Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01159/13
Data do Acordão:11/05/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO
SISA
ISENÇÃO
Sumário:I – No âmbito da vigência do art.º 238.º, § 1.º do Decreto n.º 5.219, de 8/3/1919 as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo e as operações por elas realizadas para qualquer dos fins abrangidos pelo disposto no art.º 3.º do mesmo Decreto, são isentas do pagamento de toda e qualquer contribuição e imposto, sendo que, tratando-se de isenção de sisa, a mesma está dependente de a obrigação cujo incumprimento foi efectuado através de dação em função do cumprimento - transmissão de imóvel que originou a liquidação impugnada -, ter nascido nomeadamente para satisfazer “fins exclusivamente agrícolas” – cfr. art.ºs 238.º/§ 1.º, 3.º/1, 235.º a 237.º e 285.º do citado Decreto 5.219, de 8/3/1919.
II – Tratando-se de uma isenção automática e oficiosa, não lhe é aplicável o disposto nos art.ºs 11.º/20 e 15.º/1 do CIMSISSD.
Nº Convencional:JSTA000P18184
Nº do Documento:SA22014110501159
Data de Entrada:06/28/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE A.........., CRL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de A…………, CRL., com os demais sinais dos autos, contra o acto de indeferimento de uma reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de imposto municipal de sisa, relativa ao ano de 2003, no montante de 32.802,82 Euros, acrescendo 17.942,69 de juros compensatórios (ou seja no montante total de 50.745,51 Euros (32.802,82 Euros).

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. A impugnante não procedeu atempadamente ao pagamento da sisa devida, nem requereu o reconhecimento da isenção prevista na segunda parte do n.º 20, do art. 11.º do CIMSISSD;
2. O benefício a isenção de sisa previsto naquela norma do CIMSISSD, não é de reconhecimento oficioso e automático;
3. Aquele benefício depende de prévio reconhecimento por parte do Ministro das Finanças, tal como dispõe o § 1.º do art.º 15.º, do CIMSISSD;
4. Esse reconhecimento tem eficácia constitutiva e não meramente declarativa;
5. A referida isenção de sisa só produz os seus efeitos e se torna eficaz, depois de proferido o despacho ministerial que a reconheça;
6. A liquidação efectuada pela AF é legal, mostra-se correcta e o seu valor é devido;
7. Decidiu mal a Meritíssima Juíza ao julgar procedente a impugnação, violando assim as normas constantes no n.º 1, e no § 1.º, do art.º 15.º, do CIMSISSD e do n.º 1, do art.º 65.º do CPPT.
Termina pedindo a procedência do recurso, com a revogação da sentença recorrida e a improcedência da impugnação.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. Tendo o recurso sido interposto e admitido para o TCA Sul, foi ali proferida, em 28/5/2013, a decisão sumária de fls. 239/244, julgando o TCAS incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, com fundamento em que este versa exclusivamente matéria de direito, declarando, consequentemente, competente este STA.

1.5. Remetidos os autos ao STA, continuaram com Vista ao MP, que emite Parecer nos termos seguintes, além do mais:
«(…) O recurso não merece provimento.
A questão de direito em discussão nestes autos já foi objecto de decisão por este STA nos acórdãos de 8 de Julho de 2009 - P. 0152/09 e de 26 de Setembro de 2012 - P. 0523/12 ((1) Ambos disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt.), cujo discurso fundamentador se subscreve.
Efectivamente decidiu-se nesse primeiro douto acórdão que:
1 - O artigo 238.º, § 1.º do Decreto n.º 5.219, de 8 de Março de 1919, mantém-se em vigor na ordem jurídica;
2 - As Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, as operações por elas realizadas para qualquer dos fins abrangidos pelo disposto no artigo 3.º ou de outros que por este regulamento lhes são permitidos, e os títulos que as representem, bem como registos de hipoteca, averbamentos cancelamentos, certificados, notas e requerimentos respeitantes e empréstimos por elas mutuados a seus sócios, são isentos do pagamento de toda e qualquer contribuição e imposto;
3 - A isenção de sisa está dependente de a obrigação cujo incumprimento foi efectuado através de dação em função do cumprimento – transmissão de imóvel que originou a liquidação impugnada –, ter nascido nomeadamente para satisfazer "fins exclusivamente agrícolas” – artigos 238.º/ § 1.º, 3.º/1, 235.º a 237.º e 285.º do Decreto 5219, de 8 de Março de 1919;
4 - Trata-se de uma isenção automática e oficiosa, não lhe sendo aplicável o disposto nos artigos 11.º/20 e 15.º/1 do CIMSISSD.
Não pondo a recorrente em causa a verificação dos pressupostos substantivos de isenção, mas apenas a omissão da formulação do prévio pedido de isenção, ao abrigo do disposto no artigo 15.º/1 do CIMSISSD, a impugnação não poderia deixar de proceder.
Termos em que, pelos fundamentos apontados, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

1.6. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) A Impugnante é uma caixa de crédito agrícola mútuo constituída sobre a forma de cooperativa de responsabilidade limitada, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Santiago do Cacém sob o nº 00144/830708;
B) Por escritura pública outorgada em 1997.12.16, a Impugnante, através de dação em pagamento, adquiriu os seguintes prédios:
i. Prédio rústico sito na freguesia de ……… inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 166 secção Q;
ii. Prédio rústico sito na freguesia de ……… inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 145 secção Q;
iii. Prédio misto sito na freguesia de ………, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 300;
iv. Prédio misto sito na freguesia de ………, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 813;
C) Na sequência de uma acção inspectiva foi liquidada sisa, com fundamento em não terem sido cumpridos os formalismos do artigo 15.º do CIMSISSD;
D) Em 2003.02.19, foi liquidado imposto municipal de sisa no montante global de € 50.745,51, dos quais € 32.802,82 de Imposto Municipal de Sisa e € 17.942,69 de juros compensatórios;
E) A Impugnante reclamou;
F) Por despacho de 2005.08.31, a reclamação foi indeferida;
G) Da informação elaborada e considerada como projecto de decisão transcreve-se:
i. (...) a Reclamante não utilizou os procedimentos legais necessários para poder usufruir da isenção de sisa;
ii. Com efeito, e porque esta é uma isenção condicionada, à data da realização da escritura de dação em cumprimento não estavam reunidas todas as condições de acesso, nomeadamente o reconhecimento da isenção por parte do Ministro das Finanças, nos termos do artigo 15/1 do CIMSISSD;
H) Em 2005.10.03, a presente impugnação deu entrada no Serviço de Finanças de Santiago do Cacém.

3.1. Como acima se disse, o recurso foi inicialmente interposto para o TCA Sul, tendo ali sido proferido decisão sumária declarando a incompetência, em razão da hierarquia, desse Tribunal, para conhecer do recurso, considerando competente o STA, dado que o recurso versa apenas matéria de direito.
Ora, porque, na verdade, as partes divergem apenas quanto à interpretação das regras jurídicas aplicáveis, não havendo, além disso, controvérsia a este propósito, também aqui se entende, na perspectiva considerada pelo TCAS, que o recurso tem por exclusivo objecto matéria de direito (nº 1 do art. 280º do CPPT).
Há, assim, apreciar a questão de fundo: o invocado erro de julgamento da sentença quando à questão da isenção questionada.
Vejamos, pois.

3.2. Estamos perante uma impugnação judicial do indeferimento de uma reclamação deduzida contra liquidação de sisa (e respectivos juros compensatórios) por via de outorga de escritura de dação de imóveis em função do pagamento, efectuada em 16/12/1997.
Na PI da impugnação a impugnante/recorrida invocara que às Caixas de Crédito Agrícola Mútuo vinha sendo reconhecida isenção de impostos, pois que se o art.º 38° da Lei n.º 215, de 30/6/1914, já estabelecia que «As Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, as operações por ela realizadas e os títulos que as representem (...) são isentos do pagamento de toda e qualquer contribuição ou imposto(...)», também o § 1.º do art.º 238.º do Regulamento do Crédito Agrícola Mútuo, aprovado pelo Decreto n.º 5.219, de 8/1/1919, lhes concedia uma isenção fiscal absoluta e total e esta norma não foi até hoje revogada, sendo que, posteriormente, o art.º 2.º do Decreto n.º 11.797, de 25/7/1926 manteve e reafirmou as isenções fiscais à Caixas de Crédito Agrícola Mútuo («As Caixas de Crédito Agrícola Mútuo são consideradas estabelecimentos de utilidade pública, sendo-lhes mantidas todas as isenções fiscais e tributárias, bem como todos os privilégios concedidos pelas leis vigentes sobre crédito agrícola mútuo.») e o art.º 4.º do DL n.º 231/82, de 17/6 igualmente refere que «Mantêm-se em vigor todas as isenções previstas nas leis relativas às Caixas de crédito agrícola mútuo e às suas operações».
Acrescendo que, mesmo especificamente em relação ao imposto de sisa, as Caixas Agrícolas estão dele isentas, pelas aquisições de direitos sobre imóveis destinados à directa realização dos seus fins (como também do imposto de sucessões e doações), enquanto cooperativas, nos termos das als. d) e e) do n.º 1 do art.º 3.º do DL n.º 456/80, de 9/10.

3.3. A sentença julgou procedente a impugnação judicial, no entendimento de que, gozando a recorrida de direito material de isenção de sisa e tendo o reconhecimento da isenção efeito meramente declarativo, o facto da recorrida não ter pedido a isenção prévia de isenção ao abrigo do art.º 15.º/1 do C.Sisa não afasta o direito à mesma isenção.
Do assim decidido discorda a recorrente Fazenda Pública, sustentando, como se viu, que a sentença enferma de erro de julgamento na interpretação das normas constantes no n.º 1, e no § 1.º, do citado art. 15.º do C.Sisa e do n.º 1 do art. 65.º do CPPT, dado que a questionada isenção (prevista no n.º 20 do art.º 11.º do C.Sisa) não é de reconhecimento oficioso e automático, antes dependendo de prévio reconhecimento pelo Ministro das Finanças (como estabelece o mencionado § 1.º do art. 15.º). E assim, uma vez que o reconhecimento tem eficácia constitutiva e não meramente declarativa, a dita isenção só produz efeitos e se torna eficaz depois de proferido o despacho ministerial que a reconheça.
Esta é, portanto, a questão a decidir.
Vejamos.

4.1. No n.º 20.º do artigo 11.º do ora revogado Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações dispunha-se (na redacção ao tempo aplicável):
«Ficam isentas de imposto municipal de sisa:
(…)
20.º - As aquisições de bens por instituições de crédito ou por sociedades comerciais cujo capital seja directa ou indirectamente por aquelas dominado, em processo de execução movido por essas instituições ou por outro credor, bem como as efectuadas em processo de falência ou de insolvência e, ainda, as que derivem de actos de dação em cumprimento, desde que, em qualquer caso, se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.
No caso de serem adquirentes sociedades directa ou indirectamente dominadas pelas instituições de crédito, só haverá lugar à isenção quando as aquisições resultem da cessão do crédito ou da fiança efectuadas pelas mesmas instituições àquelas sociedades comerciais.»
E o artigo 15.º do mesmo Código estabelecia o seguinte:
«Para efeitos de isenção ou redução de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, deverão os requerimentos ser apresentados nos seguintes prazos:
1.º - Antes do acto ou facto translativo referido no artigo 47.º, mas sempre antes da liquidação que porventura seja efectuada nos termos deste preceito legal, ou nos prazos estabelecidos no artigo 115.º, conforme os casos;
2.º - Dentro do prazo para a apresentação da relação de bens a que se refere o artigo 67.º.
§ 1.º - As isenções a que se referem os n.ºs 16.º do artigo 11.º, 11.º do artigo 12.º, 3.º, 14.º e 15.º do artigo 13.º serão concedidas pelo director-geral das Contribuições e Impostos e as previstas na parte final do corpo do n.º 20.º e no n.º 31.º do artigo 11.º, bem como no n.º 11.º do artigo 13.º, pelo Ministro das Finanças, devendo o requerimento ser instruído com os documentos necessários para comprovar os factos alegados e, designadamente:
1.º - Tratando-se de pessoa colectiva de utilidade pública ou de utilidade pública administrativa, com documento comprovativo da sua qualidade; (redacção da Lei n.º 3-B/2000, de 04/04).
2.º - Nos demais casos dos n.ºs 16.º do artigo 11.º e 11.º do artigo 12.º e nos dos n.ºs 3.º e 14.º do artigo 13.º, com documento comprovativo da existência legal da instituição e confirmação pelo Ministério da tutela de que se trata efectivamente de uma das entidades abrangidas nesse números;
3.º - Em qualquer dos casos abrangidos pelos números anteriores deverá ainda ser apresentada certidão ou cópia autêntica da deliberação tomada sobre a aquisição onerosa dos bens, da qual conste expressamente o destino destes, e, bem assim, no caso do n.º 3.º do artigo 13.º, declaração prestada pela entidade competente de que as instalações não são utilizáveis normalmente em espectáculo com entradas pagas;
§ 2.º - Para efeitos do disposto no n.º 2.º do parágrafo anterior considera-se Ministério da tutela o departamento governamental que superintende na área da actividade em que a entidade requerente prossegue o fim estatuário por ela invocado;
§ 3.º - Para efeitos da isenção prevista no n.º 15.º do artigo 13.º deverá ser ouvido o departamento governamental que superintende na respectiva área.»

4.2. Todavia, no caso, outos diplomas legais há também que considerar.
Na verdade, os benefícios fiscais atribuídos às Caixas de Crédito Agrícola Mútuo pela Lei n.º 215 de 30/6/1914, mantiveram-se ao longo dos anos, e o próprio Decreto n.º 5.219, de 8/1//1919 (reformulando o Regulamento do Crédito e das Instituições Sociais Agrícolas) reiteraria a isenção de toda e qualquer contribuição ou imposto dirigida às Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, determinando no seu art. 238.º que «As Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, as operações por elas realizadas, para qualquer dos fins abrangidos pelo disposto no art. 3.º ou de outros que por este regulamento lhes são permitidos, e os títulos que as representem, bem como registos de hipotecas, cancelamentos, certificados, notas e requerimentos respeitantes a empréstimos por elas mutuados a seus sócios, são isentos do pagamento de toda e qualquer contribuição ou imposto
Mais tarde, o DL n.º 45.195, de 24/9/1960, que surgiu com o propósito expresso de esclarecer dúvidas sobre a aplicação do imposto do selo às operações realizadas pelas caixas, determinaria que «até serem reorganizadas as caixas de crédito agrícola mútuo» se considerariam em vigor os benefícios estabelecidos pelo art. 238.º do Regulamento de 1919. Em suma, como (referindo-se, embora, apenas ao imposto do selo, que não à sisa) salienta Sérgio Vasques (O Imposto do Selo no Crédito Agrícola Mútuo, in CTF nº 415, 2005, pp. 205/243.) apesar de se suscitarem dúvidas sobre a sua aplicação, as isenções primeiro estabelecidas naquela Lei n.º 215 de 30/6/1914 parece terem sobrevivido de reforma em reforma. Tanto que, como este autor refere, apesar de com o DL n.º 231/82, de 17/6, começar a desenhar-se a aproximação das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo à generalidade das instituições de crédito, quer no seu regime legal, quer na sua actividade, em matéria fiscal, o art.º 4.º deste mesmo DL n.º 231/82 dispunha que se mantinham em vigor «todas as isenções fiscais previstas nas leis relativas às caixas de crédito agrícola mútuo e às suas operações».
Posteriormente, porém, no seguimento da reestruturação (económica e fiscal) ocorrida aquando da adesão à CEE o DL n.º 24/91, de 11/1, reestruturaria o regime jurídico das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, promovendo a sua integração no sistema de crédito nacional e nesse diploma o legislador, apesar de reconhecer a especificidade daquelas instituições, determinou no n.º 2 do art. 10.º, a revogação do anterior DL n.º 231/82, de 17/6 (normativo em que aparentemente se sustentaria a presente isenção de sisa).
Ora, como igualmente refere o citado autor «O alcance desta revogação suscitou alguma controvérsia, tendo estado na origem de diferentes processos, circulares e pareceres, nomeadamente do Centro de Estudos Fiscais do Ministério das Finanças. No essencial, e sem se reproduzir todo o argumentário empregue, a Administração Fiscal acabaria por assentar no entendimento vertido na Circular n.º 15/93, de 17/6, considerando que a revogação do DL n.º 231/82 não acarretava revogação da isenção de imposto do selo dirigida as operações de crédito realizadas entre as caixas e os seus associados, pois que o art.º 4.º daquele diploma possuía natureza meramente interpretativa, estando o fundamento da isenção na legislação de 1914 e 1919 – esta, intocada pelo Decreto-Lei n.º 24/91
No seguimento da publicação do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL n.º 298/92, de 31/12) veio, posteriormente, em 1995, a ser publicado o DL n.º 250/95, de 12/12, que reforçou a aproximação do regime das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo às demais instituições de crédito.
Mas este DL n.º 250/95 apesar de alterações ao DL n.º 24/91, de 11/1, não compreende alterações ao enquadramento fiscal das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo.
Todavia, em 1998 veio a ser aprovado o Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC) – Lei n.º 85/98, de 16/12, «com a intenção de refundir e uniformizar o regime fiscal das cooperativas» estabelecendo-se no seu art. 2.º os princípios a que a interpretação e aplicação de tal regime devem obedecer e especificando-se, entre outros, o princípio da «autonomia e especialidade – o regime fiscal do sector cooperativo é autónomo e especial face ao regime fiscal geral e adaptado às especificidades do sector cooperativo».
Sendo que também no n.º 1 do seu art.º 20.º se determina que o disposto nesse Estatuto Fiscal Cooperativo prevalece sobre «quaisquer benefícios fiscais incidentes sobre factos e situações tributárias nele previstos concedidos por legislação publicada anteriormente à [sua] entrada em vigor».
Ora, nos art.ºs 8.º, 9.º e 10.º, estabelecem-se respectivamente, isenções de imposto do selo, imposto sobre as sucessões e doações e impostos locais, dispondo-se, quanto a estes, o seguinte:
«Artigo 10.º – Impostos locais
1 - As cooperativas são isentas de sisa na aquisição de quaisquer direitos sobre imóveis destinados à sede e ao exercício das actividades que constituam o respectivo objecto social.
2 - As cooperativas são igualmente isentas de contribuição autárquica incidente sobre o valor patrimonial dos imóveis referidos no número anterior.
3 - A usufruição dos benefícios previstos no número anterior só poderá ser revogada, ou a sua medida alterada, por deliberação das assembleias municipais em cuja circunscrição estejam situados os respectivos prédios

4.3. Mas, se é certo que, como salienta Sérgio Vasques «A leitura do Estatuto Fiscal Cooperativo e a compreensão do propósito sistematizador que lhe está subjacente não pode deixar de nos fazer interrogar sobre a manutenção em vigor da isenção mais generosa que se extraía da legislação de 1919 para as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo», (Loc. cit., pp. 242/243: o autor, depois de analisar a tese da revogação implícita e a tese da sobrevivência, manifesta o entendimento no sentido de que, no que respeita ao imposto do selo (que é o imposto sobre o qual o estudo se debruça) deve considerar-se que, atendendo ao disposto nos art.ºs 8.º e 20.º do Estatuto Fiscal Cooperativo, a respectiva entrada em vigor «… operou implicitamente a revogação do art.º 238.º, § 1 do Decreto n.º 5.219, de 8 de Janeiro de 1919, só valendo doravante a isenção de imposto do selo nos contratos celebrados pelas Caixas de Crédito Agrícola Mútuo quando este constitua seu próprio encargo.») o que é verdade é que, no caso presente, a liquidação de sisa respeita a aquisições efectuadas pela recorrida, através de dação em pagamento, no ano de 1997, ou seja, antes da vigência do próprio Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC) – aprovado como se disse, pela Lei n.º 85/98, de 16/12.
E, assim sendo, como bem refere o MP, é de sufragar, pelo menos nesta vertente, a jurisprudência afirmada no acórdão desta Secção do STA, de 8/7/2009, no proc. n.º 0152/09 (cfr. igualmente, o ac. de 26/9/2012, rec. n.º 0523/12, também respeitante aos mesmos autos) pois que à data dos factos aqui em apreciação, o art.º 238.°, § 1.° do Decreto n.º 5.219, de 8/3/1919 (norma que alegadamente sustenta a isenção de sisa por parte da impugnante) se mantinha em vigor na ordem jurídica, e que de acordo com tal normativo as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo e, além do mais, as operações por elas realizadas para qualquer dos fins abrangidos pelo disposto no art.º 3.º do mesmo Decreto, são isentas do pagamento de toda e qualquer contribuição e imposto, sendo que, tratando-se de isenção de sisa, a mesma está dependente de a obrigação cujo incumprimento foi efectuado através de dação em função do cumprimento - transmissão de imóvel que originou a liquidação impugnada -, ter nascido nomeadamente para satisfazer “fins exclusivamente agrícolas” – cfr. art.ºs 238.º/ § 1.º, 3.º/1, 235.º a 237.º e 285.º do citado Decreto 5.219, de 8/3/1919.
E tratando-se de uma isenção automática e oficiosa, não lhe é aplicável o disposto nos art.ºs 11.º/20 e 15.º/1 do CIMSISSD.
Com efeito, na data das transmissões que deram origem à liquidação de sisa aqui impugnada (realizadas através de escritura pública no dia 16/12/1997), estava em vigor o Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo, aprovado pelo DL n.º 24/91, de 11/1 (na redacção do DL n.º 230/95, de 12/11), que revogou aquele DL n.º 231/82 (ressalvando, porém, expressamente, o disposto no seu art. 4º, ou seja, ressalvando a vigência de «… todas as isenções fiscais relativas às caixas de crédito agrícola mútuo e suas operações», ressalva na qual se encontra o art.º 238.º, § 1, do dito Decreto n.º 5.219, de 8/3/1919).
Sendo que o art.º 2.º do dito DL n.º 24/91 (na redacção introduzida pelo DL n.º 230/95, de 12/9) dispunha que «em tudo o que não estiver previsto no presente diploma, as caixas agrícolas regem-se, consoante a matéria, pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e outras normas que disciplinam as instituições de crédito, e pelo Código Cooperativo e demais legislação aplicável às cooperativas em geral».
«Ora, o Código Cooperativo, aprovado pelo DL n.º 454/80, de 9/10, determinava, no seu artigo 101.º, que “os benefícios fiscais e financeiros serão objecto de legislação autónoma”.
E no mesmo dia 9 de Outubro de 1980, foi publicado o DL n.º 456/80, “ao abrigo do artigo 32.º da Lei n.º 8-A/80, de 26 de Maio, e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição”, cujo artigo 3.º, n.º 1, alínea d), isentava as cooperativas de “sisa pela aquisição de quaisquer direitos sobre imóveis quando destinadas à directa e imediata realização dos seus fins estatutários”, sendo que nos termos do seu artigo 5.º, n.º 1, “a usufruição dos benefícios fiscais referidos nos números anteriores não necessita de ser requerida, dependendo apenas da entrega na respectiva repartição de finanças de documento comprovativo da sua constituição e registo”.
Ou seja, esta isenção apenas se aplicava à aquisição de direitos sobre imóveis destinados à directa e imediata realização dos fins estatutários das cooperativas, sendo que nos termos do artigo 6.º do mesmo diploma “os benefícios fiscais a que se referem as alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 3.º caducarão quando aos bens for dado destino diferente do aí prescrito (…)”.
A “directa e imediata realização dos fins estatutários” foi, mais tarde, esclarecida pelo legislador no Estatuto Fiscal Cooperativo, aprovado pela Lei n.º 85/98, que revogou aquele DL n.º 456/80 através do seu artigo 21.º, n.º 1, alínea c), e esclareceu – seu artigo 10.º, n.º 1 – o regime de isenção de sisa: “As cooperativas são isentas de sisa na aquisição de quaisquer direitos sobre imóveis destinados à sede e ao exercício das actividades que constituam o respectivo objecto social”. (…) No entanto, o DL n.º 456/80 determinou, logo no seu artigo 1.º, que “o disposto no presente decreto-lei é aplicável, sem prejuízo dos regimes mais favoráveis previstos em legislação anterior (…)”.
Ora, o regime do Decreto de 1919 era mais favorável que o do DL de 1980: este isentava a aquisição de direitos sobre imóveis destinados à directa e imediata realização dos fins estatutários das cooperativas; aquele isentava de qualquer contribuição ou imposto as operações realizadas pelas caixas de crédito agrícola mútuo para qualquer dos fins abrangidos pelo disposto no artigo 3.º ou de outros que por este regulamento lhes são permitidos, nomeadamente, como se viu, empréstimos realizados aos seus sócios para fins exclusivamente agrícolas.
E não se diga que o Decreto de 1919 se encontrava revogado pelo DL n.º 231/82, pois além da ratio supra enunciada, através da Lei n.º 2/88, de 26/1, que aprovou o Orçamento de Estado para 1988, ficou “o Governo autorizado a rever, no sentido da redução ou eliminação, os parágrafos 1 e 2 do artigo 238.º do Regulamento do Crédito e das Instituições Sociais e Agrícolas, aprovado pelo Decreto n.º 5219, de 6 de [Março] de 1919, cujo conteúdo foi mantido em vigor nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 231/82, de 17 de Junho”.
Trata-se, pois, de verdadeira interpretação autêntica, efectuada pelo legislador, no sentido da manutenção, na ordem jurídica, dos benefícios fiscais atribuídos pelo Decreto de 1919. Sendo que esta lei de autorização caducou sem que tivesse sido alterado o regime da isenção de sisa previsto neste diploma e que se mantinha em vigor em 1995, pois que o DL n.º 485/88, de 30/12, emitido no uso daquela autorização, não se lhe refere.
Por outro lado, o artigo 11.º, n.º 20, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 181/90, de 6/6, prevê uma isenção para as aquisições de bens por instituições de crédito que derivem de actos de dação em cumprimento, desde que se destinem à realizem de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.
Todavia, esta isenção não se aplica às caixas agrícolas, pois que para estas existe legislação especial – a prevista no Decreto de 1919.
Efectivamente, como ficou dito, em 1991 foi aprovado um novo regime jurídico para estas instituições cujo artigo 2.º, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 230/95, de 12/9, dispunha que elas se regem pelo Código Cooperativo e demais legislação aplicável às cooperativas em geral.» (citado acórdão do STA, de 8/7/2009, no proc. n.º 0152/09).
Não se vendo razões para afastar o sentido desta jurisprudência, nem se mostrando essas razões afastadas pela alegação da recorrente, e porque, por outro lado [apesar de a isenção estar dependente de a obrigação cujo cumprimento foi efectuado através de dação em função do cumprimento – transmissão de imóvel que originou a liquidação impugnada –, ter nascido nomeadamente para satisfazer “fins exclusivamente agrícolas” – cfr. os art.ºs 238.º, § 1, 3.º, n.º 1, 235.º a 237.º e 285.º do dito Decreto 5.219, de 8/3/1919] no caso, a recorrente também não põe em causa a verificação dos pressupostos substantivos da isenção (apenas questiona a omissão do prévio pedido de isenção, nos termos do n.º 1 do art. 15.º do C.Sisa), a impugnação não podia deixar de proceder, como bem se decidiu na sentença recorrida.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar, com a presente fundamentação, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 5 de Novembro de 2014. - Casimiro Gonçalves (relator) – Pedro Delgado – Isabel Marques da Silva.