Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01184/12
Data do Acordão:06/18/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
PORTAGEM
TAXA
COIMA
Sumário:Instaurando-se no Serviço de Finanças um processo de execução fiscal para cobrança coerciva de quantia relativa a taxa de portagem, coima e custos administrativos, liquidados ao contribuinte/executado pelo Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias – I.P., o tribunal tributário é competente para a apreciação do processo de oposição deduzido contra essa execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA000P15938
Nº do Documento:SA22013061801184
Data de Entrada:11/05/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, julgou tal tribunal incompetente, em razão da matéria, para conhecer da oposição deduzida por A………… contra a execução fiscal instaurada para cobrança de taxa de portagem, coima e custos administrativos, liquidados pelo Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias – IP.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A) O Tribunal a quo julgou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer a oposição à execução, por contra-ordenação de 2008 e respectiva coima aplicada pelo INIR, a que os autos respeitam.
B) Sucede que a Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011), procedeu no seu artigo 175º a aditamento à Lei nº 25/2006, de 30 de Junho, tendo introduzido o artigo 17º-A:
«1. Compete ao Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P., adoptar as medidas necessárias para que, quando não ocorra o não pagamento em conformidade com o disposto no artigo 16º, haja lugar à execução do crédito composto pela taxa de portagem, coima e custos administrativos, a qual segue, com as necessárias adaptações, os termos dos artigos 148º e seguintes do Código do Procedimento e de Processo Tributário.
2. As entidades referidas no nº 1 do artigo 11º da presente lei preparam e remetem, para emissão, o título executivo ao Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P., que exerce as funções de órgão de execução a quem compete promover a cobrança coerciva dos créditos referidos no número anterior.» (sublinhados nossos)
C) Estabelece também o nº 3 do artigo 175º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que tal regime aplica-se a todos os processos executivos que se iniciem após 1 de Janeiro de 2011, independentemente do momento em que foi praticado o facto que motivou a aplicação de sanção contraordenacional.
D) A Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, previu uma autorização legislativa para a aprovação de um regime especial de execução dos créditos de que o INIR seja titular, o qual, não tendo sido aprovado, leva à aplicação do estabelecido no artigo 17º-A da Lei nº 25/2006, de 30 de Junho, no que respeita ao recurso ao regime processual do CPPT, designadamente os artigos 148º e seguintes.
E) O processo executivo em causa tem como base um título executivo – certidão de dívida – emitido pelo INIR, IP., enquanto órgão de execução, tendo, por carta precatória, solicitado à AT, nos termos dos artigos 185º e 186º do CPPT, a realização de actos executórios subsequentes à emissão do título executivo.
F) Os Tribunais Judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais, de acordo com o disposto nos artigos 211º, nº 1, e 213º da Constituição da República Portuguesa, o que não é o caso dos autos.
G) Acresce que, ao contrário do que resulta da decisão a quo, o artigo 148º do CPPT estabelece que poderão ser cobradas mediante processo de execução fiscal outras dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de ato administrativo, desde que exista previsão legal expressa, o que claramente se verifica com a introdução do artigo 17º-A à Lei nº 25/2006, de 30 de Junho.
H) Os Tribunais Judiciais têm vindo a declarar-se materialmente incompetentes nos processos de cobrança coerciva do crédito composto pelas taxas de portagem, coima e custos administrativos.
I) Destarte, tomando em conta o invocado, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse feito prosseguir o processo de oposição, julgando-se materialmente competente para o conhecimento do mérito da causa.
Termina pedindo o provimento do recurso e a consequente revogação da sentença recorrida.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
«Recurso interposto pela F.P., no processo em que é oponente A…………:
1. Questões prévias.
Defende a recorrente a competência do S.T.A. para conhecer do recurso, em face do previsto no art. 280º nº 1 do C.P.P.T..
Resultando do probatório que, após ter sido extraída certidão executiva pelo Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias foi remetida carta precatória aos serviços de finanças das Caldas da Rainha, para efeitos de cobrança coerciva de taxa de portagem, coima e custos.
É certo que não consta o acto concreto da citação que terá sido ainda efectuado, e com base no qual foi apresentada a oposição a 6-12-11.
No entanto, e se dúvidas houverem, parece nada obstar a que se leve ainda em conta o que resulta ainda de fls. 6, em que consta ainda documento relativo à citação do dito oponente, com data de 5-11-11.
E do mesmo consta um total de 504,89€, referente àquelas dívidas.
No entanto, estando em causa questão de competência em razão da matéria, parece ser de aplicar subsidiariamente o disposto no art. 678º nº 2 al. a) do C.P.C., em detrimento da norma constante do dito art. 280º nº 3, no qual se prevê ainda que só caiba recurso em execução fiscal, como é o caso, por valor superior ao acima referido limite, que assim não é de aplicar.
Ora, parece ser de reconhecer a dita competência, por o recurso ser o próprio, a F.P. ter legitimidade, bem como por o mesmo ter cabimento assegurado.
2. A questão controvertida: da competência para decidir a oposição, com fundamento no que resulta do disposto no art. 148º do C.P.P.T., integrado pela alteração introduzida pelo art. 175º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12, ao disposto na Lei nº 25/06, de 30/6.
O Mmo. juiz “a quo” decidiu no sentido de ser de afastar tal com base na norma contida ainda no art. 18º da Lei nº 25/06, de 30/6 e em não ser aplicável no que se encontra ainda previsto no art. 65º do R.G.I.T. e no art. 148º nº 1 al. b) do C.P.P.T..
Parece ser de entender que a situação se enquadre no disposto no art. 148º por força da alteração introduzida pelo art. 175º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12, ao disposto na Lei nº 25/06, de 30/6 norma especial em que se previu essa forma de cobrança quanto a taxa de “portagem, coima e custos administrativos”, o que no caso resulta ter ocorrido apenas por acto administrativo.
Resulta ainda, conjugadamente, do previsto no art. 49º nº 1 al d) do E.T.A.F. que, quanto a oposições deduzidas em processo de execução fiscal, a competência pertence ao tribunal tributário.
Conforme se defende no recurso interposto o artigo 212º, nº 3, da C.R.P. serve para delimitar o sentido da parte final do nº 1 do artigo 211º da C.R.P., segundo o qual “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”, “e sem necessidade de atribuição específica dessa competência”.
Neste sentido se pronunciam JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE (A Justiça Administrativa, 8ª edição, Coimbra, 2006, p. 114) e de SÉRVULO CORREIA (Direito do Contencioso Administrativo, I vol., Lisboa, 2005, p. 586).
Ora, a referida norma que foi introduzida na Lei nº 25/06, de 30/6, e que ficou com o nº 17-A da Lei nº 25/06, de 30/6, na medida em que cometeu expressamente a execução das ditas dívidas sob a forma de processo de execução fiscal, é aquela que permite concluir terem passado à ordem judicial administrativa a competência para a oposição movida com base em acto administrativo.
E quanto à norma contida no art. 18º da Lei nº 25/06, de 30/6, em que se previu ainda que fosse aprovado pelo Governo um processo especial de execução especial, o qual não chegou a ser aprovado, certo é que constava ainda autorização para que, apesar das especialidades desse processo, fosse mesmo atribuída competência exclusiva ao tribunal tributário da sede do órgão da execução fiscal para conhecer do mesmo.
É, pois, por referência à norma contida no art. l48º nº 2 al. a) do C.P.P.T. que se defende também ser de reconhecer a competência do tribunal tributário para apreciar a dita oposição.
Concluindo, parece que o recurso merece provimento com base, conjugadamente, no disposto nos arts. 148º nº 2 al. a) do C.P.P.T., 15º-A que foi aditado à referida Lei nº 25/06, de 30/6 e 49º nº 1 al d) do E.T.A.F., de que resulta ser de anular o decidido.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. A sentença recorrida, no que ora releva, é do teor seguinte:
«O TAF, porém, como a AT, não têm competência material, para conhecer desta matéria, porque o INIR e a DGCI, pelo menos em 2008, não tinham qualquer norma legal, que lhes permita, por protocolo/acordo [que neste processo não consta junto, como devia, e não se percebe porquê] definir a competência legal deste tribunal e da AT, e subtrair o processo do foro legal dos tribunas comuns. Vejamos.
Contextualizando. O regime aplicável às coimas é o do RGIT, subsidiariamente [artigo 3º do RGIT] o RGCO, que remete [artigos 32 e 41] para o C.P e o CPP ((2) Código Penal e Código de Processo Penal), respectivamente. O paradigma é, portanto, o do direito penal. A decisão que condena em coima não constitui decisão de tipo administrativo, mas antes de tipo “penal”/jurisdicional ((3) V. REFLEXÕES SOBRE O DIREITO CONTRA-ORDENACIONAL, SP8 - II Editores, Lda., 1997, pgs. 19, 28/ss, 39 a 42; e in CONTRA-ORDENAÇÕES e COIMAS, Anotado e Comentado, Petrony/Dislivro, 2005, pgs., 23, 351 a 358.), não configura, pois, qualquer acto administrativo, desenhado no artigo 120, CPA. O direito contra-ordenacional é direito “para-penal”, que integra o direito penal secundário ((4) Nesta matéria para-penal, o tribunal pode conhecer oficiosamente de nulidades insupríveis, para além das do artigo 63, do RGIT, nos termos dos artigos 119/ss, do CPP e ainda nos termos dos artigos 17 e 18, da CRP, tendo em mente a verdade, a justiça material, os interesses e bens jurídicos tutelados, o direito dos arguidos e o princípio da legalidade.); o direito CO há muito deixou de constituir um direito de bagatelas ((5) Cfr idem CONTRA-ORDENAÇÕES e COIMAS, Anotado e Comentado, Petrony/Dislivro, 2005, pgs., nomeadamente pg. 23.), como resulta do preâmbulo dos diplomas do RGCO.
O direito penal/CO não visa obter receitas para o Estado; visa punir comportamentos considerados intoleráveis pela lei ((6) Esse entre outros fins. V. em detalhe, as grandes linhas de orientação CO em Portugal, M.F.Antunes, in CONTRA-ORDENAÇÕES e COIMAS, Anotado e Comentado, Petrony/Dislivro, 2005, pgs., 13 a 25.). A execução das coimas não é mais do que a execução da pena/coima, por cumprimento coactivo, nos moldes da execução da pena de multa criminal [artigo 88 e 89, do RGCO].
O PEF por coima, previsto no artigo 65, do RGIT, foi ali consagrado por razões de economia processual, de meios e esforços, para melhor assegurar a defesa e a paz jurídica do arguido em processo de CO tributário, a que a sanção/coima está umbilicalmente ligada.
Os factos respeitam ao ano de 2008. Há que ter presente inter alia o artigo 3º, RGCO.
O artigo 65-1, do RGIT, dispõe que «As coimas aplicadas em processo de contra-ordenação tributário são cobradas coercivamente em processo de execução fiscal». Assim, só é cobrável através de PEF a coima/pena aplicada «em processo de contra-ordenação tributária». Este artigo 65, do RGIT, remete-nos, entre o mais, para o artigo 148 do CPPT, onde regula o PEF.
O artigo 148-1, do CPPT, dispõe que «O processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das seguintes dívidas: a) Tributos, incluindo impostos aduaneiros, (...) b) Coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdãos relativos a contra-ordenações tributárias, salvo quando aplicadas pelos tribunais comuns.
[A Lei 3-B/2010, de 28/4 aditou a seguinte alínea: «c) Coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes da responsabilidade civil determinada nos termos do Regime Geral das Infracções Tributárias.»].
Daqui resulta que o PEF apenas se aplica a «contra-ordenações tributárias». A alínea c), aditada em 2010, respeitará fundamentalmente às coimas e outras sanções revertidas para o devedor subsidiário, nos termos do artigo 8º do RGIT.
Se a coima for de natureza não tributária, a impugnação judicial da condenação é feita, nos termos do artigo 59, do RGCO, para o tribunal comum. Se a coima for de natureza fiscal a impugnação da decisão condenatória é feita nos termos do artigo 80, do RGIT.
O artigo 32-10, da CRP, garante ao arguido CO todos os mecanismos legais de defesa, incluindo em sede de execução de coima/pena.
A coima aplicada pelo INIR por CO estradal, por transposição da portagem pela via verde, (não vem a condenação-título da coima/pena), não constitui sanção de natureza tributária, nem é aplicada em processo de natureza fiscal e/ou tributária.
Nos termos do artigo 13, do CPTA, ex vi artigo 2º, do CPPT, «O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria».
Nos termos do artigo 49-1, do ETAF, compete aos tribunais tributários conhecer da impugnação de decisões de aplicação de coimas e sanções acessórias «em matéria fiscal)».
Nos termos dos artigos 202, da CRP e 1º, do ETAF, os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal «são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais»; e nos feitos submetidos a julgamento, os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados.
Nos termos do Artigo 212-3, da CRP, compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios «emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais».
O artigo 4º, do ETAF, estabelece que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de «litígios que tenham nomeadamente por objecto: (...) I) Promover a prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de (...), quando cometidas por entidades públicas e desde que não constituam ilícito penal ou contra-ordenacional;».
No que não esteja especialmente regulado, são subsidiariamente aplicáveis aos tribunais da jurisdição administrativa fiscal, com as devidas adaptações, as disposições relativas aos tribunais judiciais [artigo 7º, do ETAF].
O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza [artigo 103, da CRP].
Nos termos do artigo 164, da CRP, é da «exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre (...) (m) Estatuto dos titulares dos órgãos de soberania (...)»; e é da exclusiva competência da Assembleia (…) legislar sobre matérias (salvo autorização ao Governo) relativas ao (d) «Regime geral de punição das infracções (...), bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo; (...) p) Organização e competência dos tribunais (…)»;
Como vimos, os factos remontam a 2008. A Lei 25/2006, de 30/06, vigente à data dos factos, não atribui qualquer competência à AT. E também não atribui competência para conhecer da matéria aos TAF; nem podia sem prévia delimitação em autorização da AR, que inexistiu, para modificar a competência do órgão de soberania TAF.
A Lei 25/2006, de 30/06, então vigente, dispunha no seu artigo 18, que «Às contra-ordenações previstas na presente lei, e em tudo quanto nela se não encontre expressamente regulado, são subsidiariamente aplicáveis as disposições do regime geral do ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.» E as alterações posteriores desta lei não atribuíram qualquer aplicação retroactiva a casos do passado.
Não existia, pois, qualquer norma a atribuir competência aos TAF ou sequer à AT; e, seguindo-se o RGCO a competência material da impugnação e da execução, esta aqui em jogo, era dos tribunais comuns e não da AT e respectivo TAF.
Pelo exposto, não há suporte legal para o presente processo de execução de coima seguir o PEF do artigo 65, do RGIT e 148-1-b), do CPPT, nem de onde resulte a competência material do TAF, pelo que, este tribunal é incompetente em razão da matéria.»

3.1. Conforme resulta deste transcrito segmento da decisão recorrida, esta considera, em suma, que não há norma legal que atribua a competência à AT e aos Tribunais Tributários para conhecer da execução das dívidas provenientes de coimas aplicadas pela Instituto de Infra-Estruturas Rodoviária, uma vez que tais dívidas não têm natureza tributária e que, assim sendo, o TT é incompetente para apreciar a presente oposição.
Discordando, a recorrente Fazenda Pública sustenta que o art. 17º-A da Lei nº 25/2006, de 30/6 (aditado pela Lei nº 55-A/2010, de 31/12), atribui competência ao Serviço de Finanças para executar coactivamente as dívidas resultantes de coimas aplicadas por passagem na via verde sem pagamento da taxa de portagem, pelo que se impunha que o Tribunal tivesse feito prosseguir o processo de oposição, julgando-se materialmente competente para o conhecimento do mérito da causa.
Por seu lado, o MP pronuncia-se pelo provimento do recurso, alegando que a situação é enquadrável no disposto no art. 148º do CPPT (por força da alteração introduzida pelo art. 175º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12, ao disposto na Lei nº 25/06, de 30/6, norma especial em que se prevê a forma de cobrança da dívida aqui em causa) e salientando ainda, em sede de questão prévia, que apesar de no documento de fls. 6 (relativo à citação do oponente, com data de 5/11/2011) constar um total de € 504,89 (valor inferior à alçada) referente às dívidas em execução, estando em causa questão de competência em razão da matéria, é de aplicar subsidiariamente o disposto na al. a) do nº 2 do art. 678º do CPC.
E diga-se desde já que o MP tem razão quanto a esta matéria.
Com efeito, como aponta o cons. Jorge Lopes de Sousa, quanto a esta matéria devem aplicar-se subsidiariamente as normas do CPC que prevêem a admissibilidade de recurso jurisdicional independentemente do valor da causa, por valerem no contencioso tributário as razões, ligadas à garantia do acesso à tutela judicial, que determinam no processo civil o regime nelas previsto. (Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, Áreas editora, vol. IV, anotações 10 e 13 ao art. 280º, pp. 419 e 423/424.)
Daí que, nos termos do disposto na al. a) do nº 2 do dito art. 678º do CPC (Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso das decisões que violem as regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia, ou que ofendam o caso julgado.) seja, independentemente do valor da própria execução, admissível o presente recurso.
Vejamos, pois.

3.2. O despacho recorrido assentou na factualidade seguinte: a AT instaurou o processo de execução fiscal nº 1350201101085379 contra o ora recorrido A…………, com base em certidão de dívida emitida pelo INIR [certidão na qual consta que a dívida provém de condenação no pagamento da quantia global de 482,25 (A quantia total de 504,89 Euros que o recorrido alega (na Petição Inicial da oposição) ter sido citado para pagar, inclui já juros de mora (cfr. cópia da citação a fls. 6).) Euros (€21,75 referentes a taxa de portagem; €435,00 referentes a coima; €25,50 referentes a custos)]. E no seguimento, o executado deduziu no TAF de Leiria oposição a tal execução, alegando, em síntese, a prescrição do procedimento e a prescrição da coima.

3.3. O Tribunal proferiu despacho liminar de não recebimento da oposição, por ter concluído pela respectiva incompetência absoluta (em razão da matéria) para dela conhecer, comportando tal decisão liminar a apreciação de duas vertentes dessa competência: a competência do Serviço de Finanças para cobrança das coimas através do processo de execução fiscal; e a competência do Tribunal para conhecer da oposição a uma execução fiscal já instaurada.
Na verdade, tal despacho ponderou, além do mais:
▬ A AT e o Tribunal Tributário não têm competência material para conhecer desta matéria, porque o INIR e a DGCI não tinham, pelo menos em 2009, qualquer norma legal, que lhes permitisse definir a competência legal do Tribunal e da AT, e subtrair o processo do foro legal dos tribunais comuns.
▬ O regime aplicável às coimas é o do RGIT e subsidiariamente [art. 3° do RGIT] o RGCO, que remete [arts. 32º e 41º] para o CP e o CPP, respectivamente.
▬ O PEF por coima, previsto no art. 65º do RGIT, foi ali consagrado por razões de economia processual, de meios e esforços, para melhor assegurar a defesa e a paz jurídica do arguido em processo de CO tributário, a que a sanção/coima está umbilicalmente ligada.
▬ Dispondo o art. 65º/1 do RGIT que «As coimas aplicadas em processo de contra-ordenação tributário são cobradas coercivamente em processo de execução fiscal», então, só é cobrável através de PEF a coima/pena aplicada «em processo de contra-ordenação tributária».
▬ Este art. 65º do RGIT, remete-nos, entre o mais, para o art. 148º do CPPT, onde regula o PEF e cujo nº 1 dispõe que o processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das dívidas por (a) Tributos, incluindo impostos aduaneiros e (b) Coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdãos relativos a contra-ordenações tributárias, salvo quando aplicadas pelos tribunais comuns.
▬ A Lei 3-B/2010, de 28/4 aditou a seguinte alínea: «c) Coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes da responsabilidade civil determinada nos termos do Regime Geral das Infracções Tributárias.»
▬ Daqui resulta que o PEF apenas se aplica a «contra-ordenações tributárias». E a alínea c), aditada em 2010, respeitará fundamentalmente às coimas e outras sanções revertidas para o devedor subsidiário, nos termos do art. 8° do RGIT.
▬ Se a coima for de natureza não tributária, a impugnação judicial da condenação é feita, nos termos do art. 59º do RGCO, para o tribunal comum. Se a coima for de natureza fiscal a impugnação da decisão condenatória é feita nos termos do art. 80º, do RGIT.
▬ Não existia, pois, qualquer norma a atribuir competência aos TAF ou sequer à AT; e, seguindo-se o RGCO, a competência material da impugnação e da execução (sendo esta a que aqui está em causa) era dos tribunais comuns e não da AT e respectivo TAF.

3.4. A questão de fundo a decidir reconduz-se, portanto, à de saber se o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento ao concluir pela incompetência do TAF, em razão da matéria, para conhecer da presente oposição à execução fiscal em que estão a ser cobradas dívidas provenientes da falta de pagamento de taxa de portagem rodoviária, coima aplicada em processo de contra-ordenação por falta desse pagamento e custos administrativos, liquidados pelo INIR e em que são invocadas como causas de pedir a prescrição do procedimento contra-ordenacional e a prescrição da coima.

4. Trata-se de questão já por diversas vezes apreciada por esta Secção do STA (em recursos deduzidos contra decisões do mesmo teor da ora recorrida, em processos de oposição deduzidos pelo mesmo executado e em que as alegações são em tudo idênticas às do presente recurso), tendo merecido resposta que merece a nossa inteira concordância, motivo por que ora nos limitaremos a reproduzir a fundamentação aduzida em tais arestos (referimo-nos aos acórdãos de 27/2/2013, proc. nº 1242/12; de 3/4/2013, proc. nº 1262/12; de 17/4/2013, proc. nº 1297/12; e de 10/4/2013, proc. nº 1220/12).
Aí se afirma, além do mais:
«… embora esteja em causa a cobrança de dívida que emerge da aplicação de taxa e coima de natureza não tributária, a verdade é que existe fundamento legal para atribuir a competência material ao Tribunal Administrativo e Fiscal para apreciar e decidir a oposição que contra a respectiva execução fiscal foi deduzida pelo executado com fundamento na prescrição.
Como se deixou já explicado no acórdão proferido por este Supremo Tribunal no acórdão proferido em 27/02/2013, no recurso nº 1242/12, cuja fundamentação sufragamos sem reservas de convicção, «a Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011), procedeu, no seu artigo 175º, ao aditamento do art. 17º-A, à Lei nº 25/2006, de 30 de Junho, que dispõe como se segue:
“1.Compete ao Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P., adoptar as medidas necessárias para que, quando não ocorra o não pagamento em conformidade com o disposto no artigo 16º, haja lugar à execução do crédito composto pela taxa de portagem, coima e custos administrativos, a qual segue, com as necessárias adaptações, os termos dos artigos 148º e seguintes do Código do Procedimento e de Processo Tributário.
2. As entidades referidas no nº 1 do artigo 11º da presente lei preparam e remetem, para emissão, o título executivo ao Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I. P., que exerce as funções de órgão de execução a quem compete promover a cobrança coerciva dos créditos referidos no número anterior.”
Por sua vez, estabelece o nº 3 do art. 175º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que tal regime se aplica “a todos os processos executivos que se iniciem após 1 de Janeiro de 2011, independentemente do momento em que foi praticado o facto que motivou a aplicação de sanção contraordenacional”.
Em conformidade com o exposto, o Instituto das Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P., (INIR) ao abrigo do disposto no art. 162º, al. b), e 163º do CPPT, emitiu a certidão “de dívida” de fls. … dirigida ao Serviço de Finanças de (...) para instauração de processo de “execução para cobrança coerciva de dívida certa, líquida e exigível, e do seu acrescido, de acordo com o disposto no art. 17º-A da Lei nº 25/2006, de 30 de Junho”, em que é executado (...)
Ora, emitida e remetida ao órgão de execução fiscal a referida certidão de dívida a mesma constitui título executivo, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 162º, alínea a), do CPPT, tendo o INIR, I.P., por carta precatória solicitado à Administração Tributária a realização de todos os actos executórios subsequentes à emissão do título executivo.
Como refere a recorrente, na ausência de criação de procedimento específico para o efeito, a execução há-de regular-se nos termos gerais, com base no consagrado no art. 148º do CPPT.
Com efeito, dispõe o referido preceito que o processo de execução é aplicável, entre o mais, a “Outras dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo.”
Em anotação a este preceito, JORGE LOPES DE SOUSA ((1) Cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, Lisboa, vol. III, p. 32.] pondera que “A cobrança de créditos de natureza não tributária”, como é o caso, “através do processo de execução fiscal depende sempre da existência de lei expressa que preveja tal forma de cobrança, como resulta do corpo do nº 2 deste artigo.
Relativamente às dívidas que devam ser pagas por força de acto administrativo, existe norma de carácter geral que autoriza a utilização do processo de execução fiscal, que é o art. 155º, nº 1, do CPA, em que se estabelece que «quando por força de um acto administrativo devam ser pagas a uma pessoa colectiva pública, ou por ordem desta, prestações pecuniárias, seguir-se-á, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal regulado no Código de Processo Tributário».
Aplicando o exposto ao caso em apreço, temos, em primeiro lugar, que existe o fundamento legal exigido no corpo do nº 2 do art. 48º do CPPT, e que é, como vimos, a Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro.
Para além deste fundamento legal especialmente plasmado, a execução coerciva da dívida em causa sempre estaria legitimada, por força da aplicação da regra geral do art. 155º do CPA, uma vez que o processo de execução em causa tem em vista o pagamento de prestação pecuniária, que deve ser paga a “uma pessoa colectiva pública, ou por ordem desta”, caindo, desta forma, na previsão do nº 1 daquele preceito do CPA.
Finalmente, como alega a recorrente, o regime instituído pela Lei nº 55-A/2010 aplica-se a todos os processos iniciados após 1 Janeiro 2011, independentemente do momento em que foi praticado o facto que motivou a aplicação da sanção contraordenacional, nos termos do disposto no art. 175º, nº 3, daquele diploma.
Em suma, por tudo o que vai exposto, assiste razão à recorrente quando afirma a competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais para conhecer os litígios derivados da execução coactiva das dívidas que devam ser pagas ao INIR, IP., por força da aplicação do regime resultante do art. 17º-A, preceito aditado pela Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, à Lei nº 25/2006, de 30 de Junho».
A tudo isto acresce que, sendo a execução fiscal um processo judicial (art. 103º da LGT), deve entender-se que fica na dependência do juiz do Tribunal Tributário logo que é instaurada no serviço de finanças (embora a intervenção do juiz fique reservada para as situações em que exista um conflito ou em que a relevância da questão o determine, como acontece nas situações previstas no nº 2 do artigo 151º do CPPT, ou seja, quando se torne necessário apreciar e decidir os incidentes, os embargos, a oposição à execução e as reclamações dos actos praticados pelo órgão da execução).
É neste sentido que pode e deve afirmar-se a competência dos tribunais tributários para os processos de execução fiscal.
Nesta medida, considerando que a execução fiscal está na dependência do juiz do tribunal tributário mesmo na fase que corre termos perante as autoridades administrativas, e considerando que, no caso vertente, a exequente (INIR) instaurou processo de execução fiscal no serviço de finanças para cobrança dos seus créditos, não há como afirmar que o tribunal tributário não é competente para a apreciação da oposição que o executado dirigiu contra essa execução, tendo em conta o disposto no artigo 151º do CPPT.
Nem poderia ser de outro modo, pois que a decisão de julgar materialmente incompetente o tribunal tributário para o conhecimento de oposição dirigida contra uma execução fiscal teria como efeito prático a continuação da cobrança do crédito através da execução fiscal que corre no serviço de finanças (sabido que todas as execuções que correm nesses serviços estão sujeitas ao regime processual da execução fiscal) e que o executado teria de ir aos tribunais comuns deduzir a respectiva oposição, quando tal não é permitido face ao disposto nos artigos 151º e 152º do CPPT, dos quais decorre que quando a execução fiscal corre nos serviços de finanças a respectiva oposição tem de ser deduzida perante o tribunal tributário, só sendo admissível a dedução de oposição nos tribunais comuns quando a execução fiscal também corre nos tribunais comuns.
Pelo que o executado ficaria, na verdade, sem meio judicial ao seu dispor para defesa dos seus interesses, o que contraria, de forma flagrante, a consagração legal ordinária dos meios de protecção de direitos e dos princípios da protecção da confiança, ínsito na ideia de estado de direito democrático, e da tutela jurisdicional efectiva, previstos, respectivamente, nos artigos 2º e 20º da CRP» (citado ac. de 3/4/2013, proc. nº 1262/12).
E sufragando esta fundamentação impõe-se concluir pela razão legal da recorrente quanto à alegada competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais para conhecer dos litígios derivados da execução coactiva das dívidas que devam ser pagas ao INIR, IP., por força da aplicação do regime resultante do art. 17º-A da Lei nº 25/2006, de 30/6 (e que foi aditado pela Lei nº 55-A/2010, de 31/12).
A sentença recorrida que decidiu em sentido diverso deve, portanto, ser revogada, impondo-se a consequente baixa dos autos à 1ª instância para que, se a tal nada mais obstar, seja conhecido o mérito da oposição.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em conferência em, dando provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar que os autos regressem à 1ª instância para que a decisão seja substituída por outra que não seja de indeferimento liminar pelo mesmo motivo.
Sem custas.
Lisboa, 18 de Junho de 2013. - Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes - Fernanda Maçãs.