito ou determinação da qualidade de comparte, não resulta que aquela se confunda com o freguês, nem as comunidades locais com o domínio cívico dos baldios se identifiquem com as colectividades residentes na área da freguesia.
Quer por força do princípio da preservação da identidade das comunidades locais das autarquias agregadas, quer pela inequívoca redacção dada ao n.º 3 do art.º 1.º da Lei dos Baldios pela Lei n.º 72/2014, só aos eleitores residentes nas próprias comunidades locais onde se situam os baldios ou que aí desenvolvam actividades agro-florestal ou silvo pastoril pode ser reconhecida a qualidade de comparte.
Consequentemente, confundindo a comunidade local de Feirão, onde se situam os baldios em apreço com a circunscrição territorial da Ré União, que abrange diversa comunidade do povo de Felgueiras, a douta sentença impugnada desrespeitou o mencionado princípio e a citada disposição legal.
Além disso, as eventuais irregularidades na convocação e funcionamento das assembleias de compartes constituem meras anulabilidades que, se não suscitadas em prazo útil e no foro legalmente competente – o foro dos Tribunais comuns – deverão ser consideradas sanadas, permanecendo vinculativas e produtoras dos efeitos jurídicos inerentes às deliberações naquelas tomadas (art.º 177.º do C. Civil e art.º 32.º da Lei n.º 68/93).
Por consequência, deverá ser revogada a douta sentença recorrida, relegando-se o conhecimento e decisão das excepções dilatórias da personalidade e capacidade judiciárias do Autor para final, por dependerem de prova a produzir”.
Contra este entendimento, o recorrente, na presente revista, alega fundamentalmente que o conceito de comparte adoptado pelo acórdão recorrido é manifestamente antagónico ao que foi perfilhado pelo Tribunal Constitucional no acórdão a que se afirma aderir e que, nunca tendo sido realizada qualquer assembleia de compartes que abrangesse o universo de compartes da União de Freguesias de Felgueiras e Feirão, o A. não existia enquanto órgão da comunidade local constituída por esse universo, nem tinha poderes para agir judicialmente, sendo nulas as deliberações constantes das actas nºs. 4, 5 e 6.
Vejamos se lhe assiste razão.
Baldios são terrenos possuídos e geridos por comunidades locais, considerando-se comunidade local o universo dos compartes (cf. nºs. 1 e 2 do art.º 1.º da Lei n.º 68/93).
Trata-se, pois, de bens comunitários que pertencem às comunidades locais que deles têm a posse útil e a gestão.
Na vigência da Lei n.º 68/93, antes da alteração que lhe foi introduzida pela Lei n.º 72/2014, de 2/9, eram compartes os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, tinham direito ao uso e fruição do baldio.
Assim, eram os usos e costumes que, dentro das comunidades locais, definiam quem era comparte, prevendo-se que a sua identificação fosse efectuada através de recenseamento (cf. art.º 33.º, n.º 1).
A Lei n.º 72/2014, ao dar uma nova redacção ao n.º 3 do art.º 1.º da Lei n.º 68/93, alterou a definição de compartes que passou a abranger “todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde se situam os respectivos terrenos baldios ou que aí desenvolvam uma actividade agroflorestal ou silvopastoril”.
Assim, os usos e costumes foram eliminados como forma de delimitação do conceito, tornando-se comparte quem não mantinha com o baldio qualquer relação de uso ou usufruto, sendo suficiente para a aquisição desse estatuto a inscrição como eleitor e a residência na comunidade local em que o baldio se situa. Quer dizer: a partir da entrada em vigor da Lei n.º 72/2014 (em 2/10/2014), passou a ser comparte todo o cidadão eleitor, inscrito no recenseamento eleitoral da freguesia em que se situa o baldio e que aí resida ou que aí exerça uma actividade agroflorestal ou silvopastoril.
Porque entretanto a Lei n.º 11-A/2013, de 28/1, dera cumprimento à obrigação de reorganização administrativa do território das freguesias constante da Lei n.º 22/2012, de 30/5, extinguindo várias e criando outras por agregação, cuja circunscrição territorial passava a corresponder à área e aos limites territoriais das freguesias agregadas (cf. artºs. 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 2), coloca-se a questão de saber se o universo dos compartes, quando foi alargado a todos os cidadãos eleitores, passou a ser mais amplo também em resultado da referida união de freguesias.
O Ac. do TC (Plenário) n.º 595/2015, de 17/11/2015, em grande parte transcrito no acórdão recorrido, ao apreciar a constitucionalidade da ampliação do conceito de comparte resultante da nova redacção conferida ao n.º 3 do art.º 1.º da Lei n.º 68/93 que prescindindo da função delimitadora até então exercida pelos usos e costumes locais, seria susceptível de pôr em causa a natureza comunitária do baldio – em virtude de deixar de ser fruído por uma comunidade local restrita, segundo os costumes desta e passar a abranger todos os eleitores inscritos e residentes nas freguesias em que eles se localizam, podendo aquela atingir uma dimensão incompatível com o arquétipo de comunidade – referiu:
“(…).
Tido por compreensível «enquanto os terrenos cívicos tiveram por função basicamente a subsistência dos respetivos condóminos ou compartes, proporcionando a cada um o aproveitamento dos bens necessários ou auxiliares da economia doméstica ou da atividade agrícola (concretizados na recolha de lenhas e matos, na apascentação de gados, no aproveitamento de águas destinadas a irrigação dos terrenos, etc)», o confinamento do universo dos compartes a um núcleo restrito de membros da comunidade de residentes tornou-se, segundo se sustenta, inadequado «face a bens coletivos objeto de uma exploração de caráter empresarial e planificada, traduzida numa atividade de produção para troca, por via de regra monetária (concretizada, por exemplo, na exploração florestal, na exploração de pedreiras, na exploração de árvores de fruta, na criação de rebanhos, etc.)» (cfr. Casalta Nabais, op. cit., p.248).
Parecendo, assim, plenamente imputável ao propósito de ajustar o regime legal dos baldios às novas formas de exploração que atualmente incidem sobre aquele tipo de bens comunitários, o alargamento do universo de compartes a todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes na comunidade local em que aqueles bens se situem ou que aí exerçam determinada atividade, na medida em que se contém dentro dos limites resultantes da correspondência, desde sempre admitida, entre as comunidades de condóminos e o substrato pessoal dos entes territoriais respetivos – as freguesias – assegura ainda à coletividade-referência uma dimensão compatível com o arquétipo de comunidade.
20. Esse juízo não é contrariado pelos limites territoriais das circunscrições correspondentes às freguesias, resultantes da reorganização administrativa territorial autárquica, cujo regime jurídico foi aprovado pela Lei n.º 22/2012, de 30 de maio.
Apesar de, em resultado da criação de freguesias por agregação e/ou da alteração dos seus limites territoriais, a circunscrição correspondente à freguesia ser hoje mais ampla, o alargamento do universo de compartes a todos os residentes na comunidade aí inscritos levado a cabo pela Lei n.º 72/2014 continua a ter subjacente, até pelos critérios que foram seguidos na reorganização administrativa que conduziu àquela agregação – designadamente os da preservação da identidade histórica, cultural e social das comunidades locais e do equilíbrio e adequação demográfica das freguesias (cf. art.º 3.º, alíneas a) e f), da Lei n.º 22/2012) – uma ideia suficientemente tangível de comunidade, não sendo de modo a pôr em causa, do ponto de vista substantivo, o caráter comunitário constitucionalmente associado à titularidade do domínio e da posse incidentes sobre aqueles meios de produção.
Em suma: a reconfiguração do conceito de comparte resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 72/2014, para além de encontrar fundamento num conjunto de razões hoje reconhecidas na doutrina, não só não compromete a distinção, constitucionalmente salvaguardada, entre o domínio cívico e o domínio público, como não amplia os limites da coletividade-referência ao ponto de comprometer a natureza comunitária daqueles meios de produção. É tanto mais assim quando é certo que, nem a Constituição impõe, nem desta natureza diretamente deriva qualquer obrigação de atribuição àquela coletividade do poder de se autoconfinar, com recurso aos usos e costumes, a um núcleo mais restrito de elementos com base numa relação com os baldios costumeiramente diferenciável.
(…)”.
Este acórdão entendeu, assim, que a dimensão mais ampla e abrangente que era dada pelo novo critério quanto à modelação do universo de compartes era compatível com o conceito de comunidade local, ainda que se considerassem os limites territoriais das circunscrições correspondentes às freguesias que haviam sido criadas por agregação.
Pressupôs, pois, ao contrário do que parece ter entendido o acórdão recorrido, que, com a entrada em vigor da Lei n.º 72/2014, o universo dos compartes passou a ser mais amplo em resultado da criação de freguesias por agregação.
E é esta também a posição que consideramos correcta, uma vez que comparte passou a ser todo o cidadão eleitor inscrito no recenseamento eleitoral da freguesia em que situe o baldio e as freguesias que haviam sido agregadas já não tinham existência jurídica, por se ter criado, por agregação das que cessaram juridicamente, uma nova pessoa colectiva territorial, dispondo de uma única sede e integrando o património, os recursos humanos, os direitos e as obrigações das freguesias agregadas (cf. artºs. 1.º, 2.º, 3.º, n.º 2, 4.º, 6.º e 9.º, nºs. 1, 2 e 3, todos da Lei n.º 11-A/2013).
Assim, se com as eleições autárquicas de Setembro de 2013 cessaram juridicamente as freguesias de Felgueiras e Feirão, por agregação de ambas que passaram a constituir a União de Freguesias de Felgueiras e Feirão, com a entrada em vigor da Lei n.º 72/2014 passou a ser comparte do baldio de Feirão todo o cidadão eleitor inscrito e residente naquela União de Freguesias ou que aí desenvolvesse uma actividade agroflorestal ou silvopastoril.
Conforme entendeu o acórdão recorrido, a alteração do conceito de comparte resultante da Lei n.º 72/2014, produzindo efeitos apenas a partir da data sua entrada em vigor, é irrelevante para a apreciação da regularidade do funcionamento da assembleia realizada em 20/1/2013 e da legalidade das deliberações aí tomadas.
Porém, ao contrário desse acórdão, entendemos que não se pode concluir pela verificação da capacidade judiciária activa, pelo simples facto de a aludida assembleia de compartes ser considerada válida e existente. É que o Conselho Directivo, órgão executivo colegial da comunidade local, se pode recorrer a juízo e constituir mandatário para defesa dos direitos e interesses legítimos desta, tem de expressar a sua vontade através de deliberação tomada nesse sentido em reunião dos seus membros, da qual é elaborada acta e está sujeito à ratificação da assembleia de compartes [cf. artºs. 13.º, nºs. 1 e 3, 14.º, n.º 1, al. o) e 21.º, al. h), todos da Lei n.º 68/93, na redacção resultante da Lei n.º 72/2014]. Por isso, ainda que a agregação de freguesias não exigisse uma nova eleição dos órgãos do baldio, na realização das assembleias posteriores à entrada em vigor da Lei n.º 72/2014 não poderia deixar de se tomar em consideração o conceito de comparte que dela resultava.
Como se constatou no acórdão da formação de apreciação preliminar que admitiu a presente revista, da resposta à questão de saber se os compartes do baldio de Feirão são todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes na antiga freguesia de Feirão ou antes todos os inscritos e residentes na União de Freguesias de Felgueiras e Feirão “depende – desde logo e sem necessidade de outras indagações sobre a constituição da mesma – a irregularidade da assembleia realizada em 22/2/2015, para a qual foram convocados apenas os compartes inscritos e residentes na antiga freguesia de Feirão”.
Ora, se em 22/2/2015 já vigorava a Lei n.º 72/2014 e o conceito de comparte por esta introduzido, tem de se entender que a ratificação do recurso a juízo teria de ser efectuada pela assembleia que incluísse o universo exigido por esse diploma legal, sob pena de não produzirem efeitos na sua esfera jurídica os actos praticados pelo Conselho Directivo.
Assim, para além de não estar demonstrado que o Conselho Directivo tenha tomado alguma deliberação no sentido de recorrer a juízo, também não existe qualquer ratificação do aludido recurso a juízo por parte da assembleia que inclua o universo de compartes exigido pela lei vigente na altura em que teve lugar, motivo por que procede a excepção de incapacidade judiciária por falta de deliberação exigida por lei para aquele Conselho poder representar em juízo a aludida comunidade local.
Refira-se, finalmente, que, ao contrário do que entendeu o TAF, o Conselho Directivo dos compartes do baldio de Feirão não intentou a acção em nome próprio mas em representação da comunidade local, não sendo, por isso, o autor, pelo que não se pode colocar em relação a ele um problema de personalidade judiciária – que consiste na susceptibilidade de ser parte (cf. art.º 11.º, n.º 1, do CPC/2013) –, mas de incapacidade judiciária por falta de poderes de representação judiciária (cf. Ac. do STJ de 23/9/2010 – Proc. n.º 37/03.8TBRSD.P).
Nestes termos, merece provimento a presente revista, devendo manter-se a decisão do TAF de absolvição da entidade demandada da instância, embora com fundamentação jurídica algo diversa.

4. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e mantendo a decisão do TAF, embora com distinta fundamentação jurídica.
Sem custas, por isenção [art.º 4.º, n.º 1, al. x), do RCP], sem prejuízo do disposto nos nºs. 6 e 7 desse art.º 4.º.

Lisboa, 7 de Junho de 2018. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – António Bento São Pedro.