Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01901/15.7BELRA
Data do Acordão:05/20/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:RGIT
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DE PRAZO
INTERRUPÇÃO DE PRAZO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Jurídico-conceptualmente, a prescrição do procedimento contra-ordenacional agrega a excepção peremptória (pressuposto processual negativo) de conhecimento oficioso em qualquer altura do processo, até à decisão final (cfr. artºs.35 e 193, al.b), do C.P.Tributário, e 27, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Dec.Lei 433/82, de 27/10; artº.33, do R.G.I. Tributárias), obstando à apreciação da matéria de fundo e gerando o arquivamento dos autos.
II - O vigente prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional está estabelecido no artº.33, do R.G.I.T., norma que mantém no seu nº.1 o prazo geral de cinco anos, já consagrado no anterior artº.119, da L.G.Tributária, tal como no artº.35, do C.P.Tributário, no atinente às contra-ordenações fiscais não aduaneiras.
III - Por seu turno, o nº.2, do artº.33, do R.G.I.T., estabelece um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação, sendo os casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária os previstos nos artºs.108, nº.1, 109, nº.1, 114, 118 e 119, nº.1, todos do R.G.I.T.
IV - Mas está abrangida no prazo prescricional prognosticado no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a infracção tributária decorrente da violação do regime de autoliquidação e pagamento do I.V.A., enquadrável em termos de responsabilidade contra-ordenacional no artº.114, do R.G.I.T.
V - Remetendo-se no artº.33, nº.3, do R.G.I.T., para a aplicação das normas sobre suspensão e interrupção da prescrição do processo contra-ordenacional previstas no R.G.C.O.C., tal implica que o decurso da prescrição pode ser suspenso e interrompido.
VI - Daí que ocorra a suspensão quando o tempo decorrido antes da verificação da causa de suspensão conta para a prescrição, juntando-se, portanto, ao tempo decorrido após essa causa ter desaparecido (cfr. artº.120, nº.3, do C. Penal), sendo que a suspensão impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou.
VII - E advirá a interrupção quando o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, devendo, portanto, reiniciar-se a contagem de um novo período logo que desapareça a mesma causa (cfr. artº.121, nº.2, do C. Penal), o que vale por dizer que a interrupção anula o prazo prescricional entretanto decorrido.
VIII - Assim, o prazo de prescrição capitula dentro do nº 2 do art. 33º do RGIT, ou seja, o prazo consagrado no nº 1 do art. 45º da LGT – 4 anos, sendo de realçar que a prescrição do procedimento contraordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
IX - No caso sub judice, adveio uma causa de suspensão, prevista no na al. c) do nº1 do art. 27º-A do DL nº 433/82, redacção introduzida pela Lei nº 109/01, pelo que tal suspensão não pode ultrapassar seis meses, nos termos prevenidos no nº 2 do supradito artigo e, compulsando a norma do nº 3 do artigo 28º, o prazo de 6 anos (4 +2), contado desde o início – 1 de Janeiro de 2013 – acrescido dos seis meses de suspensão, extinguiu-se em 1 de Julho de 2019.
Nº Convencional:JSTA000P25907
Nº do Documento:SA22020052001901/15
Data de Entrada:02/04/2020
Recorrente:A......................, LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por A……………………, LDA, com os sinais dos autos, visando a revogação da sentença de 26-07-2019, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou o recurso de contra-ordenação parcialmente procedente, mantendo a decisão de aplicação de coima relativa à infração prevista e punida pelo art. 27º, nº1 e 41º, nº1, al. b) do CIVA e 114º, nº 2 e 5, al. a) e 26º, nº4 ambos do RIGT, por falta de pagamento do imposto/entrega de prestação tributária dentro do prazo, respeitante ao período 201112T, no valor de € 6.938,64 e acrescida de custas.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente A………………….., LDA. as seguintes conclusões:

A) O presente recurso tem como objecto a douta decisão que julgou o recurso de contra-ordenação e as nulidades nele invocadas pela recorrente relativamente à infracção sob o nº 10 da decisão de aplicação de coima de 29/12/2013 improcedente e manteve a decisão de aplicação de coima, no valor de € 6.938,64 acrescida de custas, proferida no âmbito do processo de contra-ordenação nº 14142013060000036848 e condenou o recorrente em custas.
B) Não aceita a recorrente a douta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.
C) A recorrente não aceita a aplicação da coima no processo de contraordenação nº 14142013060000036848 por quanto o processo contraordenacional enferma de diversas nulidades.
D) Da falta dos requisitos constantes do artigo 79º nº 1 alínea b) e 2 do RGIT.
E) Nos termos do artigo 79º nº 2 do RGIT “A notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da decisão e do montante das custas”.
F) Sucede que a notificação da decisão dos presentes autos não contém os termos da decisão da aplicação da coima.
G) Nomeadamente, olvida a identificação do infractor e dos elementos que determinaram a aplicação da coima.
H) Não constam também os requisitos de fixação da coima, nem a existência ou não de actos de ocultação, a existência ou não de benefício económico, a frequência da prática de contra-ordenações, a existência de dolo ou negligência, obrigação de não cometer a infracção, a situação económica financeira da recorrente e o período de tempo decorrido desde a prática da infracção.
I) Pelo que nos termos do artigo 63º nº 1, alínea d) do RGIT sempre terá que se considerar a nulidade da notificação ora recorrida.
J) Nulidade que a recorrente desde já argui.
K) Por outro lado, a decisão da aplicação da coima enferma da falta de fundamentação para o preenchimento dos elementos típicos da contraordenação do artigo 114º nº 2, nº 5 a) do RGIT.
L) A decisão de aplicação da coima deverá fazer referência na punição, aos factos que consubstanciam a aplicação da coima e consequente aplicação da norma punitiva.
M) No caso em apreço nos presentes a dedução da prestação tributária constitui elemento essencial do tipo de contra-ordenação em causa.
N) Não constando a este respeito qualquer indicação na decisão da contraordenação que aplicou a coima à recorrente.
O) Faltando naturalmente “os requisitos legais da decisão de aplicação das coimas”.
P) O que como já referido e nos termos do artigo 63º nº 1 alínea d ) do RGIT, comporta uma nulidade insuprível que a ora recorrente desde já argui.
Q) Por outro lado, entende a recorrente que a situação dos presentes autos não se subsume a nenhuma das normas punitivas aplicadas, nomeadamente artigo 114º nº 2 e 5 do RGIT.
R) Mas antes ao normativo do artigo 114º nº 3 do RGIT.
S) Vide a este respeito sempre se dirá o constante no Acórdão do STA, Processo 0209/11 datado de 11 de Maio de 2011, do Relator Casimiro Gonçalves, não indicando a recorrente mais vasta jurisprudência acerca desta matéria, porquanto o presente acórdão já o faz, in http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3c96ff5591cea88880257893003c0491?OpenDocument&ExpandSection=1
T) Enfermando também por este motivo a decisão de aplicação da coima de uma nulidade insuprível, artigo 63º nº 1 alínea d) do RGIT, o que implica a nulidade do processo contra-ordenacional e sua correspondente extinção.
U) Estipula o artigo 33º do RGIT que o procedimento de contraordenação extingue-se por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos seis anos e seis meses.
V) Nos termos do artigo 45.º , n.º 1 da LGT, a contagem do prazo conta-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
X) Sendo o Iva devido relativo ao quarto trimestre de 2011, a prescrição do procedimento não irá ocorrer em 1/7/2020 como indicado na Sentença, mas sim já ocorreu no dia 1/7/2019
Termos em que
- Deverá a douta sentença ser revogada e proferido Acórdão no sentido de o processo de contraordenação nº 14142013060000036848 ser declarado nulo pelos motivos ora alegados, absolvendo-se a Recorrente da coima aplicada e das custas em que foi condenada.
Assim se fará Justiça!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso, no seguinte parecer:

“A…………………, Lda., inconformada com a decisão proferida pelo TAF de Leiria, na parte em que manteve a decisão de aplicação de coima relativa à infração prevista e punida pelo art. 27º, nº1 e 41º, nº1, al. b) do CIVA e 114º, nº2 e 5, al. a) e 26º, nº4 ambos do RIGT, por falta de pagamento do imposto/entrega de prestação tributária dentro do prazo, relativo ao período 201112T, vem dela recorrer.
Conclui em sede recursiva que o processo contra-ordenacional enferma de diversas nulidades a saber.
- falta de requisitos constantes do art. 79º, nº1, al. b) e 2 do RIGT;
- falta dos requisitos de fixação da coima;
- falta de fundamentação para o preenchimento dos elementos específicos da contra-ordenação prevista no art. 114º, nº2 e nº5 al. a) do RIGT.
Defende ainda a Recorrente que o procedimento contra-ordenacional se encontra extinto por efeitos de prescrição.
Pede a revogação da sentença.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Vejamos.
A prescrição é de conhecimento oficioso em qualquer momento ou fase do processo e implica a extinção do procedimento e da responsabilidade contraordenacional nos termos do artigo 33.º n.º 1 do RGIT.
Vejamos então se ocorreu a prescrição do procedimento contraordenacional.
In casu, estamos perante de uma infração cometida em sede de IVA, cujo prazo inicial prescricional se inicia a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, de acordo com o que dispõe o nº4 do art. 45º da LGT:
“O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário”.
Resulta daqui que a sendo o IVA relativo a 201112T, a contagem do prazo de prescrição se inicia na mesma data em que se inicia o prazo de caducidade deste imposto, ou seja a partir de 2013.
Por outro lado, estabelece-se na norma do artigo 33.º do RGIT:
1 - O procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos.
2 - O prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.
3 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento”.
Por sua vez, em matéria de interrupção do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional preceitua-se no artigo 28º do Regime Geral das Contraordenações na redação resultante da Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, o seguinte:
“1 – A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação do arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima. 2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade” – (sublinhado nosso).
No caso concreto, a exigibilidade do imposto decorreu durante o ano de 2012, pelo que a partir de Janeiro de 2013 iniciou-se a contagem do prazo de prescrição.
Diz o acórdão citado pela Recorrente, Ac. TCA Sul de 18.06.2013, que:
Já o nº.2, do artº.33, do R.G.I.T., estabelece um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.”
E mais adiante refere:
“Mais se dirá que é enquadrável no prazo de prescrição previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a infração tributária que deriva da violação do regime de autoliquidação e pagamento do I.V.A., enquadrável em termos de responsabilidade contraordenacional no artº.114, do R.G.I.T.”
Posto isto, o prazo de prescrição capitula dentro do nº 2 do art. 33º do RGIT, ou seja o prazo consagrado no nº 1 do art. 45º da LGT – 4 anos.
Vejamos agora se o procedimento contraordenacional se encontra prescrito.
A prescrição do procedimento contraordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
Nos presentes autos, ocorreu uma causa de suspensão, prevista no na al. c) do nº1 do art. 27º-A do DL nº 433/82, redação introduzida pela Lei nº 109/01, porém essa suspensão, não pode ultrapassar seis meses, nos termos previstos no nº 2 do referido artigo.
Aplicada a regra do nº 3 do artigo 28º, o prazo de 6 anos (4 +2), contado desde o início – 1 de Janeiro de 2013 – acrescido dos seis meses de suspensão, extinguiu-se em 1 de Julho de 2019.
O que quer dizer que a prescrição do procedimento contra-ordenacional ocorreu em 1 de Julho de 2019.
Assim, em face de todo o exposto e em conclusão, emito parecer no sentido da procedência do recurso, declarando-se a prescrição do procedimento contraordenacional com a consequente revogação da sentença recorrida.
Perante este entendimento, mostra-se prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas no presente recurso.”
*
Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1) Em 09/12/2013 foi levantado, à recorrente, o auto de notícia n.º P00000000178, no âmbito do processo de contra-ordenação n.º 1414201306036848, pela prática de três infracções previstas e punidas pelos artigos 23.º, n.º 1 do CIRC e 119.º, n.º 1 e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT, por declaração indevida de custos ou perdas na declaração modelo 22 de IRC, relativas aos exercícios de 2009, 2010 e 2011 e sete infracções previstas e punidas pelos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea b) do CIVA e 114.º, n.º 2 e 5, alínea a) e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT, por falta de pagamento do imposto/entrega de prestação tributária dentro do prazo, relativo aos períodos de 201006T, 201009T, 201012T, 201103T, 201106T, 201109T e 201112T (auto de notícia de fls. 35 e 36 do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
2) Em 10/12/2013 foi enviada, à recorrente, por correio postal registado, com a referência RM859964559PT, uma comunicação para apresentação de defesa ou pagamento antecipado da respectiva coima (notificação de fls. 38 e 39 do processo físico).
3) Em 29/12/2013 foi proferida decisão de aplicação de coima, no valor de 15.034,85, acrescido de custas no valor de 76,50€, pela prática de três infracções previstas e punidas pelos artigos 23.º, n.º 1 do CIRC e 119.º, n.º 1 e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT, por declaração indevida de custos ou perdas na declaração modelo 22 de IRC, relativas aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, consumadas, em 31/05/2010, 31/05/2011 e 31/05/2012, respectivamente e sete infracções previstas e punidas pelos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea b) do CIVA e 114.º, n.º 2 e 5, alínea a) e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT, por falta de pagamento do imposto/entrega de prestação tributária dentro do prazo, relativo aos períodos de 201006T, 201009T, 201012T, 201103T, 201106T, 201109T e 201112T, consumadas em 16/08/2010, 15/11/2010, 15/02/2011, 15/05/2011, 16/08/2011, 15/11/2011 e 15/02/2012, respectivamente (decisão de aplicação de coima de fls. 45 a 48 do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
4) Foi dado conhecimento à recorrente da decisão de aplicação de coima referida no número anterior por comunicação datada de 21/08/2015, enviada por correio postal registado com a referência RF059358875PT, cujo aviso de recepção foi assinado em 23/10/2015 (notificação, registo postal e aviso de recepção de fls. 49 a 51 do processo físico).
5) A recorrente apresentou alegações de recurso de contra-ordenação no dia 23/11/2015 (alegações de recurso a fls. 4 do processo físico).
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, as questões que cumpre decidir subsumem-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou improcedente o recurso de contra-ordenação relativo à decisão de aplicação da coima de 29/12/2013, no valor de € 6.938,64:
i) padece de nulidade por (a) - falta de requisitos constantes do art. 79º, nº1, al. b) e 2 do RIGT; (b) - falta dos requisitos de fixação da coima; (c) - falta de fundamentação para o preenchimento dos elementos específicos da contra-ordenação prevista no art. 114º, nº2 e nº5 al. a) do RIGT.
ii) o procedimento contraordenacional encontra-se prescrito.
Vejamos.
Impõe-se conhecer, prioritariamente, se dever ser julgado extinto, devido a prescrição, o procedimento por contra-ordenação e, em consequência, ordenar o arquivamento dos presentes autos.
Na verdade, é pacífico que as conclusões das alegações do recurso definem o respectivo objecto e consequente âmbito de intervenção do Tribunal de recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.412, nº.1, do C.P.Penal, ex vi do artº.3, al. b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Dec.Lei nº 433/82, de 27/10).
A recorrente alega que, estipulando o artigo 33º do RGIT que o procedimento de contraordenação se extingue por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos seis anos e seis meses, sendo que, nos termos do artigo 45.º , n.º 1 da LGT, a contagem do prazo conta-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário pelo que, sendo o Iva devido relativo ao quarto trimestre de 2011, a prescrição do procedimento não irá ocorrer em 1/7/2020 como indicado na Sentença, mas sim já ocorreu no dia 1/7/2019.
Com base em tal alegação a recorrente imputa erro de julgamento de direito à decisão recorrida.
Averiguemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Jurídico-conceptualmente a prescrição do procedimento contra-ordenacional é configurada como excepção peremptória (pressuposto processual negativo) de conhecimento oficioso em qualquer momento do processo, até à decisão final (cfr., em conjunto e conjugadamente, os artºs.35 e 193, al.b), do C.P.Tributário, e 27, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Dec.Lei nº 433/82, de 27/10 e o artº.33, do R.G.I. Tributárias), que obsta ao julgamento da matéria de fundo e dá origem ao arquivamento dos autos (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pág.1123 e seg.; Manuel Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III, pág.14; M. Leal-Henriques e M. Simas Santos, C.Penal Anotado, Rei dos Livros, 1995, 1º.volume, pág.826 e seg.).
Hodiernamente, o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional está prognosticado no artº.33, do R.G.I.T., norma que mantém no seu nº.1 o prazo geral de cinco anos, já consagrado no anterior artº.119, da L.G. Tributária, tal como no artº.35, do C.P. Tributário, no que tange às contra-ordenações fiscais não aduaneiras.
Em vista do caso concreto, há que atentar no que se determina no nº.2, do artº.33, do R.G.I.T., ao instituir um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
Como bem se aponta no Ac. do TCAS de 18.06.2013, tirado no Processo nº06642/13, relatado pelo ora Juiz Conselheiro Joaquim Condesso “Não é clara a ideia subjacente a esta coincidência entre o prazo de liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, parecendo que ela se poderia justificar por não ser razoável que a tutela sancionatória se estendesse para além do prazo em que é possível levar a efeito a liquidação, isto é, se na perspectiva legislativa deixa de interessar, pelo decurso do prazo de caducidade, a liquidação do tributo, também deixará de justificar-se a punição de condutas que conduziram à sua omissão. No entanto, a fórmula utilizada no nº.2 deste artigo, ao referir a dependência da infracção relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia pois a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável deriva do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor. Neste sentido, casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são os previstos nos artºs.108, nº.1, 109, nº.1, 114, 118 e 119, nº.1, todos do R.G.I.T. (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/11/2011, proc.4847/11; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág. 323 a 325).
Mais se dirá que é enquadrável no prazo de prescrição previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a infracção tributária que deriva da violação do regime de autoliquidação e pagamento do I.V.A., enquadrável em termos de responsabilidade contra-ordenacional no artº.114, do R.G.I.T.
A fixação do prazo de prescrição reduzido implica que se determine qual é o prazo de caducidade do direito à liquidação, para tanto devendo levar-se em consideração o regime previsto no artº.45, da L.G.Tributária.
Por outro lado, igualmente é aplicável ao prazo previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a regra consagrada no artº.28, nº.3, do R.G.C.O.C. (“ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T.), na qual se estabelece que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido a totalidade do mesmo prazo acrescido de metade (cfr. artº.121, nº.3, do C.Penal).
No artº.33, nº.3, do R.G.I.T., remete-se para a aplicação das normas sobre suspensão e interrupção da prescrição do processo contra-ordenacional previstas no R.G.C.O.C. O curso da prescrição pode ser suspenso e interrompido. Há suspensão quando o tempo decorrido antes da verificação da causa de suspensão conta para a prescrição, juntando-se, portanto, ao tempo decorrido após essa causa ter desaparecido (cfr. artº.120, nº.3, do C. Penal). A suspensão impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou. Inversamente, verifica-se a interrupção quando o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, devendo, portanto, reiniciar-se a contagem de um novo período logo que desapareça a mesma causa (cfr. artº.121, nº.2, do C. Penal). Ou seja, a interrupção anula o prazo prescricional entretanto decorrido (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/9/2007, rec.453/07; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/9/2007, rec.518/07; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.327; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 6ª. edição, 2011, Áreas Editora, pág.261).”
Destarte, no caso posto e considerando a positivado no aludido artº.28, nº.3, do R.G.C.O.C. (“ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T.), o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional é de seis anos (4+2), ressalvando a existência de factores suspensivos do seu cômputo, como ficou acautelada acima.
Certo também que o probatório revela que estamos perante de uma infracção cometida em sede de IVA, cujo prazo inicial prescricional se inicia a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, em conformidade com o disposto no nº4 do art. 45º da LGT:
“O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário”.
Patenteando o probatório que o IVA em causa se refere a 201112T, a contagem do prazo de prescrição inicia-se na mesma data em que se inicia o prazo de caducidade deste imposto, concretamente, a partir de 2013.
Releva para afeitos de determinação do prazo prescricional o disposto no já referido artigo 33.º do RGIT que textua:
1 - O procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos.
2 - O prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.
3 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento”.
Em sede de interrupção do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional prescreve o artigo 28º do Regime Geral das Contraordenações na redação resultante da Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, o seguinte:
“1 – A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação do arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”.
Daí, pois, ser insofismável que no caso em apreço, a exigibilidade do imposto decorreu durante o ano de 2012, pelo que a partir de Janeiro de 2013 iniciou-se a contagem do prazo de prescrição, o qual e como já considerado em louvação do aresto do TCAS de 18.06.2013, é o estipulado no nº.2, do artº.33, do R.G.I.T., que institui um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
E Já se viu que é enquadrável no prazo de prescrição previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a infracção tributária resultante da violação do regime de autoliquidação e pagamento do I.V.A., enquadrável em termos de responsabilidade contraordenacional no artº.114, do R.G.I.T..
Extrai-se do acabado de expor, como sustenta o recorrente secundado pelo EPGA, o prazo de prescrição capitula dentro do nº 2 do art. 33º do RGIT, ou seja o prazo consagrado no nº 1 do art. 45º da LGT – 4 anos, sendo de realçar que a prescrição do procedimento contraordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
Ora, sendo certo que no caso sub judice, adveio uma causa de suspensão, prevista no na al. c) do nº1 do art. 27º-A do DL nº 433/82, redacção introduzida pela Lei nº 109/01, também o é que tal suspensão, não pode ultrapassar seis meses, nos termos prevenidos no nº 2 do supradito artigo.
In concretu, compulsando a norma do nº 3 do artigo 28º, o prazo de 6 anos (4 +2), contado desde o início – 1 de Janeiro de 2013 – acrescido dos seis meses de suspensão, extinguiu-se em 1 de Julho de 2019.
Por assim ser, a prescrição do procedimento contra-ordenacional consumou-se em 1 de Julho de 2019, o que vale por dizer que procede o recurso e se impõe declarar a prescrição do procedimento contraordenacional implicante da revogação da sentença recorrida e consequente arquivamento dos autos.

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3. Decisão:

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, declarando a prescrição da infracção identificada sob o n.º 10 da decisão de aplicação de coima de 29/12/2013 e determinando a revogação da sentença recorrida e consequente arquivamento dos autos.
Sem custas.

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Lisboa, 20 de Maio de 2020. - José Gomes Correia (Relator) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Gustavo André Simões Lopes Courinha.