Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0189/12.6BEPRT
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
REVENDA
ACTIVO IMOBILIZADO
ÓNUS DE PROVA
ARRENDAMENTO
DESTINO DIFERENTE
Sumário:I - Se a aquisição e a posse de imóveis são, em condições normais, factos reveladores de riqueza, já não o será tanto assim quando os adquirentes e proprietários são empresas que exercem actividade de compra de prédios para revenda, para quem esses imóveis são apenas a mercadoria com que exercem a sua actividade comercial. A existência de um imóvel destinado a venda no património de uma empresa que exerça aquela actividade, não é uma manifestação de riqueza e, por isso, não deve ser tributada em I.M.I., desde que, naturalmente, esse imóvel seja mantido no seu activo permutável (cfr. artº.9, nº.1, al.e), do C.I.M.I.).
II - O activo das empresas divide-se sempre entre o imobilizado, destinado a uso e fruição pela empresa e não a venda, e o activo permutável (ou circulante, na terminologia da lei), destinado, esse sim, a venda. Por outras palavras, os elementos do activo imobilizado (por contraposição ao activo circulante) são os recursos que uma empresa utiliza para realizar as suas operações (objecto social) e que não se destinam a venda no âmbito da sua actividade operacional.
III - O regime de não tributação dos prédios adquiridos para revenda por empresas que exercem essa actividade, durante os três períodos de imposto seguintes à sua aquisição, é um regime de não sujeição a imposto, e não um benefício fiscal (cfr. artº.9, nº.1, al.e), do C.I.M.I.).
IV - A prova incidente sobre os pressupostos do regime de não sujeição a imposto dos prédios para venda constante do artº.9, do C.I.M.I., admite outros meios de prova, que não somente a documental, mais se devendo vincar que cabe à Fazenda Pública o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação (cfr. artº.74, nº.1, da L.G.T.).
V - A lei exige que os imóveis adquiridos para revenda e que beneficiem deste regime, se mantenham afectos ao activo permutável enquanto se mantiverem no activo das empresas que dele beneficiam, não podendo ter outra utilização que não seja a de uma mercadoria destinada a venda. Para o caso em que os prédios sejam desafectos desse fim e passem a ter uma utilização diferente, o C.I.M.I. prevê um regime de liquidação retroactiva do imposto, considerando que se frustraram os fundamentos da não tributação (cfr. artº.9, nº.2, do C.I.M.I.).
VI - Não configuram situações de desvio de fim, aquelas em que as empresas rentabilizam a utilização dos imóveis durante o período em que estão em venda, desde que essa rentabilização não envolva uma desafectação real do activo permutável. São admissíveis situações de cedência precária dessa utilização ou de arrendamento temporário, desde que daí não resulte uma desafectação do activo permutável, reflectida, ou não, na contabilidade da empresa. Por outras palavras, o arrendamento dos imóveis referidos no artº.9, nº.1, al.e), do C.I.M.I., não configurará, por si só, uma situação enquadrável no nº.2 do mesmo preceito (destino ou utilização diferente do prédio), desde que os imóveis em causa se mantenham nas existências ou activo permutável da entidade adquirente dos mesmos.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P26741
Nº do Documento:SA2202011180189/12
Data de Entrada:10/08/2020
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

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RELATÓRIO
X

O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.106 a 110 do processo, a qual julgou procedente a presente impugnação pela sociedade recorrida, "A……………., S.A.", intentada e tendo por objecto os actos de liquidação adicional de I.M.I. e juros compensatórios, relativos aos anos de 2008, 2009 e 2010 e no montante total de € 7.551,36.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.111 a 121 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-A questão colocada consiste em saber se, como defende a impugnante, o facto de ter destinado os prédios a arrendamento configura, ou não, um desvio da afetação dos imóveis adquiridos para revenda;
2-Considerando no nº2 do artigo 9º, do CIMI que prevê que, caso ao prédio seja dada diferente utilização, liquida-se o imposto por todo o período decorrido desde a sua aquisição;
3-O que se pretende com a isenção prevista no artigo 9º, nº1, alínea c) do CIMI é que o agente económico envolvido na operação de aquisição considere o imóvel adquirido como uma mercadoria e o pretenda transaccionar como uma mercadoria, sem o transformar ou alterar a sua substância ou imprimindo-lhe outro valor acrescentado que não seja o da sua própria margem de comercialização;
4-A douta sentença recorrida concluiu que o mero facto de sobre os prédios incidir um contrato de arrendamento não inviabiliza a venda por parte da impugnante, nem constitui causa de alteração de destino do bem, pelo que, só por si, não constitui fundamento para a caducidade da não sujeição de IMI, nos termos do artigo 9º, nº1, alínea e) em conjugação com o nº2 do citado normativo do CIMI;
5-Aliás, ao contrário do que se refere, não só o contrato de arrendamento não inviabiliza a venda, como vem imprimir valor acrescentado ao imóvel na sua revenda;
6-Um dos argumentos utilizados na douta sentença recorrida é o de que não terá existido transferência do imóvel adquirido no ativo permutável para o imobilizado da empresa, pelo que não terá existido alteração da sua finalidade económica;
7-Todavia, a informação contabilística deve representar fidedignamente as transacções e outros acontecimentos que tenham por fim representar, sendo necessário que eles sejam contabilizados e apresentados de acordo com a sua substância e realidade económica e não meramente com a sua forma legal (cf. § 35º da Estrutura Concetual do Sistema de Normalização Contabilística);
8-Os prédios em causa – as fracções autónomas designadas pelas letras “E” e “J”, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial sob o artigo ……..,. da freguesia do Cacém, concelho de Sintra – foram objecto de locação (aliás, no mesmo ano em que foram adquiridos), o que implicaria que os mesmos devessem deixar de estar contabilizados como existências ou ativo circulante, para serem incluídos na rubrica de activo imobilizado;
9-De acordo com a lei, os benefícios fiscais devem considerar-se medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impendem (cf. Artigo 2º, nº 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais);
10-Por outro lado, a formulação genérica dos benefícios fiscais deve obedecer ao princípio da igualdade, de modo a não falsear ou ameaçar falsear a concorrência, nos termos do artigo 6º, nº2 do EBF;
11-Ora, a leitura da expressão – diferente utilização – não pode deixar de ser literal, considerando a referida excepcionalidade dos benefícios fiscais e a presunção de que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados;
12-A impugnante pretende estar isenta de IMI referente aos anos de 2008, 2009, e 2010, apesar de, com o arrendamento dos imóveis, ter auferido os quantitativos das respectivas rendas;
13-Sempre se dirá que tal prática, a ser considerada legítima, desvirtuaria o princípio da igualdade e as regras da concorrência, uma vez que a impugnante ao colocar no mercado de arrendamento um imóvel, não suportando o IMI, não está na mesma situação de uma outra empresa que tem de custear o tributo, caso proceda ao arrendamento de um bem imóvel;
14-A douta sentença recorrida violou, por erro de aplicação e de interpretação do direito, o disposto no artigo 9º, nº 1, alínea c) e nº 2 do CIMI, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue a presente impugnação improcedente, com as legais consequências.
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A sociedade recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.124 a 132 do processo físico), as quais encerra com o sequente quadro Conclusivo:
A-Vêm as presentes Alegações apresentadas no âmbito do recurso interposto pelo Ministério Público da sentença proferida no processo n.º189/12.6BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou totalmente procedente o pedido formulado pela Impugnante, ora Alegante, que aí pugnava pela anulação dos atos tributários de liquidação de IMI e correspondentes juros compensatórios, referentes aos períodos de tributação de 2008, 2009 e 2010, no valor global de € 7.551,36;
B-Uma leitura, ainda que superficial, da decisão ora em crise indicia-nos, logo à partida, que o Tribunal a quo decidiu de forma prudente e motivada, ponderando irrepreensivelmente os diversos elementos probatórios disponíveis nos autos;
C-Em face do que conclui o Ministério Público, a primeira questão que se coloca é precisamente saber se a sentença a quo enferma de erro no julgamento ao concluir que o arrendamento dos imóveis em causa não faz cessar o direito à não sujeição de IMI, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do CIMI;
D-Contra o bem decidido e fundamentado, pretende o Ministério Público que o Tribunal ad quem altere o sentido da decisão recorrida sem, contudo, e salvo o devido respeito, avançar um discurso argumentativo que introduza aspetos inovadores na análise de fáctico-jurídica;
E-Compulsada a sentença a quo constata-se que a motivação de direito assenta essencialmente num Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25-02-2016, proferido no âmbito do processo n.º 191/12.8BEPRT, interposto pela Recorrida, e que teve por objeto a liquidação de IMT emitida na sequência dos mesmos factos aqui em análise;
F-Ao invés do que entendeu o Recorrente, a fundamentação da sentença recorrida não assenta num escrupuloso decalque daquilo que se decidiu no Acórdão fundamento, nem tão pouco numa importação do raciocínio lógico aplicável às normas de isenção de IMT, atendendo-se, somente, à densificação do conceito de “diferente utilização”, comum a ambos os tributos [IMI e IMT];
G-Nas suas alegações de recurso, o Ministério Público cita um enxerto da doutrina de José Maria F. Pires, também, seguido pelo Acórdão fundamento, olvidando, porém, que esse mesmo Autor considera que “Não configuram situações de desvio de fim, aquelas em que as empresas rentabilizam a utilização dos imóveis durante o período em que estão à venda, desde que essa rentabilização não envolva uma desafetação real do activo permutável.”;
H-Ademais, não se extraindo do probatório, nem dos elementos dos autos, outra qualquer factualidade que permitisse concluir, ou deixasse indiciada, uma diferente afetação dos imóveis adquiridos para revenda, “unicamente assente no arrendamento de uma fração autónoma que se manteve no activo circulante da empresa, não podia a administração fiscal concluir pela caducidade da isenção por desvio de fim quanto à afetação do imóvel.” - Pg. 8 da Sentença;
I-Pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que para que a A.T. estivesse legitimada a promover as liquidações de IMI impugnadas “(…) tinha de recolher outra factualidade que lhe permitisse afirmar que a situação de arrendamento, no caso, traduz a real intenção e vontade do agente económico de fruição do imóvel e não apenas a sua rentabilização até à concretização da revenda”. - Pg. 8 da Sentença;
ADEMAIS,
J-Não pode a Recorrida conformar-se com o entendimento do Ministério Público, segundo o qual “8” Os prédios em causa (…) foram objeto de locação (aliás, no mesmo ano em que foram adquiridos), o que implicaria que os mesmos devessem deixar de estar contabilizados como existências ou ativo circulante, para serem incluídos na rúbrica de ativo imobilizado.”;
K-Tal conclusão seria, desde logo, um contra senso com o que vem espelhado no Ofício Circular A-2/93 de 28 de Outubro da extinta Direção de Serviços da Contribuição Autárquica;
L-A colher a argumentação veiculada pelo Recorrente, existindo a locação de um imóvel destinado a revenda, estaríamos sempre perante uma alteração da afetação do imóvel, porquanto a entidade sujeita estaria consequentemente obrigada a transferir esse ativo para a conta de imobilizado da empresa;
M-Ao contrário do entendimento perfilhado pelo Ministério Públio, não estava a Recorrida obrigada a proceder à transferência dos imóveis para o ativo imobilizado da empresa pois, como se viu e demonstrou, a outorga dos contratos de arrendamentos sobre os imóveis em causa foi realizada com o fito de promover a venda dos imóveis num mais curto espaço de tempo, a um público-alvo mais diversificado, potenciado pela capacidade de gerar rendimento imediato ao investidor de capital, e não porque se pretende deles extrair rendimentos a longo prazo (como acontece com os ativos imobilizados);
POR OUTRO LADO,
N-E apoiando-se na ratio legis que norteia o campo de aplicação dos benefícios fiscais, sustenta o Ministério Público que “11ª (…) a leitura da expressão - diferente utilização - não pode deixar de ser literal considerando a referida excecionalidade dos benefícios fiscais e a presunção de que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”;
O-Todavia, não pode proceder a tese sufragada pelo Ministério Público, desde logo, porque a disposição legal prevista no artigo 9.º do CIMI não estabelece uma verdadeira isenção, configurando, ao invés, uma norma de delimitação negativa de incidência ou de exclusão tributária;
P-Ao concluir pela caducidade da suspensão da tributação de IMI, a A.T. estaria a agir em contrário daquele que vem sendo o seu entendimento perante outros sujeitos passivos, em situações fácticas similares, o que a conduziria, não só a uma putativa violação do princípio da igualdade, mas também a uma violação do princípio da boa-fé, de acordo com o qual merece tutela jurídica a confiança de um contribuinte que atua de acordo com uma orientação veiculada pelos próprios Direção de Serviços;
ISTO POSTO,
Q-Todos os argumentos que vêm de se expor são bem elucidativos da legalidade da decisão proferida, pelo que Sentença recorrida não merece qualquer censura;
R-Devendo manter-se a decisão recorrida, nos termos da qual se determinou julgar totalmente procedente a impugnação judicial e, nessa medida, manter-se a anulação dos atos tributários de liquidação adicional objecto do presente processo.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal teve vista do processo (cfr.fls.139 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.106-verso a 108 do processo físico):
A-A Impugnante é uma sociedade anónima que se dedica ao exercício da actividade de compra e venda de bens imobiliários - CAE 68100, estando enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC e a nível de IVA no regime normal, com periodicidade trimestral [cf. informação do cadastro fiscal a fls. 72 a 74 do PAT em apenso];
B-A 04.04.2008 compareceram no Cartório Notarial com sede na Av. da Boavista, no Porto, os representantes de “B……….. – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” e da impugnante, que assinaram um documento com a epígrafe “revogação parcial de contrato de locação e venda”, onde consta, nomeadamente, que o segundo tem a posição de locatário no contrato de locação financeira em que é locadora a representada da primeira, celebrado por um período de dez anos, e que teve por objecto, entre outros, as frações autónomas designadas pelas letras "…", “…" e “…" (pavilhões), do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no ……….., ………, da freguesia do Cacém, concelho de Sintra, inscrito na respectiva na matriz predial sob o artigo …….., e que “resolvem parcialmente o aludido contrato de locação financeira e tão só quanto às indicadas fracções "…", “…" e “…” (…) vende à representada do segundo outorgante, as identificadas fracções, livre de ónus ou de encargos e pelo preço global, já recebido, de quinhentos e dois mil seiscentos e doze euros e setenta e sete cêntimos (…)” [cf. cópia da escritura de compra e venda a fls. 36vv. a 40 do PAT em apenso];
C-Mais consta do documento identificado no ponto anterior que “(…) as referidas fracções se destinavam a revenda (…) tendo beneficiando de isenção prevista no artigo 7.º, n.º 2 do CIMT [cf. cópia da escritura de compra e venda a fls. 36vv. a 40 do PAT em apenso];
D-Em 2008 as fracções autónomas designadas pelas letras "…", “…" e “…” (pavilhões), do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, inscrito na respectiva na matriz predial sob o artigo ……… foram inscritas em conta de existências (classe 3) na contabilidade da impugnante [cf. cópia do balancete geral financeira a fls. 43 a 44 do PAT em apenso];
E-No decurso no ano de 2008 a impugnante deu de arrendamento as fracções autónomas identificadas no ponto anterior [não controvertido – cf. artigo 20.º da petição inicial e relatório de inspecção];
F-Por despacho de 05.06.2008 do Chefe do Serviço de Finanças de Sintra 3, foi deferido o pedido de não sujeição nos termos do artigo 9.º, n.º 1, al. e) do CIMI, relativamente às frações autónomas designadas pelas letras "….", “…." e “…" (pavilhões), do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, inscrito na respectiva na matriz predial sob o artigo …….., pelo período de três anos, entre os anos de 2008 a 2010 [cf. cópia dos despachos a fls. 45, 56 e 64 do PAT em apenso];
G-Ao prédio que se encontrava inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….. foi atribuído novo artigo com o n.º ……, da União das Freguesias do Cacém e São Marcos [cf. informação do cadastro – caderna predial urbana das referidas fracções a fls. 78 a 82 do PAT em apenso];
H-A 03.06.2009 foi pela impugnante vendida a fracção autónoma designada pela letra “…” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, inscrito na respectiva na matriz predial sob o artigo …… [não controvertido – cf. artigo 22.º da petição inicial e relatório de inspecção];
I-Com base nas Ordens de Serviço n.ºs OI201006981, OI201006982 e OI201006983, foi despoletado um procedimento de inspecção à impugnante, interno, parcial, relativo a IMI, referente aos exercícios de 2008, 2009 e 2010 [cf. fls. do relatório de inspecção a fls. 26 e 27 do PAT em apenso];
J-A 01.06.2011 foi elaborado o relatório de inspecção tributária em sede do procedimento identificado no ponto anterior no qual se concluiu “pela não verificação da manutenção da suspensão de IMI com a correspondente liquidação do imposto, porque o destino subjacente à compra não foi a revenda, mas sim a locação e como tal implicaria a sua contabilização no activo imobilizado da empresa, ficando, desta forma, prejudicada a aplicação do ofício A-2/93 da DGC (contabilização no activo circulante/permutável), pelo imperativo do Princípio Contabilístico da Substância sob a forma” [cf. fls. do relatório de inspecção a fls. 27 a 29 do PAT em apenso];
K-A 04.10.2011 foi emitido o documento de IMI n.º 2008.462886803, referente ao exercício de 2008, por tributação sobre as fracções “….”, “…” e “…” do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….., da freguesia do Cacém, no montante de € 3.164,56 [cf. cópia da liquidação a fls. 21 dos autos];
L-A 04.10.2011 foi emitido o documento de IMI n.º 2009.460477903, referente ao exercício de 2009, por tributação sobre as fracções “….” e “…” do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …., da freguesia do Cacém, no montante de € 2.193,40 [cf. cópia da liquidação a fls. 22 dos autos];
M-A 04.10.2011 foi emitido o documento de IMI n.º 2010.457846903, referente ao exercício de 2010, por tributação sobre as fracções “…..” e “…” do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …., da freguesia do Cacém, no montante de € 2.193,40 [cf. cópia da liquidação a fls. 23 dos autos];
N-Por falta de pagamento das liquidações identificadas nos pontos anteriores foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3190201101140183, que correu termos no Serviço de Finanças do Porto 5 [cf. cópia da citação do PEF a fls. 24 dos autos];
O-A 12.01.2012 foi pago o montante identificado no ponto anterior [cf. vinheta de cobrança postal aposta sobre a citação identificada no ponto anterior e cópia de cheque a fls. 24 dos autos];
P-A presente impugnação judicial foi apresentada em 19.01.2012 [cf. fls. 2 dos autos].
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente procedente a presente impugnação, em consequência do que anulou os actos de liquidação adicional de I.M.I. objecto do processo (cfr. als. K), L) e M) do probatório), com fundamento em erro sobre os pressupostos de direito de que padecem os identificados actos tributários, devido a deficiente interpretação do âmbito da previsão da norma de incidência constante do artº.9, nºs.1, al.e), e 2, do C.I.M.I.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que a interpretação da expressão legal, "diferente utilização", constante do artº.9, nº.2, do C.I.M.I., não pode deixar de ser literal, considerando a excepcionalidade dos benefícios fiscais e a presunção de que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Que os prédios em causa foram objecto de locação, facto que implicaria que os mesmos devessem deixar de estar contabilizados como existências ou activo circulante, para serem incluídos na rubrica de activo imobilizado. Que a sentença recorrida padece de erro de interpretação e aplicação do disposto no artº.9, nºs.1, al.e), e 2, do C.I.M.I. (cfr. conclusões 1 a 14 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O Imposto Municipal sobre Imóveis, criado pelo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (I.M.I. - aprovado pelo dec.lei 287/2003, de 12/11), tributo que substituiu a Contribuição Autárquica, deve considerar-se um imposto sobre o património que incide sobre o valor dos prédios situados no território de cada município, dividindo-se, de harmonia com a classificação dos mesmos prédios, em rústico e urbano. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de I.M.I. é aquele que em 31 de Dezembro do ano a que diz respeito o tributo tenha o uso e fruição do prédio, seja proprietário ou usufrutuário, e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) é constituída pelo valor tributável dos prédios, o qual consiste no seu valor patrimonial (cfr. preâmbulo e artºs.1, 2, 7 e 8, do C.I.M.I.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. edição, 2007, pág.53 e seg.; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.23 e seg.).
Se a aquisição e a posse de imóveis são, em condições normais, factos reveladores de riqueza, já não o será tanto assim quando os adquirentes e proprietários são empresas que exercem actividade de compra de prédios para revenda, para quem esses imóveis são apenas a mercadoria com que exercem a sua actividade comercial. A existência de um imóvel destinado a venda no património de uma empresa que exerça aquela actividade, não é uma manifestação de riqueza e, por isso, não deve ser tributada em I.M.I., desde que, naturalmente, esse imóvel seja mantido no seu activo permutável. O I.M.I. não é um imposto que incida sobre as mercadorias detidas pelas empresas, pelo que os imóveis que são mercadorias das empresas que os compram e vendem, não devem pagar tal imposto. Pelo contrário, a existência de um prédio no activo imobilizado de uma empresa já é uma manifestação de riqueza que deve ser tributada em sede do I.M.I.
Recorde-se que o activo das empresas se divide sempre entre o imobilizado, destinado a uso e fruição pela empresa e não a venda, e o activo permutável (ou circulante, na terminologia da lei), destinado, esse sim, a venda. Por outras palavras, os elementos do activo imobilizado (por contraposição ao activo circulante) são os recursos que uma empresa utiliza para realizar as suas operações (objecto social) e que não se destinam a venda no âmbito da sua actividade operacional (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2017, proc.1230/08.2BELRS; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.521 e seg.).
O artº.9, do C.I.M.I., estabelece o momento temporal a partir do qual os prédios ficam sujeitos a I.M.I., sendo, por isso mesmo, uma norma de incidência. Por essa razão, o regime de não tributação dos prédios adquiridos para revenda por empresas que exercem essa actividade, durante os três períodos de imposto seguintes à sua aquisição, é um regime de não sujeição a imposto, e não um benefício fiscal, contrariamente ao que defende o recorrente. Esta distinção não tem importância meramente académica, uma vez que se se tratasse de um benefício fiscal não seria aplicável às empresas com dívidas fiscais, como resulta do artº.13, do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Por outro lado, é por essa razão que o legislador fez questão de colocar, sistematicamente, este regime no capítulo da incidência do imposto (I.M.I.) e não no das isenções ou no Estatuto dos Benefícios Fiscais. Por último, deve vincar-se que a lei define que a sujeição desses prédios a imposto só se inicia no final do terceiro ano seguinte àquele em que foram afectos ao activo permutável das empresas. Em sentido contrário, antes do momento em que se inicia a tributação não existe sujeição a imposto. Em conclusão, este regime não consubstancia um benefício fiscal, mas antes um regime de não sujeição a imposto, pelo que, em consequência, podem dele usufruir as empresas com dívidas fiscais, mais não consubstanciando uma despesa fiscal (cfr. José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.531 e seg.; J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património. O Imposto do Selo, Lisboa, Engifisco, 2005, pág.135 e seg.).
Ainda, deve recordar-se que a prova incidente sobre os pressupostos do regime de não sujeição a imposto dos prédios para venda constante do artº.9, do C.I.M.I., admite outros meios de prova, que não somente a documental, mais se devendo vincar que cabe à Fazenda Pública o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação (cfr. artº.74, nº.1, da L.G.T.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/02/2009, rec.873/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2017, proc.1230/08.2BELRS).
No caso "sub iudice", a questão a dirimir consiste em saber se a impugnante/recorrida estava, nos anos de 2008 a 2010, ao abrigo do regime de não sujeição a imposto dos prédios para venda constante do artº.9, nº.1, al.e), do C.I.M.I., conforme decidiu o Tribunal "a quo", ou, pelo contrário, em virtude de ter dado em locação os imóveis identificados na al.B) do probatório, ocorria a cessação do regime de suspensão de I.M.I. em virtude da previsão do nº.2, do citado preceito, por se ter dado diferente utilização às três fracções autónomas em causa, com a correspondente liquidação do imposto, posição defendida pelo recorrente.
Vejamos quem tem razão.
A lei exige que os imóveis adquiridos para revenda e que beneficiem deste regime, se mantenham afectos ao activo permutável enquanto se mantiverem no activo das empresas que dele beneficiam, não podendo ter outra utilização que não seja a de uma mercadoria destinada a venda. Para o caso em que os prédios sejam desafectos desse fim e passem a ter uma utilização diferente, o C.I.M.I. prevê um regime de liquidação retroactiva do imposto, considerando que se frustraram os fundamentos da não tributação (cfr. artº.9, nº.2, do C.I.M.I.).

Não configuram situações de desvio de fim, aquelas em que as empresas rentabilizam a utilização dos imóveis durante o período em que estão em venda, desde que essa rentabilização não envolva uma desafectação real do activo permutável. São admissíveis situações de cedência precária dessa utilização ou de arrendamento temporário, desde que daí não resulte uma desafectação do activo permutável, reflectida, ou não, na contabilidade da empresa. Por outras palavras, o arrendamento dos imóveis referidos no artº.9, nº.1, al.e), do C.I.M.I., não configurará, por si só, uma situação enquadrável no nº.2 do mesmo preceito (destino ou utilização diferente do prédio), desde que os imóveis em causa se mantenham nas existências ou activo permutável da entidade adquirente dos mesmos. Pelo que, o arrendamento do imóvel pode ser determinante da caducidade do regime de suspensão de tributação se for acompanhado por outros indícios, nomeadamente, verificando-se a transferência do activo permutável para o activo imobilizado, através do competente lançamento contabilístico, inviabilizando assim a revenda ou manifestando essa intenção (cfr. José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.528; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.75).
"In casu", conforme se retira do probatório, a própria Fazenda Pública reconhece que os imóveis em causa, face aos quais já tinha sido deferido o pedido de suspensão de tributação, se mantinham contabilizados nas existências ou activo permutável da sociedade impugnante/recorrida, nos anos de 2008 a 2010 (cfr.als.F) e J) da matéria de facto supra exarada), assim não consubstanciando a locação temporária dos mesmos uma situação enquadrável no nº.2 do mesmo preceito. Em conclusão, unicamente assente no arrendamento das fracções autónomas que continuaram contabilizadas no activo circulante da empresa, não podia a A. Fiscal concluir pela caducidade do regime de suspensão de tributação, por desvio de fim quanto à afectação dos imóveis. Para a tal desfecho chegar tinha de recolher outra factualidade que lhe permitisse afirmar que a situação de arrendamento, no caso, traduzia a real intenção e vontade do agente económico de fruição do imóvel e não apenas a sua rentabilização até à concretização da revenda, assim não cumprindo com o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.).
Atento o relatado, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito (violando o artº.9, nºs.1, al.e), e 2, do C.I.M.I.), pelo que se julga improcedente o presente recurso e mantém-se a mesma, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.

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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Sem custas, dado que o recorrente beneficia de isenção subjectiva (cfr.artº.4, nº.1, al.a), do R.C.Processuais).
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 18 de Novembro de 2020. – Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Paulo José Rodrigues Antunes - Pedro Nuno Pinto Vergueiro.