Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01171/17
Data do Acordão:04/18/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:MAIS VALIAS
VENDA DE IMÓVEL
PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR DA INSOLVENCIA
Sumário:I - A venda efectuada em processo de insolvência, que gerou mais-valias, é um acto de liquidação da massa insolvente e não um acto de disposição praticado voluntariamente pelos insolventes.
II - Até ao término do processo de insolvência, apenas o administrador de insolvência tem o poder de efectuar pagamentos de dívidas da massa insolvente. Assim, a dívida é da responsabilidade dos insolventes, mas só o administrador de insolvência, enquanto pender o processo de insolvência, pode proceder ao seu pagamento.
III - Conhecida pela Administração Tributária a pendência do processo de insolvência, por força do disposto no art.º 156.º do Código de Processo e Procedimento Tributário a citação para o processo executivo deveria ter sido efectuada na pessoa do Administrador de insolvência.
IV - Consagra o art.º 97.º da Lei Geral Tributária, em sintonia com o art.º 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa o direito de os contribuintes obterem, em prazo razoável, uma decisão que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo e a possibilidade da sua execução. Acrescenta que haverá sempre um meio processual adequado a fazer valer tal direito e que, quando o contribuinte não empregar o meio processual tido por mais adequado para fazer valer a sua pretensão se procederá à correcção do meio usado.
V - A convolação do processo é um acto de gestão processual, que o princípio da economia processual impõe e cujo objectivo é impedir que questões processuais menores impeçam o reconhecimento dos direitos dos contribuintes.
VI - Operada a convolação mantem-se o pedido e a causa de pedir constante da petição inicial, sendo esse que há-de ser julgado procedente ou improcedente e não um diverso pedido, não formulado nos autos.
VII - O direito aqui em causa não pode perecer por se ter procedido a uma incorrecta correcção do meio processual, sob pena de se não dar cumprimento ao princípio constitucional de tutela jurisdicional efectiva, em violação do art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, que, como direito fundamental, é directamente aplicável e vinculativo para todas as entidades públicas e privadas – art.º 18.º da mesma norma primária de legislação.
Nº Convencional:JSTA000P23195
Nº do Documento:SA22018041801171
Data de Entrada:10/24/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga
. 17 de Maio de 2017
Julgou procedente a presente impugnação e, em consequência, anulou a liquidação de IRS impugnada.


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo
Tribunal Administrativo:

A Representante da Fazenda Pública, veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no âmbito do processo de Impugnação judicial nº 1194/15.6BEBRG, que A………… e seu cônjuge B……….. deduziram contra à execução fiscal n.º 0396201509000038, contra si instaurada para cobrança de dívida de IRS do ano de 2013, no valor de € 81.917,68, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
1. Salvo melhor entendimento, a douta sentença em recurso errou no julgamento de direito pois não podia o Tribunal a quo, em sede de impugnação judicial, afastar a legalidade do tributo impugnado (IRS, categoria G - mais valia decorrente da transmissão do direito de propriedade de bem imóvel, em sede de processo de insolvência de pessoa singular), e anular a respectiva liquidação com fundamento no artigo 59º, nº 1, alínea c), do CIRE.

2. De harmonia com jurisprudência deste Tribunal:
- Os bens apreendidos e vendidos em processo de insolvência continuam a ser propriedade do insolvente até à venda.
- A diferença entre o valor da aquisição e da venda dos bens imóveis ainda que esta se faça em processo de insolvência e o respectivo produto fique afecte à satisfação dos credores da insolvência, não deixa de ser um rendimento obtido pelo insolvente, que está obrigado a declará-lo.
- Em sede de impugnação judicial da liquidação de um imposto apenas pode conhecer-se da legalidade desse acto e já não da responsabilidade pelo pagamento da correspondente divida. (Acórdão deste Tribunal superior de recurso, do passado dia 31 de Maio, proc.1410/16)

3. A douta sentença em recurso violou o artigo 10º, nº1, alínea a), do CIRS e o artigo 288º, do CIRE (a contrario).

Requereu a revogação da Sentença recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência do recurso.

Mostram-se provados, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:

1. Os Impugnantes foram declarados insolventes por decisão proferida em 07.11.2011 nos autos do processo de insolvência de pessoa singular que correu termos sob o n.º 1230/11, no 1° Juízo, no Tribunal Judicial de Esposende - cfr. fls. 3 e 4 do processo administrativo apenso aos autos.

2. No âmbito do referido processo de insolvência, foi apreendido e, posteriormente, ordenada a venda, por meio de negociação particular, do prédio urbano pertencente aos impugnantes, sito na Rua ………., n.º …, freguesia de Fão, do concelho de Esposende, inscrito na matriz predial da união de freguesia de Apúlia e Fão, sob o artigo 2 80S, urbano (anterior artigo 2 173, urbano, freguesia de Fão) - cfr. fls. 62/63 do suporte físico dos autos.

3. Por escritura pública celebrada em 07.11.2013, a Exma. Administradora da insolvência, C…………, vendeu o prédio identificado no ponto anterior, pelo preço de € 365 000,00 (trezentos e sessenta e cinco mil euros) - cfr. fls. 5 a 9 do processo administrativo apenso aos autos.

4. Na declaração de rendimentos do ano de 2013 (vulgo, modelo 3, do IRS), os Impugnantes não declararam quaisquer rendimentos a título de mais valias - cfr. fls. 64/67 do suporte físico dos autos.

5. A AT procedeu à correcção desta declaração de rendimentos pela inclusão do anexo G, para tributação das mais valias decorrentes da transmissão do referido bem imóvel - cfr. fls. 17 a 20 do processo administrativo apenso aos autos.

6. Em 04.12.2014, foi efectuada a liquidação de IRS do ano de 2011, à qual foi atribuído o n.º 2014 16233739, tendo sido apurado imposto no montante € 81 359,95 (oitenta e um mil, trezentos e cinquenta e nove euros e, noventa e cinco cêntimos) - cfr. fls. 29 e 30 do PA e fls. 68/69 do suporte físico dos autos.
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Questão objecto de recurso:

1- IRS - mais valias originadas pela venda de imóvel em processo de insolvência.

A sentença recorrida em resposta à pergunta que formulou e que encerra o cerne do processo, mencionou:
«A questão que cumpre decidir nos presentes autos é a de saber quem responde pelo imposto devido pela mais-valia gerada pela alienação de um imóvel que integra a massa insolvente.» veio a concluir «que a responsabilidade pelo pagamento do imposto a que a mais valia deu lugar recai sobre a massa de bens destinada ao pagamento dessas dívidas (a massa insolvente), e não sobre os próprios insolventes, atenta a natureza de património autónomo da referida massa insolvente. (…) que a liquidação impugnada enferma de erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação».
Insurge-se Representante da Fazenda Pública invocando que o sujeito passivo do imposto – IRS – mais valias é contribuinte declarado insolvente.

A questão encontra-se suficientemente tratada no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, citado na sentença recorrida, que, contudo, não retirou dele as devidas consequências - 01660/15 de 08-03-2017 – em sentido que merece o nosso completo assentimento e que, por encerrar particular detalhe, passaremos a citar:
«2.2.3.1 Antes do mais, cumpre averiguar se o insolvente está obrigado a declarar para efeitos de tributação em IRS a alienação onerosa (Se a alienação for gratuita, poderá haver tributação em Imposto de Selo, mas não em IRS.) de bens imóveis efectuada no âmbito do processo de insolvência.
Atento o disposto nos artºs. 1.º e 2.º, n.º 1, alínea a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e, designadamente, a repartição do produto obtido pelos credores, podendo ser objecto de tal processo quaisquer pessoas singulares ou colectivas, sendo que, no caso, apenas nos interessa considerar a insolvência de pessoa singular.
Quando uma pessoa singular é objecto de uma declaração de insolvência, os seus bens susceptíveis de penhora são apreendidos, de acordo com a alínea g) do n.º 1 do art. 36.º do CIRE, e passam a integrar um património autónomo e de afectação, uma vez se destina à satisfação dos interesses dos credores da insolvência, denominada massa insolvente. A massa insolvente, de acordo com o conceito do n.º 1 do art. 46.º do CIRE, «destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo».
Esses bens são entregues ao administrador da insolvência (O administrador da insolvência é um órgão da insolvência sem poderes de representação do insolvente que seja pessoa singular, contrariamente ao que sucede relativamente às pessoas colectivas (cfr. art. 81.º, n.º 4, do CIRE).), que é quem pode exercer poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (cfr. art. 81.º, n.º 1, do CIRE).
Daqui decorre que a massa insolvente tem autonomia patrimonial, que existe quando se está perante uma «certa massa de bens afectada ao pagamento de um conjunto próprio de dívidas» (Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, volume I, 3.ª edição, Coimbra Editora, anotação 4 ao art. 601.º, pág. 586.
No mesmo sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO, Efeitos da falência sobre a pessoa e negócios do falido, Revista da Ordem dos Advogados, Dezembro de 1995, págs. 652/653; MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Os efeitos substantivos da falência PUC 2000, pág. 127; PAULA COSTA E SILVA, A liquidação da massa insolvente, Revista da Ordem dos Advogados, 2005, volume III, págs. 717 a 719, onde fala de «património de afectação» (também disponível em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=44561&ida=44625).), mas não constitui uma pessoa (singular ou colectiva), um novo ente, distinto daquele a quem o património autónomo continua a pertencer (Não passam a existir duas pessoas, tal como não existem três entes em resultado de um casamento, apesar de existirem dois patrimónios próprios e um comum.). Dito de outro modo, «A constituição de um património autónomo não acarreta o aparecimento de uma nova subjectividade jurídica, distinta do devedor insolvente que lhe deu origem» (Cfr. BRUNO SANTIAGO e BEATRIZ CAPELOA GIL, A responsabilidade pelo imposto devido na liquidação dos bens que integram a massa insolvente, Cadernos de Justiça Tributária, Centro de Estudos Jurídicos do Minho, n.º 13, págs. 3 a 15.).
A massa insolvente constitui apenas uma parte separada do património da pessoa singular a quem os bens pertencem e a quem não deixam de pertencer por força da declaração de insolvência; o que acontece, quando há uma declaração de insolvência, é apenas a transferência dos poderes de administração e disposição relativamente aos bens integrantes da massa insolvente, da pessoa insolvente para o administrador da insolvência (cfr. art. 81.º, n.º 1, do CIRE). Os bens não deixam de ser propriedade do insolvente; apenas se dá uma transferência daqueles poderes sobre eles.
Assim, praticando o administrador actos de liquidação da massa insolvente, designadamente vendendo (Segundo o art. 158.º, n.º 1, do CIRE, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente.) bem imóvel integrante dessa massa (venda efectuada na qualidade de fiel depositário dos bens do devedor, como representante da massa insolvente, e não em nome próprio), se a venda for efectuada por um valor superior àquele pelo qual o imóvel foi adquirido, gera um acréscimo do património do insolvente, constituindo assim um rendimento sujeito a IRS, nos termos do art. 10.º, n.º 1, alínea a), do Código daquele imposto. E, como deixou já dito este Supremo Tribunal Administrativo, para a qualificação como mais-valia sujeita a tributação releva unicamente a diferença positiva entre o valor pelo qual um imóvel foi alienado e o valor da sua aquisição, corrigido e acrescido nos termos legais, sendo irrelevante o destino dado ao produto da venda, uma vez que o ganho tributado é o que decorre da diferença entre os valores de aquisição e de realização, ou seja, entre o valor por que o bem ingressou no património do sujeito passivo e o valor por que dele saiu (Cfr., por mais recente, o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 21 de Setembro de 2016, proferido no processo n.º 582/15, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b601a4ed1e38d3eb80258037004cbb31.). Aliás, nem sequer pode dizer-se que não haja benefício para o insolvente, pois esse acréscimo patrimonial beneficiou o insolvente embora na parte do seu património separada para a massa, traduzindo-se numa diminuição do seu passivo.
Neste sentido, aponta também, a contrario, o disposto no art. 268.º do CIRE, ao prever uma isenção de IRS para as mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento (realização de uma prestação, diferente da que é devida, com o fim de extinguir imediatamente a obrigação) de bens do devedor e da cessão de bens aos credores (em que o devedor encarrega os credores de liquidar o seu património ou parte dele e de repartirem entre si o respectivo produto para satisfação dos seus créditos); o que significa que, se as mais-valias não resultarem de um desses negócios previstos nesta norma de isenção, designadamente se resultarem da venda de bens da massa insolvente, e a menos que gerem rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais (Ou seja, pressupomos que os imóveis pertencem ao património particular do sujeito passivo, isto é, que não estavam afectos a qualquer actividade empresarial e/ou profissional.), estão abrangidas pelo IRS, concorrendo para a determinação da matéria colectável em sede deste imposto [art. 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS].
É neste sentido – e, a nosso ver, correctamente – que se pronuncia a AT, na informação vinculativa emitida no processo 5957/2010 da Direcção-Geral dos Impostos, com despacho concordante da Sub Directora-Geral de 1 de Outubro de 2010 (Disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/B88EB745-5794-49A6-8C8C-00AFC4C8030F/0/ProcN%C2%BA5957_2010IRS.pdf.).
(…)
Daqui decorre que existe a obrigação de declarar qualquer alienação de bens imóveis da massa falida e essa obrigação não pode recair senão sobre o insolvente.
Na verdade, o insolvente, pessoa singular e sujeito passivo de IRS, continua obrigado ao cumprimento das suas obrigações tributárias, nomeadamente ao cumprimento das obrigações declarativas, para efeitos de apuramento de rendimento tributável em sede de IRS, como previsto no art. 57.º do CIRS.
E bem se percebe que a obrigação declarativa se mantenha na esfera do insolvente. Como diz SARA DIAS, «O Administrador de Insolvência pode, nos processos de insolvência de pessoas colectivas – e como vimos supra – assumir funções de representação do insolvente. Já no caso da pessoa singular, o insolvente não pode ser fisicamente extinto por força da declaração de insolvência. Ora, assim sendo, não terá nexo esperar que fique a cargo do Administrador de Insolvência o cumprimento das suas obrigações tributárias. Por outro lado, sempre se dirá que, conforme a prática vem demonstrando, há nos processos falimentares de pessoas singulares uma relação de menor proximidade, um menor “embrenhamento”, entre o Administrador de Insolvência e o insolvente, já que este não assume, na insolvência de pessoas singulares, a representação do insolvente nos mesmos termos em que o faz na insolvência de pessoas colectivas. O insolvente singular, apesar de impedido de onerar/vender os seus bens, deverá continuar a cumprir pessoalmente com as suas obrigações [fiscais, designadamente, as declarativas]» (SARA LUÍS DA SILVA VEIGA DIAS, O crédito tributário e […], pág. 121) (Questão diferente, mas que ora não cumpre apreciar, é a de saber quem responde pelo imposto gerado pela mais-valia gerada pela alienação de imóvel da massa insolvente.
Sobre a mesma, pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto no sentido de que o imposto devido pela mais-valia gerada por essa alienação é uma dívida da massa insolvente, atento o disposto no art. 51.º, n.º 1, alínea c), do CIRE, através do acórdão de 2 de Julho de 2015, proferido no processo n.º 8729/12.4TBVNG-G.P1, disponível em http://www.dgsi.pt. Sufragando esse entendimento, BRUNO SANTIAGO e BEATRIZ CAPELOA GIL, (…) Em conclusão, o insolvente, pessoa singular, não pode deixar de apresentar a declaração de rendimentos, incluindo o nexo exigido pela alienação do seu imóvel (categoria G – mais-valias e outros incrementos patrimoniais), sob pena de omitir documentos e informações fiscalmente relevantes e ser sujeito a uma contra-ordenação tributária, por violação do disposto no art. 57.º do CIRS, prevista como contra-ordenação tributária e punida nos termos do art. 117.º do RGIT.»
A extensa citação acabada de referir permite concluir que pese embora a massa insolvente seja um património autónomo ela integra os bens do insolvente que sobre eles perdeu os poderes de administração e disposição enquanto estiver pendente o processo de insolvência. Mas os bens continuam a pertencer aos insolventes, mesmo na fase de liquidação, e, a sua venda, efectuada embora por determinação do administrador de insolvência é ainda uma venda de bens do insolvente. Quanto maior for o valor dessas vendas, maior será a percentagem em que poderão ser pagos os credores do insolvente e, no limite, pode até acontecer que pagos todos os credores do insolvente venha a receber o que sobrar.
Sendo ele o proprietário dos bens que integram a massa insolvente, com direito a receber os poderes de administração e disposição relativamente àqueles que vier a demonstrar-se que não são necessários para a satisfação dos seus credores, fácil é verificar que os acréscimos patrimoniais que forem gerados com as vendas dos bens que integrem o património autónomo – massa insolvente – são propriedade do insolvente até ao momento em que se mostrem necessários para pagar aos seus credores e, só se forem para tanto necessários, apesar de não ter sobre eles poder de disposição.
Enquanto estiver pendente o processo de insolvência estará o insolvente impossibilitado de administrar e dispor dos seus bens, também para pagar as dívidas fiscais que as operações de liquidação da massa insolvente criem, como a venda de imóveis, quando geradoras de mais valias, quando, e, na exacta medida em que o valor de alienação supere o valor de aquisição dos bens, posto que não se verifique uma situação legal que obste a essa tributação, o que tem como consequência que, sendo ele o sujeito passivo do imposto a obrigação do seu pagamento onere o administrador de insolvência, entidade que pode administrar e dispor dos bens do insolvente, e, por isso, proceder a pagamento das suas dívidas, para tanto devendo ser citado no processo de execução fiscal.
Os recorrentes deduziram oposição indicando que a liquidação que deu origem à dívida exequenda decorre, no essencial, do cálculo de mais-valias decorrentes da venda de um imóvel levada a cabo pela administradora de insolvência nomeada no âmbito do processo de insolvência pessoal dos Oponentes, pelo que o pagamento dos tributos gerados pela venda não pode ser imputado a estes, constituindo, antes, dívida da massa insolvente.
Não há dúvida que as mais valias geradas pela alienação do imóvel dos recorrentes, em processo de insolvência, e, uma vez liquidado o respectivo imposto, sem ter sido impugnado, é uma dívida ao estado da massa insolvente que tem de ser paga pelo administrador de insolvência como decorre do art.º 51.º, n.º 1, alínea c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas:
«1 - Salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de
c) As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente;».
Com efeito a venda efectuada, que gerou mais-valias, foi um acto de liquidação da massa insolvente e não um acto de disposição praticado voluntariamente pelos insolventes. Para além disso, até ao termino do processo de insolvência, apenas o administrador de insolvência tem o poder de efectuar pagamentos de dívidas da massa insolvente. Assim, a dívida é da responsabilidade dos insolventes, mas só o administrador de insolvência, enquanto pender o processo de insolvência, pode proceder ao seu pagamento.
Nos termos do disposto no art.º 89, n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas as acções executivas, relativas às dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com excepção das execuções por dívidas de natureza tributária como é aquela que aqui nos ocupa.
Conhecida pela Administração Tributária a pendência do processo de insolvência, por força do disposto no art.º 156.º do Código de Processo e Procedimento Tributário a citação para o processo executivo deveria ter sido efectuada na pessoa do Administrador de insolvência. Mas, no caso concreto, foram os devedores insolventes citados para pagarem aquilo que estão impossibilitados de pagar, por estarem privados do poder de disposição dos seus bens, daí emergindo a sua legitimidade para deduzirem oposição, como fizeram.
Consagra o art.º 97.º da Lei Geral Tributária, em sintonia com o art.º 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa o direito de os contribuintes obterem, em prazo razoável, uma decisão que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo e a possibilidade da sua execução. Acrescenta que haverá sempre um meio processual adequado a fazer valer tal direito e que, quando o contribuinte não empregar o meio processual tido por mais adequado para fazer valer a sua pretensão se procederá à correcção do meio usado. Neste caso o meio usado pelo recorrente, oposição, era o adequado, mas o tribunal entendeu que ocorria erro na forma de processo e convolou para processo de impugnação.
A convolação do processo é um acto de gestão processual, que o princípio da economia processual impõe e cujo objectivo é impedir que questões processuais menores impeçam o reconhecimento dos direitos dos contribuintes. Operada a convolação mantem-se o pedido e a causa de pedir constante da petição inicial, sendo esse que há-de ser julgado procedente ou improcedente e não um diverso pedido, não formulado nos autos, neste caso atinente à legalidade da liquidação que não se mostra questionada. Porém, neste caso, não foi efectuado qualquer pedido atinente à legalidade da liquidação que não se mostra questionada pelo que a convolação operada não tem suporte em qualquer pedido próprio de impugnação. Não pode apreciar-se uma impugnação judicial que ataca a legalidade de um acto de liquidação quando nenhum vício de ilegalidade foi imputada ao acto de liquidação, nem este é objecto mediato ou imediato da relação material controvertida. Deste modo, o processo de impugnação assim criado não tem objecto porquanto se encontra destituído de pedido. Defrontamo-nos, pois com uma decisão que não pode produzir quaisquer efeitos dentro do processo porque inviabiliza qualquer decisão. Não pode dizer-se se o acto de liquidação é válido ou ilegal num processo onde o acto de liquidação não está em discussão nem é analisado. A decisão de convolação criou uma situação ilógica e inútil.
O que está em causa nestes autos é, apenas, saber quem responde pelo imposto devido pela mais-valia gerada pela alienação de um imóvel que integra a massa insolvente, e, concluímos já que quem responde é o administrador de insolvência e não os insolventes que foram citados. Trata-se de uma questão para a qual o meio processual adequado é o processo de oposição, como foi escolhido pelos contribuintes, e, não o processo de impugnação, como mal entendeu o tribunal recorrido. O direito aqui em causa não pode perecer por se ter procedido a uma incorrecta correcção do meio processual, sem qualquer relevo sequer na tramitação processual seguida, usando erradamente um mecanismo que pretende garantir o conhecimento de mérito das pretensões formuladas em juízo ultrapassando pequenas irregularidades ou desajustes conceptuais.
Assim sendo, e, sob pena de se não dar cumprimento ao princípio constitucional de tutela jurisdicional efectiva, em violação do art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, havendo sido formulada uma pretensão em juízo há que dela tomar conhecimento.
A proferida decisão de convolação do processo constitui uma anómala irregularidade processual, cuja relevância, no caso concreto, conduz a uma utilização dos ritos processuais violadores do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva concedida pelo art.º 20.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, como direito fundamental, directamente aplicável e vinculativo para todas as entidades públicas e privadas – art.º 18.º da mesma norma primária de legislação que, nessa medida, a não podem cumprir.
Tendo tal irregularidade, além disso, decisiva influência no exame e decisão da causa, é geradora da respectiva nulidade nos termos conjugados dos art.º 193.º e 195.º do Código de Processo Civil aqui aplicável por força do art.º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, impondo-se a anulação dos termos processuais praticados após a junção da contestação, para que o processo retome a sua normal tramitação.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e todo o processado após a junção da contestação, e determinar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para que o processo siga os seus trâmites normais.

Custas pela recorrida que não suporta taxa de justiça dada a ausência de contra-alegações.
(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 18 de Abril de 2018. – Ana Paula Lobo (relatora) – Ascensão Lopes – António Pimpão (não acompanho o decidido face à existência de caso julgado formal quanto à convolação em impugnação da qual haveria que extrair as legais consequências).