Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0426/17
Data do Acordão:07/12/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:RECLAMAÇÃO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22133
Nº do Documento:SA2201707120426
Data de Entrada:04/04/2017
Recorrente:ADC - ÁGUAS DA COVILHÃ, EM
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:Reclamação nos termos do artº 643.º do CPC

Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1– RELATÓRIO:
ADC- Águas da Covilhã- EM, melhor identificada nos autos apresentou reclamação, nos termos do art. 643.º do CPC, aplicável subsidiariamente, ex vi art.º 2º do CPPT, do despacho, proferido pelo Mº Juiz do Tribunal Tributário de Castelo Branco de 10 de Fevereiro de 2017, o qual consta de fls. 20 e 21 dos presentes autos através do qual foi rejeitado o seu requerimento de interposição do recurso por a impugnação judicial ter apenas o valor de 2.688,32 Euros que se situa abaixo do valor de 5000 Euros que é actualmente o valor da alçada dos tribunais tributários de 1ª instância.
Inconformada com o assim decidido, interpôs a ora recorrente, a presente reclamação pedindo a admissão do recurso, sustentando que o legislador em Outubro de 2015, estando já em vigor a lei nº 82-B/2014 de 31/12 reviu substancialmente o ETAF não alterando o nº 2 do artº 6º pelo que este normativo está em vigor dado ser uma norma especial sendo que a LGT é norma geral pelo que o artº 105 desta é que estaria tacitamente revogado uma vez que a alteração do ETAF de 2015 é posterior à da LGT efectuada em 01/01/2015.
A parte recorrida A……….. pronunciou-se a fls. 24 a 26 dos autos defendendo a improcedência da reclamação.

O Ministério Público junto deste STA emitiu parecer no sentido de ser desatendida a reclamação.

Por decisão sumária, de 06/06/2017, proferida neste STA foi determinado:
“Por tudo o exposto, falece razão à ora reclamante, desatendendo-se a sua reclamação e mantendo-se a decisão recorrida na ordem jurídica, devendo os autos baixar, oportunamente à instância”.

Não se conformando vem agora a mesma reclamante, apresentar reclamação para a conferência requerendo que sobre a matéria recaia acórdão.
Apresenta a seguinte fundamentação:
A.D.C - Águas da Covilhã, EM, reclamante nos autos em referência, notificada da decisão de indeferimento da sua reclamação proferida nos presentes autos, vem, nos termos e ao abrigo do disposto nos art. 643°, n° 4 e 652°, n° 3, ambos do CPC, aplicáveis por força do estatuído na al. e) do art. 2° do CPPT, apresentar reclamação para a conferência, requerendo que sobre a matéria do despacho recaia acórdão,
Porquanto:
A decisão do Senhor Juiz Conselheiro Relator louva-se na doutrina do Acórdão do STA de 24/02/2016 que defende que “… com a entrada em vigor da referida Lei n° 82-B/2014, em 1 de janeiro de 2015, ocorreu a revogação tácita da norma contida no n° 2 do artigo 6° do ETAF reafirmando o entendimento interpretativo das disposições legais em causa;
Já na sua reclamação contra o indeferimento do seu requerimento de recurso, a ora reclamante defendeu e continua a defender a seguinte interpretação:
O despacho reclamado rejeita o recurso por entender que por aplicação da norma do artº 105 da Lei Geral Tributária rva a norma contida no nº 2 do art. 6º do ETAF foi tacitamente revogada pela norma do art. 105º da Lei Geral Tributária a acção sub judice não admite recurso, já que deve ser aplicável a Lei Geral Tributária em detrimento do ETAF. E, invoca o acórdão do STA de 24/02/2016 que defende ter o nº 2 do artº 6º do ETAF ter sido revogado tacitamente.
Contudo,
O artº 2º do CPPT não é aplicável, pois este só é aplicável aos casos omissos. Sendo certo que
O nº 2 do art. 6º do ETAF dispõe: “A alçada dos tribunais tributários corresponde a um quarto da que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância.”
O art. 105º da LGT informa: “A alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância.”
A LGT tem a redação que lhe deu a lei n.º 82-B/2014, de 31/12.
O legislador alterou o ETAF pelo decreto-lei n.º 214-G/2015, de 02/10,
Após ter sido elaborada proposta pela Comissão de revisão desse mesmo estatuto, especialmente constituída para esse efeito através do despacho nº 9415/2012.
Portanto, o ETAF foi revisto posteriormente à alteração da LGT através da lei do orçamento de Estado para 2015.
Refere Guilherme Moreira no seu Instituições do Direito Civil Português, Vol. 1, pp. 21: “Revogação tácita é a que resulta do próprio teor da nova lei, em virtude da incompatibilidade entre as suas disposições e as da lei anterior.”
Assevera Cunha Gonçalves in Tratado de Direito Civil, Vol. 1, pp. 159: “... a lei revogatória deve ser, sempre, posterior à lei a revogar...”
Prescreve, por seu turno, o nº 3 do art. 9º do Código Civil: “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
O legislador, em outubro de 2015, estando já em vigor a lei nº 82-B/2014, de 31/12, reviu substancialmente o ETAF, constituindo mesmo uma Comissão de sábios para propor a revisão.
Ainda assim nem a referida Comissão nem o legislador quiseram alterar a redação do nº 2 do art. 6º do ETAF.
Por outras palavras, o legislador quis que se mantivesse a redação do nº 2 do art. 6 do ETAF e exprimiu o seu pensamento em termos adequados,
Não alterando uma norma (a do nº 2 do art. 6º) que, nesse momento, tinha consciência de que podia conflituar com outra norma já em vigor.
A LGT não tem valor reforçado nem é hierarquicamente superior ao ETAF.
O legislador alterou a LGT em 1 de janeiro de 2015.
O legislador alterou o ETAF em 02/10/2015.
Logo, não ocorreu a revogação tácita do nº 2 do art. 6º do ETAF.
Pelo contrário, seguindo o raciocínio supra, é o art. 105º da LGT que está tacitamente revogado.
Por outro lado.
A matéria das alçadas está regulada nas leis de organização e funcionamento dos tribunais.
Aliás, é o ETAF que impõe que os tribunais administrativos e fiscais têm alçada. (nº 1 do art. 6º do ETAF)
Podendo concluir-se que, em matéria de alçadas, as leis de organização e funcionamento dos tribunais (administrativos e fiscais) são leis especiais.
Já a Lei Geral Tributária é uma lei geral, assim se denomina ela própria.
Logo, a lei geral não revoga a lei especial (art. 7º nº 3 do Código Civil).
Concluindo, o nº 2 do art. 6º do ETAF está em vigor na ordem jurídica.
TERMOS EM QUE, e CONCLUINDO,
O legislador quis manter em vigor o n° 2 do art. 6° do ETAF, sendo esta lei especial relativamente à Lei Geral Tributária, pelo que, aquele normativo se mantém em vigor na Ordem Jurídica Portuguesa, e, em consequência, deve a decisão do Senhor Juiz Conselheiro Relator ser revogada e substituída por outra que, a final, admita o interposto recurso.

2 - Do Direito
O meritíssimo juiz de 1ª instância, decidiu rejeitar o requerimento de interposição de recurso por entender que, por força do disposto no artº 280º nº 4 do CPPT conjugado com o artigo 105 da LGT não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar 5000 Euros e sendo o valor da presente acção inferior não era admissível recurso da sentença de 27/01/2017 que anulou a liquidação impugnada na parte em que se refere a Tarifa de saneamento.
E, como já se referiu por decisão sumária neste STA foi decidido não atender a reclamação, com o que a recorrente não se conforma pelas razões supra destacadas.

Decidindo neste STA, em Conferência:
Mostram os autos que, a ora recorrida propôs impugnação judicial do indeferimento de reclamação graciosa por si deduzida contra o acto de liquidação a que se reporta a factura referenciada nos autos.

Considerou o Tribunal Tributário de Castelo Branco, por decisão proferida em 27/01/2017 ser de julgar procedente a impugnação tendo atribuído à causa o valor de 2.688,32 Euros.
Desta decisão foi notificada a ora reclamante tendo interposto recurso para este Supremo Tribunal por requerimento cuja cópia consta de fls. 19 dos autos.
A 10-02-2017 pronunciou-se o Tribunal Tributário de Castelo Branco não admitindo o recurso.
Cumpre decidir do acerto desta decisão.
Afigura-se-nos que não assiste razão à ora reclamante.
O valor da causa inferior a 5000 Euros, não permite no actual quadro legislativo a apresentação de recurso da decisão judicial que foi proferida.
Vejamos, melhor destacando-se que a ora reclamante continua a esgrimir a ideia base de que tendo o legislador alterado a LGT em 01/01/2015 e só posteriormente o ETAF não ocorreu a revogação tácita do nº 2 do artº 6º do referido ETAF sendo ao invés o artº 105º da LGT que está tacitamente revogado e que sendo o ETAF lei especial que regula em matéria de alçadas é a ele que devemos atender.

Nos termos do disposto no artigo 105.º da LGT, na redacção introduzida pela Lei 82-B/2014, de 31/12, em vigor em 01/01/2015, a alçada dos tribunais tributários corresponde à dos tribunais judiciais de 1.ª instância.
De acordo com o estatuído no artigo 44.°/1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovado pela Lei 40-A/2016, de 22/12, a alçada dos tribunais judiciais de 1ª instância está fixada em € 5.000,00, pelo que é essa a alçada dos tribunais tributários, a partir de 01/01/2015.
A nosso ver com a entrada em vigor da lei 82-B/2014, em 01/01/2015, verificou-se a revogação tácita da norma do artigo 6.°/2 do ETAF, que estatuía que a alçada dos tribunais tributários correspondia a ¼ da que se encontrava estabelecida para os tribunais judiciais de 1ª instância.
De facto, nos termos do estatuído no artigo 7.°/2 do CC, a lei posterior revoga a anterior não só quando expressamente o declara, como, ainda, como é o caso em análise, seja com ela incompatível.
É certo que o ETAF foi objecto de alterações (e republicação), operadas pelo DL 214-G/2015, aos artigos 1.º, 2.°, 4º, 9º 13°, 17.°, 24.°, 29.°, 40.°, 41.°, 43º, 46°, 48.º, 49.º, 51°, 52.°, e 74°, mas, ao contrário do que sustenta a reclamante, isso não significa que a norma do artigo 6.°/2 recuperasse a sua vigência e tivesse ocorrido a revogação das normas que tacitamente a haviam revogado.
Na verdade, o legislador que procedeu às alterações ao ETAF não manifestou a intenção de modificar a matéria das alçadas ou de proceder à alteração da norma que constava do artigo 6.° e que havia sido, entretanto, revogada (Neste sentido acórdão do STA, de 24/02/2016-Recurso n.º 01291/15, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
Assim, tendo a acção de impugnação judicial sido iniciada a partir de 01/01/2015 e sendo o valor da acção de € 2.886,32, é certo que, nos termos do estatuído no artigo 280.°/4, na redacção introduzida pela Lei 82-B/2014, de 31/12, a sentença proferida nos autos não é susceptível de recurso.
Este STA tem vindo a decidir, uniformemente, a questão suscitada destacando-se apenas um dos últimos e mais recentes acórdãos, o tirado no rec. 0295/17 de 28/06/2017.
A decisão objecto da presente reclamação, não merece, assim, censura.

Termos em que é de desatender a presente reclamação, e manter a decisão recorrida na ordem jurídica, baixando os autos à instância.

Decisão:
Por tudo o exposto, acordam os Juízes deste STA em desatender a reclamação e em confirmar a decisão sumária do Sr. Juiz Relator, de 06/06/2017, que manteve a decisão recorrida na ordem jurídica, devendo os autos baixar, oportunamente, à 1ª instância.
Custas a cargo da reclamante.
Notifique.
Lisboa, 12 de Julho de 2017. - Ascensão Lopes (relator) - Isabel Marques da Silva - António Pimpão.