Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01396/03
Data do Acordão:12/09/2004
Tribunal:3 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:EDMUNDO MOSCOSO
Descritores:INFRACÇÃO ADMINISTRATIVA.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
JOGOS DE FORTUNA OU AZAR
BINGO
Sumário:I – É da competência dos tribunais administrativos o conhecimento de um recurso contencioso interposto contra despacho de membro do Governo que em recurso hierárquico manteve na ordem jurídica a decisão do Inspector-Geral de Jogos que aplicou a um concessionário do jogo do bingo, uma multa prevista e punida pelos artºs 38º nº 3/h), 39º1/c) e 40º/1/f) do Regulamento da Exploração do Jogo do Bingo, aprovado pelo DL nº 314/95, de 24 de Novembro.
II – Correspondendo essa multa a uma infracção administrativa, nos termos do art. 39º, n.º2, do referido Regulamento, o Inspector-Geral de Jogos tem competência para proceder à sua aplicação.
Nº Convencional:JSTA00061786
Nº do Documento:SA12004120901396
Data de Entrada:08/04/2003
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DO TURISMO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DESP SE DO TURISMO DE 2003/07/18.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - POLICIA ADM.
Área Temática 2:DIR JUD - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional:DL 314/95 DE 1995/11/24 ART38 N3 H ART39 N1 C ART40 N1 F.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1134/03 DE 2004/10/19.; AC STA PROC1135/03 DE 2004/11/03.; AC STA PROC1131/03 DE 2004/06/24
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:
1 – A..., interpõe recurso contencioso de anulação do despacho nº 338/2003/SET de 18.07.2003, do SECRETÁRIO DE ESTADO DO TURISMO que, negando provimento a recurso hierárquico por si interposto, manteve a multa de € 4.000,00 que lhe fora aplicada pelo Inspector-Geral da I.G. de Jogos.
Com fundamento em violação de lei, pretende a anulação da decisão impugnada.
2 - Na sua resposta, a autoridade diz em síntese o seguinte:
Estando em causa uma decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima, o regime aplicável é o dos artº 59º e seguintes do DL 433/82, de 27.10 (ilícito de mera ordenação social).
Nos termos de tal regime, cabe impugnação judicial da decisão em questão, através de recurso a ser julgado pelo tribunal judicial da comarca onde tiver ocorrido a alegada infracção.
Deste modo, acontece que no caso do presente recurso, se verifica erro na forma de processo e incompetência do tribunal.
Quanto ao mérito do recurso, sustenta a entidade recorrida a sua improcedência.
3 – Notificado para responder às suscitadas questões diz o recorrente que o acto administrativo foi praticado ao abrigo do DL 314/95, de 24 de Novembro (alínea f) do nº 1 do artº 40º), sede em que as infracções aqui em causa são qualificadas como administrativas.
4 – O Exmo Magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal emitiu parecer manifestando-se no sentido da improcedência da aludida questão prévia.
5 – Por despacho de 04.02.04, foi o conhecimento da aludida questão relegado para ulterior momento e determinada a notificação dos intervenientes processuais para produzirem alegações finais no tocante ao objecto do recurso.
6 – Em alegações, o recorrente formulou as seguintes CONCLUSÕES:
A - O recorrente não procedeu ao pagamento, no prazo estabelecido no artº 91º, nº3 do Código IRS, aprovado pelo DL 422/A/88, de 30.11, da importância de € 44.268,28, proveniente do IRS, relativo a prémios de jogo de bingo, pagos no mês de Setembro de 2002 na citada sala e retida nos termos do artº 74º do mesmo diploma.
B - A IGJ, em sede de decisão, entendeu que o recorrente, com tal omissão, cometeu uma infracção que consideraram como muito grave, foi o mesmo condenado ao pagamento de uma coima de € 4.000.
C - Não conformado com tal decisão foi interposto recurso hierárquico para o ex. Sr. Secretário do Estado do Turismo que, por despacho 338/SET/03 de 2003/07/18, concordou com os termos e com os fundamentos do parecer junto aos autos, não concedendo provimento aquele recurso.
D - Desta decisão versa o presente recurso contencioso, na medida em que e salvo o devido respeito, entende o recorrente que não era competência da IGF, a aplicação das coimas pelos factos vertentes na nota de culpa.
E - A nota de culpa contém factos em que o recorrente é acusado de não ter exibido os documentos comprovativos do pagamento mensal referente ao mês de Setembro de 2002, do IRS, referente à exploração da sala de jogo.
F - A integração como infracção muito grave prevista na alínea H) do nº 3 do artº 38º, dada pela entidade que aplicou a multa, diz respeito a matéria que agora está directamente atribuída à Direcção Geral de Finanças.
G - Deste modo, ao condenar o arguido violou o disposto no artº 31º do DL 314/95, em harmonia com o disposto no artº 31º, nº 2 do Regulamento de Exploração do Jogo do Bingo (REJB).
H - Ao aplicar sanções, através dos presentes processos, o recorrente está a ser penalizado duas vezes pela prática da mesma infracção.
I - Isto porque as entidades que fiscalizam directamente o cumprimento das obrigações em causa, nomeadamente a Direcção Geral de Finanças, tem, como não poderia deixar de ser, a desencadear os respectivos processos, tendentes à cobrança coerciva, por um lado, e por outra à respectiva penalização do recorrente pelo incumprimento.
J - Conforme se descrimina extensivamente nas presentes alegações com a referência aos respectivos processos.
L - Temos de considerar aqui os princípios básicos que nos levam aos institutos da litispendência e do caso julgado.
M - Assim como tem vindo a IGJ a instaurar um processo administrativo, por cada mês, a que se reporta a nota de responsabilização, sem se contemplar as figuras do crime continuado e a conexão de processos.
N - Todos estes factores devem ser considerados quando se está a aplicar, em média, por estes factos, uma multa de €4.000 por mês, não tendo em consideração na aplicação desta pena o cumprimento da obrigação constante da acusação por parte do arguido, na pendência do processo.
O - E muito principalmente porque o recorrente não é uma empresa com fins lucrativos, mas tão só uma agremiação desportiva com um fim eminentemente social.
P - Factor que deve ser considerado por quem julga, para que o recorrente continue a cumprir com as suas obrigações, para assim poder cumprir com a sua finalidade de proporcionar aos adeptos do desporto a sua prática.
Q - Isto posto não resta alternativa ao recorrente a de apelar, como se disse, para a compreensão de quem de direito, para o ajudarem a fazer face a estes obstáculos, de forma a poder desempenhar na sociedade portuguesa o papel que vem desenvolvendo há muitas décadas.
Termos em que deve proceder o recurso e por via disso ser anulada a decisão recorrida.
7 – A entidade recorrida não apresentou contra-alegações.
8 – O Ex.mo Magistrado do MP emitiu parecer a fls. 61/62 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, onde, aderindo a jurisprudência deste STA que invoca, sustenta a improcedência do recurso.
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Cumpre decidir:
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9 - Com interesse para decisão, resulta dos autos o seguinte:
A - Em 28.10.2002, foi levantado “Auto de Notícia”, onde consta não ter o A... pago “no prazo legalmente estabelecido no artº 98º nº 3 do C.I.R.S.... a quantia do I.R.S. sobre os prémios do jogo do bingo, relativo ao mês de Setembro de 2002, no valor de EUR 44.268,28, retida nos termos do artº 71º nº 2 alínea f) e artº 101º nº 2/a), ambos do C.I.R.S.” com o que teria cometido “infracção administrativa muito grave, nos termos do disposto no artº 40º nº 1/f) e artº 38º nº 3/h) do Regulamento da Exploração de Jogo do Bingo (R.E.J.B.), aprovado pelo DL nº 314/95, de 24/11... punível , nos termos do artº 39º nº 1/c) do citado R.E.J.B. com multa de EUR 2.942,91 a EUR 11.821,51...” – cfr. – doc. de fls. 4 do processo instrutor cujo conteúdo se reproduz.
B – Por “DESPAHO nº 490/02” de 11.11.2002, Subinspector da Inspecção-Geral dos Jogos, determinou a “instauração de processo administrativo” contra ao Recorrente – doc. de fls. 3 do processo instrutor.
C - Em 12.12.02, foi deduzida “NOTA DE RESPONSABILIZAÇÃO” onde em “artigo único” se refere que o recorrente “na qualidade de concessionário da sala de jogo do bingo, sito... “não procedeu no prazo legalmente estabelecido no artº 98º nº 3 do C.I.R.S.... a quantia do I.R.S. sobre os prémios do jogo do bingo, relativa ao mês de Setembro de 2002, no valor de EUR 44.268,28, retida nos termos do artº 71º nº 2 alínea f) e artº 101º nº 2/a), ambos do C.I.R.S.. Com tal compostamente o A... cometeu uma infracção administrativa muito grave, nos termos do disposto no artº 40º nº 1/f) e artº 38º nº 3/h) do Regulamento da Exploração de Jogo do Bingo (R.E.J.B.), aprovado pelo DL nº 314/95, de 24/11... punível, nos termos do artº 39º nº 1/c) do citado R.E.J.B. com multa de EUR 2.942,91 a EUR 11.821,51...” – cfr. doc. de fls. 10/11 do processo instrutor cujo conteúdo se reproduz.
D – Notificado, o recorrente deduziu resposta, nos termos do constante de fls. 14 do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
E - Em 30.12.02 a instrutora do processo elaborou o Relatório que consta de fls. 15/17 do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por reproduzido, onde termina por propor que ao recorrente “seja aplicada a multa de 4.000,00 Euros”.
F - Em 30.01.2003, o Conselho Consultivo de Jogos emitiu o “PARECER nº 06/03” no sentido de ser aplicada ao concessionário ora recorrente a multa de € 4.000 – doc. de fls. 19/22 do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
G - Em 03.02.2003, o Inspector-Geral de Jogos proferiu a seguinte “DECISÃO Nº 07/03”.
“1 – Concordo com o Parecer nº 06/03 do Conselho Consultivo de Jogos, de 30 de Janeiro, que aqui dou por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
2 – (...)
3 – Tudo visto e ponderado, aplico ao concessionário A... a multa no valor de € 4 000 (quatro mil euros).
(...)
5 - Nos termos do nº 1 do art. 39º do REJB, da presente decisão cabe recurso para o Senhor Secretário de Estado do Turismo, a interpor no prazo de 30 dias.
Notifique-se” – doc. de fls. 23, do processo instrutor.
H - Não conformado com a decisão a que se alude em G) o Recorrente dela interpôs recurso hierárquico para o Secretário de Estado e do Turismo, que foi objecto de parecer do consultor jurídico do Ministério da Economia “PARECER nº 135/GJ/03”, datado de 15.0.2003 - doc. de fls. 11/17 dos autos cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido – e no qual se referia, além do mais o seguinte:
“Em processo administrativo instaurado ao A..., foi aplicada a este, através de decisão proferida pelo Senhor Inspector-Geral de Jogos, a multa de Euros 4.000.
Daquela decisão foi interposto o presente recurso hierárquico para Sua Excelência o Secretário de Estado do Turismo.
Tendo sido determinado que este Gabinete Jurídico se pronunciasse, cumpre informar:
1 – Foram os seguintes os factos que levaram à instauração do mencionado processo administrativo:
(....)
2 – Na sua petição de recurso, suscita o recorrente várias questões:
Analisemo-las, por forma a apurar-se se lhe assiste ou não razão.
Assim:
3 – Alega o Recorrente que:
a) A integração dos factos de que vem acusado como infracção muito grave prevista na alínea h) do nº 3 do art. 38º do Decreto-Lei nº 314/95, de 24 de Novembro, dada pela entidade que aplicou a multa, diz respeito a matéria que agora está atribuída à Direcção-Geral de Finanças e, consequentemente, o Recorrente está a ser penalizado duas vezes pela prática da mesma infracção uma vez que aquelas entidades instauraram os respectivos processos, tendentes à cobrança coerciva e à penalização do recorrente pelo incumprimento.
b) A situação controvertida integra as excepções de litispendência e caso julgado.
4 – Resulta dos autos de processo administrativo que se verificam os factos mencionados no nº 1 desta informação.
5 – Ora, de harmonia com o disposto no art. 40º, nº 1, alínea f) do Regulamento da Exploração do Jogo do Bingo (REJB), aprovado pelo Decreto-Lei nº 314/95, de 24 de Novembro, constitui comportamento susceptível de determinar a rescisão do contrato de concessão a constituição em mora do concessionário, por dívidas ao Estado relativas a contribuições ou impostos ou à segurança social.
Não está em causa no processo administrativo onde foi proferida a decisão recorrida, apurar quais as dívidas certas do concessionário ao Estado e à Segurança Social. Mas sim a circunstância que deu azo a tal processo, de o recorrente não ter feito prova – como lhe competia – perante a inspecção-Geral de Jogos do pagamento de dívidas ao Estado e à Segurança Social.
Por outro lado, os montantes das dívidas são irrelevantes para se determinar a existência da infracção prevista na alínea f) do nº 1 do art. 40º do REJB; o que é essencial e determinante é que existam dívidas. E no caso em apreço elas existem.
Tão-pouco colhe o argumento usado pelo recorrente de que está a ser punido duas vezes pela prática do mesmo acto.
A verdade é que se trata de processos diferentes.
Num deles visa-se a cobrança coerciva dos valores em dívida; esse processo não é, obviamente, da competência da Inspecção-Geral de Jogos.
Outro é o processo que visa a aplicação da sanção prevista num diploma especifico – REJB – para o qual é competente a Inspecção-Geral de Jogos.
E é também por este motivo o que não se pode falar no caso em apreço em “caso julgado” ou em “litispendência”, pois estamos realmente perante processos distintos e, por outro lado, não se verifica que os factos objecto da decisão recorrida estejam a ser alvo de qualquer outro procedimento administrativo contra o ora recorrente a correr termos pela IGJ.
6 – Mais alega o recorrente que, repetindo-se a mora todos os meses, isso determinará a existência de uma infracção sob a forma continuada e não de várias infracções – uma por cada omissão de pagamento, como tem vindo a considerar a Inspecção-Geral de Jogos.
Todavia, também, aqui carece o recorrente de razão.
A verdade é que as infracções não foram cometidas com a mesma acção ou omissão nem na mesma ocasião, não sendo umas causa das outras. Estamos, pois, perante várias infracções justificativas da instauração de vários processos.
É, aliás, neste sentido que se tem vindo a orientar a Jurisprudência dominante (cfr. Conselheiro Alfredo José de Sousa, in Infracções Fiscais não Aduaneiras, 2ª Edição, pág. 106).
7 – Nos termos do disposto no art. 38º, nº 3, alínea h) do REJB, são consideradas infracções muito graves as previstas no nº 1 do artigo 40º do mesmo diploma, quando não se justifique a rescisão do contrato.
A decisão ora recorrida enquadrou a infracção em apreço no regime mais favorável ao recorrente, contido no art. 38º nº 3, alínea h), seria, contudo, indubitavelmente mais gravoso para o recorrente se lhe tivesse sido aplicado o art. 40º, pois isso determinaria a cessação do contrato de concessão.
8 – Até por tal motivo, somos de parecer que não deve ser dado provimento ao presente recurso hierárquico, mantendo-se a decisão recorrida.”.
I - Na sequência do Parecer a que se alude em H), o Secretario de Estado do Turismo proferiu, em 18.07.2003, o “DESPACHO nº 338/2003/SET”, com o seguinte teor:
“1. Concordo com as conclusões da presente informação e com os respectivos fundamentos.
2. Consequentemente, nego provimento ao recurso interposto pelo A...
3. (...) - doc. de fls. 10 dos autos.
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10 – O DIREITO:
10.1 - Na sua resposta e como questão prévia, impeditiva do conhecimento do objecto do recurso, suscita o recorrente a “incompetência do tribunal” já que, estando em causa uma decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima, o regime aplicável é o dos artº 59º e seguintes do DL 433/82, de 27.10 (ilícito de mera ordenação social), cabendo por isso impugnação judicial da decisão em questão, através de recurso a ser julgado pelo tribunal judicial da comarca onde tiver ocorrido a alegada infracção e daí que se verifique igualmente “erro na forma de processo”.
Por se tratar de uma questão de ordem pública, cujo conhecimento precede o de qualquer outra matéria (artº 3º da LPTA), importa começar por averiguar a questão da competência.
Diga-se desde já que questões idênticas às que vêm colocadas no presente recurso contencioso foram todas elas objecto de apreciação em anteriores decisões deste STA relativas a situações idênticas e em que as partes processuais são as mesmas – cfr. nomeadamente os acórdãos de 24.06.2004, recursos 860/03, 1131/03 e 1.445/04; de 29.06.2004, rec. 1.161/03; de 01.07.2004, rec. 1.157/03; de 07.10.2004, rec. 1.446/03; de 27.10.04, rec. 1.395/03 e de 19.10.2004, rec. 1.134/03.
Em todos estes arestos se decidiu pela improcedência das questões prévias aqui igualmente suscitadas bem como pela improcedência da censura dirigida aos actos contenciosamente impugnados.
Concordamos inteiramente com o decidido nos citados arestos, já que não vislumbramos razões ou argumentos para discordar da orientação que nessa jurisprudência, tem vindo a ser seguida.
10.1.a) - A propósito da “incompetência material deste tribunal”, escreveu-se no ac. de 19.10.2004, recurso 1.134/03, o seguinte:
“(...) o Regulamento da Exploração do Jogo do Bingo (REJB), aprovado pelo DL 314/95, de 24-11, no seu Capítulo VII, distingue e autonomiza expressamente as infracções administrativas, previstas na sua Secção II, - sujeitas ao regime dos artigos 38º e 40º -, das contra-ordenações, matéria a que se reportam os artigos 41º a 45º.
Como se decidiu no recentíssimo acórdão desta Subsecção... o DL 433/82, de 27.10, com as alterações introduzidas pelo DL 244/95, de 14.09, instituiu o ilícito de mera ordenação social e o respectivo processo.
E, nos termos do seu artº1º, aquele diploma qualifica como contra-ordenação, «todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comina uma coima».
Ora, nem a decisão contenciosamente recorrida aplicou uma coima, nem estamos perante uma infracção qualificada na lei como contra-ordenação. Com efeito, ao recorrente, concessionário de uma sala de jogo de bingo, foi aplicada pela IGF e confirmada pela autoridade recorrida, uma multa, por infracção prevista e punida nos termos dos artº38º, nº3, h), 39º, nº1, c) e 40º, nº1, f), todos do Regulamento de Exploração do Jogo do Bingo (REJB), aprovado pelo DL 314/95, de 24.11, que expressamente qualifica tal infracção como infracção administrativa e a pune com multa.
Como se verifica do Capítulo VII do REJB, sob a epígrafe “Das Infracções e sua sanção”, o mesmo está dividido em três Secções – Secção I – “Da Responsabilidade” (artº37º), Secção II - “Das Infracções Administrativas” (artº 38º a 40º) e Secção III - “Das contra-ordenações” (artº41º a 45º).
Ora, a infracção imputada ao recorrente e pela qual foi sancionado está prevista na referida secção II - “Das infracções Administrativas”.
Segundo o nº 1 do artº 37º, «O incumprimento, pelos concessionários, ainda que sem culpa, das obrigações legal e contratualmente estabelecidas constitui infracção administrativa, punida com multa e rescisão do contrato, nos termos dos artº38º a 40º.»
Segundo a alínea h) do nº3 do artº 38º, são consideradas muito graves «As infracções previstas no nº 1 do artº 40º, quando a gravidade das mesmas não justifique a rescisão do contrato.».
Nos termos do artº39º, nº1, c), serão sancionadas «As infracções muito graves com multa de 500.000$00 a 2.000.000$00.»
Finalmente, nos termos do nº 1 do artº40º, «Constituem comportamentos susceptíveis de determinar a rescisão dos contratos de concessão:
(…)
f) A constituição em mora do concessionário, por dívidas ao Estado relativas a constituições ou impostos ou à segurança social».
Tratando-se, pois, de infracção de natureza meramente administrativa, sancionada com a rescisão do contrato artº40º , nº1, f)), e quando esta se não justifique, com multa (artº39º, nº3, h)), está a mesma excluída do regime estabelecido no citado DL 433/82, maxime no que respeita à competência do tribunal da comarca para conhecer do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplicou a sanção aqui em causa (artº 61º do referido diploma).
Sendo competentes, para o efeito, os tribunais administrativos, atento o disposto no artº 213, nº3 da CRP e artº 3º do ETAF. (Neste sentido, o acórdão desta Subsecção do STA, de 14.03.90, rec. 43.556, embora no âmbito de infracções administrativas previstas noutra legislação.).
Assim, improcede a invocada incompetência material deste Tribunal.
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10.1.b) – Face ao anteriormente referido, torna-se evidente ter de improceder o invocado erro na forma do processo:
No tocante a tal questão escreveu-se no Ac. de 03.11.04, rec. 1.135 o seguinte:
“No tocante ao invocado erro na forma do processo dir-se-á, apenas e isso basta, que a procedência desta questão pressupunha que se tivesse julgado este Tribunal materialmente incompetente para conhecer da bondade do despacho recorrido, na medida em que só ocorreria aquele erro se, de facto, a infracção cometida pelo Recorrente pudesse ser qualificada como contra-ordenação, submetida ao regime do DL 433/82 e, consequentemente, que à sua sindicância coubesse impugnação judicial a dirigir ao Tribunal de comarca.
Só que, como se acabou de ver, tal não acontece.
Deste modo, e sendo o pedido formulado na petição inicial o de anulação do despacho do Sr. Secretário de Estado do Turismo - que negou provimento ao recurso hierárquico interposto da decisão que aplicou uma sanção administrativa ao recorrente e aferindo-se a idoneidade do meio processual usado pelo pedido formulado, o recurso contencioso de anulação mostra-se o meio adequado para reagir contra tal decisão (cf. art. º 24º da LPTA.”
Improcedem, assim, as questões prévias suscitadas pela entidade recorrida, nada obstando, por isso, ao conhecimento do mérito do recurso contencioso.
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10.2 – Importa seguidamente entrar na apreciação do objecto do recurso.
Vem impugnado nos presentes autos o “despacho nº 338/2003/SET” de 18.07.2003, do Secretário de Estado do Turismo que, negando provimento a recurso hierárquico interposto pelo recorrente, manteve a multa de € 4.000,00 que lhe fora aplicada pelo Inspector-Geral da I. G. de Jogos, por ter entendido que o recorrente cometera infracção muito grave, prevista na alínea h), do nº 3, do artigo 38º do REJB, infracção essa punida nos termos da alínea c), do nº 1, do artigo 39º do REJB.
O recorrente, como resulta das conclusões que formulou, sustenta em síntese que a multa que lhe foi aplicada pelo despacho recorrido diz respeito a matéria que agora está atribuída à Direcção Geral de Finanças e, ao ter sido aplicada pelo Inspector-Geral de Jogos, violou-se o disposto no artigo 31º do DL 314/95, em harmonia com o disposto no artigo 31º, nº 2 do Regulamento de Exploração do Jogo do Bingo (REJB)”.
Sustenta ainda que acabou por ser penalizado duas vezes pela prática da mesma infracção, por a Direcção Geral de Finanças, ter desencadeado os respectivos processos, tendentes à cobrança coerciva, por um lado, e por outra à respectiva penalização do recorrente por incumprimento da obrigação, o que atenta contra os institutos da litispendência e do caso julgado.
Considera ainda o recorrente que o acto impugnado não atendeu à circunstância de a sua actuação se enquadrar na figura do crime continuado, já que têm vindo a ser instaurados um processo administrativo, por cada mês.
Por fim, segundo o recorrente, o acto impugnado não teria tido em consideração, na aplicação da pena, o cumprimento da obrigação constante da acusação por parte do arguido, na pendência deste processo.
Com fundamento nos citados arestos deste S.T.A., que decidiram casos em tudo idênticos ao presente, entende-se que não assiste razão ao recorrente, não enfermando o acto impugnado de nenhum dos vícios que lhe vêm imputados.
A propósito, escreveu-se no Ac. deste Supremo Tribunal de 24.06.04, rec. nº 1131/03, o seguinte:
“(...).
3.2.1 Contudo, o Recorrente sustenta que tal multa “diz respeito a matéria que agora está directamente atribuída à Direcção Geral de Finanças”, com o que, ao ter sido aplicada pelo Inspector-Geral de Jogos, se violou o disposto “no artigo 31º do DL 314/95, em harmonia com o disposto no artigo 31º, nº 2 do Regulamento de Exploração do Jogo do Bingo (REJB)”.
Não lhe assiste razão.
Com efeito, a competência do Inspector-Geral de Jogos decorre, claramente, do nº 2, do artigo 39º do REJB, onde se refere, expressamente, que as multas referidas no número anterior (nela se incluindo as previstas para as infracções muito graves) serão aplicadas pela aludida Autoridade.
Trata-se, aqui, de competência que decorre das funções inspectiva e de fiscalização atribuídas à Inspecção-Geral de Jogos em matéria de cumprimento das obrigações assumidas pelos concessionários das salas de jogo do bingo, tudo isto, obviamente, sem prejuízo das competências próprias da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, designadamente no respeitante à cobrança coerciva dos valores em divida ao Estado e à Segurança Social.
Ou seja, a actuação da IGJ situa-se, apenas, ao nível do sancionamento de uma infracção administrativa imputada ao Recorrente, neste enquadramento improcedendo a arguida violação do artigo “31º do DL 314/95, em harmonia com o disposto no artigo 31º nº 2 do Regulamento de Exploração do Jogo do Bingo (REJB)”.
3.2.2 Considera, ainda, o Recorrente que acabou ser “penalizado duas vezes pela prática da mesma infracção”, já que a “Direcção Geral de Finanças, tem (…), a desencadear os respectivos processos, tendentes à cobrança coerciva, por um lado, e por outra à respectiva penalização do recorrente pelo incumprimento”, como, de resto se evidencia pela referência por si feita “aos respectivos processos, com o que se atenta contra “os princípios básicos que nos levam aos institutos da litispendência e do caso julgado”.
Só que, mais uma vez não assiste razão ao Recorrente.
De facto, como, aliás, já decorre do exposto em 3.2.1, o acto objecto de impugnação contenciosa estatuiu, apenas, no âmbito do recurso hierárquico interposto pelo Recorrente do despacho do Inspector-Geral de Jogos, que lhe aplicou a multa de € 4.000, por se ter entendido que o mesmo tinha incorrido em infracção administrativa muito grave, resultante de o concessionário se ter constituído em mora, por dívidas ao Estado relativas ao pagamento mensal, e referente ao mês de Abril de 2002, das dívidas ao Estado e à Segurança Social, não tendo o Recorrente procedido à entrega na IGJ, nas condições e no prazo estabelecido pelo despacho, de 13-8-98, do Sub-Inspector de Jogos dos documentos relativos a tal pagamento.
Vê-se, assim, que a situação em análise se consubstancia, apenas na punição de uma infracção de natureza administrava, nos termos dos artigos 38º, nº 3, alínea h) e 39º, nº 1, alínea c), todos do REJB, não estando, por isso, em questão o sancionamento de uma qualquer infracção de natureza tributária, destarte se não verificando a invocada “dupla penalização”, com o que - para além do mais que a este propósito se poderia hipoteticamente aduzir, designadamente, quanto à pertinência e propriedade na sua invocação, reportada ao procedimento administrativo, de institutos típicos do processo - cai pela base a arguição de violação do caso julgado e da litispendência, já que o Recorrente não demonstrou que na IGJ tivesse sido decidido ou estivesse pendente um processo que almejasse à aplicação de uma sanção pela mesma infracção administrativa que motivou a abertura do processo que veio a culminar com a prática do acto recorrido, ao que acresce o facto de os outros processos levantados ao Recorrente por Entidades que não a IGJ se reportarem a realidades distintas, basicamente, por se mostrarem ligados à cobrança coerciva das dívidas, matéria que, como já se viu, não constituiu objecto do processo onde se insere o acto recorrido, com o que improcede a arguição do Recorrente.
3.2.3 Para o Recorrente, o acto impugnado não teria atendido à circunstância de a sua actuação se enquadrar na figura do crime continuado, sem esquecer que têm vindo a ser instaurado um processo administrativo, por cada mês, impondo-se, por isso, dar o devido relevo à conexão de processos.
Acontece porém, que, no caso dos autos, se não pode chamar à colação a figura do “crime continuado”, na medida em que estamos em face de resoluções autónomas e independentes, não se indiciando um qualquer tipo de circunstancialismo externo susceptível de facilitar várias condutas ilícitas do Recorrente, não tendo as infracções sido cometidas com a mesma acção ou omissão nem na mesma ocasião, não se apresentando, por outro lado, umas como causa de outras, assim improcedendo a arguição do Recorrente.
3.2.4 Na óptica do Recorrente, o acto impugnado teria desconsiderado o facto de, na pendência do processo, já ter cumprido as obrigações constantes da acusação.
Também quanto a esta questão se não pode subscrever a tese sustentada pelo Recorrente.
(...)
3.2.5 Finalmente, nas demais conclusões da sua alegação faz o Recorrente apelo à sua natureza como agremiação desportiva, sem fins lucrativos.
Porém, tal alegação não constitui qualquer fonte de invalidade susceptível de levar à anulação do acto recorrido, não tendo o Recorrente logrado demonstrar, designadamente, a existência de erro manifesto ou grosseiro na graduação da multa, tanto mais que, sendo variáveis os montantes previstos para a multa na alínea c), do nº 1, do artigo 39º do REJB, o montante fixado (€ 4.000) se situa mais próximo do montante mínimo e, ainda assim, abaixo do montante médio”.”
No seguimento do referido no ponto 3.2.4 do aresto que temos vindo a acompanhar, cuja situação relativamente à verificada nos presentes autos diverge ligeiramente, é certo que o acto contenciosamente impugnado ao aplicar ao recorrente a multa de € 4.000 não teve em consideração o facto invocado pelo recorrente de, na pendência do processo, já ter cumprido as obrigações constantes da acusação, sem que isso seja susceptível de inquinar de ilegalidade o acto recorrido.
É que dos autos não resulta demonstrado tal facto, referindo apenas o recorrente na resposta que apresentou à acusação que lhe foi deduzida que “é intenção do arguido proceder ao depósito do montante em dívida, ainda na pendência do presente processo”, não estando no entanto demonstrado tal facto – pagamento da obrigação. E, sendo assim, torna-se inútil tecer qualquer consideração sobre tal facto ou sobre a sua eventual relevância no que respeita à medida da pena.
No entanto sempre se dirá que, quanto ao montante da multa, fixado em € 4000, tratando-se de uma infracção considerada muito grave, não se pode considerar desproporcionado ou injusta já que está ligeiramente acima do mínimo legal, como se considerou no ponto 3.2.5 do transcrito aresto.
Termos em que, aderido ao decidido na citada jurisprudência do STA, nomeadamente à jurisprudência contida no aresto que temos vindo a acompanhar, temos de concluir pela improcedência das conclusões do recorrente, com a consequente improcedência do recurso.
+
11 – DECISÃO:
Termos em que ACORDAM:
a) - Negar provimento ao presente recurso contencioso.
b) - Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça e procuradoria respectivamente em: 400,00 e 200,00 Euros.
Lisboa, 9 de Dezembro de 2004. – Edmundo Moscoso (relator) – Angelina Domingues – J Simões de Oliveira.