Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0135/17.0BEALM
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IRC
TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
DEDUÇÃO
COLECTA
PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA
Sumário:I - As tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta deste.
II - Para não frustrar os objectivos tributários prosseguidos com a tributação através de tributações autónomas não são admitidas deduções à respectiva colecta que não estejam expressamente previstas na lei.
III - Donde que, à colecta derivada de tributações autónomas apurada em sede de IRC, num determinado exercício, não é dedutível o pagamento especial por conta que tenha sido efectuado relativamente a esse mesmo exercício, porque essa dedução contraria a disposição do art.º 88º do CIRC.
IV - Esta interpretação normativo-legal dos preceitos tributários do CIRC e do Regime do PEC não foi alterada com a introdução do n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC por efeito da aprovação da Lei n.º 7-A/2016.
Nº Convencional:JSTA000P28469
Nº do Documento:SA2202111100135/17
Data de Entrada:11/02/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. O Representante da Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou totalmente procedente a impugnação judicial da decisão de indeferimento da reclamação graciosa da autoliquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas referente aos períodos de tributação de 2013 e 2014, autuada no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2 com o n.º 3204201604003292.

Impugnação que havia sido interposta por A………., S.A., com o número de identificação fiscal ……… e com sede na Avenida …………, sem número, Montijo.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…)

A) Em causa no presente recurso está a douta Sentença que julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada contra a decisão de indeferimento, proferida na Reclamação Graciosa n.º 3204201604003292, anteriormente apresentada pela autora contra as autoliquidações de IRC dos anos de 2013 e 2014;

B) Na referida Sentença, o Tribunal “a quo”, apoiando-se basicamente no Acórdão do TC n.º 267/2017, de 25 de julho, determinou a retirada da ordem jurídica da decisão imediatamente impugnada, e condenou a Administração Tributária no reembolso à impugnante das quantias de até € 13 036,43, referente ao exercício de 2013 e de até € 13 993,94, referente ao exercício de 2014, a quantificar em execução de julgado, e no pagamento de juros indemnizatórios desde 30 de maio de 2014, calculados sobre a quantia de € 13 036,43 e desde 29 de maio de 2015, calculados sobre a quantia de € 13 993,94, até que seja efetuado o reembolso ou até que tenham sido deduzidas as referidas quantias, na medida em que o tenham sido e caso tal se tenha verificado;

C) Salvo o devido e merecido respeito pelo tribunal “a quo”, entende a Fazenda Pública que na douta Sentença proferida nesta impugnação foi feita uma errada interpretação do regime jurídico aplicável aos factos dados como provados nos autos e que aqui não se questionam;

D) Para corretamente decidir a questão colocada nestes autos importa ter presente que as TA incidem sobre um determinado conjunto de despesas que, na perspetiva do legislador nacional, podem ser efetuadas pelos sujeitos passivos tendo por objetivo a fraude e a evasão fiscal;

E) Para corretamente decidir a questão que foi colocada nestes autos importa também ter presente que a introdução do pagamento especial por conta pelo Decreto-Lei n.º 44/98, de 3 de março, por aditamento ao CIRC, dos artigos 74.º-A e 83.º-A, teve também como objetivo evitar a fraude e a evasão fiscal, configura uma entrega antecipada por conta do imposto devido a final, e aproxima-se muito de uma coleta mínima;

F) Para corretamente decidir a questão que foi colocada nestes autos deve ainda ter-se presente que o regime legal em vigor antes da introdução do n.º 21, do artigo 88.º, do CIRC, operada artigo 133.º da Lei do Orçamento de Estado para 2016, não admitia a dedução à coleta resultante das TA dos montantes suportados a título de PEC, e que essa possibilidade nunca foi intenção do legislador do CIRC;

G) Ao criar as TA, a intenção do legislador foi de desincentivar os contribuintes a efetuar despesas que possam configurar remunerações em espécie, distribuição camuflada de lucros, ou serem usadas de forma a afetar deliberada e negativamente a receita fiscal;

H) Esta intenção do legislador está bem patente no facto de tais despesas serem tributadas independentemente da existência, ou não, de matéria coletável para efeitos de IRC, bem como nos sucessivos aumentos de taxas e no alargamento do elenco das despesas sujeitas a tributação autónoma;

I) Os fins que nortearam o legislador na criação das TA são incompatíveis com a dedução prevista no artigo 90.º, n.º 2, alínea d), do CIRC, que deve ser interpretado no sentido de apenas ser permitida esta dedução à parte da coleta que tem por base o lucro tributável obtido pelo sujeito passivo;

J) Os fins que nortearam o legislador na introdução dos PEC no ordenamento jurídico fiscal nacional, que extinguem de forma fracionada, parcial e antecipada, o imposto devido no final do exercício pelos sujeitos passivos, apresentam-se contrários à possibilidade de afetação dos respetivos montantes à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o lucro tributável;

K) O Acórdão do TC que serve de fundamento à Sentença ora sob recurso não foi proferido por unanimidade;

L) No voto de vencido constante deste Acórdão do TC pode ler-se que “…a natureza e a finalidade das tributações autónomas é incompatível com a dedução à correspondente coleta de benefícios fiscais e de pagamentos efetuados por conta do imposto sobre o lucro tributável. De modo que a norma do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, para se tornar compatível com o pensamento legislativo, deve ser interpretada no sentido de apenas permitir deduções à parte da coleta que tem por fonte o lucro tributável.

No que se refere ao pagamento especial por conta (PEC), a interpretação restritiva daquela norma impõe-se pela própria natureza desse pagamento. O artigo 33.º da Lei Geral Tributária define-o como entrega pecuniária antecipada, “no período de formação do facto tributário”, do imposto devido a final. Trata-se, pois, do pagamento antecipado de um imposto periódico, cujo facto tributário se produz de modo sucessivo – como é o caso do IRC – e não de um imposto instantâneo, que se esgota no ato de realização - como é o caso das tributações autónomas. Se é por conta dos rendimentos obtidos num determinado ano, então o crédito do PEC só pode ser afetado à coleta que resulta do apuramento do IRC calculado sobre esse rendimento. Caso fosse possível deduzir o PEC à coleta das tributações autónomas, não só se perderia o caráter antiabuso destas como se permitiria que o sujeito passivo não pagasse imposto sobe o seu rendimento real.”;

M) O próprio CAAD, no qual surgiram as poucas e minoritárias decisões até ao momento existentes, no sentido da admissibilidade de dedução dos PEC à coleta das TA, veio, já após este Acórdão do TC, decidir que à coleta derivada de tributações autónomas apurada em sede de IRC, num determinado exercício, não é dedutível o pagamento especial por conta que tenha sido efetuado relativamente a esse mesmo exercício, porque essa dedução contraria a disposição do art.º 88º do CIRC;

N) Por sua vez, o TC, no Acórdão n.º 49/2020, proferido em 2020-01-16, decidiu no sentido da constitucionalidade da alteração que o artigo 133.º da Lei do Orçamento de Estado de 2016 fez ao artigo 88.º do CIRC, aditando-lhe o n.º 21;

O) Por resultar já, do regime legal anterior à introdução do n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC, pelo artigo 133.º da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2016, a impossibilidade de realização de deduções à coleta das TA, não pode deixar de reconhecer-se que a decisão imediatamente impugnada, bem como as autoliquidações que lhe estão subjacentes, são absolutamente legais e devem ser mantidas na ordem jurídica;

P) O n.º 21, do artigo 88.º, do CIRC, nada trouxe de novo, relativamente ao regime legal já existente, e apenas veio esclarecer e procurar pôr fim a diferentes interpretações legais que o CAAD, a partir de dado momento, passou a fazer em algumas das suas decisões;

Q) Ao decidir como decidiu a presente impugnação, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” foi contra os fins que nortearam o legislador na criação das TA e dos PEC, e violou o disposto nos artigos 88.º e 90.º, n.º 2, alínea d), ambos do CIRC, bem como o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT, e 104.º, n.º 6, do CIRC;

R) Por assim ser, como de facto é, e estando tudo devidamente provado nos presentes autos, não pode a douta Sentença aqui em apreço manter-se na ordem jurídica, nos termos em que foi proferida, já que, nela, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, incorreu em erro de julgamento de direito.».

Pediu fosse concedido provimento ao recurso, fosse revogada a sentença recorrida e fosse a mesma substituída por acórdão que julgasse totalmente improcedente a impugnação judicial.

A Recorrida apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões: «(…)

a) O objeto do presente recurso versa sobre o efeito da norma do artigo 135.º da LOE 2016, na parte em que, por efeito do caráter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma da 2.ª parte do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pelo artigo 133.º da citada Lei, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016, do que resultaria a impossibilidade de serem deduzidos os valores pagos a título de PEC nesse mesmo ano ao montante global resultante das tributações autónomas.

b) A questão suscitada na impugnação apresentada pela (ora) Recorrida, que a Sentença recorrida declarou procedente, consiste em saber de alguma norma do CIRC se decorria que o PEC não podia ser deduzido à coleta de IRC apurada, com referência aos montantes pagos a título de tributações autónomas em sede de IRC.

c) O juízo de inconstitucionalidade acerca das “interpretações autênticas” determinadas pelo art.º 135º, no que se refere à solução normativa do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC resultante da alteração introduzida pelo artigo 133.º da mesma LOE 2016, foi já objeto de, pelo menos, duas pronúncias do Tribunal Constitucional: a primeira, no acórdão n.º 267/2017; e a segunda, reafirmada na decisão sumária do Tribunal Constitucional n.º 11/2018 e confirmada pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/2018; E em ambos os casos, foi julgado inconstitucional por violação da proibição da retroatividade dos impostos, consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, o segmento normativo do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que atribui natureza interpretativa ao disposto no n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, na parte em que determina que não há lugar a quaisquer deduções (nomeadamente, dos pagamentos especiais por conta) aos montantes de tributações autónomas que integram a coleta do IRC.

d) Também a jurisprudência Arbitral entende no mesmo sentido, pois como se refere no Acórdão Arbitral da CAAD, proferido no Processo nº 744/2015-T, em 2016-05-03, «(…) entende-se que os contribuintes não podiam contar com a norma criada pelo disposto na 2.º parte do n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, razão pela qual a norma em causa pode violar expectativas seguras e legitimamente fundadas.», entendimento de resto reiterado e recentemente reafirmado no Acórdão Arbitral da C.A.A.D., de 2019-05-20, proferido no Processo nº 457/2018-T.

e) A circunstância de a tributação autónoma incidir sobre certas despesas tipificadas, que o legislador pretendeu desincentivar por se repercutirem negativamente na receita fiscal não permite concluir, por si só, pela idedutibilidade do PEC à colecta daí resultante, porquanto a autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina – nem lógica nem juridicamente – a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC – questão regulada, em geral, no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC –, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última e, por conseguinte, quanto à admissibilidade de consideração do valor da citada coleta para efeito da realização das deduções legalmente previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC.

f) Tal questão, na ausência de norma específica de sentido contrário – como aquela que, por exemplo, veio a ser consagrada no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, por via do art.º 133º da LOE/2016 – releva da própria configuração legislativa do IRC, nesta incluída a relevância ou irrelevância, para efeitos de apuramento da coleta final de IRC, dos montantes pagos a título de tributações autónomas, sendo inovadora e diminuindo as possibilidades de o contribuinte realizar deduções à coleta de IRC.

g) A norma do art° 98° do CIRC, que instituiu o mesmo pagamento especial por conta e fixou os critérios do montante a pagar a esse título, não constitui nenhuma (outra, diferente) forma de liquidação do imposto que a final venha a ser devido mas apenas uma antecipação do pagamento do imposto que vier a ser liquidado, sendo precisamente essa a razão pela qual o instituto em causa não ofende a norma constitucional do art.° 104° n°2 da CRP, que dispõe que a tributação das empresas se faz pelo lucro real.

h) Resulta do artigo 11.º da LGT que a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação, estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil , nos seguintes termos: «1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo», mas, «Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal» devendo o intérprete «presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.».

i) Restringir a remissão que o nº 2 faz para o n.º 1 do artigo 90.º, CIRC ao montante da coleta do IRC stricto sensu (mediante a aplicação das taxas previstas no artigo 87.º do CIRC à matéria coletável) excluindo os montantes apurados a título de tributações autónomas (mediante a aplicação das taxas previstas no artigo 88.º do CIRC)», constitui manifesta violação da referida disposição legal, e bem assim, o disposto no artigo 11.º da Lei Geral Tributária e o artigo 9.º do Código Civil.

É que, por um lado,

j) Atendendo ao elemento literal da norma constante do artigo 90.º, n.º 2 d) do Código do IRC, ao montante da colecta de IRC apurado, é dedutível o pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º daquele Código, uma vez que, no apuramento do lucro tributável incluem-se as despesas, gastos e encargos previstos no artigo 88.º do Código do IRC, as quais, no entanto, são objecto de tributação autónoma, não existindo no Código do IRC qualquer norma especial aplicável à liquidação das tributações autónomas, que nos permita concluir pela inaplicabilidade da norma geral estabelecida no artigo 90.º do Código do IRC.

k) De facto, a liquidação das tributações autónomas tem a mesma base legal que a liquidação de IRC - é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º, n.º 1 do Código do IRC - sendo, no entanto, a matéria colectável e as taxas de tributação aplicáveis diversas, o que de resto a própria Administração Tributária sempre assumiu, Cfr. Informação n.º 1221/2012, no âmbito do processo de consulta à AT, sancionada em 16 de Julho de 2012.

l) Em consequência, e numa interpretação literal das normas envolvidas, apenas é possível concluir que prevendo-se na alínea d) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC que “Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada: (…) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º”; do ponto vista literal, o PEC deve ser deduzido à colecta (de IRC, incluindo as tributações autónomas).

m) Assim, tendo em conta que a colecta de IRC inclui as despesas, gastos e encargos objecto de tributação autónoma (embora as taxas de tributação autónoma não sejam dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, nos termos do disposto no artigo 23.-A, n.º 1 a) do Código do IRC), então, atento o disposto no n.º 2 d) do artigo 90.º da Código do IRC, o PEC deve ser deduzido à colecta de IRC apurada, que abrange as taxas de tributação autónoma devidas.

Por outro lado,

n) O propósito subjacente à criação das taxas de tributação autónoma é o combate à evasão fiscal, o que foi de resto expressamente assumido pelo legislador na Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.

o) A autonomia da Tributação Autónoma, restringe-se às taxas aplicáveis e à respectiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efectuado nos termos do artigo 90.º, referente às formas de liquidação do IRC e aplicável ao apuramento do imposto devido em todas as situações prevista no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10), razão pela qual se aplica também à liquidação do montante das tributações autónomas, por não haver qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

p) Acresce que, mesmo que assim não se entendesse, na ausência de norma especial relativamente à forma de liquidação das taxas de tributação autónoma, esta deverá processar-se nos termos gerais previstos no Código do IRC, por força do princípio da legalidade tributária, que resulta do disposto no n.º 3 do artigo 103.º da C.R.P. e do artigo 8.º da LGT, que impedem que a liquidação de imposto se efectue sem base legal.

q) E não se vê de que modo se possa entender existir um conflito de normas e daí retirar como consequência a impossibilidade de dedução do PEC à colecta, aí incluindo as tributações autónomas, até porque, o propósito subjacente à sua criação é o combate à evasão fiscal, objectivo que não é desvirtuado pelo facto desse imposto poder ser satisfeito pelo imposto cobrado através do PEC.

r) Afinal, de acordo com o n.º 4 do artigo 11.º da LGT, “As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.”, pelo que, na ausência de norma especial relativamente à forma de liquidação das taxas de tributação autónoma, esta deverá processar-se nos termos gerais previstos no Código do IRC, por força do princípio da legalidade tributária, que resulta do disposto no n.º 3 do artigo 103.º da C.R.P. e do artigo 8.º da LGT, que impedem que a liquidação de imposto se efectue sem base legal, impedindo, de igual forma, uma interpretação “restritiva” que não encontra, no elemento literal da norma, o mais vestigial suporte.

Ao que acresce que,

s) Mesmo que lograsse essa demonstração de se estar perante uma lei (a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC) interpretativa autêntica, ainda assim a eventual pretensão de atribuição de carácter retroactivo a esta norma não se coadunaria com a proibição constitucional de retroactividade da lei fiscal.

t) É que, como se expressou o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 172/00, do princípio constitucional de proibição de retroactividade dos impostos deduz-se também a proibição de leis interpretativas, sejam ou não “autênticas” leis “interpretativas”, sendo indiscutível que, depois da revisão constitucional de 1997, as normas ditas interpretativas ou materialmente interpretativas publicadas em matéria fiscal não serão aceites por vigorar o princípio da proibição da lei fiscal retroactiva. (Cfr. Saldanha Sanches, Manual …, 3.ª Edição, Coimbra Ed. 2007, p. 196).

u) Conclui-se, assim, que a norma prevista no artigo 90.º, n.º 1 e 2 d) do Código do IRC, deve ser interpretada no sentido de se considerar que a colecta de IRC abrange as taxas de tributação autónoma, que são também IRC, sob pena de àquelas norma, a fim de contornar a grosseira violação da proibição constitucional de impostos retroativos (cfr. o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição), em que o legislador ordinário incorreu com a solução normativa do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC resultante da alteração introduzida pelo artigo 133.º da LOE 2016, ser dada uma interpretação claramente desconforme ao princípio da segurança jurídica ou da confiança inscrito no princípio do Estado de direito (artigo 2.º da C.R.P.), bem como, do princípio da legalidade tributária (artigo 103.º, nº3 da C.R.P. e artigo 8.º da Lei Geral Tributária).».

O recurso foi admitido e foi-lhe atribuída subida imediata nos autos e fixado efeito meramente devolutivo.

Remetidos os autos a este tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

A Ex.ma Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir.


◇◇◇

2. Na sentença recorrida foram julgados provados os seguintes factos:

1. No exercício da sua actividade, a Impugnante encontra-se sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC, adoptando um período de tributação coincidente com o ano civil – cfr. artigo 12.º da petição inicial, não controvertido;

2. No dia 27 de Maio de 2014, a Impugnante submeteu, via internet, a declaração anual de rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao ano de 2013 – cfr. fls. 146 a 152 dos autos;

3. Na declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC referida no ponto anterior, a Impugnante fez constar no campo 365 do Quadro 10 – Tributações Autónomas -, o valor de € 13.036,43 – cfr. fls. 150 dos autos;

4. No exercício de 2013, a Impugnante apurou prejuízo fiscal no montante de € 189.908,54 e um total de IRC a pagar no valor de € 9.566,62 – cfr. fls. 149 e 150 dos autos;

5. A Impugnante procedeu ao pagamento do IRC relativo ao exercício de 2013, no montante de € 9.566,62, em 30 de Maio de 2014 – cfr. fls. 163 dos autos;

6. No exercício de 2013, a Impugnante realizou dois pagamentos especiais por conta, em 28 de Março de 2013 e 31 de Outubro de 2013, cada um no valor de € 14.953,33 – cfr. fls. 163 dos autos;

7. Os pagamentos especiais por conta referidos no ponto anterior não foram deduzidos à colecta das tributações autónomas – facto não controvertido;

8. No dia 28 de Maio de 2015, a Impugnante submeteu, via internet, a declaração anual de rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao ano de 2014 – cfr. fls. 153 a 161 dos autos;

9. Na declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC referida no ponto anterior, a Impugnante fez constar no campo 365 do Quadro 10 – Tributações Autónomas -, o valor de € 13.993,94 – cfr. fls. 157 dos autos;

10. No exercício de 2014, a Impugnante apurou prejuízo fiscal no montante de € 479.276,74 e um total de IRC a pagar no valor de € 13.993,94 – cfr. fls. 156 e 157 dos autos;

11. A Impugnante procedeu ao pagamento do IRC relativo ao exercício de 2014, no montante de € 13.993,94, em 29 de Maio de 2015 – cfr. fls. 162 dos autos;

12. No exercício de 2014, a Impugnante realizou dois pagamentos especiais por conta, em 26 de Março de 2013 e 31 de Outubro de 2013, cada um no valor de € 12.771,96 – cfr. fls. 163 dos autos;

13. Os pagamentos especiais por conta referidos no ponto anterior não foram deduzidos à colecta das tributações autónomas – facto não controvertido;

14. Com data de registo de entrada nos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira de 1 de Junho de 2016, a Impugnante, sob a anterior denominação legal – A'……………, S.A. -, apresentou reclamação graciosa dos actos tributários referentes às autoliquidações dos períodos de tributação de IRC de 2013 e 2014 – cfr. fls. 1 a 29 do processo administrativo apenso aos autos;

15. Em 30 de Agosto de 2016, o Chefe da Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do Porto, proferiu despacho a indeferir a reclamação graciosa apresentada pela Impugnante – cfr. fls. 165 e 166 do processo administrativo apenso aos autos;

16. O sistema informático da Autoridade Tributária através do qual é liquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos de apuramento do imposto por si devido, ao IRC resultante das tributações autónomas apuradas, o pagamento especial por conta – cfr. o artigo 22.º da Petição Inicial, não controvertido.


◇◇◇

3. A única questão a decidir é a de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao concluir que ao montante apurado a título de tributações autónomas também são efetuadas as deduções previstas no seu n.º 2, incluindo as relativas ao pagamento especial por conta.

Entende que sim a Recorrente Fazenda Pública, para quem aquele dispositivo «deve ser interpretado no sentido de apenas ser permitida esta dedução à parte da coleta que tem por base o lucro tributável obtido pelo sujeito passivo» [alínea “I” das conclusões do recurso].

Defende que não a Recorrida, para quem a dedução à coleta do pagamento especial por conta deve abranger as tributações autónomas devidas [alínea “m)” das conclusões das contra-alegações].

Ora, o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre esta questão. No acórdão de 28 de abril de 2021 (processo n.º 1060/16.8BEALM) foi decidido que o artigo 90.º, n.º 2, do CIRC, na redação em vigor em 2013 e 2014, deve ser interpretado no sentido de que a dedução relativa ao pagamento especial por conta não abrange os montantes apurados a título de tributações autónomas.

Entendimento que, por sua vez, suporta na fundamentação do acórdão do Pleno de 8 de julho de 2020, tirado no processo nº 10/20.1BALSB (acórdão publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 16 de dezembro de 2020 – n.º 243). E que consagra o entendimento jurisprudencial que deriva de uma jurisprudência constante desta Secção e segundo o qual ao valor contabilizado a título de tributações autónomas não poderiam ser deduzidos os montantes a que alude aquele dispositivo legal, mesmo na redação do Código anterior às alterações introduzidas pela Lei 7-A/2016, de 30 de março.

E que foi, posteriormente, reafirmado noutro acórdão da Secção – acórdão de 12 de maio de 2021, processo n.º 639/18.8BEALM. Onde ficou consignado que as tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta deste. E que, para não frustrar os objectivos tributários prosseguidos com a tributação através de tributações autónomas não são admitidas deduções à respectiva colecta que não estejam expressamente previstas na lei. Donde que, à colecta derivada de tributações autónomas apurada em sede de IRC, num determinado exercício, não é dedutível o pagamento especial por conta que tenha sido efectuado relativamente a esse mesmo exercício, porque essa dedução já contrariava a disposição do artigo 88.º do CIRC antes do aditamento do n.º 21 a esse dispositivo legal pelo artigo 133.º da referida Lei n.º 7-A/2016.

Por se tratar de uma jurisprudência consolidada do Tribunal e com a qual, de resto se concorda integralmente, resta remeter para a fundamentação dos acórdãos precedentes, ao abrigo do disposto no artigo 679.º e 663.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (aqui aplicáveis por força do artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), sendo dispensada a junção de cópia por se trata de decisões publicadas e, por isso, disponíveis em redação integral no endereço electrónico www.dgsi.pt.

Importará apenas acrescentar que, não estando aqui em causa a aplicação da norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, nem a do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, mas o sentido interpretativo e a aplicação do regime legal do CIRC vigente em 2013 e 2014, não importa considerar nos autos o problema de constitucionalidade daquelas normas que a Recorrida suscita nas alíneas “s)” e seguintes das conclusões das contra-alegações do recurso.

Sempre se dizendo, a este propósito, que o Tribunal Constitucional, no acórdão de 16 de janeiro de 2020 (acórdão n.º 49/2020) entendeu rever a jurisprudência firmada no acórdão de 25 de julho de 2017 (acórdão n.º 267/2017 em que se baseia a sentença recorrida) no sentido de que o segmento normativo do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que atribui natureza interpretativa ao artigo 133.º do mesmo diploma, na parte em que vem aditar o número 21 ao artigo 88.º do CIRC, não é inconstitucional.

De todo o exposto deriva que o recurso merece provimento.


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4. Preparando a decisão e em cumprimento do disposto nos artigos 679.º e 663.º, n.º 7, ambos do Código de Processo Civil, reproduz-se o sumário elaborado no processo 639/18.8BEALM, na parte aqui aplicável:

I - As tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta deste.

II - Para não frustrar os objectivos tributários prosseguidos com a tributação através de tributações autónomas não são admitidas deduções à respectiva colecta que não estejam expressamente previstas na lei.

III - Donde que, à colecta derivada de tributações autónomas apurada em sede de IRC, num determinado exercício, não é dedutível o pagamento especial por conta que tenha sido efectuado relativamente a esse mesmo exercício, porque essa dedução contraria a disposição do art.º 88º do CIRC.

IV - Esta interpretação normativo-legal dos preceitos tributários do CIRC e do Regime do PEC não foi alterada com a introdução do n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC por efeito da aprovação da Lei n.º 7-A/2016.


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar a impugnação totalmente improcedente.

Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias.

Lisboa, 10 de novembro de 2021

Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.