Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0378/15
Data do Acordão:04/27/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
PRESCRIÇÃO
COIMA
Sumário:I - A notificação da decisão administrativa de aplicação da coima por falta de pagamento de taxa de portagem em auto-estrada, quando seja efectuada por carta simples, por ter sido devolvida a carta registada anteriormente enviada para o efeito, só se considera efectuada no quinto dia posterior à data da expedição da carta, como resulta inequivocamente do art. 14.º da Lei n.º 15/2006, na redacção aplicável.
II - O dies a quo do prazo de prescrição da referida coima inicia-se, não imediatamente após a notificação da decisão administrativa que aplicou a coima, mas a partir do momento em que esta se tornou definitiva, i.e., insusceptível de impugnação contenciosa (art. 29.º, n.º 2, do RGCO, ex vi do art. 18.º da Lei n.º 25/2006, na redacção aplicável).
III - Esse prazo suspende-se, nos termos do disposto na alínea b) do art. 30.º do RGCO, se na execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da coima foi prestada garantia em ordem à sua suspensão.
Nº Convencional:JSTA00069676
Nº do Documento:SA2201604270378
Data de Entrada:03/30/2015
Recorrente:INSTITUTO DA MOBILIDADE E DOS TRANSPORTES, IP
Recorrido 1:A............, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT- OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:RGCO ART29 N2 ART59 N3 ART60 N1 ART30-A ART30 B.
CP ART126 N1 A.
Jurisprudência Nacional:AC STJ N2/2012 PROC204/05.0GBFUND.C1-A.S1 DE 2012/03/08.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA E MANUEL SIMAS SANTOS - CONTRA ORDENAÇÕES ANOTAÇÕES AO REGIME GERAL VISLIS EDIÇÕES 2ED 2003 PAG241.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 1044/12.5BESNT

1. RELATÓRIO

1.1 O “Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.” (doravante Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, considerando verificada a prescrição da dívida exequenda na oposição deduzida pela sociedade denominada “A…………, Lda.” (doravante Executada ou Recorrida) à execução fiscal contra ela instaurada para cobrança de dívidas provenientes de coimas por falta de pagamento de taxas de portagem em auto-estrada, decidiu nos seguintes termos: «declara-se a prescrição da dívida exequenda […], determinando-se a absolvição da oponente da instância executiva».

1.2 O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«A. As infracções e os procedimentos contra-ordenacionais, que estão na génese do processo de execução agora em causa, são regulados pela Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, na versão que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 113/2009, de 18 de Maio.

B. O artigo 16.º-B da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, estabelece que as coimas e sanções acessórias prescreviam no prazo de dois anos.

C. Às contra-ordenações em causa aplicam-se subsidiariamente as disposições do regime geral do ilícito de mera ordenação social (RGIMOS), nos termos do artigo 18.º da Lei n.º 25/2006.

D. O Tribunal a quo entendeu na sentença que as coimas estavam prescritas, uma vez que decorreram dois anos desde a data da notificação das decisões condenatórias sem que tenham ocorrido factos interruptivos e suspensivos da prescrição, o que não é verdade.

E. O disposto no n.º 2 do artigo 29.º do RGIMOS estabelece que o prazo da prescrição da coima conta-se a partir do carácter definitivo ou do trânsito em julgado da decisão condenatória.

F. No entanto o Tribunal a quo iniciou a contagem do prazo da prescrição a contar da notificação da decisão condenatória e não do seu carácter definitivo, isto é, 20 dias úteis a contar da notificação da decisão (cfr. artigo 59.º e 60.º do RGIMOS).

G. Estabelece ainda o n.º 3 do artigo 14.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, que as notificações consideram-se efectuadas no 5.º dia posterior à data indicada na cota da notificação simples, e não decorridos três dias da notificação como considerado na sentença ora recorrida. Assim, tendo a notificação sido expedida a 17/12/2009, a notificação terá de se considerar efectuada a 22/12/2009, por força do n.º 3 do artigo 14.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho.

H. Desta forma a decisão tornou-se definitiva no dia 22/01/2010, pois a oponente não apresentou impugnação judicial nos 20 dias úteis desde a sua notificação.

I. Consequentemente, o Tribunal a quo deveria ter iniciado a contagem da prescrição das coimas a partir do dia 22/01/2010, por força do artigo 59.º e 60.º do RGIMOS, e não desde 20/12/2009.

J. Como, aliás, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 09.07.2014 proferido no processo 464/14, 2.ª Secção do Contencioso Tributário, sobre a contagem da prescrição em processos executivos similares ao aqui em causa, e que se transcreve parcialmente:
O texto do referido artigo, aplicável por força do disposto no art. 34.º do R.I.G.T., – a aplicação ao regime de prescrição da coima das causas de suspensão e de interrupção previstas na lei geral, ou seja nos arts. 30.º e 30.º-A, do Regime Geral das Contra-Ordenações aprovado pelo DL 433/82 de 27/10 – permite concluir que o termo inicial do prazo de prescrição das sanções contra-ordenacionais é da data do trânsito em julgado da decisão administrativa/judicial que aplicou a coima, sendo esta interpretação que se deve ter como a mais acertada da referência – à data da sua aplicação – por ser a que melhor se coaduna com a unidade do sistema jurídico, nos termos expresso pelo art. 9.º do Código Civil,...”

K. Como decorre da alínea c) do ponto 4.2 da sentença recorrida, o processo executivo encontra-se suspenso desde 17 de Janeiro de 2012, por prestação da garantia efectuada pela oponente.

L. E estatui a alínea a) e b) do artigo 30.º do RGIMOS que a prescrição da coima suspende-se durante o tempo em que, por força da lei, a execução não pode continuar a ter lugar ou em que a execução foi interrompida.

M. Assim, estando os processos executivos suspensos, a prescrição da coima está necessariamente suspensa, por força do artigo 30.º do RGIMOS.

N. Entendimento semelhante tiveram os Excelentíssimos Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão n.º 0514/12, de 30/05/2012, disponível www.dgsi.pt, que se transcreve parcialmente:
III- Uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determine sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude da cessação do efeito interruptivo da prescrição.” […]
“Constitui jurisprudência uniforme e reiterada deste Supremo Tribunal, vazada, entre outros, no Acórdão, de 14/9/2011, proc. n.º 01010/2010, que “das normas contidas nos artigos 169.º, n.º 1, do CPPT e 49.º, n.º 3, da LGT decorre que a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de impugnação judicial que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda «desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido» e que «o prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de (…) impugnação ou recurso». O que significa que, uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude de cessação de algum efeito interruptivo da prescrição” (nosso sublinhado).

O. Também, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09.07.2014, acima mencionado, é referido o seguinte:
Mas a decisão recorrida limitou-se a afirmar que não havia qualquer facto suspensivo do prazo de prescrição e que considerava que a instauração da execução não era nem facto interruptivo, nem suspensivo da prescrição.
A matéria de facto provada não permite concluir que o tribunal haja apurado o estado do processo de execução e, nomeadamente se, como refere o recorrente, estão suspensos os termos da execução em virtude de garantia prestada, muito menos o tempo em foi iniciada tal suspensão, o que poderá ser determinante para afirmar se o prazo de prescrição se completou ou não.
Haverá que averiguar se se verificam quaisquer uma das situações previstas no art. 30.º do Regime Geral das contra-ordenações, sendo que o recorrente afirma que a execução está suspensa há muito tempo em virtude de ter sido instaurado processo de oposição e ter sido prestada garantia, o que a verificar-se tem enquadramento na alínea a) do referido art. 30.º em conjugação com o disposto nos arts. 212.º e 169.º do Código de Procedimento e Processo Tributário” (nosso sublinhado).

P. O Tribunal a quo entendeu de forma diversa, pois considerou não existirem factos suspensivos, ignorando a existência da garantia.

O. Acresce que, o Tribunal a quo considerou, sobre o instituto da interrupção da prescrição, que a instauração da execução não constitui facto interruptivo da prescrição das coimas.

R. Porém o ora recorrente entende que a instauração da execução tem carácter interruptivo da prescrição das coimas, como referido in Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, de Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, 2.ª Edição actualizada e ampliada, 2003, Áreas Editora, em anotação ao artigo 30.º-A do RGCO:
2- A prescrição da coima e das sanções acessórias (por força do art. 31.º) – aliás como a prescrição do procedimento contra-ordenacional – tem como fundamento principal a sua desnecessidade, pelo esquecimento em que, pouco a pouco, o tempo vai envolvendo a infracção que a determinou.
Esse mesmo fundamento implica que o acto de instauração de execução revelador do não esquecimento da infracção por parte do Estado, se considere interruptivo da prescrição” (nosso sublinhado).

S. Veja-se, a respeito da prescrição das coimas aplicadas em processos de contra-ordenação da Lei n.º 25/2006, de 20 de Junho, excerto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido no processo n.º 06953/13, em 28-11-2013, disponível em www.dgsi.pt:
A instauração do processo de execução, nos termos do art. 30.º-A, n.º 1, R.G.C.O., interrompe o prazo de prescrição da coima, interrupção esta que, apesar disso, não bule com o termo absoluto para prescrição da coima consagrado no citado art. 30-A, n.º 2, do R.G.C.O. (no caso, de três anos)” (nosso sublinhado).

T. Face ao acima exposto considera-se que o Tribunal a quo violou o n.º 3 do artigo 14.º e o artigo 16.º-B ambos da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, e os artigos 30.º e 30.º-A do RGIMOS, aplicáveis por força do artigo 18.º da Lei n.º 25/2006.

U. Ao contrário o Tribunal a quo deveria ter considerado que o prazo de prescrição inicia a sua contagem na data da definitividade da decisão condenatória (22/01/2010), tendo em conta que decisão condenatória considera-se notificada no 5.º dia posterior à data mencionada na cota, conforme previsto no n.º 3 do artigo 14.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho.

V. Deveria, também, ter considerado que a prescrição da coima está suspensa, nos termos do artigo 30.º-A do RGIMOS, desde 17.01.2012, pelo que não decorreram os dois anos para a prescrição das coimas (22.01.2010 - 17.01.2012), previstos no artigo 16.º-B da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho.

W. E ainda que a instauração da execução interrompe o prazo de prescrição das coimas, nos termos do artigo 30.º-A do RGIMOS, pelo que não a coima não está prescrita.

X. Concluindo, deve julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida a qual padece do vício de erro de julgamento de direito que se consubstancia na violação do regime de prescrição previsto no artigo 16.º-B, da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho e, subsidiariamente, nos artigos 29.º, 30.º, e 30.º-A do RGIMOS.

Termos em que, e nos mais de Direito aplicável, deverá ser dado integral provimento ao presente recurso, julgando-o procedente, por provado e, em consequência ser revogada a sentença quanto à procedência da questão da prescrição».

1.3 A Oponente não contra-alegou.

1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público, e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença e de que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí serem apreciadas as questões colocadas pela Recorrida no recurso da decisão de aplicação de coima. Após fazer o historial dos autos e de definir a questão a decidir no presente recurso jurisdicional como sendo a de saber «se a sentença recorrida fez ou não uma adequada apreensão dos factos e um correcto enquadramento legal dos mesmos com vista à declaração da prescrição das coimas», deixou escrito no referido parecer (Permitimo-nos omitir as notas de rodapé, onde se reproduzia o texto de algumas das normas legais citadas.):

«[…] O artigo 140.º da Lei n.º 67.º-A/2007, de 31 de Dezembro, aditou à Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho as seguintes disposições legais:
«Artigo 16.º-A
Prescrição do procedimento
Os procedimentos por contra-ordenação previstos na presente lei extinguem-se por efeito de prescrição logo que, sobre a prática da contra-ordenação, tenham decorrido dois anos.
Artigo 16.º-B
Prescrição das coimas e das sanções acessórias
As coimas e sanções acessórias previstas na presente lei prescrevem no prazo de dois anos».
Sendo o prazo de prescrição da coima de dois (2) anos, importa determinar qual o início do prazo de prescrição e se ocorrem ou não actos interruptivos ou suspensivos da prescrição.
Como refere o Recorrente, o prazo de prescrição inicia-se a partir da data em que a decisão de aplicação de coima se tomou definitiva ou caso decidido, ou seja, a partir do momento em que a mesma seja insusceptível de impugnação contenciosa.
No que se refere à impugnação contenciosa das decisões de aplicação de coima, a Lei n.º 25/2006 não estabelece qualquer regulação, pelo que se mostra aplicável subsidiariamente, nos termos do seu artigo 18.º, o Regime Geral das Contra-Ordenações, o qual estabelece no artigo 59.º, n.º 3, que o prazo de impugnação é de 20 dias, e nos termos do artigo 60.º, n.º 1, que o mesmo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
E quanto à comunicação das decisões de aplicação de coima, dispõe o artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 25/2006, que a mesma é efectuada por carta registada, e se esta, por qualquer motivo, for devolvida pelos serviços postais, é feita uma segunda tentativa através de carta simples, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data da expedição – n.ºs 2 e 3 do citado normativo.
Como resulta da factualidade dada como assente, a carta registada remetida para notificação da decisão de aplicação de coima foi devolvida pelos serviços postais, tendo em 17/12/2009 sido novamente efectuada através de registo simples.
Assim sendo e como alega o Recorrente, a notificação deve ter-se por efectuada em 22/12/2009, ou seja, cinco dias após, como resulta da presunção legal e não infirmada por outros factos.
De modo que o prazo de 20 dias de impugnação da decisão inicia-se a 23/12/2009 e termina a 20 de Janeiro de 2010, data em que se torna caso decidido ou resolvido se não for impugnada.
Por conseguinte, o prazo de prescrição da coima começa a correr a partir de 21/01/2009 e termina a 21/01/2011, caso não ocorra qualquer facto interruptivo ou suspensivo – artigo 279.º, n.º 1, alínea c) do Código Civil.
Dispõe a este propósito o artigo 30.º-A do RGCO que a prescrição da coima se interrompe com a sua execução.
Atento que o citado normativo fala em execução de coima há que concluir que “instauração da execução” e “execução da coima” são realidades distintas. Tanto a doutrina, como a jurisprudência penalistas têm feito eco da distinção entre “execução de pena” e “actos destinados a fazê-la executar”. Assim “a execução da pena, como se disse, só tem lugar com a sua materialização, com a efectivação do sacrifício nela implicado para o condenado, ou seja, com o começo do seu cumprimento. São, pois, actos destinados a fazer executar a pena de multa. Tanto a instauração da execução patrimonial como a notificação do condenado para em certo prazo pagar a multa (ambas com idêntico alcance, nesta matéria). Execução da pena e actos destinados a fazê-la executar são realidades distintas, como até as próprias palavras indicam” – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2012, proferido em recurso interposto para fixação de jurisprudência (publicado no Diário da República, 1.ª série – N.º 73 – 12 de Abril de 2012) e que fixou a jurisprudência nestes termos:
«A mera instauração pelo Ministério Público de execução patrimonial contra o condenado em pena de multa, para obtenção do respectivo pagamento, não constitui a causa de interrupção da prescrição da pena prevista no artigo 126.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal».
Sufragando a citada jurisprudência, entendemos igualmente que a mera instauração da execução fiscal para efeitos de cobrança coerciva da coima não tem efeitos interruptivos da prescrição.
Todavia resulta igualmente da sentença recorrida que a executada e aqui recorrida prestou em 17/01/2012 garantia para efeitos de suspensão da execução fiscal. Ora, tal facto, ao interromper a cobrança coerciva da coima, constitui um facto suspensivo da prescrição subsumível na alínea b) do artigo 30.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, o qual perdura enquanto estiver garantida a quantia exequenda.
Tendo o prazo sido suspenso em 17/01/2012, temos que concluir que o prazo de dois anos não chegou a completar-se, ou seja, não se verifica a prescrição da coima».

1.5 Foram colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a da saber se (a sentença recorrida fez correcto julgamento ao decidir no sentido de que) ocorreu a prescrição da dívida exequenda, a determinar a extinção da execução fiscal, o que como procuraremos demonstrar, passa por determinar o termo inicial do prazo e a eventual ocorrência de causas de interrupção e de suspensão do mesmo.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Com relevância para a questão a apreciar, consideram-se os seguintes FACTOS PROVADOS, de acordo com o teor dos documentos, infra ids., que aqui damos por reproduzidos para todos os efeitos legais:

a) Em 22/10/2011, o Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias instaurou contra a ora oponente o processo de execução fiscal n.º 3522201101154354, para cobrança coerciva de coima(s) e custas daquele Instituto, no montante global de € 3.737,25 (três mil, setecentos e trinta e sete euros e vinte e cinco cêntimos), provenientes do incumprimento do pagamento de taxas de portagem em auto-estradas – carta precatória de fls. 56 e certidão de dívida de fls. 57 e 58 dos autos.

b) O(s) incumprimento(s) do pagamento das taxas de portagem ocorreram em sede do PEF id. na alínea antecedente em datas compreendidas entre 06/07/2008 e 07/08/2008 e a ora oponente foi regularmente notificada da decisão administrativa condenatória, por ofício simples expedido em 17/12/2009, após devolução do anterior oficio expedido por carta registada – autos de notícia de fls. 51 a 55 de fls. 59 a fls. 63 dos autos.

c) No processo de execução fiscal não foram realizados quaisquer actos materiais de execução da coima, tendo sido prestada uma garantia bancária, pela oponente, no valor global de € 22.803,95 em 17/01/2012 destinado à suspensão dos autos ids. em 4.2.a) e de outros processos de execução fiscal – análise dos autos remetidos ao Tribunal pelo órgão de execução, devidamente instruídos nos termos do artigo 208.º, n.º 1 do CPPT e garantia bancária de fls. 24 dos autos.

d) Os presentes autos de oposição foram remetidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa em 19/09/2012 – carimbo aposto a fls. 1 dos autos».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A questão a apreciar e decidir nos presentes autos, como resulta da exposição já feita, é a de saber se a sentença fez correcto julgamento ao declarar prescrita a dívida exequenda e, assim, extinta a execução fiscal instaurada contra a sociedade ora Recorrida para cobrança de coimas por falta de pagamento de taxas de portagens em auto-estrada.
Como veremos, para tanto impõe-se verificar se a sentença fez correcto julgamento quanto a dois aspectos: o dies a quo do prazo, ou seja, o momento a partir do qual deve contar-se o prazo prescricional, e a ocorrência de causas interruptivas ou suspensivas.
Na verdade, o Recorrente insurge-se contra a sentença quer por discordar do momento escolhido pelo Tribunal a quo como termo inicial do prazo de prescrição (cfr. conclusões A. a J. e T. e U.) quer por discordar da conclusão aí registada, de que não ocorreram causas suspensivas (cfr. conclusões A. a D., L. a P. e V.) nem interruptivas (cfr. conclusões A. a D., Q. a S. e W.).

2.2.2 DO DIES A QUO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO DAS COIMAS

A sentença recorrida – depois de, bem, determinar como aplicável à situação sub judice, que se refere ao ano de 2008, o regime da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, diploma que aprovou o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem, na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011) – considerou que o prazo de prescrição se começava a contar em 20 de Dezembro de 2012, terceiro dia após a data de expedição da notificação à então arguida, ora Recorrida, da decisão administrativa de aplicação da coima, que foi efectuada em 17 de Dezembro de 2012 por carta simples, depois de ter sido devolvida anterior notificação efectuada por carta registada [cfr. alínea b) dos factos provados].
O Recorrente e o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal entendem de modo diverso e têm razão: atento o disposto no n.º 2 do art. 29.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, aplicável subsidiariamente ex vi do art. 18.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, na redacção aplicável, que é a inicial («Às contra-ordenações previstas na presente lei, e em tudo quanto nela se não encontre expressamente regulado, são subsidiariamente aplicáveis as disposições do regime geral do ilícito de mera ordenação social e respectivo processo». Ulteriormente, a Lei n.º 64-B/2011, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012) alterou este artigo, que passou a ter a seguinte redacção: «Às contra-ordenações previstas na presente lei, e em tudo o que nela não se encontre expressamente regulado, é aplicável o Regime Geral das Infracções Tributárias».), a prescrição só pode contar-se a partir do momento em que a decisão administrativa se tornou definitiva, por não mais ser susceptível de impugnação contenciosa, sendo que tal só sucede 20 dias úteis após a respectiva notificação ao arguido, tudo, respectivamente, nos termos do disposto nos arts. 59.º, n.º 3, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro («O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões».), e 60.º, n.º 1, na redacção do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro («O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados».), ambos do RGCO; por outro lado, a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, quando seja efectuada por carta simples, por ter sido devolvida a carta registada anteriormente enviada para o efeito, só se considera efectuada no quinto dia posterior à data da expedição da carta, como resulta inequivocamente do art. 14.º da referida Lei n.º 15/2006 (Na redacção aplicável, o referido art. 14.º dizia nos seus primeiros 3 números:
«1. As notificações efectuam-se por carta registada com aviso de recepção, expedida para o domicílio ou sede do notificando.
2. e, por qualquer motivo, as cartas previstas no número anterior forem devolvidas à entidade remetente, as notificações são reenviadas para o domicílio ou sede do notificado através de carta simples.
3.No caso previsto no número anterior, o funcionário da entidade competente lavra uma cota no processo com a indicação da data de expedição da carta e do domicílio para o qual foi enviada, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada, cominação que deverá constar do acto de notificação.).
A sentença andou mal, pois, na determinação do dies a quo do prazo da prescrição das coimas.
Como resulta do regime que deixámos exposto, e bem salientaram o Recorrente e o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima tem-se por efectuada em 22 de Dezembro de 2009, pelo que o prazo para impugnação judicial se iniciou em 23 de Dezembro de 2009 e terminou em 21 de Janeiro de 2010 (Os dias 26 de Dezembro de 2009 e de 9 e 16 de Janeiro de 2010 foram sábados, os dias 27 de Dezembro de 2009 e 10 e 17 de Janeiro de 2010 foram domingos e os dias 25 de Dezembro de 2009 e 1 de Janeiro de 2010 foram feriados.). O prazo de prescrição iniciou-se no dia seguinte, motivo por que, sendo o mesmo de 2 anos, na legislação aplicável à data (Note-se que entre 1 de Janeiro de 2008 e 31 de Dezembro de 2011, ou seja desde a entrada em vigor da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2008) e até à entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012), vigorou o art. 16.º-B do Decreto-Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, aditado por aquela e revogado por esta, nos termos do qual o prazo de prescrição da coima é de 2 anos. A partir de 1 de Janeiro de 2012, o prazo de prescrição aplicável é o do art. 33.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, de 5 anos.), só terminaria, na ausência de causas interruptivas ou suspensivas do prazo, em 22 de Janeiro de 2012. Cumpre, pois, indagar da ocorrência destas. É o que faremos de seguida.

2.2.3 DAS CAUSAS INTERRUPTIVAS OU SUSPENSIVAS

2.2.3.1 Antes do mais, cumpre dizer que bem andou a sentença quando recusou relevância à instauração da execução fiscal como causa interruptiva do prazo prescricional e que não tem razão o Recorrente quando sustenta o contrário.
É certo que, nos termos do n.º 1 do art. 30.º-A do RGCO, «[a] prescrição da coima interrompe-se com a sua execução».
Mas, como tem vindo a entender a doutrina e a jurisprudência, não pode fazer-se corresponder a instauração da execução à execução da coima.
Como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, a questão foi inclusive objecto de fixação de jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça, através do acórdão n.º 2/2012, proferido em 8 de Março de 2012, no processo n.º 204/05.0GBFND.C1-A.S1 (No Diário da República, 1.ª série, n.º 73, de 12 de Abril de 2012 (https://dre.pt/application/file/552588), págs. 1862 a 1867, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/098dc40e79accf06802579e40030c341.), no seguinte sentido: «A mera instauração pelo Ministério Público de execução patrimonial contra o condenado em pena de multa, para obtenção do respectivo pagamento, não constitui a causa de interrupção da prescrição da pena prevista no artigo 126.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal».
Aí ficou bem patente, com abundante citação de doutrina e jurisprudência, a distinção entre execução da pena (no nosso caso execução da coima) e a instauração do processo de execução. Como aí ficou dito, «a execução da pena […] só tem lugar com a sua materialização, com a efectivação do sacrifício nela implicado para o condenado, ou seja, com o começo do seu cumprimento. São, pois, actos destinados a fazer executar a pena de multa. Tanto a instauração da execução patrimonial como a notificação do condenado para em certo prazo pagar a multa (ambas com idêntico alcance, nesta matéria). Execução da pena e actos destinados a fazê-la executar são realidades distintas, como até as próprias palavras indicam».
Aderindo plenamente à doutrina aí expendida, concluímos que a instauração do processo de execução não constitui execução da coima, antes consubstancia a prática de um acto inserido numa determinada actividade processual, qual seja a execução fiscal. Por isso, não assume relevância interruptiva para efeitos do art. 30.º-A, n.º 1, do RGCO.
É certo que, como afirma o Recorrente, em anotação ao art. 30.º-A do RGCO, JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS parecem entender que também o acto de instauração da execução se deve considerar interruptivo da prescrição (Cfr. Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, Vislis Editores, 2.ª edição, 2003, anotação 1 ao art. 30.º-A, pág. 241.), mas a verdade é que os mesmos Autores, também em anotação ao mesmo preceito legal, logo esclarecem: «O n.º 1 do art. 30.º-A do RGCO atribui efeito interruptivo da prescrição à «execução» da coima e não explicitamente à sua instauração, o que poderia sugerir que enquanto se mantivesse a execução se manteria o efeito interruptivo. Porém, o facto de a alínea b) do art. 30.º atribuir efeito suspensivo à interrupção da execução, leva a concluir que o prazo de prescrição continua a correr na pendência da execução, pois só assim se compreende que se possa suspender» (Idem, anotação 3 ao art. 30.º-A, pág. 242.).
Ou seja, a sentença andou bem ao não conferir efeito interruptivo à instauração da execução fiscal.

2.2.3.2 A sentença considerou também que não havia que relevar como causa suspensiva da prescrição a garantia prestada pelo ora Recorrente em ordem à suspensão da execução fiscal.
Mas, há que realçá-lo, foi levada a essa conclusão não porque entenda que a prestação da garantia, na medida em que interrompe a cobrança coerciva, não tenha potencialidade suspensiva da prescrição, mas apenas porque – como vimos já em 2.2.2 – situou mal o dies a quo do prazo prescricional, erro que se repercutiu na determinação do dies ad quem do mesmo prazo. Em consequência desse erro, considerou que a garantia, prestada em 17 de Janeiro de 2012, o foi já para além do termo final do prazo, que situou em 20 de Dezembro de 2011, motivo por que lhe recusou relevância.
É certo que nos termos da alínea b) do art. 30.º do RGCO («A prescrição da coima suspende-se durante o tempo em que: […] b) A execução foi interrompida».), a prescrição da coima suspende-se enquanto a execução estiver parada por força da garantia prestada para esse efeito.
Como deixámos já dito, o prazo de prescrição iniciou-se em 22 de Janeiro de 2010, motivo por que à data em que foi prestada a garantia – 17 de Janeiro de 2012 – ainda não tinham decorrido 2 anos sobre aquela primeira data. O prazo prescricional suspendeu-se, pois, pelo que a sentença fez errado julgamento ao considerar a coima prescrita na data em que foi prestada a garantia.
Em consequência, o recurso será provido e a sentença revogada, devendo os autos regressar à primeira instância, a fim de aí serem conhecidas as questões suscitadas no recurso judicial da decisão de aplicação da coima e que a sentença deu como prejudicadas.

2.2.4 CONCLUSÕES

Pelo que ficou dito, o recurso merece provimento e, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A notificação da decisão administrativa de aplicação da coima por falta de pagamento de taxa de portagem em auto-estrada, quando seja efectuada por carta simples, por ter sido devolvida a carta registada anteriormente enviada para o efeito, só se considera efectuada no quinto dia posterior à data da expedição da carta, como resulta inequivocamente do art. 14.º da Lei n.º 15/2006, na redacção aplicável.
II - O dies a quo do prazo de prescrição da referida coima inicia-se, não imediatamente após a notificação da decisão administrativa que aplicou a coima, mas a partir do momento em que esta se tornou definitiva, i.e., insusceptível de impugnação contenciosa (art. 29.º, n.º 2, do RGCO, ex vi do art. 18.º da Lei n.º 25/2006, na redacção aplicável).
III - Esse prazo suspende-se, nos termos do disposto na alínea b) do art. 30.º do RGCO, se na execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da coima foi prestada garantia em ordem à sua suspensão.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí prosseguirem com o conhecimento das questões que foram tidas como prejudicadas.
Sem custas.
Lisboa, 27 de Abril de 2016. – Francisco Rothes (relator) – Fonseca CarvalhoCasimiro Gonçalves.