Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:058/20.6BALSB
Data do Acordão:02/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
IRS
MAIS VALIAS
NÃO RESIDENTE
Sumário:I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cf. o n.º 2 do art. 25.º RJAT), não devendo, ainda, o recurso ser admitido se, não obstante a existência de oposição, a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cf. o n.º 3 do art. 152.º do CPTA, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do art. 25.º do RJAT).
II - A existência de uma jurisprudência consolidada deve transparecer ou do facto de a pronúncia concernente já ter sido emitida de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade em todas as formações da Secção.
III - Inverifica-se tal requisito se a orientação perfilhada na decisão recorrida é plenamente idêntica à assumida em acórdão do Pleno da Secção, em que intervieram todos os Juízes Conselheiros em exercício.
Nº Convencional:JSTA000P27266
Nº do Documento:SAP20210224058/20
Data de Entrada:06/26/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1– Relatório

A Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria — “RJAT”) interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no processo n.º 748/2019-T, em 07.04.2020, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é Recorrida A………………….., sinalizada nos autos, no que respeita à tributação no âmbito de IRS a sujeitos passivos não residentes em território nacional - subsumível ao disposto no artigo 43º, nº 2 do CIRS, invocando oposição entre a decisão arbitral anteriormente identificada e a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral com o nº 539/2018-T, que se indica como fundamento.

Inconformada, formulou a recorrente Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, as seguintes conclusões:

A – O Acórdão arbitral recorrido (748/2019-T) incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu o Tribunal Arbitral “(…)Anular parcialmente a liquidação subjacente, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária, ii. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição do valor correspondente ao valor do imposto indevidamente pago, iii. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento (2019-08- 28) até à data da verificação do seu reembolso (…)”.
B – E sustenta o referido acórdão arbitral que “ (…)“ Face à circunstância de a AT ter convocado o acórdão do TJUE de 6 de Setembro (processo nº C-184/18) sempre se actualiza que, o mesmo versando sobre residentes em país terceiro, concretamente em Angola, veio a pronunciar-se no seguinte sentido: “(…) 24. Importa constatar que, como resulta da sua letra, o artigo 63º do TFUE estabelece a livre circulação de capitais não apenas entre Estados-Membros mas igualmente entre Estados Membros e Estados terceiros (v., neste sentido, Acórdão de 18 de janeiro de 2018, Jahin, C45/17, EU:C 2018:18, nº 19). 25. Para esse efeito, o artigo 63º TFUE proíbe de modo geral todas as restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros e entre os Estados-Membros e países terceiros. 26. Nestas condições, há que declarar que, uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado-Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais-valias realizadas por um residente no referido Estado-Membro constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 63º, nº 1 do TFUE”. Concluindo o Acórdão do TJUE no seguinte sentido: “Uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incindiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais-valias realizadas por um residente naquele Estado-Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64º, nº 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65º, º 1, TFUE”.
De modo similar, e pelo claro paralelismo com a situação que vem de analisar-se, retira-se do Acórdão Gielen de 18/03/2010 (Processo nº C-440/08):
“(…) O Tribunal de Justiça precisa, que apresenta uma vantagem fiscal cujo benefício é retirado a não residentes, uma diferença de tratamento entre essas duas categorias de contribuições pode ser qualificado de discriminação, na acepção do Tratado FUE, quando não houver nenhuma diferença objetiva situação suscetível de justificar diferenças de tratamento, quanto a esse aspecto, entre categorias de contribuintes (…)“ a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório, frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.
“O reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49º do TFUE em razão do seu carácter discriminatório”.
“O Tratado se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes”. Igualmente, em caso paralelo, se pronunciou o Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 21 de Fevereiro de 2013, Processo C-123/11), sobre a garantia da igualdade de tratamento fiscal entre os residentes e não residentes (embora aqui com referência a pessoas colectivas);
“(…) As regras de cálculo dos prejuízos da filial não residente para efeitos da sua assunção pela sociedade-mãe residente, em operações (…) “não devem constituir uma desigualdade de tratamento em relação às regras de cálculo aplicáveis caso essa fusão tivesse sido realizada com uma filial residente (…)”
Acresce ainda que, o Supremo Tribunal Administrativo tem, inequivocamente, alinhado a sua posição no sentido de que o regime da tributação das mais-valias imobiliárias incidentes sobre não residentes, constitui uma clara violação aos tratados europeus.
A título meramente exemplificativo, mas pelo seu carácter recente, convoca-se o que vem dito no âmbito do Acórdão do STA proferido em 20.02. 2019 (no âmbito do processo nº 0901);
“(…) Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8º, nº 4, da CRP, “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nesse regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU(…)”
Ainda com realce e interesse para o que antecedentemente vem dito, extrai-se do aresto do Tribunal Central Administrativo do Sul de 08-05-2019 (processo nº 1358/08.9BESNT) o seguinte:
A operação de alienação de um bem imobiliário constitui um movimento de capitais, à face da jurisprudência do Tribunal Justiça da União Europeia, sendo, por isso, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia”
“A legislação nacional ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pela norma comunitária supracitada, sendo o nº 2 do artº 43º do CIRS, incompatível com o referido artº 56º do TJUE (…)”
Face ao exposto, sem necessidade de quaisquer outras considerações, e revertendo à situação dos autos, inexiste base legal que permita à Requerida excluir da tributação das mais-valias o regime previsto sob o nº 2 do artigo 43º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
Procedendo, em consequência e neste segmento o pedido de pronúncia formulado pela Requerente.”
C – Ao contrário do que decidiu a Decisão Arbitral fundamento (processo n.º 539/2018-T), na qual o Tribunal arbitral considerou que:
“14 - Apresenta-se, pois, neste processo, uma dupla situação que encerra incongruências, entre si, quanto ao que o Requerente pretende, porquanto:
a) Por um lado, pretende a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, que é aplicável às mais valias obtidas em território português, que, de facto manda considerar a tributação de 50% saldo das mais-valias de imóveis, respeitantes às transmissões efetuadas por residentes, previstas na alínea a)2 do n.º 1 do artigo 10.º.
b) Por outro lado, exige que seja feita uma tributação do referido saldo, reduzido em 50%, com aplicação da taxa aplicável a não residentes de 25%, conforme opção de tributação pelo regime geral, conforme campo 07 do quadro 8B da sua Declaração mod. 3 de IRS, e não pela aplicação das taxas gerais do artigo 68.º e das demais regras aplicáveis aos residentes.
15 - Ora, esta forma de tributação mista, de escolha do melhor dos regimes de tributação, ou seja, ser considerado como residente para efeitos de aplicação do artigo 43.º, n.º 2 e não residente para efeitos de aplicação da taxa do artigo 72.º, n.º 1, ambos do CIRS, o que é incongruente e inaplicável, e nem sequer se pode argumentar que há violação dos Tratados da União Europeia, por não se estar perante uma qualquer discriminação.
16 - Isto porque o Requerente tinha ao seu dispor a possibilidade de ver tributadas as suas mais-valias de harmonia com todas as regras aplicáveis aos residentes, se, para tanto, tivesse feito essa opção, ao abrigo do n.º 9 do artigo 72.º do Código do IRS, como a lei lhe permite - o que não aconteceu.
17 - Assim, ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias, pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, não assiste razão ao Requerente.
18 - Aliás, nem aos residentes as normas do CIRS permitem esta dualidade de tratamento, ou seja, redução a 50% das mais-valias imobiliárias e aplicação das taxas do artigo 72.º do CIRS, obrigando sempre, neste caso, ao englobamento deste saldo com os demais rendimentos para aplicação à totalidade dos rendimentos auferidos as taxas gerais do artigo 68.º do Código do IRS.
19. O regime escolhido pelo Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º aplicáveis a não residentes e não as aplicáveis a residentes, pelo que o regime escolhido deve ser aplicado "in toto", como procedeu, e bem, a Requerida, no entender do Tribunal.
19 - Assim sendo, não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas.
20- Recorda-se que o Acórdão do TJCE de 2007OUT11 (Hollman) foi proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, já anteriormente citadas, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram - o que não foi o caso.”
D – Concluindo o Acórdão fundamento que:
“20 - Nesta conformidade, entende este Tribunal que a liquidação impugnada não sendo incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dada a opção do Requerente, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação n.º 2018.5005490173, relativa ao ano de 2017 e no valor de €47.034,56.
(…)
Termos em que se decide:
a) Julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter na ordem jurídica a liquidação de IRS impugnada. b) Julgar igualmente improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor do Requerente. (…)”
E – Verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se o regime de exclusão de tributação de mais-valias previsto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS é aplicável aos não residentes.
F – Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário (vd., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2015-06-03, processo 0793/14) que:
· as situações de facto sejam substancialmente idênticas;
· haja identidade na questão fundamental de direito;
· se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; e,
· a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.
G - As presentes alegações demonstram que, no caso vertente, se encontram reunidos os referidos requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos.
H - Para que se considere que há oposição de acórdãos, entende a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que os acórdãos em confronto versem sobre situações fácticas substancialmente idênticas e que se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito. Ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito, o se verificou.
I - Entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento há uma identidade de situações de facto, na medida que em ambos os casos, a factualidade consignada se reporta a tributação no âmbito de IRS, tendo em conta a aplicação do art. 43.º, n.º 2 do CIRS aos não residentes.
J - As decisões em confronto perfilharam, sobre a mesma questão fundamental de direito, soluções opostas de forma expressa, isto é, adotaram sobre a mesma questão de direito soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto.
K - Resta concluir que o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada na Decisão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue improcedente o pedido arbitral.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente.

A recorrida A………………………. veio contra-alegar, tendo concluído nos seguintes termos:

A. O Recurso para uniformização da jurisprudência apresentado pela Recorrente põe em causa a Decisão Arbitral proferida no dia 7 de abril de 2020, pelo Tribunal Arbitral Singular constituído no Centro de Arbitragem Administrativa, no âmbito do processo n.º 748/2019-T, e julgou procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela ora Recorrida, considerando a ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2019 5005572361, respeitante ao ano de 2018, do qual resultou imposto a pagar no montante de € 31.163,72;
B. Entende a Recorrente que a Decisão Arbitral deverá ser anulada por um alegado erro de julgamento e, bem assim, por existir oposição entre a Decisão Arbitral proferida no processo vertente e entre a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 539/2018-T;
C. Pese embora a alegação da existência de uma pretensa oposição, a ora Recorrente não logrou provar a sua existência, limitando-se a transcrever excertos do pretenso acórdão fundamento sem nunca identificar, “de forma precisa e circunstanciada, os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada e a infração imputada ao acórdão recorrido”, preferindo, antes, recorrer a formulações vagas que em nada demonstram a pretensa oposição. A título de exemplo veja-se o parágrafo 23 das suas Alegações, nas quais alega que “existe uma patente e inarredável contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo Acórdão que, definitivamente, decida a questão controvertida, nos termos do entendimento propugnado pela AT em sede arbitral, bem como de acordo com a fundamentação invocada na Decisão fundamento, a cujo teor se adere na totalidade” (cfr. parágrafo 23 da página 17/26 das Alegações da Recorrente);
D. Ora, por mais evidente que fosse essa contradição impendia sempre sobre a Recorrente demonstrá-la, o que manifestamente não aconteceu, devendo, por conseguinte, o Recurso ser julgado improcedente por não ter sido dado cumprimento aos requisitos de admissibilidade;
E. A Decisão sub judice fundou-se no entendimento – aliás, sufragado pela jurisprudência dominante e pela ora Recorrida – de que o disposto no artigo 43.º, n.º 2 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”) é desconforme ao Direito da União Europeia, na medida em que corporiza uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais;
F. Com efeito, entendeu o Tribunal Arbitral que “O regime diferenciado da tributação das mais-valias imobiliárias realizadas por não residentes em território português, estabelece uma discriminação com o princípio da liberdade de circulação de capitais, princípio fundamental da União Europeia, não obstante as alterações introduzias ao Código do IRS pela Lei nº 67-A/2007 de 31 de dezembro, traduzidas no aditamento dos atuais nºs 9 e 10 do artigo 72º do Código do IRS. 43. Considerou então o TJUE, no Acórdão Hollmann, que, “embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados-Membros, estes devem exercer essa competência no respeito do direito comunitário” e que o tratamento discriminatório dos não residentes assentava no facto de que “enquanto a um não residente é aplicada a taxa de 25% [28% em 2017] sobre a matéria colectável correspondendo à totalidade das mais-valias realizadas a consideração de apenas metade da matéria colectável correspondente às mais-valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que, segundo as observações formulados pelo Governo português, a tributação do rendimentos dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cuja escalação mais elevado é de 42% (48% em 2017, acrescida da taxa adicional de solidariedade, de 2,5% ou de 5%) discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório”, sendo que “essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dos regimes fiscais.”45. Também o Supremo Tribunal Administrativo se tem pronunciado de modo idêntico, ao referir, nomeadamente, que “I. As disposições do Tratado CE, que refere a União Europeia prevalecem sobra as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos do direito da União, desde que respeitam os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. II. É incompatível com o direito comunitário, porquanto limita os movimentos de capitais que o artigo 56º do Tratado CE consagra, o disposto no º 2 do artigo 43º do CIRS, por não aplicação aos residentes fora do território nacional a limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas que estatui para os residentes no território nacional”- cfr. o Acórdão proferido no processo nº 01172/14, em 3 de fevereiro de 2016”;
G. E prosseguiu dizendo que: “Sustenta a AT, e como já referido, que a alteração ao artigo 72º do CIRS, pela Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro, nomeadamente através do aditamento dos números 7 e 8 (actuais 9 e 10) é de molde a afastar o juízo de discriminação do TJUE sobre a previsão restrita no nº 2 do artigo 43º do Código Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares aos sujeitos passivos não residentes. Com o devido respeito por contrária opinião, também relativamente a este segmento se dissente da interpretação levada a cabo pela AT. Se é verdade que na sequência do já assinalado acórdão Hollmann o legislador nacional pretendeu criar, através da referida alteração/aditamento ao artigo 72º do CIRS, a possibilidade de os residentes noutro Estado Membro da União Europeia poderem optar, relativamente aos rendimentos referidos aos números 1 e 2 do indicado normativo, pela taxa de imposto prevista no nº 1 do artigo 68º do CIRS, não deixa de ser verdade que tal opção se materializa num ónus suplementar relativamente aos contribuintes residentes. Tal opção, e como já evidenciado em várias decisões arbitrais, não afasta o efeito discriminatório da diferenciação dos regimes previstos na legislação doméstica entre residentes e não residentes. A título meramente exemplificativo, dá-se aqui conta da orientação jurisprudência que sobressai das decisões arbitrais, proferidas no âmbito do CAAD nomeadamente nos processos números 45/2012-T, 127/2012-T, 748/2015-T e 89/2017-T: “(…) a opção que é dada a um sujeito passivo na União Europeia ou espaço entre um regime de continua a ser discriminatório, por violação do disposto no art. 63º do TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes.”;
H. Concluindo que: “Ainda com realce e interesse para o que antecedentemente vem dito, extrai-se do aresto do Tribunal Central Administrativo do Sul de 08-05-2019 (processo nº 1358/08.9BESNT) o seguinte: A operação de alienação de um bem imobiliário constitui um movimento de capitais, à face da jurisprudência do Tribunal Justiça da União Europeia, sendo, por isso, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia A legislação nacional ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pela norma comunitária supracitada, sendo o nº 2 do artº 43º do CIRS, incompatível com o referido artº 56º do TJUE (…) Face ao exposto, sem necessidade de quaisquer outras considerações, e revertendo à situação dos autos, inexiste base legal que permita à Requerida excluir da tributação das mais-valias o regime previsto sob o nº 2 do artigo 43º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Procedendo, em consequência e neste segmento o pedido de pronúncia formulado pela Requerente”;
I. A Recorrente entendeu, contudo, que: “(…) entre o Acórdão recorrido e a Decisão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo Acórdão que, definitivamente, decida a questão controvertida, nos termos do entendimento propugnado pela AT em sede arbitral, bem como de acordo com a fundamentação invocada na Decisão fundamento a cujo teor se adere na totalidade” (cfr. parágrafo 23, constante da página 17/26 das Alegações da Recorrente);
J. Isto porque no Acórdão fundamento se decidiu o seguinte: “14 - Apresenta-se, pois, neste processo, uma dupla situação que encerra incongruências, entre si, quanto ao que o Requerente pretende, porquanto: a) Por um lado, pretende a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, que é aplicável às mais-valias obtidas em território português, que, de facto manda considerar a tributação de 50% saldo das mais-valias de imóveis, respeitantes às transmissões efetuadas por residentes, previstas na alínea a)[2] do n.º 1 do artigo 10.º. b) Por outro lado, exige que seja feita uma tributação do referido saldo, reduzido em 50%, com aplicação da taxa aplicável a não residentes de 25%, conforme opção de tributação pelo regime geral, conforme campo 07 do quadro 8B da sua Declaração mod. 3 de IRS, e não pela aplicação das taxas gerais do artigo 68.º e das demais regras aplicáveis aos residentes. 15 - Ora, esta forma de tributação mista, de escolha do melhor dos regimes de tributação, ou seja, ser considerado como residente para efeitos de aplicação do artigo 43.º, n.º 2 e não residente para efeitos de aplicação da taxa do artigo 72.º, n.º 1, ambos do CIRS, o que é incongruente e inaplicável, e nem sequer se pode argumentar que há violação dos Tratados da União Europeia, por não se estar perante uma qualquer discriminação. 16 - Isto porque o Requerente tinha ao seu dispor a possibilidade de ver tributadas as suas mais-valias de harmonia com todas as regras aplicáveis aos residentes, se, para tanto, tivesse feito essa opção, ao abrigo do n.º 9 do artigo 72.º do Código do IRS, como a lei lhe permite - o que não aconteceu. 17 - Assim, ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias, pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, não assiste razão ao Requerente.18 - Aliás, nem aos residentes as normas do CIRS permitem esta dualidade de tratamento, ou seja, redução a 50% das mais-valias imobiliárias e aplicação das taxas do artigo 72.º do CIRS, obrigando sempre, neste caso, ao englobamento deste saldo com os demais rendimentos para aplicação à totalidade dos rendimentos auferidos as taxas gerais do artigo 68.º do Código do IRS.19. O regime escolhido pelo Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º aplicáveis a não residentes e não as aplicáveis a residentes, pelo que o regime escolhido deve ser aplicado "in toto", como procedeu, e bem, a Requerida, no entender do Tribunal. 19 - Assim sendo, não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas. 20- Recorda-se que o Acórdão do TJCE de 2007OUT11 (Hollman) foi proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, já anteriormente citadas, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram - o que não foi o caso.20 - Nesta conformidade, entende este Tribunal que a liquidação impugnada não sendo incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dada a opção do Requerente, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação n.º 2018..., relativa ao ano de 2017 e no valor de €47.034,56”;
K. Foi, portanto, em face deste Acórdão fundamento que a ora Recorrente conclui que “(…) o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada na Decisão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue improcedente o pedido arbitral”;
L. Importa, contudo e antes de avançar, relembrar o disposto no n.º 3, do artigo 152.º do CPTA, segundo qual “O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo”;
M. Ora, no caso vertente tanto o Tribunal Central Administrativo Sul como o Supremo Tribunal Administrativo se pronunciaram recentemente sobre esta matéria (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 1358/08.9BESNT, proferido em 8 de maio de 2019 e, bem assim, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, de 20 de fevereiro de 2020), sempre no sentido propugnado pela ora Recorrida;
N. Com efeito, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, no aresto proferido no processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, de 20 de fevereiro de 2020, que: “O art. 56.º do TCE (actual 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, entre Estados-Membros - são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros -. O TJUE em acórdão de 11/10/2007, proferido no processo C-443/06, declarou que: “O artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel..”.Seguindo a jurisprudência do TJUE a operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa neste processo, constitui um movimento de capitais, à face da jurisprudência daquele Tribunal cfr. Acórdão de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer, C-222/97, Colect., p. I-1661, n.º 24., sendo, por isso, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia. Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático». Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU. Contrariamente ao alegado pela recorrente, em face do que se expôs apenas pode concluir-se que o acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo repetidamente a adoptar este entendimento que foi integralmente acolhido pela sentença recorrida que, não enferma, pois, dos vícios que lhe vinham apontados, impondo-se a sua confirmação”.
O. Ora, sendo a questão fundamental de direito discutida no mencionado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo a mesma não pode a Recorrida deixar de manifestar a sua concordância com a Decisão Arbitral proferida pelo Tribunal a quo. De igual modo, sendo a posição perfilhada no Acórdão impugnado idêntica à posição perfilhada no aresto acima mencionado, é plenamente aplicável o disposto no n.º 3, do artigo 152.º do CPTA, devendo, por conseguinte, o presente Recurso ser julgado inadmissível.
P. Por fim, deverá concluir-se como se conclui no mencionado Acórdão, dizendo que: “o acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo)”, pelo que desde já se requer a manutenção da Decisão Arbitral recorrida, com a necessária anulação do ato de liquidação de IRS impugnados.
NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, MANTENDO-SE INTEGRALMENTE A DECISÃO RECORRIDA.

Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de a decisão recorrida ser mantida, no seguinte parecer:

“1 – AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, inconformada com o doutamente decidido no âmbito do processo de Decisão Arbitral e que consta de fls. e segs, vem interpor o presente recurso para uniformização de jurisprudência o que faz nos termos do disposto nos artigos 152º do CPTA, “ex vi” artigo 25º, nº 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, tendo alegado nos termos conclusivos que constam a fls. . Pede, a final que seja revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por Acórdão consentâneo com o que foi decidido na decisão indicada como fundamento.
Com vista à admissão do presente recurso a Recorrente invoca haver contradição sobre a mesma questão fundamental de direito o que leva a soluções opostas, o que se mostra patente na decisão recorrida, com o nº 748/2019-T e a que invoca como fundamento, proferido pelo Tribunal Arbitral com o nº 539/2018-T.
Pois, nas duas decisões há pronúncia sobre a mesma questão fundamental de direito – a tributação no âmbito de IRS a sujeitos passivos não residentes em território nacional - subsumível ao disposto no artigo 43º, nº 2 do CIRS.
2 – A recorrida A……………………. contra-alegou defendendo que se deverá manter a decisão proferida no CAAD, pois não se encontram preenchidos os requisitos necessários para a requerida uniformização de jurisprudência e a recorrente não os indica, desde logo a contradição entre os julgados, sendo que a decisão sob recurso se encontra de acordo com a jurisprudência mais recente dos tribunais superiores, a saber deste STA, não indicando em concreto as razões de direito subjacentes.
3 – São requisitos de admissão do recurso para uniformização de jurisprudência nos termos do disposto no artigo 152º do CPTA:
- Contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral;
- Trânsito em julgado do acórdão fundamento;
- Existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito;
- Ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
Da análise da questão controvertida, também nós entendemos como a recorrida e, por isso sufragamos a sua posição em sede de contra-alegações.
Entendemos, pois, não estarem reunidos os requisitos para a admissão do presente recurso.
A decisão deve ser mantida.”
*

Os autos vêm à conferência do Pleno corridos os vistos legais.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

2.1.1.- Na decisão arbitral recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão, tal como consta em www.caad.pt:

1.A Requerente é residente fiscal no Reino Unido,
2. Em 11 de março de 2016, por escritura pública de partilha, adquiriu pelo valor de € 11.010,00 correspondentes a 25% do prédio afeto a habitação, situado na ...- ... ou ..., freguesia e concelho de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... da dita freguesia, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...,
3. A Requerente adquiriu tal imóvel em três momentos distintos:
(i) em 1990, na sequência do falecimento da mãe da Requerente;
(ii) em 2005, por ocasião do falecimento do pai da Requerente;
(iii) em 2016, por partilha do imóvel supra melhor identificado, através de escritura pública,
4. O valor de aquisição a considerar, na parte pertencente à ora Requerente, corresponde a € 11.010,00,
5. Em 1 de Outubro de 2018, a ora Requerente e os restantes comproprietários, através de escritura pública de compra e venda, procederam à alienação do referido imóvel, pelo preço de €500.000,00,
6. Relativamente à Requerente, proprietário de ¼ do imóvel, o valor de alienação a considerar é de €125.000,00,
7. A Requerente procedeu à entrega da respetiva Declaração Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2018- com data de recepção em 2019-06-28- em cujo anexo G declarou a mais-valia decorrente da alienação do mencionado imóvel, aí inscrevendo o valor de aquisição de € 11.010,00 e o valor de alienação de € 125.000,00,
8. Em resultado da apresentação do modelo 3 (IRS) a Administração Tributária procedeu à emissão da liquidação objeto do presente Pedido, no âmbito da qual tributou a totalidade do saldo positivo da mais-valia imobiliária realizada, à taxa de 28%, tendo apurado imposto a pagar no montante de € 31.163,72.
9. A Requerente procedeu em 2019-08-28 ao pagamento do imposto liquidado pela AT.
10. Em 2019-11-08 a Requerente apresentou junto do CAAD de pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

*

2.1.2.- Na decisão arbitral fundamento foi dada como provada a seguinte matéria factual, tal como consta em www.caad.pt:

1 - O Requerente era residente à data de 2017, em Madrid, Espanha, ou seja, era residente num Estado-Membro da União Europeia, como comprovou;
2 - O Requerente apresentou a sua Declaração Modelo 3 de IRS, de substituição, com o Anexo G, declarando para efeitos de mais-valias os valores de aquisição e de alienação onerosa de dois prédios urbanos, participações sociais, valor de despesas e encargos e rendimentos prediais (Doc. 6).
3 - Verifica-se pelo Rosto da Declaração Mod. 3 que no quadro 8 B foram assinalados pelo Requerente o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da União Europeia) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).
4 - E verifica-se também que o Requerente não preencheu os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro).
5 - Os referidos bens alienados e rendimentos declarados foram todos auferidos todos em território português e eram os seguintes:
3.1 - Fração autónoma designada pela letra C, a que corresponde o 1.º andar D.to, destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua ..., n.º..., freguesia de..., concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz da freguesia de ... sob o artigo ... (Doc. 4), por escritura de 15/09/2017, pelo preço de €255,000,00 (Doc. 3).
A referida fração havia sido adquirida pelo preço de €90.000,00, por escritura pública de 20/04/2015 (Doc. 2).
3.2 - Fração autónoma designada pela letra F, a que corresponde o 2.º andar Esq.º, destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua ..., n.º..., em ..., concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... (Doc. 4), por escritura de venda de 21/03/2017, pelo preço de €155,000,00 (Doc. 5).
A referida fração havia sido adquirida pelo preço de €55.000,00, por escritura pública de 10/11/2015 (Doc. 4).
3.3 - Participações sociais vendidas 06/10/2017, pelo montante de €21.290,10, que havia adquirido em 26/08/2014, pelo preço de €19.805,40.
3.4 - Rendimentos prediais de €4.300,00 respeitantes às rendas relativas às duas frações autónomas alienadas, referidas nos pontos anteriores, sem menção de encargos ou retenções por conta.
6 - A sua declaração foi aceite e validada pela Autoridade Tributária, dando origem à liquidação n.º 2018..., com um montante de imposto a pagar de €46.551,36 (Doc. 7), posteriormente retificada por uma 2.ª liquidação com o n.º 2018..., com um valor de imposto a pagar de €47.034,56, originando um estorno do montante também a pagar, em relação à 1.ª liquidação, de €483,20 (Doc.8).
7 - O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de €46.551,31 em 24-08-2018 e também de €483,20 na mesma data, num total de €47.034,56 (Doc.s 9 e 10).
8 - Pela demonstração da 2.ª liquidação de IRS, com o n.º 2018..., conforme certidão junta aos autos, constata-se o apuramento de um rendimento global e coletável de €167.980,58 e a coleta de €47.034,56 (à taxa de 28%).
9 - O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de €46.551,31 e também de €483,20, num total de €47.034,56, em 24-08-2018 (Doc.s 9 e 10).
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2.2.- Motivação de Direito

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se «o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada na Decisão fundamento» quanto à apreciação da tributação das mais-valias imobiliárias realizadas por não residentes em território português, previsto sob o nº 2 do artigo 43º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
Vejamos.

2.2.1. Da admissibilidade do recurso de uniformização
O presente recurso vem interposto ao abrigo do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi artigo 25.º, nºs. 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária — “RJAT”, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no processo n.º 748/2019-T, em 07.04.2020, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a qual julgou procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela ora Recorrente, no que respeita à tributação no âmbito de IRS a sujeitos passivos não residentes em território nacional - subsumível ao disposto no artigo 43º, nº 2 do CIRS.
Invoca a recorrente oposição entre a decisão arbitral anteriormente identificada e a decisão arbitral proferida no processo nº 539/2018-T.
Neste Supremo Tribunal o Ministério Público sustenta, pelas razões constantes seu Parecer supra transcrito e secundando o ponto de vista sustentando pela recorrida nas suas contra-alegações, que não se verifica um dos requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº 152º do CPTA: entre a decisão arbitral recorrida e a decisão fundamento inexiste, identidade de pressupostos de facto sendo que a recorrente AT não demonstrou a existência de qualquer oposição entre os aludidos julgados.
Importará, então e preliminarmente, perante o circunstancialismo fáctico-jurídico seleccionado aquilatar da verificação dos requisitos do recurso por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito previsto pelo artº 25º, nº 2 do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, DL nº 10/2011, de 20/1).
Consoante o disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT (DL nº 10/2011, de 20/1) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral (cfr. o nº 3 do mesmo art. 25º).
O único requisito explicitamente referido para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência (152º do CPTA) é a existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
Na ausência de qualquer expresso tratamento legislativo neste domínio serão de acatar os critérios jurisprudenciais já fixados na vigência da LPTA e do ETAF quer relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deverá existir contradição, quer quanto à verificação da oposição de julgados.
Nessa senda, os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer alteração legislativa substancial que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
No tocante à existência da oposição, impõe-se que a mesma norma jurídica tenha sido interpretada e aplicada diversamente numa idêntica situação de facto, não podendo ser considerada quando relativamente a um dos acórdãos em oposição vier a ser assinalada uma divergência sobre a factualidade apurada que puder ser determinante para a aplicação de um diferente regime jurídico.
A oposição deverá resultar de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados, o que acarreta que tenha havido julgamento contraditório sobre questões que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal e sobre as quais este carecia de emitir pronúncia – cf., neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Ed. Almedina, pags. 608/609, e, entre muitos outros, acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05.05.1992, in AP.DR de 29.11.1994, pág. 426, de 18.02.1998, recurso 28637, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 13.11.2013, recurso 594/12, de 26.03.2014, recurso 865/13, de 07.05.2014, recurso 60/14, de 25.02.2015, recurso 964/14, e de 18.03.2015, recurso 525/14, todos in www.dgsi.pt.
Não obstante, determina o n.°3 do artigo 152.° que, "o recurso não é admitido se a orientação perfilhada na decisão impugnada estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.”
Em suma e tal como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, e o Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/1 disponível no sítio da Internet wvww.dgsí.pt, são requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência: (i) contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral; (ii) trânsito em julgado do acórdão fundamento; (iii) existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; (iv) ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
Acresce que quanto à caracterização da questão fundamental de direito, é exigível a identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto, oposição que terá deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas, não obstando ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica. E as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais, podendo ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas em oposição ao acórdão recorrido.
*
2.2.2.- Da análise do caso concreto:

No caso sub judicibus é por demais manifesto, contrariamente ao que expendem a recorrida e a EPGA sobre tal apreciação, que a situação factual é semelhante em ambas as decisões.
É incontroverso que a decisão arbitral recorrida apreciou o mérito da pretensão que lhe foi apresentada.
E também o é que ambas as decisões em cotejo se pronunciaram sobre a mesma questão fundamental de direito, concretamente, a de saber se a tributação por mais-valias imobiliárias em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), no caso dos não residentes, tal como prevista na lei em vigor nos anos de 2017 e 2018, viola o princípio da livre circulação de capitais, consagrado no art. 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), por se traduzir numa situação de discriminação entre residentes e não residentes, ficando estes últimos sujeitos a um tratamento fiscal desfavorável.
Assim, no caso atinente à decisão recorrida, estava em causa a liquidação correctiva de IRS que foi efectuada pela AT a uma contribuinte residente fiscal no Reino Unido, pelas mais-valias obtidas com a venda, em 2018, de um imóvel sito em Portimão, por ela adquirido em 2016.
Para calcular o valor do rendimento a tributar, a AT atendeu exclusivamente ao disposto no n.º 1 do art. 43.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), ao qual aplicou a taxa autónoma, não aplicando o regime de exclusão de tributação de 50% previsto no n.º 2 desse artigo, na redacção em vigor à data dos factos.
Foi apresentado pedido de apreciação da legalidade dessa liquidação junto do CAAD, com o fundamento de que esse acto padece de vício de violação de lei, na medida em que constitui uma discriminação negativa dos não residentes, face aos residentes em Portugal, restritiva da liberdade de circulação de capitais e, por isso, contrária ao Direito da União Europeia, em especial das disposições conjugadas dos arts. 18.º, 63.º, 64.º e 65.º do TFUE.
A decisão recorrida deu razão à Requerente, entendendo que a não aplicação do disposto no art. 43.º, n.º 2, do CIRS, pelo qual o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é apenas considerado em 50%, constitui uma discriminação negativa dos não residentes, restritiva da liberdade de circulação de capitais e, por isso, violadora do disposto no art. 63.º do TFUE.
Mais entendeu que essa discriminação não foi sanada com as alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2008), no art. 72.º do CIRS, que aditou os n.ºs 7 e 8 (actualmente n.ºs 13 e 14), que vieram permitir aos não residentes optar pela tributação de rendimentos prediais à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do art. 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, e que na determinação da taxa se tenham em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora do território português. Isto, em sinopse, porque (…)“ Face à circunstância de a AT ter convocado o acórdão do TJUE de 6 de Setembro (processo nº C-184/18) sempre se actualiza que, o mesmo versando sobre residentes em país terceiro, concretamente em Angola, veio a pronunciar-se no seguinte sentido: “(…) 24. Importa constatar que, como resulta da sua letra, o artigo 63º do TFUE estabelece a livre circulação de capitais não apenas entre Estados-Membros mas igualmente entre Estados Membros e Estados terceiros (v., neste sentido, Acórdão de 18 de janeiro de 2018, Jahin, C45/17, EU:C 2018:18, nº 19). 25. Para esse efeito, o artigo 63º TFUE proíbe de modo geral todas as restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros e entre os Estados-Membros e países terceiros. 26. Nestas condições, há que declarar que, uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado-Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais-valias realizadas por um residente no referido Estado-Membro constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 63º, nº 1 do TFUE”. Concluindo o Acórdão do TJUE no seguinte sentido: “Uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incindiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais-valias realizadas por um residente naquele Estado-Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64º, nº 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65º, º 1, TFUE”.
De modo similar, e pelo claro paralelismo com a situação que vem de analisar-se, retira-se do Acórdão Gielen de 18/03/2010 (Processo nº C-440/08):
“(…) O Tribunal de Justiça precisa, que apresenta uma vantagem fiscal cujo benefício é retirado a não residentes, uma diferença de tratamento entre essas duas categorias de contribuições pode ser qualificado de discriminação, na acepção do Tratado FUE, quando não houver nenhuma diferença objetiva situação suscetível de justificar diferenças de tratamento, quanto a esse aspecto, entre categorias de contribuintes (…)“ a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório, frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.
“O reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49º do TFUE em razão do seu carácter discriminatório”.
“O Tratado se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes”. Igualmente, em caso paralelo, se pronunciou o Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 21 de Fevereiro de 2013, Processo C-123/11), sobre a garantia da igualdade de tratamento fiscal entre os residentes e não residentes (embora aqui com referência a pessoas colectivas);
“(…) As regras de cálculo dos prejuízos da filial não residente para efeitos da sua assunção pela sociedade-mãe residente, em operações (…) “ não devem constituir uma desigualdade de tratamento em relação às regras de cálculo aplicáveis caso essa fusão tivesse sido realizada com uma filial residente (…)”
Acresce ainda que, o Supremo Tribunal Administrativo tem, inequivocamente, alinhado a sua posição no sentido de que o regime da tributação das mais-valias imobiliárias incidentes sobre não residentes, constitui uma clara violação aos tratados europeus.
A título meramente exemplificativo, mas pelo seu carácter recente, convoca-se o que vem dito no âmbito do Acórdão do STA proferido em 20.02. 2019 (no âmbito do processo nº 0901/11.0BEALM);
“(…) Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8º, nº 4, da CRP, “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nesse regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU(…)”
Ainda com realce e interesse para o que antecedentemente vem dito, extrai-se do aresto do Tribunal Central Administrativo do Sul de 08-05-2019 (processo nº 1358/08.9BESNT) o seguinte:
A operação de alienação de um bem imobiliário constitui um movimento de capitais, à face da jurisprudência do Tribunal Justiça da União Europeia, sendo, por isso, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia”.
“A legislação nacional ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pela norma comunitária supracitada, sendo o nº 2 do artº 43º do CIRS, incompatível com o referido artº 56º do TJUE (…)”
Face ao exposto, sem necessidade de quaisquer outras considerações, e revertendo à situação dos autos, inexiste base legal que permita à Requerida excluir da tributação das mais-valias o regime previsto sob o nº 2 do artigo 43º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.”
Portanto, julgando incompatível com o Direito Europeu a norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, a decisão recorrida anulou a liquidação em causa, na parte eivada por essa ilegalidade.

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Por seu turno, no caso a que se refere a decisão fundamento, estava também em causa uma liquidação de IRS efectuada a um não residente – cidadão espanhol e residente no Reino de Espanha –, respeitante a mais-valias imobiliárias obtidas em Portugal no ano de 2017.
Foi apresentado pedido de apreciação da legalidade dessa liquidação junto do CAAD, segundo o qual:
“14 - Apresenta-se, pois, neste processo, uma dupla situação que encerra incongruências, entre si, quanto ao que o Requerente pretende, porquanto:
a) Por um lado, pretende a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, que é aplicável às mais valias obtidas em território português, que, de facto manda considerar a tributação de 50% saldo das mais-valias de imóveis, respeitantes às transmissões efetuadas por residentes, previstas na alínea a)2 do n.º 1 do artigo 10.º.
b) Por outro lado, exige que seja feita uma tributação do referido saldo, reduzido em 50%, com aplicação da taxa aplicável a não residentes de 25%, conforme opção de tributação pelo regime geral, conforme campo 07 do quadro 8B da sua Declaração mod. 3 de IRS, e não pela aplicação das taxas gerais do artigo 68.º e das demais regras aplicáveis aos residentes.
15 - Ora, esta forma de tributação mista, de escolha do melhor dos regimes de tributação, ou seja, ser considerado como residente para efeitos de aplicação do artigo 43.º, n.º 2 e não residente para efeitos de aplicação da taxa do artigo 72.º, n.º 1, ambos do CIRS, o que é incongruente e inaplicável, e nem sequer se pode argumentar que há violação dos Tratados da União Europeia, por não se estar perante uma qualquer discriminação.
16 - Isto porque o Requerente tinha ao seu dispor a possibilidade de ver tributadas as suas mais-valias de harmonia com todas as regras aplicáveis aos residentes, se, para tanto, tivesse feito essa opção, ao abrigo do n.º 9 do artigo 72.º do Código do IRS, como a lei lhe permite - o que não aconteceu.
17 - Assim, ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias, pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, não assiste razão ao Requerente.
18 - Aliás, nem aos residentes as normas do CIRS permitem esta dualidade de tratamento, ou seja, redução a 50% das mais-valias imobiliárias e aplicação das taxas do artigo 72.º do CIRS, obrigando sempre, neste caso, ao englobamento deste saldo com os demais rendimentos para aplicação à totalidade dos rendimentos auferidos as taxas gerais do artigo 68.º do Código do IRS.
19. O regime escolhido pelo Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º aplicáveis a não residentes e não as aplicáveis a residentes, pelo que o regime escolhido deve ser aplicado "in toto", como procedeu, e bem, a Requerida, no entender do Tribunal.
19 - Assim sendo, não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas.
20- Recorda-se que o Acórdão do TJCE de 2007OUT11 (Hollman) foi proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, já anteriormente citadas, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram - o que não foi o caso.”
Nessa conformidade entendeu o Acórdão fundamento que a liquidação impugnada não era incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE e, dada a opção do Requerente, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação.

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Ante o exposto, é forçoso concluir que ambas as decisões se pronunciaram sobre a mesma questão, no âmbito do mesmo quadro legislativo (as liquidações em causa respeitam ao ano de 2018, sem que as regras do CIRS aplicáveis tenham sofrido alteração), e o fizeram em sentido divergente.

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Não obstante, importa ainda deslindar se a decisão recorrida perfilha orientação que esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo – a afastar a admissibilidade do recurso, nos termos do art. 152.º, n.º 3, do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT –, até porque quer a Recorrida quer o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo entenderam que o recurso não deveria ser admitido com esse fundamento.
Aquilatando:
Não obstante a verificada contradição, o recurso não deve prosseguir para conhecimento do mérito, porquanto a decisão recorrida se encontra em plena sintonia com orientação mais recentemente consolidada deste STA sobre a matéria, isto em plena adesão ao discurso fundamentador vertido no Acórdão do Pleno deste STA prolatado em 20.01.2021, no Processo nº 056/20.0BALSB e cuja solução foi seguida pelos Acórdãos do Pleno daquela mesma data, nos Processos nºs 071/20.3BALSB e 0108/20.6BALSB e que foi elaborada nos seguintes termos:
“(…)
“Efectivamente, no passado dia 9 de Dezembro foram proferidos em Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal administrativo dois Acórdãos – proferidos nos processos n.º 75/20.6BALSB e n.º 64/20.0BALSB -, pelos quais se consolidou o entendimento – já antes consagrado em Acórdãos da Secção -, segundo o qual o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art. 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, ou, na outra versão, Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo
II - O entendimento contrário é discriminatório, nos termos do artigo 65.º n.º 3, por referência ao n.º1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
Estando a decisão recorrida em plena sintonia harmonia com esta jurisprudência do STA, que entretanto se consolidou, e tendo o recurso sido admitido, não há que conhecer do respectivo mérito, porquanto dispõe o n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT, que o recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, o que se verifica in casu.”
Nessa conformidade, foi uniformizada jurisprudência no seguinte sentido:
«o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art. 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da UE ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.»
Destarte, a decisão recorrida está em conformidade com aquela que é a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, de acordo com os critérios que têm vindo a ser definidos nos referidos arestos, de que se destaca o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Dezembro de 2012, tirado no processo n.º 0932/12, no qual se proclamou que «a jurisprudência consolidada deve transparecer ou do facto de a pronúncia respectiva constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção (consoante prevê o art. 17º, nº 2, do actual ETAF) ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade em todas as formações da Secção».
E, como veio de demonstrar-se, já resultando reunida a dita sequência inquebrantável, não se encontra preenchido o requisito de admissão do recurso previsto no n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, o que determina que dele não se conheça.

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3.- Decisão:

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não tomar conhecimento do recurso.

Custas pela Recorrente.

Comunique-se ao CAAD.
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Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os restantes Conselheiros que integram a formação de julgamento.
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Lisboa, 24 de Fevereiro de 2021. - José Gomes Correia (Relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.