Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0430/11
Data do Acordão:05/26/2011
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:PAIS BORGES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Sumário:I - Nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, "excepcionalmente”, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
II - Justifica-se a admissão da revista, à luz da enunciada orientação jurisprudencial, com vista a uma intervenção clarificadora do STA em ordem a uma melhor aplicação do direito, quando a questão colocada tem a ver com os termos da maior exigência do requisito fumus boni juris nas providências antecipatórias, tarefa que, em bom rigor, não poderá dissociar-se da análise de outros aspectos inerentes ao juízo de probabilidade de procedência da pretensão formulada no processo principal, designadamente no que concerne à relevância ou operatividade, para a requerente da providência, da invalidade assacada ao acto, tendo em conta a jurisprudência deste STA sobre a matéria.
Nº Convencional:JSTA000P12947
Nº do Documento:SA1201105260430
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:B... E MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
(Relatório)
A… e outros, todos contra-interessados identificados nos autos, interpuseram para este Supremo Tribunal Administrativo recurso de revista do acórdão do TCA Norte, de 25.02.2011 (fls. 1268 e segs.), que confirmou sentença do TAF do Porto pela qual foi julgada procedente a providência cautelar requerida por B… contra o MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS [admissão provisória ao curso de formação diplomática iniciado a 06.04.2010, bem como o exercício de todas as funções inerentes à categoria de adido de embaixada].
Alegam que a admissão da revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, face às questões suscitadas, em seu entender mal decididas, sustentando que na apreciação do fumus boni juris o Tribunal recorrido faz uma interpretação muito ampla das condições de procedência da acção, atendendo a que nas providências antecipatórias se exige um fumus mais intenso do que nas conservatórias.
A recorrida, requerente da providência, sustenta na sua contra-alegação a inadmissibilidade da revista, por ausência dos pressupostos enunciados no art. 150º, nº 1 do CPTA, realçando a jurisprudência restritiva do STA acerca da aceitação dos aludidos pressupostos, acrescidamente em sede de decisões respeitantes à apreciação de providências cautelares.
(Fundamentação)
O art. 150º n° 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, “excepcionalmente”, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
A jurisprudência do STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n°s 92/VIII e 93/VIII, de uma “válvula de segurança do sistema” que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.
Deste modo, a intervenção do STA só se justificará em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se generalizar este recurso de revista, o que não deixaria de se mostrar desconforme com os aludidos fins tidos em vista pelo legislador.
Na concretização dos conceitos relativamente indeterminados que a lei estabelece como orientação para a filtragem dos recursos de revista a admitir excepcionalmente, a aludida jurisprudência do STA tem vindo a entender que a relevância jurídica fundamental exigida pelo artigo 150º nº 1 do CPTA se verifica, designadamente, quando a questão a apreciar seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, bem como nas situações em que esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social ou da controvérsia relativamente a futuros casos do mesmo tipo, mas em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
A admissão da revista para melhor aplicação do direito terá lugar, designadamente, e segundo a referida jurisprudência, quando, em face das características do caso concreto, ele revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros, e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, assim fazendo antever como objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.
No caso sub judice, e à luz da orientação jurisprudencial enunciada, entendemos que se justifica a admissão da revista.
O que está aqui, essencialmente, em causa é o facto de o júri do concurso para ingresso na categoria de adido de embaixada, da carreira diplomática, perante os resultados globais obtidos na prova escrita de conhecimentos, elaborados com base nas classificações parcelares atribuídas, e constatando que apenas 40 dos 204 candidatos obtiveram classificação igual ou superior a 14 valores (o que implicava a exclusão do concurso de 164 candidatos, nos termos do art. 11º do Regulamento do concurso), ter atribuído um aditamento de 5% à classificação de todos os concorrentes, para alargar a base de selecção, alegadamente em violação dos princípios da legalidade, da igualdade e da imparcialidade.
Perante a requerida providência cautelar de admissão provisória ao curso de formação de adidos de embaixada, do qual a requerente ficara excluída, o TAF empreendeu a indagação sobre a verificação dos pressupostos de concessão da providência antecipatória, previstos no art. 120º, nº 1, c) e nº 2 do CPTA.
E, nessa tarefa, deu por verificados os requisitos do periculum in mora (considerando que só o decretamento da providência, antecipando provisoriamente os efeitos da decisão definitiva, anulará o prejuízo da demora e da situação de facto consumado) e do fumus boni juris (considerando ser altamente provável a procedência da acção anulatória principal), tendo por fim efectuado a devida ponderação dos interesses públicos e privados em confronto, nos termos do citado nº 2 do art. 120º do CPTA, concluindo pela prevalência dos interesses da requerente.
O acórdão recorrido confirmou integralmente, dentro dos limites próprios da tutela cautelar, a apreciação positiva dos pressupostos de concessão da providência empreendidos pela 1ª instância, concluindo, no essencial, e no que respeita ao contestado requisito da aparência do bom direito, que se constata “uma forte probabilidade de ilegalidade da deliberação em causa”, afirmando expressamente:
“Na verdade, desde que se prove o alegado de que, sempre que se procedia à correcção de uma prova, o júri elaborava a lista dos candidatos que prosseguiam no concurso e dos que eram excluídos, pelo que tinha sempre conhecimento da identidade das pessoas que se encontravam a concurso, ainda que no momento da correcção dos exames não soubessem, em concreto, a que candidato pertencia cada prova, é mais do que suficiente para que a procedência seja muito forte por violação de todos os princípios invocados e para além de violação dos preceitos legais.
Este facto é, por si só, fortemente indiciário da provável procedência da acção principal, sendo por isso de manter a sentença recorrida.”
Apesar de estarmos perante decisões proferidas em sede cautelar, domínio em que a jurisprudência deste STA tem sido muito restritiva quanto à admissão de recursos de revista, considerando, a tal propósito, que se trata de regulação provisória da situação, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, o certo é que a questão aqui colocada pelos recorrentes - da maior exigência na apreciação do fumus boni juris nas providências antecipatórias - possui alguns contornos de manifesta e particular relevância jurídica que aconselham uma intervenção clarificadora deste Supremo Tribunal em ordem a uma melhor aplicação do direito.
O que passa por esclarecer com algum detalhe os termos da maior exigência desse requisito nas providências antecipatórias, em que o art. 120º do CPTA exige, numa formulação positiva, a probabilidade de procedência da pretensão formulada no processo principal [al. c) do nº 1], por contraponto com o que se dispõe para as providências conservatórias, em que o preceito apenas exige, numa formulação negativa, que não seja manifesta a falta de fundamento daquela pretensão [al. b) do nº 1].
Tarefa que, em bom rigor, não poderá dissociar-se da análise de outros aspectos inerentes àquele juízo de probabilidade de procedência da pretensão formulada no processo principal - e que têm a ver com a afirmação do fumus boni juris ou aparência do bom direito -, designadamente no que concerne à relevância ou operatividade, para a requerente da providência, da invalidade assacada ao acto, tendo em conta a jurisprudência deste STA sobre a matéria.
(Decisão)
Com os fundamentos expostos, por se verificarem os pressupostos exigidos pelo art. 150º, nº 1 do CPTA, acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Lisboa, 26 de Maio de 2011. – Pais Borges (relator) – José Manuel da Silva Santos BotelhoAlberto Acácio de Sá Costa Reis.