Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01305/17
Data do Acordão:11/30/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PENA EXPULSIVA
FUMUS BONI JURIS
Sumário:É de admitir a revista quando o fundamento do indeferimento do pedido de suspensão de eficácia da medida cautelar foi a inexistência de fumus boni iuris e, perante o caso concreto, importa reanalisar se as razões que determinaram esse indeferimento foram bem ponderadas.
Nº Convencional:JSTA000P22643
Nº do Documento:SA12017113001305
Data de Entrada:11/20/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:DIRECÇÃO GERAL DE REINSERÇÃO E SERVIÇOS PRISIONAIS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………….., intentou, no TAF de Sintra, providência cautelar requerendo que se decretasse a suspensão da eficácia do despacho de 21/02/2017 do Director Geral da Reinserção Social e dos Serviços Prisionais que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.”

Com êxito já que aquele Tribunal deferiu a pretensão requerida.

Decisão que o TCA Sul revogou, indeferindo o pedido cautelar.
O Requerente interpôs recurso de revista dessa decisão, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA,
II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Recorrente pretende a suspensão da eficácia do despacho de 21/02/2017 do Director Geral da Reinserção Social e dos Serviços Prisionais que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão. Para o que alegou que o procedimento disciplinar foi instaurado já depois de decorrido o prazo de prescrição de 60 dias previsto no art.º 178.º/2 da LTFP. Para além disso aquela sanção estava inquinada por erro nos seus pressupostos de facto e de direito, pois a autoridade que a aplicou não teve em consideração a circunstância de Requerente se encontrar diminuído psicologicamente, em estado de delírio e paranoia, e incapaz de entender e cumprir as suas responsabilidades. O que configurava uma circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar, excludente da sua culpa. Referiu, por fim, que a execução da sanção ao determinar a extinção do vínculo profissional lhe causará danos psicológicos irreversíveis e danos patrimoniais de difícil reparação, pois que não conseguirá cumprir as obrigações assumidas e prover ao seu sustento e dos filhos menores.

3. O TAF deferiu a pretensão do Requerente por entender que o requisito do fumus boni iuris estava preenchido visto ser provável a verificação do vício de violação de lei, na medida em que “na data em que o procedimento disciplinar foi instaurado, encontrava-se decorrido e ultrapassado o prazo previsto no art.º 178.º/2 da LTFP e prescrito o direito de instaurar o processo disciplinar”. E isto porque “na data em que cessou a situação de ausência ao serviço, já era conhecido que o autor não tinha apresentado qualquer justificação para as faltas dadas” Acrescia que o regime estatuído naquele normativo se bastava “com o conhecimento da falta por qualquer superior hierárquico, não sendo necessário que esse conhecimento seja do dirigente máximo do serviço”. E que não tendo “ocorrido alguma das circunstâncias suspensivas do prazo de prescrição previstas no art. 178º/3” era forçoso concluir que “data em que foi determinada a instauração do processo disciplinar ao requerente - 15.02.2016 - já tinham decorrido mais de 60 dias (contados nos termos do disposto no art. 87º do CPA) desde a data em que o superior hierárquico teve conhecimento da infracção, que se considera a data em que o requerente se apresentou ao serviço, cessando a situação de ausência por faltas injustificadas … .”

Também se verificava o periculum in mora uma vez que “a execução da sanção com a consequente extinção do vínculo de emprego público e a remuneração respectiva colocarão, muito provavelmente, em causa a subsistência do Requerente e o cumprimento dos compromissos que assumiu, designadamente os respeitantes às pensões de alimentos e pagamento do crédito bancário.”

Finalmente, “a suspensão da eficácia da decisão disciplinar não obsta qualquer lesão grave do interesse público passível de se sobrepor aos interesses do Requerente em tutelar a utilidade da decisão a proferir na acção principal.”

Decisão que o Acórdão recorrido revogou pela seguinte ordem de razões:
” … Como se refere no recente Acórdão do STA de 5/04/2017, proc. n.º 01467/16, “a infracção disciplinar prevista no art. 297º, n.º 3, al. g), tem por pressuposto, não um puro facto naturalístico, como normalmente se verifica com as demais infracções disciplinares, mas um facto jurídico, ou seja, uma falta injustificada, a qual constitui violação do dever de assiduidade, determinando a perda de retribuição correspondente ao respectivo período de ausência (cfr. arts. 133º, n.º 1, 134º e art. 256º, n.º 1, do Código do Trabalho, ex vi do art. 4º, n.º 1 da LGTFP).
….
Daqui decorre que, perante a notícia de uma falta ao serviço de um trabalhador em funções públicas que não tenha sido justificada nos termos regulamentares, tem a administração o dever de instaurar um procedimento administrativo tendo por objecto determinar as circunstâncias em que a mesma tenha ocorrido, procedimento esse que, não se conhecendo ainda a natureza da falta, será comum e não disciplinar, não se podendo, com tal instauração falar, ainda, numa suspeita de infracção, como pretende o Recorrente.
Só no termo desse procedimento, e após ouvir o trabalhador faltoso (arts. 121º e seguintes do CPA), pode a Administração concluir pela natureza justificada ou injustificada da falta ou faltas em questão (art. 94º do CPA).”
Sendo assim, e sendo que o Recorrido “foi considerado apto por deliberação da Junta Médica da ADSE de 13/03/2015 e não regressou ao serviço, foi o mesmo notificado, num primeiro momento, para se pronunciar sobre a intenção da Administração de injustificação das faltas desde 16.03.2015, ….. Contudo, o ora recorrido nada disse no prazo que lhe foi concedido, na sequência do que, por despacho de 25/01/2016 do Director do Estabelecimento Prisional de Faro, foram injustificadas as faltas.” Deste modo, o prazo prescricional de 60 dias só então se iniciou pelo que o mesmo não tinha decorrido quando o processo disciplinar foi instaurado por despacho de 15/02/2016 do Director-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
E porque assim era forçosoconcluir não ser provável que a pretensão a formular no processo principal venha a ser julgada procedente com fundamento na prescrição do direito de instaurar processo disciplinar, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo.
Procede, assim, o erro de julgamento de direito que o recorrente imputa à sentença recorrida.”

2.2.3. Não significa isso, contudo e desde já, que o recurso interposto mereça provimento. É que, esse não foi o único vício que o ora recorrido imputou ao acto suspendendo (e impugnado na acção principal) com vista a fundamentar a aparência do bom direito. Com efeito, o mesmo alegou, a esse propósito, ainda que “no período em que esteve ausente do trabalho (…) estava diminuído psiquicamente, o que consubstancia uma causa dirimente nos termos do artigo 190º, n.º 1, alínea b) da LGTFP”. …..
Sucede que, não foi feita qualquer prova pelo requerente de que no período de tempo em que faltou injustificadamente ao serviço tenha estado privado do exercício das suas faculdades intelectuais.
Com efeito, as declarações médicas que o mesmo juntou não permitem concluir nesse sentido.

Ademais, o requerente foi notificado para juntar ao processo disciplinar relatórios médicos do seu médico psiquiatra e do médico que o acompanha no Hospital de Viseu, não o tendo feito.
Concluímos, assim, numa análise perfunctória, pela improcedência do vício em apreço, e, consequentemente, pela não verificação do requisito do fumus boni iuris.
2.2.4. E por falta de tal requisito claudica necessariamente o pedido formulado neste processo - na medida em que os requisitos vertidos no artigo 120º do CPTA são de verificação cumulativa - resultando, assim, prejudicada a apreciação do erro de julgamento em que alegadamente terá incorrido a sentença recorrida na apreciação do periculum in mora e da ponderação de interesses.

3. O Recorrente discorda desse julgamento submetendo à apreciação deste Supremo a questão de saber se o Tribunal recorrido “podia decidir sobre a questão do prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar e, sobre a matéria probatória constante nos autos sobre as ausências do recorrente ao trabalho, como se o processo cautelar fosse a acção principal”.

4. A jurisprudência desta Formação tem adoptado um critério restritivo no tocante à admissão de revistas em matéria de providências cautelares por entender que se está perante a regulação provisória de uma situação, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, e que, por isso, não ser muito compatível a admissão de um recurso excepcional com a precariedade da definição jurídica da situação.
Entendimento que é de manter sem embargo de se reconhecer que essa jurisprudência tem de ser afeiçoada ao caso concreto e ter em conta as razões esgrimidas em cada um desses casos e isto porque, por um lado, o art.º 150.º do CPTA não inviabiliza a possibilidade da revista ser admitida nas providências cautelares e, por outro, por a razoabilidade e a intensidade das razões invocadas poder justificar a admissão da revista. – vd. por todos os Acórdãos de 4/10/2017 (rec. 1014/17) e de 4/11/2009 (rec. 961/09).
É sabido, por outro lado, que a natureza urgente do processo cautelar consente apenas que nele se faça uma prova sumária e uma análise perfunctória das questões que suportam a pretensão manifestada, de modo a que a medida cautelar requerida seja julgada no mais curto período temporal possível. O que obriga a que a decisão proferida nesses processos seja feita com fundamento numa factualidade precária e, porque assim é, não só não é possível tomar uma decisão definitiva sobre o mérito da causa como a decisão sobre o fumus é sempre passível de controvérsia.

4. 1. No caso, as instâncias divergiram no tocante à aparência do bom direito e isto porque o TAF considerou ser provável a procedência da acção principal e o TCA assumiu um entendimento inteiramente diferente, tendo sido essa divergência a determinar a oposição de decisões.
Acresce que, no caso, haverá que considerar que não só está em causa a aplicação de uma pena de demissão como o TAF, julgando provada a existência de bom direito, considerou verificados os restantes requisitos – a existência de periculum in mora e uma ponderação de interesses favorável ao Requerente.
Ora, não só a importância – social e jurídica - da questão merece reapreciação como a sua relevância para o Requerente impõe o seu tratamento por este Supremo Tribunal.

Decisão.
Termos em que, em conformidade com o exposto, os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista
Sem custas.
Lisboa, 30 de Novembro de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.