Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 039/19.2BALSB |
Data do Acordão: | 11/04/2020 |
Tribunal: | PLENO DA SECÇÃO DO CT |
Relator: | GUSTAVO LOPES COURINHA |
Descritores: | ENCARGOS FINANCEIROS JUROS FINANCIAMENTO |
Sumário: | Não versam sobre a mesma questão fundamental de Direito duas decisões que, embora se contraponham quanto à decisão relativa à dedutibilidade de encargos financeiros para financiar gratuitamente outras entidades, distinguem-se quanto à redação da norma aplicada, ao enquadramento fiscal geral das entidades envolvidas, à natureza das entidades financiadoras, à natureza das entidades financiadas e, ainda, quanto aos instrumentos de financiamento. |
Nº Convencional: | JSTA000P26690 |
Nº do Documento: | SAP20201104039/19 |
Data de Entrada: | 04/23/2019 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | Z............, S.A. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações I. A Fazenda Pública inconformada com a decisão arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) datada de 7 de março de 2019 que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela Z……….., com os demais sinais dos autos, contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) referentes aos períodos de tributação de 2013 e 2014, vem interpor o presente recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, que faz nos termos do disposto nos artigos artº 152º do CPTA e 25º nº2 do Regime Jurídico da Arbitragem, em Matéria Tributária por considerar que a referida decisão arbitral colide com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo nº 05251/11, datado de 24 de Abril de 2012 (acórdão fundamento). II. Por despacho a fls. 115 do SITAF, o Exmº Relator deste Supremo Tribunal veio admitir o recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, e determinou a notificação da Recorrida para contra-alegar. III. A recorrente, Fazenda Pública veio apresentar alegação de recurso a fls. 4 a 27 do SITAF, no sentido de demonstrar alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões: i. Vem o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência, interposto da decisão arbitral proferida no processo n.º 39/2013-T CAAD, que correu termos no Tribunal Arbitral constituído no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), que julgou parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, na parte que aqui nos interessa, de reconhecimento como custo as despesas incorridas com a realização empréstimos não remunerados concedidos em 2013 a sociedades subsidiárias. ii. Com efeito, a decisão arbitral recorrida colide frontalmente com o Acórdão, já transitado em julgado, do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), de 24/04/2011, no âmbito do processo n.º 05251/11 (Acórdão fundamento), encontrando-se irremediavelmente inquinado do ponto de vista jurídico, por errada interpretação do artigo 23.º do CIRC. iii. Na decisão recorrida, o Tribunal Arbitral sufragou a interpretação de que aquelas despesas, porque relacionadas com a actividade da empresa, deverão ser aceites como custo, ao abrigo do disposto no art.23º do CIRC. iv. Sobre esta questão pronuncia-se o Acórdão fundamento em sentido totalmente oposto, ao concluir, no caso, que não poderão ser considerados custos ou perdas do exercício os encargos suportados com a realização de prestações suplementares uma vez que não são indispensáveis à formação do seu lucro tributável. v. Demonstrada está uma evidente contradição entra a decisão recorrida e o Acórdão fundamento, quanto à interpretação e aplicação do artigo 23.º do CIRC, isto é, uma manifesta contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e, consequentemente, anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo Acórdão que, definitivamente, decida a questão controvertida (n.º 6 do artigo 152.º do CPTA). vi. A infracção a que se refere o n.º 2 do artigo 152.º do CPTA, consiste num erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que o Tribunal Arbitral adoptou uma interpretação da referida norma do CIRC em patente desconformidade com o quadro jurídico vigente. vii. Decidindo assim que os custos incorridos pela empresa com aqueles encargos financeiros são fiscalmente dedutíveis, por terem enquadramento legal no artigo 23.º do CIRC. viii. Todavia, ficou devidamente demonstrado que a linha de raciocínio adoptada pelo Tribunal Arbitral, é ilegal por violação expressa do disposto no referido artigo 23.º do CIRC. ix. Com efeito, conforme resulta directamente da norma, quaisquer despesas incorridas pelos sujeitos passivos, para serem fiscalmente aceites, necessitam de preencher três requisitos: a comprovação (justificação), a indispensabilidade e, ainda, o da ligação a proveitos ou ganhos sujeitos a imposto. x. Nesse sentido aponta o Acórdão fundamento, bem como diversa jurisprudência supra citada, ao considerar que «Ora, não obstante a ora recorrida também englobar no seu objecto social a gestão de participações em outras sociedades, não se encontram aqui em causa essas participações em si mesmas, mas sim os seus acessórios, ou sejam, os encargos financeiros relativos aos empréstimos bancários contraídos e que foram aplicados nessas associadas, directamente para o prosseguimento normal das actividades destas, e que é onde, desde logo, directamente, os normais efeitos irão ter lugar (susceptibilidade de gerarem lucros), numa relação causal ou de dependência, pelo que tais encargos eram a estas sociedades que directamente deveriam ser imputados que não à sociedade dominante, sob pena de passarem a ser imputadas a esta os efeitos dos exercícios das actividades na prossecução do objecto social dessas participadas, passando a haver um assunção de passivo de umas por outra, com resultados fiscais diferentes dos que se obteriam caso o financiamento estivesse alocado às sociedades que deles necessitam, para o exercício das suas actividades (…)” xi. Assim sendo, o entendimento de que aqueles encargos, aquele custo, é aceite conforme disposição do artigo 23.º do CIRC, só a erro de julgamento pode ser imputado. I.2 – Contra-alegações Foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso com o seguinte quadro conclusivo (cfr. fls. 120 a 153 do SITAF): A) O presente recurso foi interposto, pela Autoridade Tributário e Aduaneira, da Decisão Arbitral proferida no CAAD no âmbito do processo nº 181/2018-T, nos termos do artigo 25º, nº2 e nº 3 do RJAT e do artigo 152º do CPTA. B) A Decisão Arbitral objeto do presente recurso julgou parcialmente procedente o pedido de anulação de atos de liquidação de IRC emitidos na sequência de correcções realizadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por considerar dedutíveis, em sede de IRC, os encargos financeiros suportados pela Recorrida num contexto em que concedeu empréstimos não remunerados e realizou prestações suplementares a sociedades participadas. C) A Autoridade Tributária Aduaneira interpôs o presente recurso por entender que a referida Decisão Arbitral se encontrava em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito com acórdão proferido pelo TCA Sul no âmbito do processo nº 05251/11, em 24 de Abril de 2012. D) Contudo, conforme a Recorrida se propõe demonstrar nas presentes contra alegações, a douta Decisão Arbitral objeto do presente recurso, apresenta-se como justa e inequívoca, atendendo aos princípios e regras processuais aplicáveis. E) Ademais, a Decisão Arbitral ora não se encontra em oposição com o Acórdão fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira e, ainda que assim se entendesse – o que se coloca em tese e sem se conceder -, existe diversa jurisprudência dos Tribunais superiores que confirma a posição defendida pela Recorrida e acolhida pela Decisão Arbitral objeto do presente recurso. F) Primeiramente, cumpre desde logo referir que não existe verdadeira oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, entre a Decisão Arbitral recorrida e o Acórdão fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, na medida em que tal pressuporia a identidade substancial das situações fácticas, o que não se verifica no caso sub judice. G) Com efeito, pese embora em ambos os casos se discuta a dedutibilidade de encargos financeiros, a verdade é que os contextos em que esses custos foram incorridos são diversos, porquanto na Decisão Arbitral recorrida estão em causa empréstimos não remunerados e prestações suplementares efetuados a sociedade participadas, enquanto que no Acórdão fundamento, estamos unicamente perante um tema de prestações acessórias. H) Face ao exposto, não existe, no caso sub judice, verdadeiramente uma oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, o que é, aliás, confirmado pelo Acórdão proferido pelo STA no âmbito do processo nº 049/11, no qual se esclareceu o seguinte: «Não se verifica o pressuposto legal de prosseguimento do recurso por oposição de julgados se dos acórdãos em confronto resulta não se verificar oposição de soluções jurídicas sobre a questão fundamental de direito, antes radicando as soluções antagónicas em divergência no domínio de apreciação da matéria de facto, concretamente no que respeita à relação causal de indispensabilidade dos custos.» I) Ainda que se considere que existe oposição entre a Decisão Arbitral recorrida e o Acórdão fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, sempre se dirá que existe igualmente jurisprudência do STA que corrobora o entendimento sancionado em 1ª instância pelo Tribunal Arbitral em funcionamento no CAAD. J) A questão de direito aqui em causa prende-se com a dedutibilidade, à luz do artigo 23º do Código do IRC, de encargos financeiros suportados por um sujeito num contexto em que esse mesmo sujeito passivo concede empréstimos não remunerados e prestações suplementares a sociedades participadas. K) Assim, trata-se de aferir se os encargos financeiros incorridos neste contexto são dedutíveis à luz do conceito de indispensabilidade constante do artigo 23º do Código do IRC. L) Para este efeito, mostra-se favorável a tese defendida pela ora Recorrida e, portanto, à dedutibilidade dos encargos financeiros aqui em causa a seguinte jurisprudência dos Tribunais superiores: (i) Acórdãos proferidos pelo STA no âmbito dos processos nºs 0372/16, 0570/13, 01432/17, 0627/16, 01236/05e 0779/15; (ii) Acórdãos proferidos pelo TCA Sul no âmbito dos processos nºs 74/01.7BTLRS, 06792/13, 09641/16, 07451/14 e 08630/15; (iii) Acórdãos proferidos pelo TCA Norte no âmbito dos processos nºs 00624/05.0BEPRT e 01747/06.3BEVIS. M) Da jurisprudência dos Tribunais Superiores acima mencionada resulta que o conceito de indispensabilidade é um conceito indeterminado, que exige uma análise casuística em função da actividade societária do sujeito passivo, sendo considerados indispensáveis os gastos contraídos no interesse da empresa (relação de causalidade económica e no âmbito da sua actividade). N) Assim, decorre da jurisprudência dos Tribunais superiores que um custo é aceite fiscalmente desde que, num juízo reportado ao momento em que foi efetuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros. O) A jurisprudência dos Tribunais Superiores esclarece igualmente que a indeterminação do conceito de indispensabilidade não consente que a autoridade Tributária e Aduaneira negue a dedutibilidade de custos com base em critérios de razoabilidade, necessidade ou conveniência, sob pena de intromissão na liberdade e autonomia de gestão das sociedades. P) Pelo que, a Autoridade Tributária e Aduaneira apenas pode desconsiderar os encargos que não se inscrevam no âmbito da actividade do contribuinte e tenham sido contraídos para a prossecução de objetivos alheios, ou seja, aqueles que face às regras da experiencia comum não tenham potencialidade de gerar proveitos. Q) Assim, na senda da extensa jurisprudência dos Tribunais superiores citada ao longo das presentes contra alegações, deve concluir-se que, se um custo se relaciona coma atividade da empresa, quer o grau de intensidade ou proximidade seja maior ou menor, o custo será indispensável para efeitos do artigo 23º do Código do IRC, na medida em que se deve adotar uma perspectiva ampla de atividade e necessidade da empresa. R) Além de toda a jurisprudência dos Tribunais superiores apresentada supra, note-se que a posição sustentada pela ora Recorrida e acolhida pela Decisão Arbitral objeto do presente recurso é igualmente suportada por inúmera jurisprudência arbitral, nomeadamente pelas decisões arbitrais proferidas no CAAD no âmbito dos processos nºs 12/2013-T, 585/2014-T, 695/2015-T, 209/2016-T, 264/2016-T, 715/2016-T, 80/2017-T, 81/2017-t, 115/2017-T, 133/2017-Te 298/2007. S) Face a todo o exposto, a jurisprudência citada supra demonstrada a razoabilidade da posição sustentada pela ora Recorrida e acolhida pela Decisão Arbitral que é objecto do presente recurso. T) Tanto mais que a douta Decisão Arbitral ora recorrida se apresenta como justa e inequívoca, atendendo aos princípios processuais que devem ser observados e se encontra em conformidade com a jurisprudência dos Tribunais superiores e com jurisprudência arbitral. U) Não merece, pois, qualquer censura a Decisão Arbitral recorrida. Donde que, o entendimento sancionado em 1ª instância, pelo Tribunal Arbitral em funcionamento no CAAD deve ser mantido na ordem jurídica. I.3 – Parecer do Ministério Público Foi o seguinte o Parecer do Ministério Público: 1 – AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, inconformada com o doutamente decidido, na parte em que a mesma lhe é desfavorável, no âmbito do processo de Decisão Arbitral e que consta de fls. , que julgou parcialmente procedente o pedido de anulação dos actos tributários de liquidação de IRC, identificados nos autos e referentes aos exercícios de 2013 e 2014, vem interpor o presente recurso para uniformização de jurisprudência o que faz nos termos do disposto nos artigos 152º do CPTA, “ex vi” artigo 25º, nº 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, tendo alegado nos termos conclusivos que constam a fls. , pedindo, a final, que deve “(…) o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, (…) revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente” Com vista à admissão do presente recurso a Recorrente invoca haver contradição sobre a mesma questão fundamental de direito o que leva a soluções opostas o que se mostra patente na decisão proferida sob recurso, e o acórdão fundamento, proferido pelo TCA/S, no âmbito do processo nº 05251/11, de 24.04.2012, do CT-2º Juízo e que consta a fls., que se mostra transitado em julgado. Pois, nas duas decisões há pronúncia sobre a mesma questão fundamental de direito, qual seja, o reconhecimento como custo as despesas incorridas com a realização de empréstimos não remunerados concedidos a sociedades subsidiárias, encontrando-se a decisão recorrida inquinada por errada interpretação do artigo 23º do CIRC. 2 – A recorrida Z…………… S.A. contra-alegou defendendo que se deverá manter a decisão proferida no CAAD, face ao conceito de indispensabilidade materializado na necessidade de manutenção da fonte produtora não poder ser entendido num sentido estático, mas sim num sentido dinâmico, por a “definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa”, sendo esta a orientação mais recente dos Tribunais Superiores, desde logo este STA e TCA,S, referindo-os na matéria de contra-alegações. 3 – São requisitos de admissão do recurso para uniformização de jurisprudência nos termos do disposto no artigo 152º do CPTA: - Contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral; - Trânsito em julgado do acórdão fundamento; - Existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; - Ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA. Ora, a questão fundamental de direito aqui em apreço prende-se com a dedutibilidade de custos financeiros e da interpretação do conceito fiscal de custo e da sua indispensabilidade/necessidade para a manutenção da fonte produtora de uma empresa, aqui da recorrida, ou seja da interpretação e alcance do disposto no artigo 23º do CIRC. A recorrente faz deste preceito e do conceito de indispensabilidade, da necessidade de determinados custos para a manutenção da fonte produtora, uma interpretação restritiva, enquanto a decisão recorrida faz uma interpretação mais ampla, mais consentânea com o dinamismo empresarial. E de facto, parece-nos, dever ser seguida esta última orientação. Pois, vem sendo esta a orientação perfilhada pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, desde logo, resulta da mais recente deste STA, a saber do Ac. proferido em 04.07.2018, proferido no processo nº 01432/17, da 2ª sec., aliás referido pela recorrida, e citando-se, a propósito: “(…) III – No entendimento que a doutrina e jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar a indispensabilidade de um gasto (cfr. artigo 23º do Código do IRC …), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade”. Além deste acórdão outros perfilham a mesma orientação tais como os citados em sede de contra-alegações e que nos abstemos de repetir. A decisão recorrida mostra-se, pois, conforme a orientação da mais recente jurisprudência dos Tribunais Superiores. E, assim sendo, mostra-se falecer, desde logo, um dos requisitos decorrentes do disposto no artigo 152º do CPTA. 4 - Nestes termos, emite-se parecer no sentido da improcedência do recurso. I.4 – Com dispensa de vistos, cumpre apreciar e decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO II.1 – De facto I. A decisão arbitral recorrida considerou como provados os factos a seguir enunciados: A. A Z………………, S.A., aqui Requerente, é uma sociedade anónima de direito português, enquadrada no CAE 50200 – transportes marítimos de mercadorias, cujo objeto social abrange a “indústria de transportes marítimos, compreendendo, nomeadamente, os transportes marítimos insulares de cabotagem e costeiros para o transporte de pessoas e bens, fretamento de navios, bem como das atividades que possam concorrer para o seu desenvolvimento ou para completar os seus fins sociais”– cf. Relatório de Inspeção Tributária, também designado por “RIT”, constante do PA e junto com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) - documentos 1 (projeto de RIT), 2 (RIT), e 18 (certidão permanente). B. Em concreto, a principal atividade desenvolvida centra-se na exploração do tráfego marítimo entre o território continental e as regiões autónomas dos Açores e da Madeira, no tráfego açoriano inter-ilhas e na costa ocidental africana, cobrindo o tráfego entre o norte da Europa, Cabo Verde e Guiné-Bissau – cf. RIT. C. A Requerente é um sujeito passivo de IRC abrangido pelo regime geral de tributação deste imposto – cf. RIT. D. No cumprimento das suas obrigações declarativas, a Requerente procedeu à entrega das declarações modelo 22 de IRC referentes aos exercícios de 2013 e 2014 em 16 de maio de 2014 e em 21 de maio de 2015, respetivamente, apurando um lucro tributável de € 279.104,00 em 2013 e de € 206.552,53 em 2014 – cf. documentos 10 e 11 juntos com o ppa e PA. E. Nos exercícios de 2013 e 2014, a Requerente apresentava os seguintes saldos de empréstimos obtidos (essencialmente bancários) e empréstimos concedidos (intra-grupo): G. A Requerente suportou, nos mesmos exercícios de 2013 e 2014, encargos financeiros de empréstimos bancários contraídos de € 1.461.945,12 e € 1.424.276,25, respetivamente, não tendo recebido e/ou registado qualquer rendimento em resultado dos financiamentos concedidos às outras empresas do Grupo – cf. RIT. H. No âmbito da sua atividade, a Requerente oferece aos seus clientes um serviço de transporte global e soluções integradas e personalizadas, utilizando outras empresas especializadas que dispõem de competências específicas, permitindo oferecer um transporte marítimo eficiente e integrado – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas. I. A atividade regular de transporte de carga da Requerente assenta na operação de navios, através de frota própria ou com recurso a frota de terceiros, e num conjunto de atividades que permitem que a operação funcione eficazmente como um todo. Estas atividades estão relacionadas com as características da carga, dos navios e dos portos nos quais as operações se realizam – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas. J. A falta de meios operacionais de movimentação vertical (gruas) e horizontal (empilhadores e reachstackers) das cargas dos navios nos portos tornou imperativo que a Requerente utilizasse o seu próprio equipamento, para levar a efeito a carga e descarga dos seus navios, em ordem à realização eficiente do transporte e à satisfação das necessidades dos clientes. Neste âmbito, a Requerente, ao assegurar que os seus navios possuem esses meios de carga e descarga, acautela os casos em que tais meios não existem ou não estão disponíveis nos portos de embarque e desembarque, o que ocorre, ainda hoje, em muitos dos destinos em que opera, como em algumas ilhas das regiões autónomas e em África e, à data dos factos, também no terminal utilizado em Lisboa – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas. K. Com efeito, tal sucedeu à data dos factos com o Terminal Portuário de Lisboa, que não dispunha de gruas de terra que permitissem que o navio fosse descarregado (movimentação vertical) e a carga entregue aos clientes. Por esse motivo, a carga era necessariamente movimentada com recurso às gruas existentes a bordo nos vários navios da Requerente – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas e Documentos 22 e 23 juntos com o ppa (faturas emitidas à ………..). L. A Requerente não pode, porém, operar diretamente, com a sua tripulação, os meios de carga e descarga de que dispõe nos portos. Segundo a regulamentação aplicável ao setor, é necessário que tal atividade seja realizada pelos operadores portuários. Assim, os empilhadores e gruas da Requerente, utilizados para as operações de carga e descarga dos seus navios, são sempre movimentados por funcionários dos operadores portuários, tendo a Requerente de debitar aos operadores prestações de serviços de aluguer de empilhadores e gruas para carga e descarga dos seus navios, nos terminais portuários (como ocorreu com a faturação do serviço ao operador portuário I...). Esses operadores, depois, faturam os seus serviços nos termos gerais – cf. depoimento das testemunhas. M. O serviço de transporte marítimo prestado pela Requerente é contentorizado, constituindo o sistema que melhor acondiciona a carga e garante a sua identificação, não sendo, em regra, transportada carga a granel. Deste modo, sem contentores também não seria possível à Requerente transportar carga nos seus navios e realizar a sua atividade – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas. N. Por razões de eficiência, a Requerente explora em parceria com outras empresas do mesmo grupo económico – a …… e a ……… – várias linhas regulares de carga contentorizada, minimizando a duplicação de ativos, estruturas e respetivos custos. Assim, a frota de contentores explorada pela Requerente é também utilizada por aquelas duas entidades para servir os seus clientes diretos, sendo gerida de forma centralizada pela Requerente, que lhes imputa e debita a respetiva quota-parte de utilização – cf. depoimento das testemunhas e Documento 24 junto com o ppa. O. Em 2013 e 2014, a Requerente recebeu indemnizações por avarias ocorridas nos contentores (relacionadas com o acondicionamento da carga ou com o manuseamento do contentor), ou noutros equipamentos, que foram imputadas ao operador portuário ou ao cliente, dando lugar a compensações pecuniárias à Requerente e ao registo contabilístico do correspondente rendimento. Estas indemnizações também são devidas por seguradoras, nos casos em que existe uma cobertura de seguro, como é frequente – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas e Documento 25 junto com o ppa. P. As indemnizações em apreço têm normalmente gastos associados, referentes à reparação das avarias ocorridas nos equipamentos – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas. Q. A Requerente imputou e debitou a outras sociedades do Grupo económico a que pertence (…….. e ……..), no exercício de 2013, uma parte (€ 365.000,00) dos gastos associados à implementação e parametrização de uma aplicação informática por si adquirida e registada como ativo intangível, para gestão operacional da atividade de transporte marítimo e acompanhamento de todo o processo de transporte, desde a marcação do serviço até à emissão da fatura ao cliente, na medida em que aquelas sociedades participadas também beneficiam da (e utilizam a) referida aplicação – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas e Documento 26 junto com o ppa. R. Sempre que ocorre uma anomalia na carga transportada, há lugar a uma indemnização compensatória pela carga danificada, a pagar pela Requerente ao seu cliente, originando um gasto na sua esfera. Porém, como são eventos seguráveis, a Requerente recebe uma compensação monetária da seguradora (sobre o valor do dano pago ao cliente), que reconhece como rendimento. Nos exercícios de 2013 e 2014 a Requerente obteve rendimentos desta natureza nos montantes de € 97.066,54 e € 23.340,03 – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas e Documento 27 junto com o ppa. S. Em 2013 e 2014, a Requerente obteve rendimentos de € 93.736,25 e € 133.054,83, respetivamente, com a venda de contentores cuja vida útil expirou, nomeadamente para sucata, sendo política da Requerente disponibilizar aos seus clientes e parceiros contentores de qualidade, renovando-os quanto estes apresentam claros sinais de desgaste e a sua reparação apresenta valores muito significativos – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas e Documento 28 junto com o ppa. T. Em 2013 e 2014, a Requerente obteve rendimentos de € 95.000,00 e de € 49.149,08, respetivamente, com rendimentos suplementares referentes às “sobrestadias”, que respeitam à circunstância de os clientes, a quem foram disponibilizados contentores para efetuarem o acondicionamento das suas cargas na fase de carregamento (enchimento do contentor), ou na fase de devolução (esvaziamento do contentor), excederem o período normal estipulado para realizarem essas tarefas (período “livre”), sendo-lhes cobrado um fee pela demora na carga/descarga dos contentores – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas. U. Neste contexto, a Requerente procedeu ao apuramento do benefício fiscal previsto no artigo 51.º, alínea a) do EBF, em vigor à data dos factos (2013 e 2014), tributando apenas 30% dos seus lucros, considerando, para este efeito, a totalidade dos seus rendimentos no pressuposto de que os mesmos derivavam da atividade de transporte marítimo, incluindo os decorrentes de atividades conexas/indissociáveis a este transporte marítimo, registados nas contas #78 Outros rendimentos e ganhos e #79 Juros e outros rend. Similares, designadamente aluguer de contentores, empilhadores e gruas; indemnizações por avarias de contentores e outro equipamento; recuperação e reclamação de carga; venda de resíduos e sucata e assistência técnica administrativa – cf. Documento 19 junto com o ppa, RIT e depoimento das testemunhas. V. No decurso de 2014, a Requerente alienou o navio..., que havia adquirido em 1996. Neste âmbito, apurou uma mais-valia contabilística de € 379.632,90 e uma menos-valia fiscal de € 15.627,54 – cf. Documento 20 junto com o ppa (mapa de mais-valias e menos-valias fiscais referente a 2014) e RIT. X. Das componentes consideradas no cômputo do resultado contabilístico e fiscal da operação de venda do navio destaca-se a que se refere ao valor residual do bem – de € 696.098,85 –, que resultou do facto de, em 2010, quando da transição do POC para o SNC, estando o navio totalmente depreciado para efeitos contabilísticos, o mesmo ter sido valorizado com base na estimativa do valor de realização que a essa data (2010) se esperava alcançar se o ativo fosse alienado (justo valor). Para efeitos de cálculo da mais-valia fiscal, foi aplicado a esta componente, de € 696.098,85, o coeficiente de desvalorização monetária correspondente ao ano de aquisição do navio (1996) – de 1,50 – cf. RIT. Z. A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária externa aos exercícios de 2013 e 2014, de âmbito parcial, ao abrigo das ordens de serviço n.º OI2017...e n.º OI2017..., abrangendo o Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e o IRC – cf. Documentos 1 e 3 juntos com o ppa – RIT. AA. Em resultado desta ação inspetiva, a Requerente foi notificada, em 10 de outubro de 2017, do projeto de relatório de inspeção tributária, para exercer o direito de audição sobre as correções preconizadas à matéria coletável do IRC declarada pela Requerente naqueles exercícios de 2013 e 2014, no montante total de € 1.479.082,96 e € 2.811.637,37, respetivamente – cf. Documento 1 junto com o ppa (projeto de RIT). BB. As correções projetadas respeitam a: a) Encargos financeiros não dedutíveis para efeitos fiscais, no valor de € 827.840,29 e de € 1.265.178,12, para 2013 e 2014 respetivamente, referentes a empréstimos contraídos, cujos fundos foram cedidos, sem remuneração, a sociedades participadas, ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC; b) Apuramento do benefício fiscal atribuído às empresas armadoras da marinha mercante, nos termos do artigo 51.º, alínea a) do EBF, na parte em que compreendeu rendimentos de atividades ditas “acessórias”, nos montantes de € 651.242,67 (2013) e € 481.955,91 (2014); c) Exclusão de parte da menos-valia fiscal apurada no exercício de 2014, em resultado da alienação de um navio, no valor de € 355.356,22, por estar incorretamente calculada, sendo que € 299.322,51 decorrem da utilização do coeficiente de desvalorização da moeda de 2010 e não de 1996, e € 56.033,71, de diferenças cambiais que não deveriam ter sido consideradas, nos termos dos artigos 46.º e 47.º do Código do IRC; d) Perdas por imparidade em créditos não dedutíveis, para efeitos fiscais, no exercício de 2014, por inobservância dos critérios constantes dos artigos 28.º-A e 28.º-B do Código do IRC, no valor de € 709.147,12 – cf. Documento 1 junto com o ppa (projeto de RIT). CC. Em 25 de outubro a Requerente exerceu o direito de audição, não concordando com a posição expressa pela AT – cf. Documento 2 junto com o ppa. DD. A AT manteve as correções preconizadas, procedendo à notificação, em 22 de novembro de 2017, do Relatório de Inspeção Tributária definitivo, sobre o qual recaiu despacho favorável do Diretor de Finanças, de 20 de novembro de 2017, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, do qual se extrai a seguinte fundamentação, com relevo para a matéria em discussão nos presentes autos arbitrais (cf. RIT – Documento 3 junto com o ppa): “III. – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS No seguimento da ação inspetiva realizada aos períodos de 2013 e 2014, resultaram, em sede de IRC, os seguintes factos passíveis de correção para efeitos fiscais. III.1. – Encargos Financeiros – 2013 e 2014 III.1.1 – Descrição dos Factos Da análise às contas verificou-se que a empresa apresenta, nos dois períodos de tributação em análise, encargos financeiros decorrentes de empréstimos bancários obtidos, evidenciados nas subcontas da conta #25101 – Financiamentos Obtidos de Instituições de Crédito e #25202 – Mercado de Valores Mobiliários – Papel Comercial. Por outro lado, verifica-se que, concede empréstimos a entidades suas subsidiárias, associadas e ainda à sua empresa-mãe, cujos registos encontram evidência nas subcontas da conta #26 – Acionistas e #41 – Investimentos Financeiros. Nos quadros 1 e 2 é apresentada a posição financeira da A... no final de cada um dos períodos de tributação em análise, relativa aos financiamentos obtidos e cedidos. Por outro lado, é de referir que, da análise às subcontas da conta #79 – Juros e Outros Rendimentos Similares, dos balancetes analíticos de 2013 e 2014, não se verifica qualquer evidência de rendimentos provenientes de cobrança de juros pelos financiamentos concedidos às entidades mencionadas no quadro 1. […] Da consulta ao Q07 da DRM22 de IRC – Apuramento do Lucro Tributável, não se verifica qualquer ajustamento positivo relativo aos encargos financeiros reconhecidos na contabilidade, nos períodos referidos, considerados não dedutíveis para efeitos fiscais pela A... . III.1.2 – Enquadramento Fiscal [...] De 2013 para 2014 foi alterada a redação do n.º 1 do art.º 23º do CIRC, pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, cujas alterações tinham por objetivo a simplificação e a uniformização da sua interpretação legal. O art.º 23.º do CIRC consagra o princípio geral da dedutibilidade dos gastos, que, relacionados com a atividade do sujeito passivo, por este, incorridos ou suportados, são aceites na determinação do lucro tributável. São assim requisitos fundamentais para que os encargos financeiros suportados pela A... sejam valorados e aceites como gasto fiscal, nos períodos em análise, os seguintes: 1 – A sua comprovação (justificação) – requisito geral aplicável a todos os gastos contabilizados, previsto no n.º 3 do art.º 23.º do CIRC, após alteração legislativa de 2014, e, n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, na re[d]ação anterior; 2 - A sua conexão à atividade estatutária desenvolvida pela empresa, atividade que se pressupõe geradora de rendimentos sujeitos a IRC – requisito previsto no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC; 3 – A sua conexão aos encargos de natureza financeira abrangidos pela alínea c) do n.º 2 do art.º 23.º do CIRC. Dos dados apresentados no ponto III.1.1, verifica-se que a empresa canaliza uma parte dos financiamentos obtidos, junto das instituições de crédito, para o financiamento gratuito de entidades relacionadas, suportando na íntegra os respetivos encargos financeiros pela utilização de crédito, designadamente, juros e imposto de selo, entre outros. Por sua vez, não se verifica qualquer redébito dos gastos suportados às entidades a quem concedeu financiamento, nem o registo em rendimentos de qualquer remuneração por contrapartida dessa cedência. [...] No decorrer do procedimento inspetivo, foi notificado o sujeito passivo para justificar e/ou apresentar alguns elementos informativos relativos a esta matéria [...] Obtiveram resposta as alíneas a), b) e d), que aqui se transcrevem: «a) A natureza destes financiamentos enquadram-se na estrutura societária participada e participativa de apoio à execução das políticas implementadas pela empresa no âmbito da sua atividade; b) Para além dos fundos gerados pela sua atividade, a empresa obtém financiamentos junto das instituições financeiras presentes no mercado nacional, não tendo ocorrido qualquer variação face aos anos anteriores; e d) A empresa não obteve rendimentos dos financiamentos que concedeu.» Pelo exposto, o sujeito passivo justifica a natureza dos empréstimos concedidos (registados na conta #26 – Acionistas e #41 – Investimentos Financeiros), no âmbito do apoio à execução das políticas definidas pela empresa, na execução da sua atividade. De referir que, as atividades que constam do objeto social da A..., descritas no ponto II.4.1 deste relatório, abrangem as atividades de transporte marítimo, nomeadamente os transportes marítimos insulares de cabotagem e costeiros e, também, o transporte de pessoas e bens, assim como, quaisquer outras atividades que possam concorrer para o desenvolvimento das anteriores, não se incluindo nesta relação quaisquer atividades relacionadas com o apoio financeiro e/ou de gestão às entidades participadas ou em que participa. Analisando a estrutura dos empréstimos concedidos […] verifica-se, no final de 2014, face a 2013, um acréscimo nessa rubrica. O empréstimo cedido à empresa-mãe (……….. – SGPS, SA) regista um aumento na ordem dos 63%, representando este, a quase a totalidade do valor dos empréstimos concedidos no período de 2014. Em 2013, os mais representativos, são os empréstimos realizados à empresa-mãe e outra sociedade gestora de participações sociais – a E...– SGPS, SA, detida a 100% pelo sujeito passivo. De entre as várias atividades que o sujeito passivo pode desenvolver, abrangidas pelo objeto social inscrito na CRCL e pelas atividades registadas no cadastro da AT, não é evidente, em que medida, qualquer uma dessas atividades, restritas ao transporte marítimo, lhe permitem controlar e gerir as atividades exercidas por outras empresas do grupo. Tomando como exemplo o financiamento concedido à empresa mãe, que, sendo uma SGPS, tem por inerência do regime jurídico em que se enquadra, a atividade principal de gestão das participações sociais das suas participadas, pressupondo-se ser esta e, não, as filhas, a definir uma política comum para as entidades em que participa no capital social e que controla (através dos direitos de voto). Ainda assim, a avaliação de qualquer operação geradora de gastos ou proveitos tem de ser feita numa perspetiva individualizada de cada empresa em detrimento de uma ótica de gestão de grupo. A maximização do lucro do grupo até pode justificar uma política comercial e económica comum, pensada no seu todo, e nessa lógica ser atribuída a uma das empresas desse grupo, a realização de determinadas operações, cujos gastos e proveitos respeitam a várias empresas, mas, se o fizer, deverá relevar essas operações na contabilidade, repartindo esses resultados pelas restantes empresas. Sendo este o caso, a Z………….. deveria redebitar às entidades beneficiárias dos empréstimos cedidos os respetivos encargos em que incorreu. O disposto no art.º 23º do CIRC pretende evitar a dedutibilidade de gastos com a prossecução de interesses alheios à atividade societária do sujeito passivo, daí que, os gastos reconhecidos na esfera deste devem respeitar à própria sociedade contribuinte, ou como anteriormente descrito, se não for o caso, devem ser “anulados” através do reconhecimento de proveitos, de modo a ser ressarcida desses gastos, facto que não se verificou. Concluindo, o escopo societário das várias empresas que constituem um grupo económico é distinto do da empresa que cedeu o financiamento, sendo que, para que determinada verba seja considerada gasto é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades, ainda que em relação de domínio. [...] É também essa a posição sustentada em vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que apontam no sentido da não dedutibilidade dos encargos financeiros controvertidos, por se considerar que, nos termos do artigo 23.º do CIRC apenas são dedutíveis os gastos que respeitem à atividade desenvolvida pelo próprio sujeito passivo, sustentando o STA que, mesmo quando exista uma relação de dependência ou domínio, as sociedades têm personalidade e capacidade tributárias distintas e que a não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da atividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação (Acórdão de 12 de julho de 2006, Processo nº 186/06, Acórdão de 7 de fevereiro de 2007, processo 1046/05 e o Acórdão de 20 de maio de 2009, processo nº 1077/08). O STA assentou a fundamentação das suas decisões sublinhando o caráter autónomo do sujeito passivo, na ponderação dos seus custos ou perdas, vertido na elucidativa expressão: «têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades». Essa mesma jurisprudência parece denotar uma preocupação de tomar em atenção todas as circunstâncias fácticas em que o sujeito passivo desenvolve a sua atividade para saber se e em que medida os financiamentos foram, ou não, efetuados com fito lucrativo e no interesse da própria sociedade. No que respeita à verificação do requisito n.º 3, o mesmo, exige que os gastos financeiros, para que sejam aceites fiscalmente, se incluam ou se relacionem com os descritos na alínea c) do n.º 2 do art.º 23.º do CIRC, isto é, correspondam a dispêndios utilizados na «exploração» da empresa, o que equivale a dizer, na sua atividade estatutária. A mesma alínea reconhece como dedutíveis para efeitos fiscais, por exemplo, os juros derivados da utilização de capitais alheios, desde que aplicados na exploração, subentendendo-se aceites, os restantes gastos associados à utilização desses capitais alheios. Face ao disposto, os encargos financeiros suportados pela Z………, resultantes apenas de créditos alheios obtidos, correspondentes a juros, imposto de selo e outros relacionados com as operações de crédito, têm enquadramento fiscal na alínea c) do n.º 2 do art.º 23.º do CIRC. Porém, da sua conjugação com o n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, apenas são aceites, desde que, aplicados no desenvolvimento da sua atividade, conforme analisado no âmbito do requisito n.º 2. [...] No caso concreto, cumpre realçar que os encargos financeiros cuja dedução está em análise respeitam a capitais alheios que não foram na totalidade aplicados na exploração da atividade da Z……… e que, sendo canalizados de forma gratuita a empresas do grupo, não poderão ser aceites fiscalmente. Face ao exposto, os encargos financeiros suportados não representam na ótica da atividade da A... um gasto correlacionado com o desenvolvimento da mesma, cujo objetivo máximo societário é a realização de proveitos, sujeitos a imposto, ao destinarem parte dos financiamentos obtidos ao apoio de atividades de empresas do grupo. Embora, não haja qualquer impedimento legal à sua concessão, nem se pretendendo ir contra o princípio da liberdade de gestão atribuído às empresas, quando tal situação ocorra, essas operações de financiamento, deverão ser relevadas contabilisticamente, por exemplo, através do redébito às empresas do grupo do proporcional dos encargos financeiros suportados relativamente aos montantes dos empréstimos cedidos para os quais não foi cobrada qualquer remuneração (por exemplo – juros). Em conclusão, pelos factos e fundamentos apresentados, não se consideram cumpridos, cumulativamente, dois dos requisitos fundamentais à dedutibilidade do valor dos gastos financeiros reconhecidos na contabilidade, conforme dispõe o art.º 23.º do CIRC. III.1.3. – Encargos Financeiros não aceites para efeitos fiscais (2013 e 2014) Face aos factos descritos e respetiva verificação do seu enquadramento fiscal, conclui-se não aceitar a totalidade dos gastos financeiros reconhecidos pelo sujeito passivo nos períodos de tributação de 2013 e 2014 [...]. Assim, considerando as rubricas e saldos apresentados nos quadros 1, 2 e 3, deste relatório, com evidência dos empréstimos concedidos, empréstimos obtidos e encargos financeiros suportados respetivamente, apurou-se o proporcional dos encargos financeiros reconhecidos na contabilidade não aceites para efeitos fiscais cujo valor se apresenta nas colunas (6) dos quadros abaixo. Quadro 4 – Apuramento dos encargos financeiros não aceites para efeitos fiscais - 2013 Para o apuramento do proporcional dos encargos financeiros registados na contabilidade mas não aceites para efeitos fiscais consideraram-se os seguintes pressupostos: - O valor do crédito utilizado mensalmente, pelo sujeito passivo, verificado no extrato de conta corrente de cada empréstimo no último dia de cada mês – saldo credor das subcontas da conta #251 e #252 [coluna (1)]; - O valor do crédito cedido mensalmente, pelo sujeito passivo, verificado no extrato de conta corrente no último dia de cada mês – saldo devedor das subcontas das contas #26 e #41 [coluna (5)]; - O valor mensal dos gastos reconhecidos nas contas #68 e #69 [colunas (2) e (3)]; Da consulta ao suporte documental dos registos contabilísticos de reconhecimento dos encargos financeiros, verifica-se, que os mesmos, não são suficientes para compreender a causa e a indispensabilidade dos gastos suportados pela A... em prol da obtenção de proveitos, no exercício da sua atividade, ao não permitirem a afetação dos empréstimos contraídos aos fins a que os mesmos se destinam, designadamente, aos créditos utilizados para o financiamento das entidades relacionadas. Assim, em face da complexidade dessa afetação, foi definida uma fórmula simples que permitisse alocar parte dos encargos financeiros suportados na obtenção do crédito bancário, à operação de financiamento das entidades relacionadas, conforme cálculo que se evidencia nas colunas (6) dos quadros supra, por forma a apurar o valor dos encargos não aceites para efeitos fiscais. Junta-se a págs. 14-21 do Anexo I, os mapas detalhados do cálculo mensal do valor, quer dos empréstimos obtidos utilizados, quer dos empréstimos concedidos, assim como, os encargos financeiros reconhecidos mensalmente. Face à análise realizada, conclui-se não aceitar para efeitos fiscais, parcialmente, os encargos financeiros reconhecidos na contabilidade nos períodos de 2013 e 2014. A correção proposta ao declarado pelo sujeito passivo, relativa ao período de 2013, ascende ao valor de € 827.840,29 e, a relativa ao período de 2014, ao valor de € 1.265.178,12, ambas, por infração do art.º 23.º do CIRC, nos termos dos fundamentos apresentados neste relatório. II.2 – Menos-Valias Fiscais – 2014 III.2.1. – Descrição dos Factos No período de tributação de 2014, o sujeito passivo, reconheceu mais-valias contabilísticas com a alienação de ativos conforme registos na conta #7870101 – Ativos Tangíveis, no valor de € 379.632,90 tendo sido, este valor, deduzido no campo 767 – Mais-valias contabilísticas, no Q07, da DRM22 de IRC por estas não concorrerem para o apuramento do lucro tributável. No mesmo quadro, no campo 739 – Diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias fiscais sem intenção de reinvestimento (art.º 46.º), foi acrescido o montante de € 15.627,54, para apuramento do lucro tributável. Análise do Mapa das Mais-Valias e Menos-Valias Fiscais (Modelo 31): Da análise ao mapa Modelo 31, que se junta a págs. 22-23 do Anexo I, verifica-se que o bem alienando, do qual resultou o apuramento da mais-valia contabilística, supra mencionada, se refere a um navio denominado N/M …………….. O mapa de apuramento das mais-valias e menos-valias fiscais apresenta várias linhas que correspondem à relação de itens adquiridos entre 1996 e 2012 que compõem o bem – o navio. De entre as quais, destacaram-se as seguintes: Valor de realização do navio N/M ……………..– coluna (1) O referido navio foi alienado à entidade BB..., NIPC DE..., com sede na Alemanha, pelo valor de USD 2.550.000,00, a que correspondia, na data da alienação, o valor de € 1.933.576,01, conforme fatura de venda n.º..., datada de 2014-10-01, cuja cópia se junta a págs. 24 do Anexo I. Refira-se que, no mapa Modelo 31, o valor total de realização do navio é imputado a vários itens que integram o ativo fixo tangível (AFT) – navio MV. …………….. agrupados sob os seguintes títulos: N/M ... (aquisição), N/M apetrechamento, N/M reclassificações, N/M docagens e, por último, o ajustamento da variação cambial do valor residual do navio. Ao valor de realização do navio foram abatidos os gastos com as comissões de venda do navio, no valor total de € 126.153,60, conforme documentos que se juntam a págs. 25-27 do Anexo I. A referida desagregação do valor de realização por grupos de itens, conforme observada no mapa Modelo 31, não tem idêntica discriminação no documento de venda, este, menciona apenas o valor de venda do navio de forma global. b) Valor de aquisição do navio N/M ……………. – coluna (2) Solicitados, ao sujeito passivo, documentos de suporte, comprovativos dos custos iniciais e subsequentes do navio, registados na contabilidade, entre 1996 e 2012, foram facultados os documentos de aquisição dos itens que integram este AFT, de valor mais relevante. De seguida serão analisadas as linhas do quadro 6 – Detalhe do mapa Modelo 31, com maior impacto no valor do cálculo da mais-valia fiscal apresentado: A Z……………… mencionou no mapa Modelo 31, conforme coluna (2), um valor de aquisição, no montante de € 6.554.510,96, valor indicado como custo inicial de aquisição do navio N/M …………….. À data de alienação do navio, em 2014, verifica-se que o navio apresenta ainda um valor líquido atualizado de € 1.044.148,28, conforme coluna (3), o que, com a imputação da quota-parte do valor de realização, de € 810.798,93 (na fase de alienação), conduziu a que, o sujeito passivo, apurasse uma menos-valia fiscal, de € 233.349,35, conforme coluna (7). Relativamente à linha (1), o valor de aquisição do navio apresenta ainda um valor não depreciado no valor de € 696.098,85, que se apurou ser um valor residual definido aquando da transição do Plano Oficial de Contabilidade (POC) para o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), com efeitos nas demonstrações financeiras a partir de 2010. O valor foi definido com base na NCRF n.º 7, em função do peso do navio e da cotação média do aço, definida em publicações especializadas do setor, que em 2009-12-31, se situava em USD 400,00 por cada tonelada. Este valor residual, aquando mensurado e registado na contabilidade, em 2010, já havia sido sistematicamente depreciado conjuntamente com o valor de aquisição do navio, desde 1996, pelo que, em 2010, o sujeito passivo procedeu aos seguintes registos: - Mensuração do valor residual do navio no seu Ativo Fixo Tangível - Anulação das depreciações do navio Através do seguinte movimento contabilístico: - Débito da conta 43803 – AFT – Equipamento Básico por contrapartida do crédito da conta 64203 – Gastos com Depreciações – Equipamento Básico conforme documento através do documento do diário de operações diversas n.º DO...; de 2010-12-31---------------------------------€696.098,85 Da consulta à DRM22 de IRC de 2010, apresentada em tempo, verificou-se que não houve qualquer ajustamento aos resultados apresentados contabilisticamente referentes a esta temática (ver págs. 28-29 do Anexo I). [...] Em resumo, dos factos analisados verificou-se, o seguinte: - A Z………….. valorizou o navio após este se encontrar totalmente depreciado (valor líquido nulo) com um valor residual (justo valor) referente ao valor atribuído ao peso do navio; - O valor residual do navio foi valorizado em USD; - O movimento contabilístico reflete a anulação da depreciação do bem e a sua revalorização diretamente na conta correspondente a esse ativo fixo tangível: - Com a alienação do navio, apura uma menos-valia fiscal para a qual contribuiu o valor residual atribuído ao navio; - Utiliza o coeficiente de desvalorização da moeda de 1,50 (aplicável aos valores de aquisição do ano 1996) aplicado ao valor residual definido em 2010. III.2.2. – Enquadramento Fiscal Em termos fiscais, o n.º 2 do artigo 46ºdo CIRC, refere que: [...] E o n.º 1, do artigo 47º, do CIRC, refere que: [...] Deste modo, observamos que o valor da mais ou menos valia-fiscal pode, ou não, coincidir com o valor da mais ou menos valia-fiscal contabilística. O cálculo da mais ou menos-valia fiscal é efetuado de acordo com a seguinte fórmula: + Valia-Fiscal = VR – (VAQ – DAC – PI) x Coef. VR = Valor de realização líquido dos encargos que lhe sejam inerentes VAQ = Valor de aquisição DAC = Depreciações acumuladas fiscalmente aceites PI = Perdas por imparidade fiscalmente aceites Coef = Coeficiente de correção monetária No caso em análise releva para efeitos do cálculo da mais ou menos-valia fiscal, os seguintes itens: a) O valor de aquisição do navio e dos vários itens que integram o bem € 14.611.230,29 b) O valor de alienação do navio e dos vários itens que integram o bem € 1.807.422,41 c) As depreciações (fiscalmente aceites) calculadas sobre o valor de aquisição do bem e dos restantes itens que o integram € 13.183.440,88 d) O coeficiente de correção monetária, nos termos do definido no art.º 47º do CIRC e coeficiente determinado pela Portaria n.º 281/2014, de 30 de dezembro. III.2.3. – Correção a efetuar para efeitos fiscais (Mais-Valia Fiscal) a) Ocorre efetiva oposição entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento quanto à mesma questão fundamental de Direito? b) Sendo afirmativa a resposta à questão anterior, pode considerar-se, ainda assim, que o presente recurso não deve ser admitido pelo facto de a orientação perfilhada na decisão recorrida corresponder à jurisprudência mais recentemente consolidada deste Supremo Tribunal? c) Sendo afirmativa a resposta às duas questões anteriores, deve ser provido o recurso?
II. Importa recordar os requisitos de admissibilidade previstos para o presente recurso: - que a decisão arbitral recorrida se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral, nos termos do artigo 25.º, n.º 2 do RJAT; - que a mesma esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de Direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo ou com outra decisão arbitral, nos termos do mesmo artigo; - que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, para o qual o n.º 3 do artigo 25.º remete; - que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado, nos termos do artigo 688.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPPT.
III. Entende-se que é idêntica a questão fundamental de Direito quando: - as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais; - o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida; - quando a divergência entre as decisões (recorrida e fundamento) se verifica ao nível das próprias decisões e não exclusivamente quanto aos respectivos fundamentos.
IV. Vertendo ao caso concreto presente nas decisões em confronto, parece inevitável concluir que nos encontramos diante situações de facto e de Direito que, apenas aparentemente, são idênticas. Sem prejuízo, reconhece-se que é indiscutível que o enquadramento fiscal de ambas as decisões se reporta ao artigo 23.º do Código do IRC, estando em causa os termos em que este é interpretado e aplicado o critério de indispensabilidade dos custos, com vista a aferir da sua respectiva dedutibilidade fiscal; e é, igualmente, certo que as soluções propugnadas em ambos os casos aparentam oposição: no caso da decisão recorrida, é reconhecida a dedutibilidade dos encargos financeiros assumidos em operações de crédito para efeito de financiamento gratuito de sociedade participadas; no caso do acórdão fundamento, por contraposição, tal dedutibilidade é expressamente negada, em circunstâncias que parecem algo próximas. Porém, analisada o fundo o circunstancialismo legal e factual, acaba por se concluir que é por aqui que se ficam as semelhanças entre as decisões aqui vertidas.
V. A primeira nota em que cabe sublinhar tais diferenças diz respeito à redacção da norma aplicável in casu. Com efeito, ao passo que no acórdão fundamento, o artigo 23.º do Código do IRC, na versão em vigor à data dos factos, se regia pela redacção que marcou tal norma desde a versão inicial da aprovação daquele Código em 1988, já a redacção em vigor à data dos factos vertidos na decisão arbitral recorrida (na parte que respeita ao ano de 2014) é assaz distinta, tendo designadamente sido eliminado o requisito da indispensabilidade, no seguimento da Reforma do Código do IRC de 2014. Assim, na versão em vigor à data dos factos vertidos na decisão fundamento (2006), era a seguinte a redacção do artigo 23.º do Código do IRC, na parte que interessa para o presente efeito: “Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.” Na redacção dada àquela norma pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, passou a ser a seguinte a redacção do artigo 23.º do Código do IRC, na parte em que interessa para o presente efeito: "Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC." Ora, pese embora a sentença recorrida conclua no sentido da tendencial equiparação daquelas redacções – “a modificação do texto legal ocasionada pela Reforma do IRC não afetou o entendimento anteriormente prevalecente, constituindo antes uma clarificação” – a verdade é que as mesmas são literalmente distintas (e em termos bem significativos, diga-se de passagem) e que tal, por si só, já seria imediatamente impeditivo da conclusão de que nos encontramos diante uma mesma questão fundamental de Direito.
VI. Outra nota legal circunstancial distintiva, que aqui cabe registar, respeita à consideração dos efeitos fiscais do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), no quadro legal dos factos constantes do Acórdão Fundamento, ao passo que nenhuma consideração é feita a respeito de tal regime na decisão arbitral recorrida; e não é certo que a consideração da interacção deste regime com o regime geral da dedutibilidade dos gastos – especialmente, atentas as referências reiteradas ali feitas – tenha sido irrelevante nas conclusões extraídas no acórdão fundamento.
VII. Também quanto à situação de facto envolvida em ambos os processos se denotam importantes, ainda que não imediatamente óbvias, diferenças. Comece-se pelas sociedades financiadoras, as quais integram (acórdão fundamento) ou não (decisão arbitral recorrida) o Grupo de Sociedades para efeitos de aplicação do RETGS. As várias considerações feitas, no acórdão fundamento, a respeito da integração das sociedades financiadora e financiadas neste regime não parecem poder ser marginalizadas, mais contribuindo assim para as diferenças contextuais. Acresce que, no acórdão fundamento, a sociedade financiadora tem por objecto estatutário “a gestão de participações em outras sociedades”, o que já não sucede no caso da decisão arbitral recorrida, porquanto o objecto social se reporta à “indústria de transportes marítimos, compreendendo, nomeadamente, os transportes marítimos insulares de cabotagem e costeiros para o transporte de pessoas e bens, fretamento de navios, bem como das atividades que possam concorrer para o seu desenvolvimento ou para completar os seus fins sociais”. Ora, com objeto sociais e enquadramentos societários nitidamente diversos, fica prejudicado, também por aqui, a exigida substancial identidade fáctica.
VIII. O mesmo se denota quanto às sociedades financiadas envolvidas num e noutro caso. No caso da decisão arbitral recorrida, são de diversos tipos as sociedades financiadas gratuitamente, por meio dos empréstimos geradores dos juros cuja dedutibilidade é discutida; por contraste, no acórdão fundamento, a argumentação ali expendida gira profundamente em torno de Sociedades Gestoras de Participações Sociais (ao menos, algumas delas), as quais, na respectiva esfera, estariam juridicamente impedidas de deduzir os encargos financeiros suportados sempre que os empréstimos geradores dos mesmos fossem afetos à aquisição de partes sociais geradoras de mais-valias isentas, nos termos do regime fiscal daquelas sociedades à data vertido no EBF – cfr. a seguinte passagem do acórdão fundamento: “Como bem se pronuncia a este respeito, o relatório do exame à escrita “...é possível estabelecer um nexo de causalidade entre os juros suportados com o financiamento das prestações acessórias às suas participadas (na sua grande maioria SGPS) e os ganhos obtidos na venda dos activos financeiros que incluem o valor de tais prestações (mais valias subsequentes)”, e como tal, obtida a sua correlação directa que leva a que, sejam para estas e não para a ora recorrida, que os mesmos sejam de qualificar como de custos fiscais, à luz do disposto no art.º 23.º, n.º1 do CIRC.” Ora, pese embora constando da respectiva factualidade a existência de uma SGPS, nenhuma relevância parece ser atribuída na decisão arbitral recorrida à natureza das sociedades financiadas, parecendo indistinto o sentido decisório a tal respeito. Mais uma vez, quando confrontadas as decisões e seus respectivos fundamentos – e, ademais, conhecida a distinta jurisprudência deste Supremo Tribunal consoante tal circunstancialismo factual (vd., por todos, os acórdãos proferidos nos Processos 0473/13, de 21 de Fevereiro de 2018, e 01206/17, de 28 de Fevereiro de 2018 – disponíveis em www.dgsi.pt) – tais diferenças de contexto factual não parecem poder ser ignoradas para efeitos do apuramento de uma efetiva contradição quanto à questão fundamento de Direito.
IX. Também os instrumentos de capital em que se traduziram as operações de financiamento num e noutro são distintos, o que pode não ter sido irrelevante nos termos em que as decisões em confronto foram pronunciadas, além de não poder ser desconsiderado no âmbito do presente recurso, atentas as diferenças de regime fiscal e contabilístico entre instrumentos de capital próprio e instrumentos de capital alheio. Na verdade, a decisão arbitral recorrida versa, simultaneamente, sobre instrumentos de capital próprio (prestações suplementares) e instrumentos de capital alheio (empréstimos) – ainda que os árbitros não pareçam retirar especiais ilações deste facto por si só. Por contraste, no acórdão fundamento encontramo-nos unicamente diante instrumentos de capital próprio, traduzidos em prestações suplementares ou prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares – sendo que apenas a exata qualificação entre uma e outra modalidade de capital próprio parece ser considerada irrelevante: “É também irrelevante qualificar juridicamente tais prestações a favor das suas associadas de prestações acessórias ou de prestações suplementares – cfr. art.ºs 209.º e 210.º do CSC – no âmbito tributário em que nos encontramos e do seu realismo, onde sobressai a vertente económica – cfr. art.º 11.º, n.º3 da LGT – já que as características essenciais de tais prestações não se encontram controvertidas – foram prestações em dinheiro e sem vencerem juros – o que nestes dois aspectos ambos se podem aproximar que, como explica Raul Ventura(6), as prestações suplementares distinguem-se das obrigações acessórias, em abstracto, pelo seu objecto possível, mais extenso nas segundas, onde pode deixar de ser dinheiro, e pelo seu regime, sendo que no caso não foi pela diferente qualificação num ou noutro regime que tal desconsideração de custos teve lugar, a que deu lugar à liquidação do IRC, ora impugnada.” (sublinhado nosso).
X. Ainda a respeito dos financiamentos envolvidos nas decisões em confronto, constata-se que, ao passo que apenas existem financiamentos downstream na factualidade vertida no acórdão fundamento – com a empresa financiadora a financiar sociedades por si participadas – o mesmo não sucede com os financiamentos que são identificados na decisão arbitral recorrida, onde se denotam simultaneamente financiamentos downstream e upstream, incluindo portanto financiamentos realizados à própria sociedade-mãe. E esta distinta factualidade é bem, e expressamente, salientada pela decisão arbitral recorrida enquanto decisiva para o sentido da decisão: “Tendo em conta os critérios acima descritos, a concessão de empréstimos gratuitos à sociedade-mãe não se afigura suscetível de ser encarada como atividade de gestão de um ativo financeiro pela Requerente, pois não é a Requerente que detém participações na sociedade-mãe, mas o inverso. Com efeito, não existe qualquer ativo de que a Requerente seja titular que esteja subjacente a essa operação de financiamento à sociedade-mãe. Também não convocável nestas circunstâncias o argumento relativo ao exercício de uma influência significativa na gestão, usualmente aferido (na relação com sociedades participadas) por uma percentagem de participação de, pelo menos, 20%, para se julgar verificado o interesse no investimento. É que aqui a influência significativa exerce-se no sentido oposto, sendo a sociedade-mãe titular de quase 100% do capital da Requerente… no caso particular de empréstimos à sociedade-mãe inexiste a suscetibilidade de a relação entre esta e a Requerente gerar rendimentos…”. Tal diferente factualidade a este respeito mais contribui para a conclusão da insuscetibilidade de nos encontrarmos diante uma identidade das situações fácticas num e noutro acórdão.
XI. Estamos, em conclusão, diante um significativo conjunto de distinções de contexto legal e factual que são de molde a não deixar dúvidas acerca da não sobreposição das decisões em confronto, susceptível de fundamentar um recurso de uniformização de jurisprudência.
XII. Sendo assim, por todo o exposto, patentemente negativa a resposta a primeira questão, ficam prejudicadas todas as demais questões supra formuladas.
III. DECISÃO |