Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01366/18.1BEPRT
Data do Acordão:10/27/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
REABILITAÇÃO
ENGLOBAMENTO
Sumário:I - A lei tributa a mais-valia resultante da venda de prédio que tenha sido objecto de reabilitação urbana de modo autónomo e à taxa especial de 5%, nos termos do disposto no n.º 5 do art. 71.º do EBF, sem prejuízo do sujeito passivo optar pelo seu englobamento, caso em que a tributação da mais-valia será feita, em conjunto com os demais rendimentos, à taxa geral aplicável e por apenas 50% do seu valor, nos termos do disposto nos arts. 43.º, n.º 2, e 68.º, do CIRS.

II - Quando, por falta de opção pelo englobamento, a tributação seja efectuada ao abrigo do disposto no art. 71.º, n.º 5, do EBF, a taxa de 5% deve ser aplicada sobre a totalidade da mais-valia, inexistindo fundamento legal para que se considere apenas metade do seu valor.
Nº Convencional:JSTA00071285
Nº do Documento:SA22021102701366/18
Data de Entrada:10/30/2020
Recorrente:A………………..
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TAF DO PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:IRS
Legislação Nacional:Art. 71.º, n.º 5, do EBF e Art. 43.º, n.º 2, do CIRS
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1366/18.1BEPRT
Recorrente: A………………..
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado sujeito passivo recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a impugnação judicial por ele deduzida na sequência da formação do indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou contra a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), que lhe foi efectuada com referência ao ano de 2016 e aos ganhos resultantes da venda, após recuperação, de um prédio situado na Área de Reabilitação Urbana (ARU) do denominado Centro Histórico do Porto, conforme aviso n.º 9562/2012, publicado no Diário da República n.º 134, série II de 12/07/2012 ( Disponível em https://dre.pt/home/-/dre/1571975/details/maximized.).

1.2 Com o requerimento de interposição de recurso, o Recorrente apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor:

«I. O presente recurso vem interposto da douta sentença de 09.03.2020 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a Impugnação Judicial intentada pelo Recorrente ao abrigo do disposto no artigo 99.º, alínea c) do CPPT, com vista à anulação do indeferimento tácito relativo ao recurso hierárquico interposto no seguimento do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS n.º 15004664895, no valor total de € 28.257,02, referente a 2016;

II. O ora Recorrente veio peticionar a anulação, com o consequente pedido de reembolso do valor pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios e juros de mora;

III. Demonstrou o Recorrente que o douto Tribunal recorrido, não só fez uma errada aplicação da lei aos factos, como fez uma errónea interpretação dos artigos 71.º, n.º 5 do EBF e do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS.

IV. Pelo que a douta sentença proferida nunca poderá proceder, por partir do entendimento erróneo no sentido de a tributação de 5% incidir sobre a totalidade da mais-valia imobiliária auferida na sequência da alienação de um imóvel situado em ARU, reabilitado nos termos da legislação em vigor à data;

V. Efectivamente, o Recorrente não se conforma com a sentença em causa, porquanto entende que a mesma procedeu a uma inadequada subsunção dos factos ao direito aplicável, nomeadamente no que respeita à interpretação das normas citadas, na redacção em vigor à data dos factos;

VI. Considera o Recorrente ser inequívoco que a taxa de 5% prevista no artigo 71.º, n.º 5 do EBF deve incidir, isso sim, sobre a mais-valia considerada em 50% do seu valor, como previsto no artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, incluído no Capítulo II do Código, referente à determinação do rendimento colectável, enquanto resultante do englobamento dos rendimentos de várias categorias;

VII. Contudo, a sentença veio pugnar pela improcedência do pedido, em adesão à posição da AT, considerando que o ganho previsto no artigo 71.º, n.º 5, do EBF, deve ser objecto de aplicação da taxa de 5% à totalidade do valor concreto da mais-valia apurada;

VIII. Sucede que, salvo o devido respeito, não se pode concordar com tal conclusão, porquanto não resulta, quer da letra do artigo 71.º, n.º 5, do EBF, quer da estrutura do próprio EBF e/ou do Código do IRS, qualquer referência ao modo de apuramento (autónomo) à mais-valia em apreço, limitando-se aquela norma a determinar a possibilidade de aplicação de uma taxa de 5% à mais-valia apurada de acordo com o procedimento de determinação da matéria colectável previsto no Código do IRS;

IX. No mesmo sentido, tão-pouco poderá prevalecer que “...Se a ideia do legislador fosse a propugnada pelo Impugnante então o legislador não teria usado a expressão “taxa autónoma de 5%”, bastaria usar “taxa de 5%”...”, cf. fls. 13 da douta sentença;

X. Efectivamente, ao contrário do que pugna a sentença recorrida, a utilização da expressão “autónoma” não impede a aplicação da mesma a determinado saldo positivo e englobado por opção do titular, desde logo como resulta do artigo 72.º do Código do IRS, que contém, por aplicação conjunta da alínea c) do n.º 1 e do actual n.º 12 (n.º 8, à data dos factos), a possibilidade expressa de aplicação de taxa autónoma de 28% ao saldo de 50% das mais-valias previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS;

XI. O Recorrente demonstrou ainda que a jurisprudência do TJUE já se pronunciou no sentido de que a tributação autónoma não é impeditiva da aplicação da redução do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS;

XII. Porquanto, no processo C-443/06, de 11.10.2007, designado por “caso Hollmann”, o TJUE pugnou no sentido de que o facto de a mais-valia auferida por um não residente ser sujeita a uma taxa de tributação autónoma (tal como a mais-valia auferida nos termos do n.º 5 do artigo 71.º do EBF) não é impeditiva da aplicação da redução, em 50%, previsto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS;

XIII. Pelo que a utilização da expressão “autónoma” reforça a ideia de que se pretendeu estabelecer uma taxa distinta da aplicável, por defeito, em caso de englobamento, pois, como se viu, o legislador recorreu, noutros casos, à utilização da expressão “taxa autónoma” em sede de IRS, sem que tal impedisse a aplicação da mesma ao saldo positivo e englobado por opção do titular;

XIV. In casu, resulta inequívoco que o saldo das mais-valias sobre o qual vai incidir a citada taxa “autónoma” prevista no artigo 71.º n.º 5, do EBF, pode ser aplicado, para efeitos de determinação do rendimento colectável, ao rendimento englobado, desde que tal tenha sido opção do seu titular;

XV. Sendo que, nesse caso, tal taxa será aplicada ao saldo das mais e menos-valias apurado em 50% do seu valor, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS;

XVI. Efectivamente, o artigo 71.º do EBF é omisso quanto ao modo de apuramento da mais-valia, limitando-se a determinar a possibilidade aplicação de uma taxa “autónoma” de 5% à mais-valia apurada e sempre se ressalvando o prévio apuramento nos termos das normas concretas aplicáveis no Código do IRS;

XVII. Sem prejuízo, a AT – e, posteriormente, o Tribunal a quo – ignorou que o EBF, sendo um Código autónomo, em nada pode contender com a determinação da matéria colectável, mas apenas pode ser chamado à colação no momento final de aplicação da taxa;

XVIII. Essa é, ao contrário do que a sentença tenta fazer crer, a única interpretação que poderá recair sobre tal norma, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, LGT e em cumprimento da substância económica dos factos tributários, nomeadamente considerando todo o incentivo fiscal à recuperação do património imobiliário deteriorado que foi sendo desenvolvido, de forma unânime, por todos os Governos portugueses desde 2008;

XIX. A promoção da reabilitação urbana, consagrada no artigo 65.º da CRP tem sido umas das prioridades dos últimos Governos, em cumprimento do dever constitucional de incentivo à promoção e execução de uma política de habitação, pelo que é à luz de tal enquadramento histórico e político que deverá ser lido o artigo 71.º do EBF, aprovado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro;

XX. De onde se inclui que a norma consagrada no artigo 71.º, n.º 5, do EBF tem claramente subjacente uma intenção do legislador em conferir um benefício fiscal (excepcional, temporário e para tutela de interesses extrafiscais, cf. previsto no artigo 2.º do EBF) materializado na aplicação de uma taxa mais vantajosa de 5%, ao invés da taxa geral e progressiva que é aplicada, por defeito, às mais-valias imobiliárias, de acordo com as regras gerais previstas no Código do IRS;

XXI. O n.º 5 do artigo 71.º do EBF afigura-se uma norma de determinação da taxa aplicável, pois prevê apenas a taxa – neste caso, a taxa “autónoma” de 5% - que irá ser aplicada ao montante final de imposto a pagar, sendo este imposto calculado nos termos do Código do IRS, e somente após determinação da matéria colectável;

XXII. Tal conclusão afigura-se a única concludente à segurança jurídica dos contribuintes, considerando o Recorrente que não poderá proceder o entendimento vertido na sentença de acordo com a qual a taxa de 5% se aplica ao resultado da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, conforme previsto no artigo 10.º, n.º 4, alínea a) do Código do IRS;

XXIII. Pois tal entendimento ignora totalmente a concreta matéria colectável determinada nos termos do artigo 43.º, o qual define (previamente) o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias, após delimitação da incidência, incluída na Secção VI do Código do IRS, sendo quanto ao resultado de tal quantificação que irá incidir a taxa de 5%;

XXIV. Por fim, note-se que, quanto à violação dos princípios constitucionais da legalidade e tipicidade tributários, previstos no art. 103.º, n.º 2, al) i) do n.º 1 do art. 165.º e 266.º, n.º 2, da CRP, que, ao contrário do pugnado na sentença, tais princípios se encontram em clara violação se se impuser a aplicação dos 5% somente à totalidade da matéria colectável, impedindo-se a aplicação de tal taxa ao resultado do englobamento (logo, 50%) do saldo apurado;

XXV. Efectivamente, o artigo 103.º, n.º 2, da CRP, impõe que os impostos são criados por lei, que determina a incidência, as taxas, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, sendo que o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, estatui que é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre matérias de criação de impostos e sistema fiscal;

XXVI. Por outro lado, decorre do artigo 266.º, n.º 2, que os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé;

XXVII. Contudo, neste caso, apesar de terem sido criados o artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, e o artigo 71.º, n.º 5 do EBF, e apesar de resultar explícito – da leitura conjugada de ambas as normas –, que a taxa de 5% poderá incidir sobre o saldo apurado entre as mais e as menos-valias, considerado em 50%, se o sujeito passivo optar pelo englobamento, a AT ignorou tais normas legislativas e o tratamento jurídico-fiscal daí resultante e, contra o expectável, veio emitir liquidações adicionais de IRS quanto aos 50% remanescentes;

XXVIII. Para tal, justificou que a taxa autónoma de 5% deve ser alheia à matéria colectável e, sem mais, deve incidir sobre a totalidade da mais-valia apurada, em total desconsideração pelo disposto na norma concreta de determinação da matéria colectável – o artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS;

XXIX. Contudo, ficou demonstrado nos autos que tal opção de conjugar o englobamento e a aplicação de uma taxa autónoma não só não é inédita (estando prevista, nomeadamente, no artigo 72.º, n.º 1, alínea c) e n.º 12, ambos do Código do IRS), mas também é a única conclusão que se pode retirar do incentivo à reabilitação urbana que tem sido prioridade assumidas dos últimos Governos desde 2008;

XXX. Pelo que não se poderá manter na ordem jurídica a liquidação sub judice, devendo ser anulada em conformidade, por infringir os princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade previstos no n.º 2 do artigo 103.º, na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e ainda do n.º 2 do artigo 266.º, todos da CRP.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!».

1.3 Admitido o recurso, a AT não apresentou contra-alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Isto, após resumir os fundamentos da sentença recorrida, as alegações e as contra-alegações do recurso, bem como ter enunciado as questões a apreciar e decidir, como sendo as de saber i) «se a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento, ao confirmar o entendimento, adoptado pela Administração Tributária, no sentido de que nos casos de alienação de imóveis sujeitos a reabilitação urbana, ao abrigo do disposto no n.º 23 do artigo 71.º do EBF, a taxa reduzida de 5% prevista n.º 7 do mesmo preceito se aplica à totalidade do valor da mais-valia apurada, por a redução a 50% desse valor prevista no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS se aplicar apenas aos casos em que o sujeito passivo opta pelo englobamento dos rendimentos» e ii) «se a interpretação adoptada na sentença recorrida viola os princípios constitucionais da legalidade e tipicidades tributários, previstos nos artigos 103.º, n.º 2, alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e 266.º, n.º 2, da Constituição da República», com a seguinte fundamentação: «[…]

Quanto ao erro de julgamento

O n.º 5 do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais consagra um incentivo fiscal à reabilitação de prédios urbanos inseridos em zonas previamente demarcadas, consistente na fixação de uma taxa autónoma de 5% sobre as mais-valias apuradas na primeira alienação do imóvel subsequente à intervenção no prédio.
Estamos, assim, perante uma taxa especial em sede de IRS que tem a sua aplicação específica na tributação das mais-valias imobiliárias, cuja aplicação segue o regime de outras taxas especiais previsto no artigo 72.º do CIRS (como é o caso da prevista na alínea a) do n.º 1 deste preceito legal).
Contudo e como é previsto no segmento final da norma do EBF, o sujeito passivo pode optar pela aplicação do regime geral de englobamento previsto no Capítulo II do CIRS. Dispõe o n.º 1 do artigo 22.º do CIRS que «o rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes».
Assim, na secção IV desse capítulo prevê o n.º 1 e n.º 2 do artigo 43.º que «o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano,», sendo que o saldo das mais-valias imobiliárias previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º é «…apenas considerado em 50% do seu valor».
Segundo o Prof. Rui Duarte Morais 1 [1 “Sobre o IRS”, Almedina, pág. 140.], esta redução a metade do valor «pode ser entendido como uma resposta aos efeitos de concentração e imobilização», que o mesmo autor faz corresponder ao efeito da progressividade do imposto (no ano da alienação a taxa tende a ser muito mais elevada, o que não ocorreria com essa grandeza se as mais-valias fossem tributadas ao longo do período da sua formação) e à inibição que provoca nos titulares dos prédios por verem frustradas, parcialmente, as suas expectativas de ganho 2 [2 Ob. cit., pág. 138.].
Decorre da sua inserção sistemática que a determinação dos rendimentos prevista no artigo 43.º se insere no regime geral do englobamento dos rendimentos, pelo que a redução a metade (50%) se aplica ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano.
Ora, o n.º 5 do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, embora dando a opção ao contribuinte pela aplicação do regime geral do englobamento, prevê um regime especial cuja taxa se aplica ao valor total das mais-valias apuradas na venda do imóvel sujeito a reabilitação.
Com efeito, embora ressalvando essa opção, neste caso os efeitos de concentração não se verificam, uma vez que não estamos perante uma taxa que varia em função do valor dos rendimentos, mas que é fixa.
No caso concreto o Recorrente não optou pelo regime geral, mas sim por esse regime especial, pelo que não há lugar à redução a metade do valor apurado, nos termos do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS.
Por outro lado, se para entendimento do conceito de “valor de realização” previsto na alínea a) do n.º 4 do artigo 10.º do CIRS, há que atender ao disposto no artigo 44.º, já outro tanto não ocorre com a disciplina prevista no artigo 43.º, ambos do mesmo Código.
Afigura-se-nos, assim, que a interpretação que o tribunal “a quo” fez das normas aplicáveis se mostra correta, motivo pelo qual há que confirmar o julgado.

[…] Quanto à violação dos princípios constitucionais da legalidade e tipicidades tributários.

O Recorrente assenta a violação de tais princípios constitucionais no argumento de que a interpretação jurídica das normas do EBF e CIRS supra citadas que defende é a única e válida, pelo que carecendo de suporte legal a interpretação adoptada pela Administração Tributária e corroborada pela sentença recorrida, ocorre a invocada violação da Constituição.
Carece, contudo, de qualquer razão. Desde logo porque a interpretação dos textos normativos em causa que o Recorrente defende não é a única, nem tão pouco a mais válida, como se deixou supra referido. E por outro, nos casos em que cada uma das interpretações tem como suporte legal o próprio texto da lei, independentemente da menor validade de uma dessas interpretações, não se pode falar em violação dos citados princípios.
Entendemos que é de confirmar, igualmente nesta parte, a sentença recorrida».

1.5 Cumpre apreciar e decidir se a sentença fez, ou não, correcto julgamento i) quando considerou que, nas situações em que o sujeito passivo não opte pelo englobamento da mais-valias imobiliária, a taxa de 5% prevista no art. 71.º, n.º 5, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) deve ser aplicada sobre a totalidade da mais-valia obtida com a venda de um prédio urbano recuperado e objecto de reabilitação urbana, e não, como sustenta o ora Recorrente com base no art. 43.º, n.º 2 do Código do IRS (CIRS), apenas sobre 50% desse valor e ii) se a interpretação desses normativos sustentada pela AT e adoptada pela sentença recorrida viola os princípios constitucionais da legalidade e tipicidade tributárias, consagrados nos arts. 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i) e 266.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A) A AT emitiu em nome do Impugnante a liquidação n.º 2017 15004664895, relativa ao ano de 2016, no valor de € 28.257,02 - Cf. fls. 153 e ss. do SITAF cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

B) Contra a liquidação referida em A), o impugnante reclamou graciosamente em 14/07/2017, nos seguintes termos:
FUNDAMENTAÇÃO DA RECLAMAÇÃO
Exmos. Senhores,
1. Ao analisar a nota de liquidação da Declaração do IRS 3 referente ao ano de 2016, verifico que o rendimento relativo às mais-valias foi tribulado à taxa de 5% sobre o montante total das mais-valias imobiliárias consideradas através do preenchimento do Anexo G do Modelo 3.
2. A mais-valia obtida beneficia da taxa indicada nos termos do n.º 5 do artigo 71.º do EBF.
3. De acordo com o capítulo II da Código do IRS (determinação do rendimento colectável), mais precisamente o artigo 43.º, n.ºs 1 e 2, tratando-se de residentes em território nacional, o valar dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entra as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, o qual, para efeitos de tributação, é considerada apenas em 50% do seu valor.
4. Colocada a questão através do “e-balcão” do Portal das Finanças, obtive a seguinte resposta:
AT
A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) agradece o seu contacto.
Da liquidação do IRS/2016 resulta que as mais-valias imobiliárias (categoria G) são tributadas apenas a 50% das verificadas enquanto os rendimentos prediais (categoria F) são tributados os 100%, tal como resulta da aplicação da lei.
Com os melhores cumprimentos
AT- Autoridade Tributária e Aduaneira
23-06-2017 16:23:40
5. De igual modo, contactada telefonicamente a linha de apoio através do número 217 206 707, do contacto havido com dois interlocutores diferentes, obtive iguais respostas de que o valor considerado para efeito de tributação das mais-valias imobiliárias realizadas é sempre de 50% do “lucro obtido”, independentemente da taxa a aplicar a cada situação.
6. No entanto, o que, DE FACTO, se verificou, foi uma tributação das mais-valias imobiliárias a 100% das verificadas e não a 50% cfr. informações obtidas.
7. Atento o exposto, solicita-se a correcção da nota de liquidação referente aos rendimentos de 2016, considerando apenas 50% da mais-valia obtida para efeito de tributação.
Com os meus cumprimentos,
A…………… NIF: …………….
Cf. fls. 153 e ss. do SITAF cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

C) Em 03/11/2017 foi proferido despacho projectando o indeferimento da reclamação graciosa nos seguintes termos:
II - Informação
1. Da declaração do reclamante.
O reclamante submeteu a sua declaração de rendimentos do ano de 2016 em 2017-05-23 a qual foi loteada sob o n.º 3387-2016-J2433-86:
- Incluindo o anexo G, nele declarando a alienação de imóveis conforme o quadro que segue:
Quadro 4

Alienação Onerosa de Direitos Reais sobre imóveis
Titular
Realização
Aquisição
Despesas
e Encargos
Ano
Mês
Valor
Ano
Mês
Valor
4001 A
2016
10
105.000,00
2006
4
100.000,00
4002 B
2016
10
105.000,00
2006
4
100.000,00
4003 A
2016
2
1.032.500,00
2012
4
146.250,00
215.382,25
Soma
1.242.500,00
346,250,00
215.382,25
Identificação matricial dos bens
Campos
Freguesia
Tipo
Artigo
Fracção
Quota-parte %
Campo 4001
131218
U
……..
50,00
Campo 4002
131218
U
……..
50,00
Campo 4003
131217
U
………
50,00
Declarando, ainda, no Quadro 4A que o Imóvel Indicado no campo 4003 (131217-U-………), foi recuperada ou objecto de acções de reabilitação, nos termos dos n.ºs 5 e 23 do artigo 71.º do EBF.

2. O Estatuto dos Benefícios Fiscais determina nos seus n.ºs 5 e 23 o seguinte:

Artigo 71.º
Incentivos à reabilitação urbana
(artigo aditado peal Lei n.º 54-A/2008, de 21 de Dezembro)
(…)
5- As mais-valias auferidas por sujeitos passivos de IRS residentes em território português são tributadas à taxa autónoma de 5 %, sem prejuízo da opção pelo englobamento, quando sejam inteiramente decorrentes da alienação de imóveis situados em “área de reabilitação urbana”, recuperados nos termos das respectivas estratégias de reabilitação.

23- Para efeitos do presente artigo, considera-se:
a) 'Ações de reabilitação' as intervenções destinadas a conferir adequadas características de desempenho e de segurança funcional, estrutural e construtiva a um ou vários edifícios, ou às construções funcionalmente adjacentes incorporadas no seu logradouro, bem como às suas fracções, ou a conceder-lhe novas aptidões funcionais, com vista a permitir novos usos ou o mesmo uso com padrões de desempenho mais elevados, das quais resulte um estado de conservação do imóvel, pelo menos, dois níveis acima do atribuído antes da intervenção;
b) 'Área de reabilitação urbana' a área territorialmente delimitada, compreendendo espaços urbanos caracterizados pela insuficiência, degradação ou obsolescência dos edifícios, das infra-estruturas urbanísticas, dos equipamentos sociais, das áreas livres e espaços verdes, podendo abranger designadamente áreas e centros históricos, zonas de protecção de imóveis classificados ou em vias de classificação, nos termos da Lei de Bases do Património Cultural, áreas urbanas degradadas ou zonas urbanas consolidadas;
c) 'Estado de conservação' o estado do edifício ou da habitação determinado nos termos do disposto no NRAU e no Decreto-Lei n.º 156/2006, de 8 de Agosto, para efeito de actualização faseada das rendas ou, quando não seja o caso, classificado pelos competentes serviços municipais, em vistoria realizada para o efeito, com referência aos níveis de conservação constantes do quadro do artigo 33.º do NRAU.
(…)”

3. O artigo 43.º do CIRS determina, nos seus n.ºs 1 e 2, o seguinte:
Artigo 43.º
Mais-valias
1- O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2- O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é​ apenas considerado em 50% do seu valor.
(…)”.

Como prevê o n.º 5, a mais-valia auferida será tributada à taxa autónoma de 5%, sem prejuízo do englobamento, quando sejam inteiramente decorrentes da alienação de imóveis situados em 'área de reabilitação urbana', recuperados nos termos das respectivas estratégias de reabilitação.
Dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º do CIRS retira-se que são consideradas em 50% o saldo apurado entre as mais-valias e menos-valias realizadas no mesmo ano.
Ainda o n.º 1 do artigo 22.º do CIRS determina que o rendimento colectável é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções. Ao qual se aplicam as taxas gerais previstos no art. 68.º do CIRS.
Não podendo separar-se alguns dos rendimentos de cada categoria.
O capítulo II do CIRS define como se apure o rendimento colectável, do qual constam os artigos 22.º, 43.º.
O artigo 71.º do EBF, excepciona aqueles rendimentos à tributação nos termos gerais.

Ora, a liquidação reclamada resulta da declaração do reclamante que disse pretender ver alguns dos seus rendimentos tributados autonomamente, pelo que a tributação do rendimento da mais-valia auferida pela alienação do imóvel identificado no campo 4003 foi calculada nos termos do artigo 71.º do EBF. Pela sua totalidade, e não em 50%, à taxa de 5%. Tal como os seus rendimentos da categoria F.

A mesma liquidação apurou perdas a reportar da categoria G no montante de € 3.500,00 para cada um dos sujeitos passivos referentes a alienação do outro imóvel, identificado nos campos 4001 e 4002 (131218-U-………).

O reclamante não pode beneficiar simultaneamente da redução a 50% da mais-valia e da redução da taxa para 5%.

Com efeito, a mais-valia liquidada refere-se apenas ao Imóvel identificado no campo 4003 e resultou da dedução ao valor da realização do produto do valor de aquisição pelo coeficiente de desvalorização da moeda (artigo 5.º do CIRS) e das despesas e encargos (€ 1.032.250,00 – (€ 146.250.00 x 1,00) - € 215.382,25 = € 670.867,75).
O reclamante obteve ainda rendimentos da categoria F de imóveis que foram recuperados ou objecto de acções de reabilitação que não foram englobados (conforme sua declaração).
Tanto aquela mais-valia como estes rendimentos foram tributados à taxa de 5%, o que totaliza a tributação autónoma apurada na liquidação reclamada.

Pelo exposto, conclui-se que a liquidação não enferma de erro, não assiste por isso razão ao reclamante.

III - Conclusão
Pelo exposto, proponho o indeferimento da presente reclamação por falte de base legal.
À consideração superior.

Cf. fls. 153 e ss. do SITAF cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

D) Por ofício datado de 03/11/2017 registado, foi o Impugnante notificado do despacho a que se alude na alínea antecedente para exercer o direito de audição - Cf. fls. 153 e ss. do SITAF cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

E) Em 22/11/2017, o Impugnante exerceu o direito de audição - Cf. fls. 153 e ss. do SITAF cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

F) Por despacho de 27/11/2017, o Chefe do SF do Porto 4 proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa, nos seguintes termos:

III- Da análise

O n.º 2 do artigo 43.º do CIRS não é factor na determinação do ganho de mais-valia pela alienação de imóvel, somente reduz a 50 % o saldo referido no n.º 1 do mesmo artigo 43.º do CIRS, para efeitos da tributação, conforma determinado no artigo 22.º do CIRS.
O n.º 4 do artigo 10.º do CIRS define o ganho sujeito a IRS: “O ganho sujeito a IRS é constituído: a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;”

O artigo 43.º do CIRS está inserido na secção VI - Incrementos Patrimoniais, sendo uma das secções do capítulo II – Determinação do Rendimento Colectável.
Neste mesmo capítulo II, a secção I - Regras Gerais, no artigo 22.º, n.º 1 dispõe que “o rendimento colectável é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidas em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes”.
Determinando, portanto, que as mais-valias apuradas naquela secção VI, onde se inclui o artigo 43.º, serão objecto de englobamento e, conforme determina o n.º 2 do artigo 43.º, será o saldo considerado em apenas 50% e assim tributadas às taxas gerais do artigo 68.º do CIRS.

Por outro lado o n.º 5 do artigo 71.º do EBF, excepciona aquele regime e prevê a tributação autónoma de mais-valias unicamente obtidas pelas alienações dos prédios recuperados à taxa de 5% sem prejuízo de opção pelo englobamento. Significando autónoma não englobada, separada portanto aos restantes rendimentos.
É portanto do critério do contribuinte optar pela tributação autónoma ou pelo englobamento.

Não é possível englobar-se aquele rendimento de mais-valias aos restantes rendimentos do contribuinte, tributando-se às taxas gerais do artigo 68.º do CIRS, e ao mesmo tempo separá-los para os sujeitar à tributação autónoma à taxa de 5% do n.º 5 do artigo 71.º do EBF.

Em resumo, dir-se-á:
que o n.º 5 do artigo 71.º do EBF, não complementa o n.º 2 do artigo 43.º, outrossim, concede ao contribuinte a possibilidade de, por opção, sujeitá-las à tributação autónoma de 5% separando-se dos outros rendimentos – não fazendo o seu englobamento; e que, optando o contribuinte pelo englobamento, será o saldo das mais-valias referidas no n.º 1 do artigo 43.º reduzido a 50% (conforme dispõe o n.º 2 do artigo 43.º do CIRS) e tributadas em conjunto com os restantes rendimentos.

Concluindo-se, assim, que a liquidação reclamada não contém erro.

IV- Conclusão

Pelo exposto, proponho se mantenha o indeferimento da reclamação por não provada.

Cf. fls. 153 e ss. do SITAF cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

G) Em 29/11/2017, o Impugnante foi notificado do despacho a que se alude na alínea antecedente - Cf. fls. 153 e ss. do SITAF cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

H) Em 27/12/2017, o Impugnante interpôs recurso hierárquico do despacho a que se alude na alínea antecedente - Cf. fls. 153 e ss. do SITAF cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

I) A presente Impugnação deu entrada em 28/05/2018 - Cf. fls. 1 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A questão central a dirimir nos presentes autos é a de saber se o saldo obtido entre as mais-valias e menos-valias decorrentes da alienação de direitos reais sobre bens imóveis objecto de reabilitação urbana deve ser tributado em apenas 50% do seu valor, quer a tributação se faça pela aplicação da taxa especial de 5% prevista do art. 71.º, n.º 5 do EBF, quer o sujeito passivo opte pelo englobamento da totalidade dos rendimentos, como sustenta o Recorrente, ou se, como sustentam a AT, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, no caso de a tributação desse rendimento ser feito autonomamente por aquela taxa especial, esta deve ser aplicada sobre o valor total desse saldo.
No caso, o ora Recorrente insurgiu-se contra a liquidação de IRS que lhe foi efectuada relativamente ao ano de 2016 por considerar que este acto tributário enferma de ilegalidade na medida em que os rendimentos provenientes de mais-valias imobiliárias respeitantes à alienação de um prédio urbano reabilitado ( Não se discutindo nos autos que o prédio cumpre os critérios definidos no art. 71.º do EBF para beneficiar da tributação ao abrigo do n.º 5 do mesmo artigo, vamos, por simplicidade, referi-lo, simplesmente, por prédio urbano reabilitado. ) – rendimentos que declarou e que, na ausência de opção pelo englobamento, foram tributados à taxa especial de 5%, nos termos do n.º 5 do art. 71.º do EBF – foram considerados na sua totalidade, quando deveriam tê-lo sido apenas por 50%, por força do disposto no art. 43.º, n.º 2, do CIRS.
O ora Recorrente reagiu contra essa liquidação; primeiro, apresentando reclamação graciosa, que foi indeferida, e, na sequência da falta de decisão do recurso hierárquico que interpôs contra aquele indeferimento, apresentou impugnação judicial, sempre sustentando, como agora em sede de recurso e na sequência da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial, «ser inequívoco que a taxa de 5% prevista no artigo 71.º, n.º 5 do EBF deve incidir […] sobre a mais-valia considerada em 50% do seu valor, como previsto no artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, incluído no Capítulo II do Código, referente à determinação do rendimento colectável, enquanto resultante do englobamento dos rendimentos de várias categorias».
Sustenta ainda o Recorrente que a interpretação que levou à liquidação do IRS pelo montante total da mais-valia imobiliária, sufragada pela sentença recorrida, enferma de inconstitucionalidade por violação dos princípios da legalidade e tipicidade tributárias, consagrados nos arts. 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i) e 266.º, n.º 2, da CRP.
Assim, as questões a apreciar e decidir são as que deixámos enunciadas supra em 1.5.


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2.2.2 DA CONSIDERAÇÃO DE APENAS METADE DO MONTANTE DAS MAIS-VALIAS IMOBILIÁRIAS

Recordemos o que diz o art. 71.º, n.º 5, do EBF: «As mais-valias auferidas por sujeitos passivos de IRS residentes em território português são tributadas à taxa autónoma de 5 %, sem prejuízo da opção pelo englobamento, quando sejam inteiramente decorrentes da alienação de imóveis situados em 'área de reabilitação urbana', recuperados nos termos das respectivas estratégias de reabilitação».
Da leitura deste preceito nada resulta em abono da tese do Recorrente. Na verdade, o preceito apenas refere “as mais-valias auferidas”, sendo que a definição de mais-valia e o modo como é determinada a mais-valia tributável nos são dados pelo art. 10.º do CIRS, mais concretamente, no que respeita às mais-valias imobiliárias, pela alínea a) do n.º 1 e pela alínea a) do n.º 4 desse artigo, na redacção aplicável, em vigor à data:
«1- Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;
[…]
4- O ganho sujeito a IRS é constituído:
a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;
[…]».
Ou seja, a letra da lei – que não sendo o mais importante dos elementos de interpretação das normas jurídicas, constitui o ponto de partida e o limite da tarefa hermenêutica, não permitindo que seja considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo «que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» e devendo ainda presumir-se que «o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados», tudo nos termos do disposto no art. 9.º do Código Civil ( Cf. J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 189.) – não acolhe o sentido de que a taxa de 5% prevista no n.º 5 do art. 71.º do EBF é aplicada apenas sobre metade do ganho sujeito a IRS.
Considera o Recorrente, no entanto, que a norma tem de ser conjugada com o disposto no n.º 2 no art. 43.º do CIRS, artigo que, sempre na redacção aplicável à data, dispõe nos seus dois primeiros números:
«1- O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
2- O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor».
Mas, salvo o devido respeito, esse entendimento, não só não tem apoio na letra da lei, mas também – e decisivamente, pois, como deixámos já dito, na interpretação da lei o elemento literal não é o mais importante, sendo que, «ao interpretar a lei fiscal não devemos cingir-nos à letra da lei, mas procurar reconstituir, também neste domínio, e a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» ( Cf. SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2.ª edição, 2018, pág. 363.) – se mostra anti-sistemático e totalmente ao arrepio da razão que levou o legislador a consagrar a possibilidade da tributação desses rendimentos de forma autónoma e mediante uma taxa especial, como procuraremos demonstrar de seguida. Vejamos:
O citado art. 43.º está inserido no capítulo do Código que tem como epígrafe Determinação do rendimento colectável. A determinação do rendimento colectável tem como pressuposto – enunciado logo no primeiro artigo desse capítulo (art. 22.º, com a epígrafe Englobamento) e da secção que tem como epígrafe Regras gerais o englobamento dos rendimentos.
O englobamento é o modo encontrado pelo legislador para dar resposta à exigência consagrada no n.º 1 do art. 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), de que o imposto sobre o rendimento pessoal seja «único e progressivo». Na verdade, apesar de o IRS seguir o modelo de imposto único sobre o rendimento pessoal, a verdade é que na estrutura do imposto se mantêm algumas reminiscências de uma concepção cedular – com as diversas categorias de rendimentos –, sendo que a finalidade da tributação de carácter global e unitário é conseguida através do englobamento, mecanismo que procura dar resposta ao desígnio de sujeitar a totalidade dos rendimentos individuais a uma única tabela de taxas, escalonadas segundo um esquema de progressividade, em atenção à capacidade contributiva do sujeito passivo.
Apesar disso, algumas subcategorias de rendimentos mantiveram-se à margem do englobamento. Como salienta RUI DUARTE MORAIS, «[s]egmentos importantes dos rendimentos de capitais e das mais-valias ficaram excluídos do englobamento, sujeitos a taxas fixas, proporcionais (taxas liberatórias ou taxas especiais), gozando, em alguns casos, de benefícios fiscais que determinam a sua não tributação na maior parte dos casos» ( Sobre o IRS, Almedina, 3.ª edição, págs. 7/8.).
A razão por que o legislador (numa, pelo menos, aparente contradição com os princípios constitucionais a que deve obedecer o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) entendeu permitir a tributação autónoma das mais-valias insere-se num propósito de atenuar o efeito de penalização fiscal que adviria da sua tributação num único momento às taxas progressivas gerais previstas no CIRS. Tal razão é claramente apontada por PAULA ROSADO PEREIRA:
«A formação do ganho que constitui a mais-valia pode ter ocorrido ao longo de períodos mais ou menos alargados de tempo (correspondentes a vários períodos de tributação), podendo, igualmente, o ganho apurado atingir montantes consideráveis face ao valor inicial do bem. Desta forma, a tributação da mais-valia num único momento (o período tributário no qual se verificou a realização do ganho), no contexto de um imposto dotado de taxas progressivas, como é o caso do IRS, é susceptível de penalizar consideravelmente este tipo de rendimentos, facilmente atraídos para os escalões mais altos de tributação.
Os mecanismos concretos que procuram atenuar este efeito de penalização fiscal podem basear-se:
o na sujeição a tributação de apenas uma parte do ganho (é o que sucede, por exemplo, relativamente às mais-valias imobiliárias, em que apenas 50% do valor das mais-valias é considerado para efeitos de tributação, nos termos do artigo 43.º n.º 2);
o ou na tributação da mais-valia com recurso a taxas de tributação especiais, e não mediante o englobamento obrigatório e aplicação da estrutura de taxas progressivas do IRS […]» ( Estudos Sobre IRS: Rendimento de Capitais e Mais-Valias, Cadernos IDEFF, n.º 2, Almedina, págs. 110/111.).
Os referidos mecanismos de atenuação do efeito de penalização fiscal surgem, manifestamente, como alternativos.
Regressando ao caso sub judice, o legislador, no âmbito da liberdade de conformação legislativa que lhe assiste – e considerando que as finalidades extrafiscais subjacentes ao interesse na reabilitação urbana e na recuperação do património imobiliário deteriorado se sobrepõem aos princípios de unicidade e de progressividade que devem enformar o imposto –, entendeu, para atenuar o efeito penalizador resultante da tributação num único período tributário das mais-valias imobiliárias resultantes da venda de bens imóveis reabilitados, instituir ambos os mecanismos acima referidos, em aplicação alternativa:
- caso o sujeito passivo exercesse a opção pelo englobamento desses rendimentos, apenas 50% do valor da mais-valias seria sujeita a tributação, nos termos do art. 43.º, n.º 2, do CIRS, mediante a aplicação das taxas gerais de imposto previstas no art. 68.º do CIRS,
ou
- caso não fosse feita essa opção, a tributação desses ganhos seria feita autonomamente e à taxa especial de 5%, nos termos do n.º 5 do art. 71.º do EBF.
O que, seguramente, não pode é o sujeito passivo que não tenha feito a opção pelo englobamento pretender que a taxa especial de 5%, prevista para quando a tributação dos rendimentos em causa seja feita separadamente, recaia apenas sobre 50% do valor destes, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 43.º do CIRS, numa solução que, não só não colhe apoio na letra da lei, como se revelaria anti-sistémica e poria em causa a coerência do sistema gizado pelo legislador.
É que as regras do capítulo II do CIRS, como é a do art. 43.º, n.º 2, a menos que delas expressamente resulte o contrário, são aplicáveis exclusivamente à determinação do rendimento colectável efectuado com base no englobamento de rendimentos. Ficam fora do seu âmbito os rendimentos que o legislador permite que sejam tributados autonomamente, ou seja, sem serem englobados, como é o caso das mais-valias previstas no citado art.71.º, nº. 5, do EBF, norma em que o próprio legislador prevê o afastamento do mesmo regime, optando-se pelo englobamento dos rendimentos.
E bem se compreende que assim seja: é que a solução legislativa de considerar apenas 50% do valor da mais-valia foi instituída – como deixámos já referido – para obviar ao risco de, por força da tributação da mais-valia, que pode ter sido gerada ao longo de vários anos, ser efectuada num único período de tributação, se atingirem as taxas mais elevadas do escalão de IRS, efeito negativo que “contaminaria” a tributação das demais categorias de rendimentos; ora, esse efeito apenas se verifica quando haja o englobamento desses rendimentos e já não quando a tributação dos mesmos seja feito de modo autónomo e a taxa especial.
Podemos, pois, concluir que a possibilidade de os sujeitos passivos beneficiarem da redução de 50% prevista no art. 43.º, n.º 2, do CIRS, para os rendimentos provenientes das mais-valias imobiliárias resultantes da venda de prédio urbano reabilitado, fica condicionada pela sua opção pelo englobamento e, consequentemente, pela sua sujeição às taxas gerais progressivas previstas no art. 68.º do CIRS.
Foi nesse sentido que decidiu a sentença, que, por isso, não merece censura.
Uma última nota apenas para referir que, ao contrário do que parece pretender o Recorrente, nenhum argumento favorável à sua tese pode retirar-se da jurisprudência do então denominado Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), designadamente do acórdão (Hollmann) proferido em 11 de Outubro 2007, no processo n.º C-443/06 ( Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62006CJ0443&from=EN.
Este acórdão do TJCE foi proferido em resposta ao reenvio prejudicial efectuado pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo n.º 493/06. Vide os acórdãos proferidos nesse processo n.º 439/06, o primeiro fazendo o reenvio prejudicial e, o segundo, decidindo o recurso, após a pronúncia do TJCE:
- de 28 de Setembro de 2006, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/5b7c4837b616cebc802571fd003c0cec;
- de 16 de Janeiro de 2008, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/1827bec1e1931004802573d800503721.), que invocou.
É que essa jurisprudência respeita a uma questão muito diversa, qual seja a de saber se a norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, ao qual o Estado português se obrigou. O entendimento que lhe subjaz, salvo o devido respeito, não logra aplicação à situação sub judice.


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2.2.3 DA INCONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO SUBJACENTE À LIQUIDAÇÃO IMPUGNADA E SUFRAGADA PELA 1.ª INSTÂNCIA E POR ESTE SUPREMO TRIBUNAL

A invocada violação dos princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade tributárias decorre, se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, da circunstância de o Recorrente considerar que o único sentido que comportam as regras do n.º 5 do art. 71.º do EBF e do art. 43.º, n.º 2 do CIRS é o por ele sustentado.
No entanto, a nosso ver e como procurámos demonstrar, o melhor sentido a extrair dessas normas não é o proposto pelo Recorrente, mas o que foi adoptado pela AT na liquidação impugnada e sufragado pela sentença recorrida e pelo Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal.
Ora, como bem salientou o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, a divergência entre as interpretações em confronto não significa necessariamente que uma delas seja violadora de qualquer princípio constitucional, mas, tão-só, que nelas se valorizaram de modo diverso os vários elementos interpretativos, sendo que a interpretação que adoptámos deu especial relevância à unidade do sistema jurídico.
Entendemos, pois, que é também de confirmar a sentença recorrida no que respeita a esta questão.


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2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - A lei tributa a mais-valia resultante da venda de prédio que tenha sido objecto de reabilitação urbana de modo autónomo e à taxa especial de 5%, nos termos do disposto no n.º 5 do art. 71.º do EBF, sem prejuízo do sujeito passivo optar pelo seu englobamento, caso em que a tributação da mais-valia será feita, em conjunto com os demais rendimentos, à taxa geral aplicável e por apenas 50% do seu valor, nos termos do disposto nos arts. 43.º, n.º 2, e 68.º, do CIRS.

II - Quando, por falta de opção pelo englobamento, a tributação seja efectuada ao abrigo do disposto no art. 71.º, n.º 5, do EBF, a taxa de 5% deve ser aplicada sobre a totalidade da mais-valia, inexistindo fundamento legal para que se considere apenas metade do seu valor.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente, que ficou vencido [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT].


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Lisboa, 27 de Outubro de 2021. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (Relator) - Joaquim Manuel Charneca Condesso – Gustavo André Simões Lopes Courinha.