Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0172/15.0BELLE 091/16
Data do Acordão:07/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:ISENÇÃO
DIREITO DE HABITAÇÃO
IVA
Sumário:Não correspondendo a actividade da recorrente à de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos, não pode beneficiar da isenção a que alude o artigo 9.º, n.º 27, alínea e) do CIVA
Nº Convencional:JSTA00071213
Nº do Documento:SA2202107130172/15
Data de Entrada:01/27/2016
Recorrente:A…………………
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:CIVA ART9 N27 AL.E ART35 N3
LGT ART68º-A
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A……………., com os demais sinais nos autos vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, exarada a fls. 85 a 95 do SITAF, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial por ele deduzida, contra as liquidações oficiosas de IVA e de juros compensatórios relativos aos períodos de 201203T a 201403T, no valor global de € 6.047.11.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª. O Recorrente é, conforme resultou provado, um prestador de serviços cuja atividade foi inicialmente enquadrada no âmbito do artigo 9° do Código do IVA, com efeitos a partir de 15 de setembro de 2010.
2ª A Autoridade Tributária, na sequência de uma ação de fiscalização, manifestou a sua discordância em relação ao enquadramento do Recorrente, por entender que a atividade por si exercida não é suscetível de beneficiar da isenção prevista no artigo 9° do Código do IVA.
3ª A Autoridade Tributária pode legitimamente proceder a correções no enquadramento da atividade dos sujeitos passivos, desde que tais alterações apenas produzam efeitos para o futuro.
4ª A análise do conteúdo das declarações de início de atividade, permite concluir inequivocamente que o enquadramento para efeitos de IVA, no regime normal ou nos regimes de isenção, é da responsabilidade da Autoridade Tributária.
5ª Ainda que incumba ao sujeito passivo o preenchimento e a entrega da declaração de início de atividade, a verdade é que os elementos dela constantes apenas são vinculativos após a validação que, obrigatoriamente, tem que ser efetuada pela Autoridade Tributária.
6ª. Na verdade, no campo 9, o sujeito passivo declara os dados que espera vir a ter da sua atividade, cabendo à Autoridade Tributária, mediante o preenchimento do campo 10, que é de uso exclusivo dos Serviços de Finanças validar os dados que foram indicados e proceder ao enquadramento no regime normal ou nos regimes de isenção.
7ª A Autoridade Tributária tinha conhecimento, desde o início, da atividade que o Recorrente pretendia exercer, já que, no campo 8 da supra mencionada declaração de início de atividade, teve que proceder à respetiva indicação expressa e colocar o código da atividade económica (CAE) que lhe corresponde.
8ª. Não pode a Autoridade Tributária ter conhecimento da atividade que o sujeito passivo vai exercer, validar todos os dados a ela inerentes e o respetivo enquadramento em sede de IVA e proceder, passados alguns anos, à alteração com efeitos retroativos, sem colocar em causa, na relação jurídico-tributária, os princípios da irretroatividade e da segurança jurídica.
9ª Este entendimento tem expresso acolhimento na lei vigente, já que é o próprio n° 3 do artigo 35° do Código do IVA que dispõe de forma clara e inequívoca que “As declarações são informadas no prazo de 30 dias pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que se pronuncia sobre os elementos declarados e quaisquer outros com interesse para a apreciação da situação”.
10ª A impossibilidade de aplicação retroativa encontra-se expressamente prevista na lei a propósito da prestação de informações vinculativas, conforme se pode verificar pelo disposto no n°16 do artigo 68° da Lei Geral Tributária.
11ª O normativo referido dispõe expressamente que as informações vinculativas podem ser revogadas, com efeitos para o futuro, após um ano a contar da sua prestação, precedendo audição do requerente, nos termos da presente lei, com a salvaguarda dos direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos.
12ª O artigo 68°-A da Lei Geral Tributária refere expressamente que a Administração Tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, não podendo ser invocáveis retroativamente perante os contribuintes que tenham agido com base numa interpretação plausível e de boa-fé da lei as orientações genéricas que ainda não estavam em vigor no momento do facto tributário.
13ª Este entendimento tem vindo a ser seguido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, conforme se pode verificar através do acórdão de 29 de fevereiro de 1996, referente ao processo C-110/94, usualmente designado por acórdão Inzo.
14ª No acórdão mencionado refere-se expressamente, no ponto n° 21, que “...como observou a Comissão, o princípio da segurança jurídica opõe-se a que os direitos e obrigações dos sujeitos passivos dependam de factos, de circunstâncias ou de acontecimentos que se produzem depois da sua verificação pela Administração Fiscal.
15ª Daí resulta que, a partir do momento em que a Autoridade Fiscal aceitou, com base nos dados fornecidos por uma empresa, que lhe seja atribuída a qualidade de sujeito passivo, este estatuto já não pode, em princípio, ser-lhe depois retirado com efeitos retroativos devido à ocorrência ou não ocorrência de determinados acontecimentos”.
16ª. Neste contexto, conclui o acórdão em causa no ponto n° 25, “...que exceto no caso de situações fraudulentas ou abusivas, a qualidade de sujeito passivo do IVA não pode ser retirada a essa sociedade com efeitos retroativos, quando, perante os resultados desse estudo, foi decidido não passar à fase operacional e coloca-la em liquidação, de modo que a atividade económica projetada não deu origem a operações tributáveis”.
17ª. Tudo visto, são ilegais as liquidações adicionais do IVA, tendo em conta que o enquadramento no regime de isenção foi efetuado pela Autoridade Tributária e que a respetiva alteração, a ser possível, apenas pode ter efeitos para o futuro, sob pena de violação do principio da irretroatividade e da segurança na aplicação das normas.
18ª. A atividade do Recorrente sempre foi dirigida no sentido de angariar clientes e promover os serviços, garantindo, em termos finais, a concretização da respetiva venda por parte da empresa que os comercializa.
19ª Na douta sentença não resulta provado, nem sequer por indícios, que a atividade diária do Recorrente não consistia na realização de sucessivas reuniões com clientes novos ou com clientes que já eram detentores de alguns dos serviços que a empresa comercializa, aos quais apresentava os produtos, com a indicação das respetivas características e preço, fechando o contrato, no caso de haver acordo.
20ª Também não ficou demonstrado, já que o Tribunal a quo dispensou a inquirição das testemunhas arroladas, por entender que a matéria controvertida é exclusivamente de direito, que o Recorrente, no exercício da atividade, apresentava os produtos, evidenciava as respetivas características e procedia á respetiva negociação.
21ª Segundo o entendimento da Prof. Dra Clotilde Celorico Palma, na matéria relacionada com a venda de direitos de habitação turística, “... foi acolhido pela Administração Fiscal o entendimento sufragado num parecer elaborado por J G. Xavier de Basto e António Lobo Xavier”.
22ª. A elaboração do parecer, “...foi solicitada pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tendo em vista clarificar o tratamento em IVA das situações qualificadas como transmissões de direitos reais de habitação periódica e como direitos de utilização turística, tendo o entendimento acolhido sido expressamente consagrado no Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA)“.
23ª Em conformidade com a orientação veiculada no parecer, “...quando o direito de habitação periódica se apresenta como um direito real a transmissão de tais direitos é sujeita a IMT, pelo que a respetiva transmissão está isenta de IVA, por aplicação direta do n°31 do artigo 9°do Código do IVA.
24ª. A isenção do n° 31 do artigo 9° do Código do IVA não abrange a transmissão de direitos obrigacionais de habitação turística (DOHT), isto é, dos direitos de habitação turística “.
25ª. A situação dos direitos obrigacionais de habitação turística, “...ao tempo não regulamentados, não foi prevista no Código do IVA, existindo, assim, uma lacuna de previsão e regulamentação na disciplina das isenções em sede deste imposto”.
26ª. O parecer em causa, acolhido pela Administração Fiscal, dispõe que “Os títulos de direitos obrigacionais de habitação turística têm todas as características para serem enquadráveis no conceito de demais títulos a que se refere a alínea f) do n°28 do artigo 9°do Código do IVA.
27ª. A inclusão dos títulos de direitos obrigacionais de habitação turística na antedita isenção, permite chegar a uma solução neutra, equiparando o seu tratamento com o concedido aos direitos reais de habitação periódica, o que deverá constituir uma preocupação central do IVA”.
28ª. Em conclusão, a atividade levada a efeito pelo recorrente, que consiste na promoção, negociação e comercialização de serviços relacionados com a utilização de imóveis para férias, é suscetível de enquadramento no âmbito da isenção prevista na alínea e) do n° 27 do artigo 9° do Código do IVA, na redação em vigor à data em que os serviços foram prestados.

I.2 – Contra-alegações
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.

I.3 – Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir parecer com o seguinte conteúdo:
«Recurso interposto por A…………….., sendo recorrida a Administração Tributária e Aduaneira (A.T.).
Começa o recorrente por alegar em sede de conclusões do recurso um conjunto de aspetos relacionado com o enquadramento que lhe foi efetuado em sede de IVA.
No entanto, fá-lo, sem que daí resulte pôr em causa a apreciação efetuada na sentença recorrida na al. A) da “fundamentação” “de facto”, em que ficou assente ter estado coletado desde 22.04.08 até 19.03.2015 pela atividade de comissionista com o C.A.E. 1319 e ter sido enquadrado, para efeitos de I.V.A., no Regime de Isenção do artigo 9º do C.I.V.A. até 01.02.2012, passando então ao regime de isenção do art. 53º do C.I.V.A. por ter ultrapassado, em 2011, 10 000€ em volume de negócios.
É certo que aí alega aspetos relacionados com a sua declaração de início de atividade, a qual terá sido validada em campo próprio pelo Serviço de Finanças. Contudo, fá-lo sem que se reporte a documento de prova que esteja junto, sendo certo que não o juntou também no recurso interposto, razão pela qual se afigura não haver matéria de facto que cumpra apreciar, para a qual seria competente o TCA Sul.
Não sendo, pois, de obstar ao conhecimento do recurso interposto, as questões de direito que se colocam à apreciação são as seguintes:
1 — se existe violação dos princípios da irretroatividade e da segurança jurídica, por referência disposto nos artigos 35º n.º 3 do C.I.V.A. e 68-A da L.G.T., bem como ainda à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (T.J.U.E.) nomeadamente, no acórdão “Inzo”.
2 — erro nos pressupostos quanto ao previsto na al. e) do n.º 27 do artigo 9.ºdo C.I.V.A..
Quanto à primeira questão
No artigo 35.º n.º 3 do C.I.V.A. prevê-se que os serviços de finanças tenham de prestar informação em 30 dias após o declarado início de atividade.
Tal está interligado com seguinte n.º 4 no qual se prevê poderem ocorrer posteriores alterações pelos Serviços de Finanças, sem indicação de prazo, prevendo apenas para o efeito ser de proceder a notificação.
Não se prevê aí se alterações não possam operar retroativamente.
Por outro lado, no artigo 68.º-A da L.G.T. prevê-se a vinculação da A. T. quanto a “orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza”.
Em tal não se enquadra a forma como o recorrente estava coletado como comissionista em atividade isenta, nos termos dados por assentes.
Aliás, se para tal é necessário que seja apresentada uma declaração de início de atividade, a mesma engloba ainda o “enquadramento definido pelo SP em IVA”, ainda que em espaço de “uso exclusivo dos Serviço” constem outros elementos e exista um espaço destinado a ser aposto um “carimbo”, nos termos do modelo aprovado por Portaria, sendo ao tempo aplicável a n.º 210/07, de 20 de fevereiro, essa declaração não corresponde às “orientações genéricas” previstas no dito art. 68.º-A de que resulta outras orientações genéricas não poderem ser aplicáveis retroativamente, tendo os contribuintes agido com base numa interpretação plausível e de boa fé.
Sendo invocada ainda a aplicação dos ditos princípios com fundamento na jurisprudência do Tribunal de Justiça da U.E., nomeadamente, o acórdão “Inzo”.
É certo que este tribunal tem considerado a aplicação dos invocados princípios em situações de fixação de início e termo de atividade, discutindo-se os direitos nomeadamente ao reembolso ou restituição de IVA pago em atos preparatórios ou praticados numa altura em que a empresa tinha já cessado atividade.
Aliás, “o caso INZO prendia-se com uma empresa pública constituída por várias províncias e municípios holandeses com o fito de construir e explorar uma central de dessalinização. A empresa pública tinha-se registado como sujeito passivo de IVA e realizado um conjunto de actividades preparatórias e estudos de rentabilidade com vista à construção da central até que, volvidos mais de dez anos, se concluísse pela inviabilidade do projecto, entrando a INZO em dissolução sem que nunca chegasse a exercer a actividade a que se propunha” (Sérgio Vasques, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2015, p. 143 e 144).
A aplicação dos ditos princípios foi reconhecida, em termos de que “exclui que a expectativa legítima dos contribuintes seja infundadamente lesada pela administração tributária”, mas “em virtude de circunstâncias que escapam por completo ao controlo da em presa” (Idem, p. 144).
Noutros acórdãos do dito tribunal, foi entendido não serem os mesmos de aplicar, nomeadamente, o caso de ocorrerem “relações de natureza jurídica, económica e/ou pessoal entre os operadores envolvidos” — assim, nos acórdãos do dito tribunal de 8 de junho de 2000 no caso que opôs o Finanzamt Goslar a Brigitte Breitsohl, proc. C-400/98 e de 21 de fevereiro de 2006 no caso Halifax e outros, proc. C-255/02, n.º 81.
No caso dos autos, a dita atividade de comissionista foi exercida numa relação de dependência para com a sociedade B……………., conforme resulta das als. E) e F) da matéria de facto, nada fazendo supor que se coloque a exclusão de uma expectativa legítima criada por circunstâncias que tenham escapado por completo ao controlo do recorrente.
Quanto à segunda Questão
Quanto ao invocado erro sobre os pressupostos (de direito) que se invoca quanto à aplicação da regra de isenção prevista na al. e) do n.º 27 do artigo 9 do C.I.V.A., certo é ter ficado a constar ter tido intervenção na atividade de angariar clientes e promover serviços, garantindo a sua venda, neles se incluindo direitos de utilização sobre imóveis sem restrições.
Não será por ter sido pedido um parecer pela A. T. quanto à incidência da dita norma, que é de admitir que o recorrente estivesse a exercer uma atividade isenta.
Contudo, na sentença recorrida, julgou-se pela exclusão dessa isenção, por falta de enquadramento na “operação de negociação” na mesma prevista, não tendo o recorrente atuado com autonomia da parte.
No entanto, crê-se que, em face do entendimento veiculado pelo mais recente acórdão do T.J citado na sentença recorrida (C……………), há que admitir ainda que operações do tipo das previstas na norma em causa tenham sido praticadas. Com efeito, concluiu-se no mesmo que:
- a expressão «operações relativas a títulos» se refere a operações susceptíveis de criar, modificar ou extinguir os direitos e obrigações das partes sobre títulos,
— a expressão «negociação relativa a títulos» não se refere aos serviços que se limitam a fornecer informações relativas a um produto financeiro e, eventualmente, a receber e processar os pedidos de subscrição dos títulos correspondentes, sem proceder à respectiva emissão.”
Por outro lado, parece reconhecer-se ainda no mesmo ser possível que um prestador de serviços possa praticar operações do primeiro tipo ainda que sem intervenção formal na emissão do título.
E se o recorrente garantia também ainda a venda em termos de descontos, ainda que em função de diretivas previamente estabelecidas e limites estabelecidos, parece ser de admitir que pudesse ter ainda praticado “operações relativas a títulos”.
A ser assim, não se pode deixar de observar que, em face dos termos da parte final da dita ai. e), em transposição de normas da Diretiva 2006/ resulta aplicável a isenção quanto a “títulos representativos de operações sobre bens imóveis”, mas apenas “quando efetuadas por um prazo inferior a 20 anos”.
De notar que tal era praticável, segundo o regime aplicável quanto a tais títulos os mesmos eram vitalícios, embora, podendo ser clausulado prazo com o mínimo de 1 ano - cfr. art. 3º do regime legal aplicável, na redação dada pelo Dec.-Lei n.º 37/2011, de 10 de março.
E, não resultando tal do probatório, será ainda de se mandar ampliar a matéria de facto, nos termos e para os efeitos do art. 682.º n.º 3 do C.P.C., subsidiariamente aplicável, ou seja, terão os autos de voltar ainda ao tribunal recorrido em ordem a estar constituída base suficiente e para que seja proferida nova decisão de direito.
Concluindo:
A liquidação que foi efetuada não ofende os princípios da retroatividade e da segurança (C…………..), por decorrer de circunstâncias específicas à atividade desenvolvida para terceiro.
É de admitir que a atividade exercida possa enquadrar-se da regra de isenção prevista na al. e) do n.º 27 do artigo 9.º do C.I.V.A., no que respeita ao previsto quanto a “operações sobre títulos” no conceito definido no acórdão C…………….., citado na sentença recorrida.
Como se trata de operações relativas a títulos representativos de direitos de utilização de habitação/imóveis, tal isenção depende daquelas terem sido efetuadas por períodos superiores a 20 anos, conforme decorre do previsto na parte final da dita al. e) e ao tempo era praticável.
Contudo, será ainda de mandar ampliar a matéria de facto, nos termos e para os efeitos do art. 682.º n.º 3 do C.P.C., subsidiariamente aplicável, ou seja, terão os autos de voltar ainda ao tribunal recorrido em ordem a estar constituída base suficiente e para que quanto a tal seja proferida nova decisão de direito.»

I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 1901 e seguintes do SITAF:
A) O Impugnante esteve coletado desde 22.04.2008 até 19.03.2015 pela atividade principal de “Comissionista”, CAE 1319, tendo ficado enquadrado para efeitos de IVA no Regime de Isenção do artigo 9.° do CIVA até 01.02.2012, passando então ao regime de isenção do art.° 53.° do CIVA por ter ultrapassado, em 20ll, o valor de € 10.000,00 em volume de negócios — cfr. fls. 21/22 do processo instrutor apenso.
B) O Impugnante foi sujeito a uma ação de inspeção interna a coberto das Ordens de Serviço n.ºs 01201400900/1/2, de 01.07.2014, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Faro, iniciada em 03.07.2014 e concluída em 07.07.2014, de âmbito parcial de IVA, em relação aos anos de 2012 a 2014 — cfr. fls. 9 a 18 do processo instrutor apenso.
C) Em 07.07.2014 foi elaborado o Projeto de Relatório da Inspeção, que aqui se dá por integralmente reproduzido, que concluiu resultarem da ação inspetiva «liquidações de IVA (...) nos montantes anuais de: € 3.003,42, 62.647,28 e 6599,25 para os anos de 2012, 2013 e 2014 — 1.º trimestre, respetivamente» — cfr. fls. 9 a 18 do processo instrutor apenso.
D) Atos impugnados: Na sequência da ação de inspeção referida em C) foram emitidas as seguintes liquidações de IVA e de juros compensatórios:

[IMAGEM]

E) O Impugnante tem por atividade de angariar clientes e promover os serviços, garantindo a concretização da respetiva venda por parte da empresa que os comercializa, em função de diretivas previamente estabelecidas e limites estabelecidos em termos de descontos e brindes promocionais — por acordo.
E) O impugnante exerceu a atividade que antecede para a sociedade B…………….. que se dedica à comercialização de direitos de utilização sobre bens imóveis — facto não controvertido.
G) Pela referida atividade o Impugnante é remunerado através do pagamento de comissões pelo qual emite “recibos verdes” sem liquidar IVA, com fundamento na isenção do art.° 9.° do Código do IVA — por acordo.
H) Em 18.02.2015 foi apresentada apresente Impugnação —cfr. fls.2 dos autos.

II.2 – De Direito
I. Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida pelo TAF de Loulé, exarada a fls. 85 a 95 do SITAF que julgou improcedente a impugnação judicial interposta pelo Impugnante, ora Recorrente – A……………..

II. Vem o ora recorrente alegar, em sede de recurso, a ilegalidade das liquidações adicionais de IVA, tendo em conta que esteve colectado pela actividade de prestador de serviços desde 22.04.08 até 19.03.2015, sendo do conhecimento da AT e por ela validado o enquadramento na respectiva isenção em sede de IVA, nos termos do artigo 9.º do CIVA e que a alteração desse regime (caso se verifique) deveria ter efeitos para o futuro não operando retroactivamente, sob pena de violação do princípio de irretroactividade e segurança na aplicação das normas.
Acresce ainda, segundo o Recorrente, o facto não considerado pelo tribunal a quo que a actividade exercida pelo recorrente consistia na promoção, negociação e comercialização de serviços relacionados com a utilização de imóveis para férias, concedendo dentro de determinados limites, descontos e promoções, celebrando para o efeito, contratos sob os quais recebia uma comissão, sendo perfeitamente enquadrável na isenção prevista na alínea e) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, na redação à data dos factos.

III. São, portanto, as seguintes as questões a responder:
- o enquadramento inicial dado às actividades desenvolvidas pelo sujeito passivo torna-se insusceptível de correcção, atenta a materialidade verificada aquando de uma acção de inspecção, por violação dos princípios da irretroactividade e da segurança jurídica, nos termos dos artigos 35.º, n.º 3 do Código do IVA e 68.º-A da LGT ?
- pode o enquadramento jurídico-fiscal apurado na acção de inspecção ser enquadrado no âmbito da isenção prevista na alínea e) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, que estabelece a isenção de imposto para “As operações e serviços, incluindo a negociação, mas com exclusão da simples guarda e administração ou gestão, relativos a acções, outras participações em sociedades ou associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos títulos representativos de operações sobre bens imóveis quando efectuadas por um prazo inferior a 20 anos” ?

IV. Sobre questões e factualidade em tudo idênticas àquelas aqui versadas, já teve este Supremo Tribunal oportunidade de se pronunciar no Acórdão proferido no Processo n.ºs 1654/15, em 28 de Fevereiro de 2018, assim como no Acórdão proferido no Processo n.º 1648/15, de 9 de Maio de 2018, ambos disponíveis na íntegra em www.dgsi.pt.
Os termos ali vertidos – a que acresce o facto de terem sido sujeitos a apreciação, por Reenvio Prejudicial, pelo Tribunal de Justiça da União – são, em nossa opinião, suficientemente claros e extensos para serem aqui plenamente subscritos por remissão, o que ora se faz por integral adesão à douta fundamentação deles constante.

V. Também à semelhança do ali decidido – e porque, insiste-se, é manifestamente idêntico o Probatório nos três casos – subscrevemos a leitura de que, também no presente caso vertente, o recorrente não presta um serviço, uma actividade correspondente à de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos, pelo que a actividade por si desempenhada não cabe na previsão do disposto no referido artigo 9.º, n.º 27, alínea e) do CIVA, correspondente à previsão do artigo 135.º, n.º 1, alínea f) da Directiva IVA.
E por isto improcede o recurso, também nesta parte, ou seja, no que respeita à invocação de erro de julgamento por a actividade desenvolvida pelo impugnante ser (na alegada tese do Recorrente) susceptível de enquadramento no âmbito da isenção prevista na alínea e) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA.


III – CONCLUSÃO
Não correspondendo a actividade da recorrente à de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos, não pode beneficiar da isenção a que alude o artigo 9.º, n.º 27, alínea e) do CIVA


IV – DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.


Custas pelo recorrente.


Lisboa, 13 de Julho de 2021


O Relator atesta, nos termos do artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade dos Exmºs Senhores Conselheiros Adjuntos:

Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia.

Gustavo André Simões Lopes Courinha