Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0298/12
Data do Acordão:04/10/2013
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
ACTO TRIBUTÁRIO
MÉTODOS INDIRECTOS
ANULAÇÃO PARCIAL
Sumário:I - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.
II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.
III - Sendo legal o recurso ao método indirecto previsto no n.º 4 do artigo 89.º-A e verificando-se que a ilegalidade da quantificação operada pela Administração tributária se circunscreve à desconsideração da justificação parcial da manifestação de fortuna no cálculo do rendimento padrão - ilegalidade esta que se verifica apenas na medida da não justificação, que não no demais, e corrigível mediante mera operação aritmética que, em cumprimento do decidido, expurgue do valor da matéria colectável fixada o valor justificado -, haverá lugar à anulação apenas parcial do acto sindicado, que não à sua anulação total.
Nº Convencional:JSTA00068207
Nº do Documento:SAP201304100298
Data de Entrada:10/31/2012
Recorrente:DIRGER DE FINANÇAS DO PORTO
Recorrido 1:G....
Votação:MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS
Objecto:AC STA 2 SECÇÃO DE 2012/04/12
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:LGT ART89-A N4 N7 ART91
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0965/10 DE 2012/01/12; AC STA PROC05874 DE 1997/07/09; AC STA PROC024101 DE 1999/09/22; AC STA PROC025532 DE 2001/05/16; AC STA PROC01973/02 DE 2003/03/26; AC STA PROC0287/05 DE 2005/09/27; AC STA PROC0583/10 DE 2011/01/12; AC STA PROC0533/12 DE 2012/10/10; AC STA PROC0583/12 DE 2012/01/12; AC STA PROC01973/02 DE 2003/03/26; AC STAPLENO PROC01075/09 DE 2012/09/19
Referência a Doutrina:SALDANHA SANCHES - FISCALIDADE N7/8 JULHO/OUTUBRO 2001 PAG63 E SEGS
CASALTA NABAIS - DIREITO FISCAL 2ED PAG397
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -
1 – O Director de Finanças do Porto, com os sinais dos autos, não se conformando com o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 12 de Abril de 2012 (a fls. 203 a 229 dos autos), que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 26 de Janeiro de 2012, que julgou procedente o recurso da decisão do Director de Finanças do Porto que fixou por avaliação indirecta o rendimento líquido para efeitos de IRS do ano de 2008 no valor de 91 500,00 €, vem, nos termos dos artigos 280.º, n.º 1, 282.º n.º 1, 283.º e 284.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso para este Supremo Tribunal, por oposição com o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Março de 2012, proferido no recurso n.º 0188/12 e transitado em julgado em 22 de Março de 2012.
O recorrente apresentou (fls. 273 a 285) alegações tendentes a demonstrar a alegada oposição de julgados, contra-alegando o recorrido nos termos de fls. 292/296.
Por despacho de 20 de Junho de 2012 (fls. 297), do Exmo. Relator no STA, veio o recurso a ser admitido, ordenando-se em consequência a notificação das partes para apresentarem alegações, nos termos do disposto no art. 284 nº 5 do CPPT.
O recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. O presente recurso é deduzido contra a douta sentença que anulou a decisão de avaliação indirecta da matéria colectável efectuada ao abrigo do mecanismo previsto no artigo 89.º-A da LGT por entender que a Administração Tributária incorreu em excesso de quantificação ao não considerar a justificação parcial da manifestação de fortuna evidenciada com a aquisição de um imóvel.
B. A recorrente aceita o julgamento da sentença ora recorrida quanto ao julgamento da matéria de facto, considerando assente que o sujeito passivo adquiriu em 2008 imóveis pelo valor de €457.500,00, - apenas justificando em sede de contencioso, pois nunca em fase graciosa veio aos autos juntar qualquer elemento – a proveniência do montante de € 300.000,00, obtido com recurso a crédito bancário, o que consubstancia uma justificação parcial da manifestação de fortuna evidenciada.
C. A recorrente insurge-se quanto à interpretação, em sede de julgamento da matéria de direito, do artigo 89.º-A da LGT segundo a qual a justificação parcial da manifestação de fortuna deve ser considerada na determinação do rendimento sujeito a tributação como incremento patrimonial, concluindo pelo “excesso de quantificação, a acarretar a ilegalidade do acto recorrido”
D. A recorrente defende, com o devido respeito, que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação do disposto no artigo 89.º-A da LGT, opondo-se, assim, à jurisprudência contida no Acórdão desse Venerando Tribunal, de 19/05/2010, no processo n.º 0734/09, que lhe serviu de referência e fundamento,
E. Mais defendendo, sem prescindir do entendimento que advoga, que a sentença sob recurso não retirou daquele acórdão as devidas consequências legais, pois a justificação parcial comprovada nos autos deveria conduzir a uma procedência parcial do recurso, anulando a decisão da administração Tributária apenas na parte em que esta não reflecte aquela justificação, verificando-se, assim, uma incoerência entre a decisão do Tribunal, quanto à procedência total do recurso, e o entendimento exposto quanto à interpretação da lei.
F. O método de tributação indirecta, previsto no artigo 89.º-A da LGT, pressupõe, por definição, a tributação de um rendimento cuja existência é fortemente indiciada, a partir de factos típicos como as manifestações de fortuna, mas cuja fonte ou natureza, assim como a sua quantidade são desconhecidos.
G. Justamente, importa salientar que as manifestações de fortuna não são factos tributários.
H. As manifestações de fortuna são, isso sim, factos indiciadores de fraude ou evasão fiscais quando se verifica a desproporção com o rendimento declarado nos termos expressamente previstos na lei.
I. Ao justificar parte das manifestações de fortuna, o contribuinte não está a justificar parte do rendimento que se presume a partir da referida tabela, pois muito embora o cálculo do rendimento padrão seja proporcional ao valor de aquisição daquelas, o objectivo daquele método indirecto de tributação é o de tributar ingressos de rendimento que tenham escapado à devida tributação, com vista a uma aproximação da realidade contributiva.
J. Uma justificação parcial da manifestação de fortuna implica o desconhecimento da realidade tributária global do contribuinte, para efeitos de IRS, não afastando, por isso, a presunção de fraude e evasão fiscal e a consequente aplicação do padrão de rendimento apurado a partir da tabela do n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT, para a qual a lei não prevê qualquer redução.
K. A tributação com recurso ao método indirecto do artigo 89.º-A da LGT é um regime de carácter excepcional, estando a Administração Tributária estritamente vinculada aos critérios tipificados pelo legislador, não sendo admissível que considere um rendimento inferior ao que resulta da aplicação da tabela quando a lei apenas prevê a hipótese da aplicação de um rendimento superior.
L. O entendimento que se defende quanto á interpretação do artigo 89.º-A da LGT, mais concretamente sobre a quantificação da matéria colectável em face de uma justificação parcial da manifestação de fortuna, tem um relevante apoio quer na doutrina, quer na jurisprudência, conforme supra se transcreveu.
M. No entanto sem prescindir da tese que se defende, entende-se que prevalecendo tese que vem sufragada no acórdão recorrido, segundo a qual a administração tributária incorreu em erro na quantificação da matéria tributável com recurso ao método indirecto do artigo 89.º-A da LGT, impunha-se que a decisão em crise fosse anulada parcialmente e não na sua totalidade.
N. O acórdão recorrido não retirou do acórdão 0734/09, as devidas consequências legais, pois a justificação parcial comprovada nos autos deveria conduzir a uma procedência parcial do recurso, anulando a decisão da administração tributária apenas na parte em que esta não reflecte aquela justificação, verificando-se, assim, uma incoerência entre a decisão do tribunal, quanto á procedência total do recurso, e o entendimento exposto quanto á interpretação da lei.
O. Segundo esta tese, ao valor de aquisição dos imóveis será de deduzir o montante de €300.000,00, considerando uma matéria colectável de 20% de €157.500,00, por ser este o valor de aquisição cuja origem não foi comprovada pelo sujeito passivo, ou seja, um rendimento padrão de €31.500,00.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o entendimento do douto acórdão recorrido ser revogado, mantendo-se a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, ainda que parcialmente, com todas as consequências legais.

2 – Contra-alegou o recorrido, concluindo nos seguintes termos:
a) A solução do acórdão recorrido que confirmou a sentença do TAF do Porto não podia ser outra que não fosse a anulação do ato tributário tal como o desenhou a AF
b) A solução propugnada pela AF para a interpretação do art. 89.º-A da LGT sobre as manifestações de fortuna, abriria o caminho à proliferação judicial de decisões surpresa, atribuindo aos tribunais o poder administrativo de cobrança de impostos.
c) Não cabe ao SP, como bem se expressou no acórdão recorrido fazer accionar o regime do art.º 91º da LGT.
d) Assim como não cabe ao SP o ónus de apontar cenários hipotéticos quando não está confrontado com eles.
e) A própria AT validou e justificou que o SP havia auferido de rendimentos por conta de outrem 24.433,33, sendo que ao tributar o SP pelo valor total da compra (450.000), não há outra solução legal que não seja a anulação do ato tributário na totalidade.
f) Mas também o acórdão recorrido e acórdão fundamento são diferentes, porque a AT validou os rendimentos por conta de outrem no valor de 24.433,33, situação diferente se passou no acórdão fundamento.
g) Além disso, e uma vez que a AT não pôs em causa estes rendimentos, e envolvendo eles outras características específicas, como seja a dedução específica referente a esta categoria de rendimentos, as retenções na fonte, a solução judicial foi a correta, sendo que também aqui difere do acórdão fundamento.
h) O acórdão recorrido que confirmou a douta sentença do TAF do porto, aplicou correctamente as normas tributárias e os princípios administrativos e fiscais que regem os atos tributários, assim como o fez o acórdão nº 734/09 extraído do PLENO do STA.
i) O ato tributário que a AT proferiu foi o acto único de tributação de determinada quantificação da matéria colectável.
j) Apesar de estar na posse de determinados documentos que provavam o contrário, a AT decidiu o contrário do que lhe impunha a norma legal de tributação.
k) Estando a AT em erro, como veio a decidir o tribunal sobre esse ato tributário de quantificação, o ato tributário tinha que ser revogado/anulado na sua totalidade e não parcialmente.
l) A sentença e o acórdão não podiam manter parcialmente o ato tributário por isso ser contrário ao princípio da separação de poderes, porque quem tem que dizer e praticar o ato administrativo e fiscal é a entidade administrativa e fiscal.
m) Não cabe ao SP definir o quantum da matéria colectável, mas apenas demonstrar que houve erro e excesso na quantificação, para que o ato não possa subsistir na ordem jurídica e seja de anulação total.
n) A ser revogado parcialmente o ato tributário estariam postos em causa as garantias fundamentais dos SP, pois que, perante o ato tributário de definição do quantum, o SP apenas tem que provar que há erro ou excesso de quantificação, e como se disse, a AT estava na posse de elementos que levavam à prática de outro ato diferente daquele.
o) A verdade é que também não se pode falar aqui de anulação parcial dos atos, segundo o princípio do aproveitamento dos atos, da divisibilidade ou porque apenas existe um ato que não é divisível ou fraccionado, e, cujo ato essencial está ferido de ilegalidade.
p) A anulação parcial do ato era um convite à proliferação de decisões surpresa, que são inadmissíveis legalmente.
r) O ato tributário, tal como foi desenhado, era o de tributar uma percentagem do valor da compra, sendo que, o SP veio demonstrar a interpretação abusiva do preceito legal em causa e que ambas as instâncias judiciais confirmaram.
Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exªs doutamente suprirão
Deverá o acórdão recorrido ser mantido por consentâneo com a interpretação que foi feita, quer pela sentença e pelo acórdão recorrido, quer pelo acórdão extraído do PLENO, do artº 100º do CPPT e do artº 74º e 89º-A da LGT quer dos princípios da justiça, da separação de poderes e das garantias tributárias do SP e da indivisibilidade dos actos administrativos.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu o parecer de fls. 360 a 362 dos autos, no qual defende ser de considerar verificada a oposição de acórdãos quanto à questão de saber se o acto sindicado deve ser total ou só parcialmente anulado e, quanto ao mérito, que se lhe afigura ser de sustentar a posição do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação -
4 – Questões a decidir
Importa averiguar previamente se, no caso dos autos, estão reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, cuja não verificação impede o conhecimento do presente recurso.
Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do seu mérito, sendo a questão que constitui o objecto do presente recurso a de saber se perante a justificação parcial de manifestação de fortuna prevista no artigo 89.º-A da LGT, não considerada na decisão de fixação do da matéria tributável para efeitos de IRS por métodos indirectos, deve tal acto de fixação ser totalmente anulado, como decidido no Acórdão recorrido, ou ao invés, sê-lo apenas parcialmente, na medida da não consideração da justificação parcial, como decidido no acórdão fundamento.

Não obstante o recorrente, nas conclusões das suas alegações de recurso, manifestar discordância com o decidido no acórdão recorrido não apenas no segmento em que alegadamente decidiu em sentido divergente do decidido no acórdão fundamento – anulação total, ao invés de meramente parcial, do acto sindicado – o presente recurso, interposto ao abrigo do artigo 284.º do CPPT, limita-se necessariamente à questão em que alegadamente os acórdãos em confronto estão em oposição, pois que para tal serve o recurso da espécie interposta, aliás o único admissível nesta fase processual.
Não há, pois, que curar de saber se a interpretação adoptada no acórdão recorrido (e também no acórdão fundamento, aliás) quanto ao relevo para efeitos de cálculo do rendimento padrão da justificação parcial da manifestação de fortuna é ou não a mais consentânea com a lei e o direito, tanto mais que tal questão se encontra hoje decidida em sentido afirmativo e unânime na jurisprudência mais recentemente consolidada deste Supremo Tribunal (cfr. o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste STA de 5 de Julho de 2012, rec. n.º 358/12), o que, por si só, levaria a que o presente recurso fosse de julgar findo em relação a tal questão.

5 – Matéria de facto
No acórdão recorrido encontram-se fixados os seguintes factos:
A). Por escritura pública outorgada em 29-02-2008, o recorrente adquiriu, pelo preço de € 400.000, a “A……., Limitada”, uma fracção autónoma, designada pela letra V, correspondente ao quarto andar esquerdo, para habitação do tipo "T-quatro", Bloco Sul, e garagem, na cave, identificada pela letra S, do prédio urbano sito na Avenida ……., nº ……., ……, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 2534, da freguesia de ……., e inscrito na matriz predial urbana de Vila do Conde sob o nº 8316, com valor patrimonial de € 230.320, cfr. teor do doc. de fls. 12 a 16 do Processo Administrativo (P.A.) apenso aos presentes autos, que aqui se da por integralmente reproduzido;
B). No âmbito da compra referida no número anterior o Recorrente celebrou ainda um contrato de mútuo com hipoteca com a Caixa Geral de Depósitos, S.A., no valor de € 300.000, cfr. teor do doc. de fls. 12 a 16 dos autos.
C). Por escritura pública outorgada em 19-12-2008, o recorrente adquiriu, juntamente com B……., pelo preço de € 75.000, a nua propriedade da fracção autónoma designada pela letra A, correspondente a uma cave, destinada a café e restaurante, com logradouro, do prédio urbano, sito no lugar ……., freguesia de ……, concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 598, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o nº 169 - ……, com o valor patrimonial de € 123.179,53, cfr. teor do doc. de fls. 17 a 21 do Processo Administrativo (P.A.) apenso aos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
D). Por escritura pública outorgada em 27-06-2008, o recorrente adquiriu, pelo preço de € 20.000, uma parcela de terreno para construção urbana, sita no lugar de ……, freguesia de ……, concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão, sob o nº 62412, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo P982, cfr. teor do doc. de fls. 22 a 24 do Processo Administrativo (P.A.) apenso aos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
E). A Direcção de Finanças do Porto, enviou, em 23-02-2011, carta registada ao Recorrente, tendo em vista o exercício do direito de audição relativamente à tributação nos termos do artº 89º-A da LGT, que foi devolvida com a indicação "não atendeu" e "objecto não reclamado", cfr. teor do doc. de fls. 8 a 11 do Processo Administrativo (PA), que aqui se dá por integralmente reproduzido.
F). Em 23-05-2011, foi proferido, pelo Director de Finanças do Porto, despacho de fixação da matéria colectável, em sede de IRS, nos termos dos artºs 87º, alínea d) e 89º -A, nº 4, da LGT, fixando o rendimento tributável em € 91.500, para o ano de 2008, tendo por base o relatório da inspecção tributária, do qual consta o seguinte:
1 - ANÁLISE DE FACTO E DE DIREITO

1.1 De acordo com os elementos disponíveis no sistema informático da Direcção Geral dos Impostos (DGCI), nomeadamente a Declaração Notarial modelo 11, verifica-se que no ano de 2008 o contribuinte acima identificado adquiriu pelo valor global de 457.500,00 € os seguintes bens imóveis;

a. Pelo valor de 400.000.00 € a fracção autónoma de um prédio urbano em propriedade horizontal sito na Avenida ……, freguesia de …… do mesmo concelho, inscrito na matriz sob o artigo 8316-V (escritura de compra e venda nº 98-F/11 de 29-02-2006, vendedor: A…… Lda);

b. Pelo valor de 75.000,00 €, em compropriedade com B……. (1/2), a nua propriedade de um prédio urbano em propriedade horizontal sito em ……., Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz sob o artigo 598-A (escritura de compra e venda nº 0132A148. vendedores; C……. e outros, valor atribuído à sua quota parte nesta aquisição (1/2). 37.5000.00 €).

c. Pelo valor de 20.000,00 €, o prédio urbano (terreno para construção) sito em ……. Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz sob o artigo 982, escritura de compra e venda nº 81/96 de 27-06-2008. vendedor; D……. .

Totaliza assim o valor global dos imóveis adquiridos no ano de 2008 pelo contribuinte em apreço eur 457.500,00 € (400.000,00 € + 37.500,00 € + 20.000,00 € ).

1.2 De harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária (LGT), há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no número 4, ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.

1.3 Nos termos do citado normativo legal, ao valor da referida aquisição corresponde o rendimento padrão de 91.500,00 € conforme se demonstra no quadro seguinte:

APURAMENTO DO RENDIMENTO PADRÃO
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
VALOR
PERCENTAGEM
RENDIMENTO PADRÃO
Aquisição imóveis457.500,00 €20%91. 500,00 € -


1.4 Relativamente ao mesmo ano de 2008, o contribuinte apresentou declaração modelo 3 de IRS (Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares) com o rendimento global de 24.433,33 €. Este rendimento global, consideradas as deduções específicas previstas no Código do IRS, originou o rendimento colectável de 20.752,69 € .
1.4 Verificada assim a divergência enunciada no ponto 1.2, Foi elaborado nesta Divisão o projecto de decisão de avaliação indirecta da matéria colectável em IRS do ano de 2008, e notificado o contribuinte através ofício 12 381 de 22-02-2011 nos termos da alínea d) do número 1 e número 5 do Artigo 60º da LGT (Anexo 1)

Cfr teor do doc de fls. 5 a 7 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
G). Por carta registada com aviso de recepção, datada de 23-05-2011 e recepcionada em 30-05-20011, foi o Recorrente notificado do teor do despacho referido em D), cfr. teor do doc. de fls. 3 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
H). A presente acção deu entrada no Tribunal em 13-06-2011, cfr. teor de fls. 1 dos autos.
I). Por documento datado de 07-02-2008, E……. e F……., declararam ter doado a seu filho G……. o montante de € 80.000, cfr. teor do doc, de fls. 29 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
J). O Recorrente emitiu cheque no valor de € 300.000, a favor de "A……., Lda", em 29-2-2008, cfr. teor do doc. de fls. 71 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
L). O Recorrente, em 29-02-2008, efectuou os movimentos bancários constantes do doc. de fls. 73 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
M). Dá-se aqui por reproduzido o teor dos docs. de fls. 139 a 148 dos autos.
N). Em 08-04-2008, E……. emitiu cheque à ordem de H……., no valor de € 32.500, cfr. teor do doc. de fls. 149 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
IV. FACTOS NÃO PROVADOS
Não provou o Recorrente:
- Que tenha mobilizado dinheiro doado pelos seus pais ou outros familiares para a compra dos imóveis supra descritos.
- Que tenha mobilizado poupanças pessoais para a compra dos mesmos imóveis.

6 – Apreciando.
6.1 Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos
Como se disse já, o presente recurso por oposição de acórdãos vem limitado à parte em que o acórdão recorrido, negando provimento ao recurso que fora interposto pelo Director de Finanças do Porto, confirmou a sentença recorrida de anulação total do acto sindicado.
Não obstante o Relator do acórdão recorrido ter proferido despacho em que, por adesão ao parecer do Ministério Público, reconhece a alegada oposição de acórdãos (cfr. fls. 349 dos autos), importa reapreciar se a mesma se verifica, já que tal decisão, como vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada deste Supremo Tribunal (vide, entre outros, o Acórdão de 7 de Maio de 2003, rec. n.º 1149/02), não só não faz caso julgado, como não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar (cfr. art. 685.º-C, n.º 5 do Código de Processo Civil - CPC) – cfr. também neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, volume II, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, p. 814 (nota 15 ao art. 284.º do CPPT).
O presente processo iniciou-se no ano de 2011, pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro.
Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).
A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» (v. Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19 de Junho de 1996 e de 18 de Maio de 2005, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente).
Por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 809 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, proferido no recurso n.º 87156).
Vejamos, então, se tais pressupostos se verificam.
A questão que constitui o objecto do presente recurso é a de saber se uma vez julgado ter havido justificação parcial da manifestação de fortuna, não considerada na decisão de fixação do rendimento colectável do sujeito passivo para efeitos de IRS pelo método indirecto do artigo 89.º-A da LGT, deve o acto de fixação de tais rendimentos ser anulado na sua totalidade ou apenas parcialmente.
A esta questão respondeu o acórdão recorrido no sentido de que a decisão é de confirmar ainda que tenha anulado o acto tributário na totalidade, o que está certo, uma vez que é manifesto o excesso na quantificação, que o fere de ilegalidade, competindo à Administração Fiscal repeti-lo, expurgado do excesso de tributação cometido, verificados que sejam os condicionalismos legais para o fazer não se aceitando que deva ser imputado ao contribuinte o ónus de fazer despoletar o mecanismo estatuído no artigo 91.º da LGT, quando o erro do excesso de quantificação é imputável à Administração Tributária o que reitera-se gera a nulidade do acto (cfr. acórdão recorrido, a fls. 228 dos autos), enquanto o acórdão fundamento se considerou que tendo sido justificada a proveniência de 130.000 euros, o tributo deve incidir apenas sobre a parte não justificada o que determina que a matéria colectável seja fixada apenas em 285.000 euros e o tributo de 57.000 euros, tal como referido pelo MºPº e pela própria Fazenda Pública, decidindo-se, em conformidade, conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional e, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, julga-se parcialmente procedente o recurso do acto de fixação do rendimento colectável na parte justificada.

Estamos, pois, perante respostas divergentes à mesma questão fundamental, no quadro de uma situação de, não sendo idêntica, é similar no que respeita sua subsunção às mesmas normas legais (como se colhe dos respectivos probatórios fixados), e perante um quadro normativo que se mantém inalterado.

Não há, quanto à questão objecto do presente recurso, jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, pois que esta deve transparecer ou do facto de a pronúncia respectiva constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção (consoante prevê o art. 17º, nº 2, do actual ETAF) ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade em todas as formações da Secção (cfr. o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 19 de Setembro de 2012, proferido no recurso n.º 1075/09), razão pela qual deve o recurso prosseguir para apreciação do seu mérito.

6.2 Do mérito do recurso
Importa, agora, decidir se, como decidido no Acórdão recorrido, perante a justificação parcial de manifestação de fortuna prevista no n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT e não considerada na decisão do Director de Finanças que fixou um rendimento tributável para efeitos de IRS por recurso a métodos indirectos igual ao rendimento-padrão previsto naquele artigo, deve o acto sindicado ser anulado totalmente ou apenas parcialmente, na parte não justificada, como decidido no acórdão fundamento.
Diga-se, desde já, que independentemente de saber se a anulação parcial do acto sindicado é ou não a solução que se impõe em casos como o dos autos, a anulação meramente parcial não se consubstancia na prática, pelo tribunal, de qualquer acto tributário, razão pela qual carece de fundamento a invocação neste contexto do princípio da separação de poderes. A anulação parcial do acto tributário, em si mesma, nada tem de inédito ou de estranho, pois que como ainda recentemente reafirmou este Supremo Tribunal (cfr. Acórdão de 12 de Janeiro de 2012, rec. 965/10), «(…) o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial. É esta, aliás, a posição consensual da doutrina e da jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, a qual, para além de apelar a essa divisibilidade (Cfr., entre outros, os acórdãos proferidos em 9/07/1997, no processo n.º 5874; em 22/09/1999, no processo n.º 24101; em 16/05/2001, no processo n.º 25532; em 26/03/2003, no processo n.º 1973/02; em 27/09/2005, no processo n.º 287/05; e em 12/01/2011, no processo n.º 583/10.), apela, também, à natureza de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto, invocando razões ligadas aos princípios processuais da economia processual (para que da sentença ou acórdão do tribunal saia logo uma definição da situação que não careça de qualquer nova pronúncia da administração tributária) e ligadas ao próprio âmbito do contencioso de mera anulação (no qual os limites à plena jurisdição só serão de aceitar em relação àqueles aspectos da acção administrativa em que a plena jurisdição implique para o juiz tributário, enquanto juiz administrativo, a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa) (Cfr. o Prof. Saldanha Sanches, in Fiscalidade, 7/8, Julho-Outubro de 2001, págs. 63 e segs., e o Prof. Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 2ª ed., pág. 397.). Deste modo, se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira.».
O critério jurisprudencial para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa, pois, por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado (como nos casos julgados por Acórdãos deste Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, rec. n.º 533/12, de 12 de Janeiro de 2012, rec. n.º 583/12 ou de 26 de Março de 2003, rec. 1973/02) ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.
No caso dos autos, é indubitável a legalidade do recurso ao método indirecto previsto no n.º 4 do artigo 89.º-A, sendo igualmente indubitável a ilegalidade da quantificação operada, por desconsideração da justificação parcial da manifestação de fortuna, ilegalidade esta que se verifica apenas na medida da não justificação, que não no demais, como, aliás, não deixa de reconhecer a sentença objecto de confirmação pelo Acórdão recorrido, quando afirma que: «(…) como ficou demonstrado, a própria Administração fiscal refere na fundamentação do despacho recorrido, o montante despendido com a aquisição de um dos imóveis foi parcialmente justificado pelo recorrente, e sendo assim, e encontrando-se demonstrado o excesso de quantificação, por não ter sido considerado, no cômputo do rendimento colectável, o valor de €300.000 obtido comprovadamente através de empréstimo bancário, então ter-se-á de concluir pela existência de excesso na quantificação, e consequentemente, pela ilegalidade do despacho que determinou a quantificação da matéria colectável pela aplicação do artigo 89.º-A da LGT, na parte em que não relevou a referida justificação parcial decorrente de empréstimo bancário.» (cfr. sentença recorrida, a fls. 145 dos autos; sublinhado nosso).
Foi este excesso que o recorrido logrou demonstrar, sem necessidade de recurso ao mecanismo previsto no artigo 91.º da LGT - aliás legalmente inaplicável aos casos previstos no n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT (cfr. a parte final do n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT) - e não nenhum outro, sendo a ilegalidade cometida corrigível mediante mera operação aritmética que, em cumprimento do decidido, expurgue do valor da matéria colectável fixada o valor justificado.
Não parece, pois, que a ilegalidade cometida fira de ilegalidade o acto no seu todo, a impor a sua total anulação., antes mais curial se afigura a anulação meramente parcial (na parte em que desconsiderou para efeitos de cálculo do rendimento-padrão a justificação lograda pelo contribuinte) da decisão sindicada.
Em consequência, haverá que, no provimento do recurso, revogar o acórdão recorrido na parte em que negou total provimento ao recurso e confirmou também “in totum” a sentença recorrida, e, ao invés, em conceder parcial provimento ao recurso.

- Decisão -
7 – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido na parte em que julgou totalmente improcedente o recurso, julgando-o ao invés parcialmente procedente e anulando a decisão recorrida apenas na parte em que na quantificação operada desconsiderou o valor parcialmente justificado.

Custas pelo recorrido, em 1.ª instância, na parte em que decaiu, e neste STA, pela totalidade.
Lisboa, 10 de Abril de 2013. – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Lino José Batista Rodrigues Ribeiro – Pedro Manuel Dias Delgado (revendo anterior posição) – Maria Fernanda dos Santos Maçãs – Dulce Manuel da Conceição Neto – Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira – João António Valente Torrão – Joaquim Casimiro Gonçalves – José da Ascensão Nunes Lopes (vencido por manter o entendimento expresso no acórdão recorrido de que fui relator).