Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01318/13
Data do Acordão:04/09/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:PRINCÍPIO DO PRIMADO DO DIREITO COMUNITÁRIO
CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
IRC
RETENÇÃO NA FONTE
TRIBUTAÇÃO DE SUJEITOS PASSIVOS NÃO RESIDENTES
Sumário:Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela al. a) do nº 1 do art. 58º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo nº 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.
Nº Convencional:JSTA00068661
Nº do Documento:SA22014040901318
Data de Entrada:07/23/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:Z....
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
DIR FISC - IRC
Área Temática 2:DIREITO COMUNITÁRIO
Legislação Comunitária:TUE ART65 N1 ART63 N1 ART56 ART58.
DIR CON CEE90/435 DE 1990/07/23.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01435/12 DE 2013/02/20; AC STA PROC0694/12 DE 2012/11/28; AC STA PROC0322/13 DE 2013/05/29; AC STA PROC0654/13 DE 2013/11/27; AC STA PROC0568/13 DE 2013/12/18
Jurisprudência Internacional:AC TRIJ PROC C-282/07
AC TRIJ PROC C-446/03 DE 2005/12/13
AC TRIJ PROC C-379/05 DE 2007/11/08
AC TJUE PROC C-379/05
AC TJUE PROC C-199/10
Referência a Doutrina:PAULA ROSADO PEREIRA - PRINCIPIOS DO DIREITO FISCAL INTERNACIONAL ALMEDINA 2010 PAG451.
RUI DUARTE MORAIS - APONTAMENTOS AO IRC ALMEDINA COIMBRA 2009 PAG162-163.
ALBERTO XAVIER - DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL 2ED ALMEDINA COIMBRA 2007 PAG267.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Z…………., com os demais sinais dos autos, contra o indeferimento da reclamação graciosa referente a acto de retenção na fonte de IRC, operado pelo X……….., Sucursal em Portugal, que incidiu sobre os lucros colocados à disposição por V……….., S.A.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
I – Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que a retenção na fonte, à taxa liberatória de 20% sobre os dividendos distribuídos pela sociedade V………., SA à impugnante, violava o princípio da livre circulação de capitais, em razão da localização da sede da impugnante, ou seja, haveria uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes.
II – Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se haveria ou não diferença de tratamento entre residentes e não residentes, em razão da localização da sede.
III – Relativamente à causa decindendi a Administração Tributária aquilatou que a Douta sentença não ponderou devidamente os factos mencionados, pois os preceitos em causa não violam o direito comunitário, não havendo qualquer discriminação entre residentes e não residentes.
IV – O que acontece é que, tal como referido na contestação, o Estado da residência da impugnante, à luz do consagrado no art.º 4.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 ou se abstém de tributar esses lucros ou os tributa, autorizando a sociedade a deduzir do montante do imposto a fracção do imposto da afiliada correspondente a tais lucros.
V – Na verdade, o Estado-Membro da entidade distribuidora dos dividendos, cumpriu com todos os preceitos legislativos, pelo que não se vislumbra de que modo o mesmo possam violar o direito comunitário.
VI – Além do mais, a entidade distribuidora dos dividendos, V……… SA, efectuou a retenção na fonte, nos termos da lei interna, dos os art.ºs 90.º n.º al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC, não padecendo estas disposições de quaisquer incompatibilidades com o princípio de liberdade de capitais consagrado no direito comunitário.
VII – Com respeito ao objecto do presente recurso, a RFP chama à colação o recente Acórdão do STA, que versa uma situação semelhante, em que foi mencionado que “(...) a questão sub judice gira em torno de saber se as liquidações de IRC por retenção na fonte, a título definitivo e à taxa de 10%, operada pela Fazenda Pública sobre os dividendos distribuídos à B……, aquando da distribuição de dividendos pelo C……, SA, relativos aos exercícios de 2003 e 2004, por força da aplicação conjunta dos arts. 4º, nº 3, alínea c), subalínea 3, e 80.º, n.º 2, alínea c), do CIRC, e 10.º, nº 2, da CEDT Portugal/Países Baixos, enferma de vício de violação de lei, em especial por violação do princípio da livre circulação de capitais.
Assim delimitada a questão a decidir, verifica-se que a mesma se resolve, tal como decidiu o Tribunal Central Administrativo Norte, mediante exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos preceitos legais invocados, tendo por fundamento exclusivo matéria de direito.
É verdade que a Recorrente nas Conclusões U e V das Alegações refere designadamente que não foi feita prova (“nem na matéria de facto provada, nem em qualquer diligência levada acabo pelo Tribunal”) de que a ora recorrida não possa deduzir o imposto no Estado de residência.
Numa primeira leitura, poderíamos ser levados a pensar que a Recorrente estaria a pôr em causa a factualidade dada como provada na decisão recorrida ou a fazer juízos sobre questões probatórias.
No entanto, logo de seguida, na Conclusão V, a recorrente esclarece que o que quis dizer é que a sentença não esclarece “qual o diploma ou norma legal dos Países Baixos que permita a Meritíssima Juiz a quo concluir, como concluiu, não (...) ser possível deduzir o imposto pago no país da residência e, (...) que não foram objecto de imputação nos Países Baixos.
E, ainda, na Conclusão W acrescenta-se o seguinte: “nem tão pouco se encontra nos autos, qualquer diligência levada a cabo pelo Tribunal, junto da Administração Fiscal Holandesa, no sentido de obter essa prova. Talqual se prescreve no Acórdão de 22/11/2010 do TJUE, processo C-199/10, e no Acórdão do STA de 2011/06/01, recurso nº01/09”.
Acontece que, como melhor será analisado mais adiante, a resolução do problema jurídico objecto do presente recurso acaba por se reconduzir, repete-se, a pura questão de direito, que se prende, como se verá, com a resposta que se obtiver sobre conformidade da Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos e o Direito Comunitário.
Por outro lado, no que se refere ao Despacho de 22/11/2010 do TJUE, processo C-199/10, o mesmo não impõe que, para se concluir pela neutralidade quanto à questão da dupla tributação, o Tribunal de reenvio tenha de fazer prova ou qualquer diligência tendente a demonstrar a impossibilidade de no País de residência se efectivar a imputação do imposto retido no País da fonte. Pelo contrário, do mencionado Despacho decorre que tal conclusão há-de resultar da interpretação e aplicação do quadro legal aplicável, incluído o estatuído na referida Convenção.
Vejamos.
3. Da legalidade das liquidações à face do Direito Comunitário
1. Como vimos, tendo presente as normas do CIRC aplicadas à tributação dos dividendos distribuídos à B……, a recorrida alegou tratamento diferenciado, conferido nos anos de 2003 e 2004, pelos artigos 90.º, n.º 1, alínea c), 46.º, n.º 1, 80.º, n.º 2, alínea c), 14.º, n.º 3, e 89.º, n.º 1, do Código do IRC, aos accionistas residentes e não residentes de sociedades comerciais portuguesas, o que configura uma discriminação injustificada em função da residência, proibida pelo artigo 56.º do TCE – actual artigo 63.º do TFUE, e constitui uma restrição à livre circulação de capitais.
A sentença recorrida acolheu este argumento, podendo ler-se na mesma a dado passo que “(…), no caso sub judice o situação da impugnante não se enquadra nos artigos 5.º e 6.º da Diretiva supracitada, dado que o respetiva participação é inferior a 25 %., ou seja é de 8,64 % do respetivo capital social [cfr. ponto 6. do probatório], não estando, consequentemente, em condições de beneficiar do regime do artigo 14º, n.º 3 do CIRC, ou seja, não beneficiando da isenção de retenção na fonte.
Se estivesse nessa situação, isto é, nas condições do artigo 14º, nº 3, do CIRC, como sociedade beneficiária residente noutro Estado da EU não seria tributada, inexistindo qualquer retenção na fonte, no caso de preencher as condições nele previstas.
E no caso de a participação, sendo embora não inferior a 25 %, no momento da distribuição dos dividendos, ainda não fosse detida há mais de dois, ininterruptamente, haveria lugar à retenção na fonte, mas é possível a restituição do imposto logo que tal período se complete, nos termos estipulados pelo artigo 89.º do CIRC, na redacção do DL. 198/2001, de 3 de julho, então em vigor”.
E, mais adiante, a justificar a ilegalidade das liquidações, pode ainda ler-se que “(...) O que significa que se em lugar da B……, os dividendos fossem distribuídos a uma sociedade residente em Portugal, colocada na mesma situação para efeitos de tributação em IRC, verificar-se-ia que a esta seria aplicável o regime de dispensa de retenção prevista no artigo 90º, n.º 1, alínea c) do CIRC, na redação da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro o qual dispunha: «1-Não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC quando este tenha a natureza de imposto por conta, nos seguintes casos”(...) «c) Lucros obtidos por entidades a que seja aplicável o regime estabelecido no nº 1 do artigo 46º, desde que a participação financeira tenha permanecido na titularidade da mesma entidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição: (redacção da Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro)”.
2. A argumentação expendida leva-nos a questionar se e em que medida as normas do CIRC invocadas pela recorrida são contrárias aos princípios do Direito Comunitário.
A Directiva 90/435/CE (É a seguinte a redacção dos referidos preceitos: «Artigo 5º. 1. Os lucros distribuídos por uma sociedade afiliada à sua sociedade-mãe são, pelo menos quando esta detém uma participação mínima de 25 % no capital da afiliada, isentos de retenção na fonte.» (sublinhado nosso) (...) «Artigo 6. O Estado-membro de que depende a sociedade-mãe não pode aplicar uma retenção na fonte sobre os lucros que esta sociedade recebe da sua afiliada.» (sublinhado nosso).), conhecida como Directiva sociedades mães/sociedades afiliadas “estabeleceu um regime fiscal comum aplicável à distribuição de lucros efectuada por sociedades afiliadas às respectivas sociedades-mães de Estado-membro diferente”(Cfr. PAULA ROSADO PEREIRA, Princípios do Direito Fiscal Internacional, Almedina, 2010, p. 451.), e teve como objectivo eliminar a dupla tributação jurídica internacional e a dupla tributação económica na distribuição de lucros entre sociedades afiliadas e sociedades-mães de diferentes Estados-membros, na medida em que exclui o direito à retenção na fonte por parte do país da sede da afiliada que os distribui, cabendo ao país da sede da sociedade-mãe o exclusivo do direito à tributação dos rendimentos (Cfr. RUI MORAIS, Imputação de Lucros de Sociedades Não Residentes Sujeitas a um Regime Fiscal Privilegiado, Publicações Universidade Católica, Porto, 2005, p. 128.).
No que se refere às sociedades residentes e aos estabelecimentos estáveis de residentes em outros países da União Europeia situados em Portugal, dispunha o art. 46º do CIRC, através do qual, nas palavras de RUI DUARTE MORAIS (Cfr. Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2009, p. pp.162-63.), “aproveitam deste método de eliminação da dupla tributação económica relativamente aos dividendos que recebam em razão da sua participação no capital social de entidades residentes noutro Estado-membro, nas mesmas condições em que tal acontece relativamente a dividendos recebidos de sociedades residentes”.
Quanto aos dividendos que sociedades residentes colocassem à disposição de entidades sedeadas noutro país da União estavam igualmente isentos de IRC, nos termos do disposto no nº 3 do art. 14º do CIRC. Segundo este preceito, na redacção à data dos factos, “Estão isentos os lucros que uma entidade residente em território português, nas condições estabelecidas no art. 2º da Directiva nº 90/435/CEE, de 23 de Julho, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 25% e desde que esta tivesse permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos”
No caso em apreço, como ficou dito, a sentença recorrida, embora reconhecendo que a B…… não podia beneficiar da isenção de retenção na fonte em aplicação da legislação nacional que transpôs o art. 5º da Directiva nº 90/435/CEE, de 23 de Julho, para o ordenamento jurídico português, conclui, dando razão à recorrida, que, de qualquer modo, a legislação nacional incorre em discriminação entre sociedades residentes e não residentes por a B…… não poder beneficiar do regime estatuído nos arts. 89º e 90º, nº 1, alínea c), do CIRC, em relação aos dividendos que lhe foram distribuídos pelo C……, SA., com o exclusivo fundamento da falta de residência no Estado da fonte.
Acontece, porém, que também por aqui não assiste razão à recorrente, quanto à alegada violação dos princípios de Direito Comunitário.
Na verdade, como pondera PAULA ROSADO PEREIRA (Cfr. ob.cit., pp. 349 ss.) “o Tribunal de Justiça assume, como ponto de partida” que a situação de sujeitos passivos residentes e de não residentes “não é, em geral, comparável”, desde logo, porquanto em relação aos primeiros a tributação incide sobre a globalidade dos rendimentos auferidos (no Estado da residência), enquanto no caso dos segundos é limitada aos auferidos no Estado da fonte.
Assim, segundo a referida Autora, “no Caso Schumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes, o que sucede, por exemplo, por a maior parte do rendimento do não residente ser normalmente obtida no seu Estado de residência”, tendo repetido esta jurisprudência, por exemplo, no Caso “D””.
Para a Autora, a “Análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, que na perspectiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contaria as liberdades de circulação”, nem consubstancia uma discriminação contrária aos Tratados Europeus, em virtude de os residentes e os não residentes não se encontrarem, em geral, em situações comparáveis, porque assentes numa diferença objectiva relevante entre os sujeitos passivos.
Importa ainda reter o Acórdão do Tribunal de Justiça, emitido no processo C-282/07 (E……), que teve por objecto um litígio que opunha o Estado Belga à E…… SA, com sede na Bélgica, a propósito da tributação de juros devidos por esta sociedade, de 1994 a 1996, como remuneração de um empréstimo concedido pela F……, com sede no Luxemburgo.
No âmbito desse litígio, o Tribunal foi chamado a pronunciar-se quanto a saber se os princípios relativos à livre circulação de capitais e à liberdade de estabelecimento se opõem a uma regulamentação de um Estado-membro que prevê a retenção na fonte do imposto sobre os juros pagos por uma sociedade residente desse Estado a uma sociedade beneficiária residente de outro Estado-membro, embora isente dessa retenção os juros pagos a uma sociedade beneficiária residente do primeiro Estado-membro.
De entre a fundamentação, impõe-se destacar que ficou consignado no mencionado Acórdão, por exemplo, que “em matéria de impostos directos, a situação dos residentes e a dos não residentes não são, regra geral, comparáveis”, e que a diferença de tratamento que a regulamentação fiscal em causa no processo principal estabelece entre sociedades beneficiárias de rendimentos de capitais, que consiste na aplicação de técnicas de tributação diferentes consoante estas estejam estabelecidas na Bélgica ou noutro Estado-Membro, tem que ver com situações que não são objectivamente comparáveis”.
E o Tribunal de Justiça concluiu que os princípios relativos à livre circulação de capitais e à liberdade de estabelecimento não se opõem a que a regulamentação fiscal de um Estado-membro que obriga à retenção na fonte do imposto sobre os juros pagos por uma sociedade residente desse Estado a uma sociedade beneficiária residente de outro Estado-membro, embora isente dessa retenção os juros pagos a uma sociedade beneficiária residente do primeiro Estado-membro cujos rendimentos são tributados neste último Estado-membro a titulo de imposto sobre sociedades.
Finalmente importa realçar que não existe no TFUE disposição específica em matéria de impostos directos, contrariamente ao que acontece aos impostos indirectos. Nas palavras de RUI DUARTE DE MORAIS (Cfr. Imputação de Lucros...cit., pp. 122-23.), “A intervenção da União Europeia no domínio dos impostos é marcada pelo princípio da subsidiariedade (que não é um principio fiscal mas a expressão do actual acordo político quanto ao exercício da competência legislativa, quando concorrente, privilegiando a intervenção dos Estados-membros relativamente à dos órgãos comunitários, ou seja, apenas acontecerá se e na medida em que os objectivos visados necessariamente de dimensão comunitária, não puderem ser suficientemente concretizados pelos Estados-membros (podendo ser melhor realizados a nível comunitário) e apenas no estritamente necessário para tal concretização”.”
Neste sentido, o TFUE refere expressamente que “a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros (art. 63º, nº1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de “Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido” [art. 65º, nº 1 alínea a), do TFUE].
Em face do exposto, verifica-se que a situação da B…… enquanto não residente em Portugal é objectivamente diferente das empresas residentes. Por um lado, só é tributada pelos dividendos em resultado da participação no C…… (correspondente a 8,64%), a uma taxa reduzida (10%), que é até inferior à taxa que seria aplicável a outra empresa não residente, por força da aplicação da Convenção sobre Dupla Tributação celebrada com os Países Baixos. Por outro lado, as empresas residentes são tributadas pelo rendimento global resultante da sua actividade e a taxas muito superiores (cerca de 30%) (Segundo a redacção à data dos factos, o art. 80º, nº 1, do CIRC, referia que a taxa de IRC era de 30% para as empresas residentes. Para as não residentes em geral a taxa era de 25%, segundo o disposto no nº 2.).
Em suma, é de concluir que a legislação portuguesa invocada pela recorrida não viola qualquer norma ou princípio de Direito Comunitário e que não existe nenhuma norma ou princípio de direito comunitário que imponha aos Estados-membros tratamento fiscal igualitário entre residentes e não residentes quando uns e outros se encontrem em situações objectivamente diferentes.
Termos em que improcede a argumentação da recorrida.
4. Da apreciação da legalidade das liquidações à luz da aplicação da Convenção celebrada entre Portugal e os Países Baixos para evitar a Dupla Tributação
Como vimos, a B…… foi objecto de tributação com base na retenção na fonte, com sujeição a uma taxa liberatória de 10%, por aplicação conjunta dos arts. 4º, nº3, alínea c) subalínea 3, 80º, nº2, alínea c), do CIRC, e 10º, nº2, da CDT Portugal/Países Baixos.
A Convenção celebrada entre Portugal e o Reino dos Países Baixos para evitar a Dupla Tributação e prevenir a Evasão Fiscal em matéria de imposto sobre o rendimento e o capital, foi aprovada para Ratificação por Resolução da Assembleia da República nº 62/2000, publicada no Diário da República I Série-A, de 12 de Julho de 2000, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 32/2000, de 12 de Julho (DR nº 159.ª Série A).
Esta Convenção sobre dupla tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos prevalece sobre o direito nacional (Por força do disposto no artigo 8.º da CRP as normas constantes de convenções internacionais validamente celebradas e regularmente ratificadas e aprovadas vigoram na ordem interna logo que publicadas, constituindo fonte mediata de direitos e obrigações para os seus destinatários. Daí a força jurídica da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital.), mas tem de respeitar o Direito Comunitário.
Com efeito, em matéria de convenções celebradas entre os Estados-Membros vigora o princípio segundo o qual estes mantém os seus poderes em matéria de tributação directa, mas devem exercê-los em conformidade com o direito da EU, donde decorre uma proibição para os mesmos de adoptarem quer na legislação nacional quer nas CDT que celebrem medidas fiscais contrárias ao Direito da EU, designadamente por serem medidas fiscais incompatíveis com o principio da liberdade de estabelecimento e com a liberdade de circulação de capitais consagrado no Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).
No caso em apreço dispõe art. 10º da referida Convenção, sob a epígrafe “Dividendos” que:
“1- Os dividendos pagos por uma sociedade residente de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado.
2- Esses dividendos podem, no entanto, ser igualmente tributados no Estado Contratante de que é residente a sociedade que paga os dividendos, e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efectivo dos dividendos for um residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não excederá 10% do montante bruto dos dividendos”.
Por sua vez, o art. 24º, sob a epígrafe “Eliminação da dupla tributação”, estabelece no seu nº 2, que:
“Os Países Baixos, ao tributarem os seus residentes, podem incluir na base sobre a qual esses impostos incidem os elementos do rendimento do capital que, de acordo com o disposto nesta convenção, podem ser tributados em Portugal”.
E, no nº4, acrescenta-se:
“(…) os Países Baixos concedem uma dedução do imposto dos Países Baixos assim calculado relativamente aos elementos do rendimento e do capital que, nos termos do nº 2 do artigo 10º, do nº 2 do artigo 11º, do nº 2 do artigo 12º, do nº 5 do artigo 13º, do nº 1, alínea b), do artigo 14º, do artigo 16º, do artigo 17º, do nº3 do artigo 18º e dos nºs 1 e 2 do artigo 23º desta Convenção, podem ser tributados em Portugal na medida em que tais elementos estejam incluídos na base referida no nº 2. O montante desta dedução será equivalente ao imposto pago em Portugal sobre esses elementos do rendimento ou do capital, mas não excederá o montante da redução que seria concedida se os elementos do rendimento ou do capital assim incluídos fossem os únicos elementos do rendimento ou do capital isentos de imposto dos Países Baixos de acordo com as disposições da legislação dos Países Baixos relativa à eliminação de dupla tributação”.
Do exposto resulta que a B…… goza, no Estado da residência, do direito a um crédito de imposto calculado nos termos mencionados.
Apesar disso, alega a ora recorrida que: “(...) a eventual neutralização por um Estado-Membro, através de convenção bilateral para evitar a dupla tributação, do tratamento discriminatório decorrente de disposições como aquelas constantes do Código do IRC, apenas ocorre quando a convenção confira um crédito integral de imposto, não dependente da tributação no Estado de residência do accionista” [Conclusão E)] e que “O artigo 24.º, n.º 4, da CEDT Portugal/Países Baixos prevê apenas a concessão pelo Reino dos Países Baixos de um crédito ordinário de imposto, condicionado pois à efectiva tributação nesse Estado dos dividendos auferidos em Portugal, motivo pelo qual tal disposição convencional não é apta a neutralizar o tratamento discriminatório que a tributação em Portugal representa [Conclusão E)].
Afigura-se, porém, que não assiste qualquer razão para a alegada incompatibilidade das liquidações efectuadas como os princípios de Direito Comunitário.
Em primeiro lugar, importa realçar que, como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 28/11/2011, proc nº 694, “Quando os rendimentos sejam tributados simultaneamente no Estado de residência e no Estado da fonte, os Estados podem escolher em alternativa dois métodos reconhecidos ao nível do Direito internacional para evitar a dupla tributação, a saber o método da isenção e o da imputação ou crédito de imposto.
No caso deste último método, o Estado da residência tributa o rendimento global do sujeito passivo, incluindo os rendimentos de fonte estrangeira, mas permite a dedução, ao respectivo imposto, de importância equivalente ao imposto pago no Estado da fonte.
A imputação pode ser integral, situação em que o Estado da residência permite a dedução do valor total do imposto pago no Estado da fonte, ou normal, em que a dedução permitida pelo Estado da residência é limitada à fracção do respectivo imposto correspondente aos rendimentos com origem no outro Estado”.
E no mencionado Acórdão sublinha-se, de acordo com a melhor doutrina, “(...) que o método da imputação é o que beneficia de maior aceitação entre os Estados apresentando, entre outras vantagens, “(…) o facto de assegurar um razoável respeito pelo principio da igualdade entre contribuintes e, em particular, pelo princípio da capacidade contributiva. O método da imputação normal visa assegurar a neutralidade fiscal na exportação de capitais e reduzir o custo fiscal suportado pelo Estrado da residência, em termos de privação de receitas fiscais, na eliminação da dupla tributação internacional (Cfr. PAULA ROSADO PEREIRA, Princípios do Direito Fiscal Internacional, Almedina, Coimbra, 2010, p. 151)”.
Por conseguinte, em face do exposto, os objectivos das Convenções sobre Dupla Tributação é o de eliminarem ou atenuarem a dupla tributação jurídica internacional. Por outro lado, as dificuldades invocadas pela recorrida para alcançar a neutralidade fiscal sempre seriam de imputar não ao método consignado na Convenção celebrada entre Portugal e os Países Baixos que, como vimos, é o que acolhe maior aceitação entre os Estados, mas a razões de política fiscal seguida no País de residência, ao decidir isentar os dividendos. Havendo isenção no País de residência, tudo se passa como se a Convenção em causa tivesse consagrado o método da isenção como método de eliminar a dupla tributação, no qual a retenção na fonte é sempre definitiva. Trata-se, porém, de um método (Segundo PAULA ROSADO PEREIRA (cfr. ob. cit., pp. 147-48), pelo método da isenção “o Estado da residência isenta de imposto os rendimentos de origem estrangeira que, de acordo com a Convenção, possam ser tributados no outro Estado contratante (Estado da fonte). Ainda em conformidade com a Autora, o MC OCDE prevê ambos os métodos em alternativa, nos arts. 23º-A e B”.) que, como ficou dito, é tão legítimo como o do crédito de imposto.
Em segundo lugar, também improcede o argumento segundo o qual a CEDT Portugal Países Baixos não altera o juízo de incompatibilidade com o Direito Comunitário das disposições atrás referidas do CIRC que, segundo a óptica da recorrida, acolhida na sentença “a quo”, conferem aos accionistas residentes mecanismos de eliminação da dupla tributação mais favoráveis do que os previstos para os accionistas não residentes. A ser assim, a questão que se coloca é a de saber se mesmo beneficiando a B…… de um crédito de imposto, nos termos estabelecidos na Convenção sobre Dupla Tributação, ainda assim a sua situação é contrária ao Direito da União.
Como se pode ler no Acórdão já referido proferido por este Supremo Tribunal em 28/11/2012, as CDT “são um acordo escrito de vontades entre sujeitos de Direito internacional, maioritariamente Estados, cujo objectivo principal consiste em regular juridicamente as situações tributárias internacionais, de modo a prevenir ou eliminar a ocorrência de dupla tributação internacional no âmbito destas” (Cfr. PAULA ROSADO PEREIRA, ob. cit., pp. 36-37).
Tais mecanismos, através do estabelecimento de limites dentro dos quais os Estados contratantes podem aplicar o seu direito fiscal, no âmbito de uma situação tributária internacional, acabam por definir “a legitimidade de cada Estado para tributar – com ou sem limitações – com recurso ao princípio da residência e ao princípio da fonte”.
Na perspectiva do Direito Fiscal Internacional, uma das limitações à celebração das CDT reside na observância do princípio da não discriminação ou da igualdade de tratamento que tem a sua fonte no art. 24º do Modelo OCDE, cujo conteúdo ou elemento objectivo se traduz “no facto de os estrangeiros (incluindo os apátridas não ficarem sujeitos, num dado Estado, a nenhuma tributação ou obrigação tributária diferente ou mais onerosa do que aquela a que estiverem ou puderem estar sujeitos os nacionais desse Estado que se encontrem na mesma situação. A identidade da situação - de direito e de facto - é, assim, o pressuposto necessário da aplicação do princípio (Cfr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2007, p. 267).
Ainda segundo o Autor que estamos a seguir, “O princípio da não discriminação é corolário do princípio geral da igualdade no que tange ao critério da nacionalidade. Da mesma forma que este consiste na obrigação de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, assim, também o princípio da não discriminação proclama a irrelevância da nacionalidade para fundar um tratamento desigual entre sujeitos que se apresentem objectivamente em situação idêntica, ficando vedada qualquer discriminação tributária, quer esta se traduza numa tributação “mais onerosa”, quer mera tributação “diferente”. Por outro lado, a discriminação proibida é apenas a que se funda na nacionalidade, mas não assim a que se baseia na residência, considerada critério legítimo de tratamento fiscal diferenciado.”
Em face do exposto, resulta mais uma vez claro que, dentro dos limites apontados, o Direito Comunitário respeita as opções das Convenções sobre Dupla Tributação. Assim sendo, beneficiando a B……, em conformidade com a Convenção sobre dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos, de um crédito de imposto, a deduzir no País de residência, a recorrida carece, nesta situação, de base para argumentar que a nossa legislação (que compreende a derivada de Convenções Internacionais) não é compatível com a legislação Comunitária, em termos de fundamentar a existência de discriminação entre accionistas residentes e não residentes.
5. Análise da eventual ilegalidade das liquidações à luz do Despacho do TJUE de 22 de Novembro de 2010.
Finalmente, salvo o devido respeito, também não procede o argumento acolhido pela sentença recorrida para fundamentar a ilegalidade das liquidações, no que se refere à jurisprudência vertida no Despacho do Tribunal de Justiça (Quinta Secção de 22/11/2010, proferido no Processo n.º C-199/10).
O pedido de reenvio dirigido ao TJUE teve por base uma questão analisada no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 17/6/2011, proc nº 01/09, cuja questão de direito é idêntica à que se coloca no caso em apreço.
Com efeito, a questão prejudicial submetida ao TJUE era a de saber se os princípios da não discriminação, da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais “se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados-Membros que prevê uma retenção na fonte de 15% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado-membro a uma sociedade beneficiária com sede noutro Estado-Membro, quando a legislação nacional do primeiro Estado-Membro isenta dessa retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária que nele tenha sede.”
Assim delimitada a questão pode ler-se no mencionado Despacho, entre o mais, que:
“(…) embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados-Membros, estes devem exercer essa competência no respeito do direito da União (v., designadamente, acórdão de 13 de Dezembro de 2005, Marks & Spencer, C-446/03, ….). Assim se falta de medidas de unificação ou de harmonização na União, os Estados-membros continuam a ser competentes para definir, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartição do seu poder de tributação, com vista, designadamente, a eliminar as duplas tributações (acórdãos de 12 de Maio de 1998, Gilly, C-336/96, (...) e de 7 de Setembro de 2006, N, C-470/04, (...)”.
E, no mesmo Despacho pode ainda ler-se, quanto às participações não abrangidas pela Directiva 90/435, compete aos Estados-Membros determinar se, e em que medida, deve ser evitada a dupla tributação económica dos lucros distribuídos, através de convenções, salientando-se que “nos termos do artigo 58º, nº 1, alínea a), CE, o artigo 56º CE não prejudica o direito de os Estados-Membros «aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência» (acórdão de 8 de Novembro de 2007, Amurta, C-379/05...”.
E, ainda, com relevo para o caso em apreço, pode ler-se que “O Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado-membro a fim de evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos lucros distribuídos por uma sociedade residente, os accionistas residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à dos accionistas beneficiários residentes de outro Estado-Membro (acórdão de 14 de Dezembro de 2006, Denkavit lnternationaal e Denkavit France, C- 170705...”.
E o TJUE concluiu que:
Os artigos 56.º CE e 58.º CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados-Membros que prevê uma retenção na fonte de 15% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado-Membro a uma sociedade beneficiária com sede noutro Estado-Membro, quando a regulamentação nacional do primeiro Estado-Membro isenta desta retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária residente. Só assim não será se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado-Membro até ao montante da diferença de tratamento. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal no domínio dos impostos sobre o rendimento, celebrada em 26 de Outubro de 1993 entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha”.
Da jurisprudência mencionada retira-se que não há lugar a qualquer discriminação e consequente violação do Direito Comunitário se o imposto retido no Estado da fonte (Portugal) puder ser imputado no imposto devido no Estado Residente até ao montante da diferença de tratamento, em resultado da aplicação da Convenção sobre dupla tributação celebrada entres os dois Estados.
Mais, resulta do mencionado Despacho do TJUE que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal
Aplicando o exposto ao caso em análise, verifica-se que a Administração Tributária, ao tributar os dividendos através da retenção na fonte à taxa de 10%, se limitou a dar cumprimento ao estatuído no regime jurídico constante da referida Convenção, não incorrendo em qualquer ilegalidade, pois decorre do mesmo diploma que a referida retenção será neutralizada por aplicação de um crédito de imposto nos termos do estatuído no art. 24º, nºs 2 e 4, da mesma.
Como já ficou dito, a aferição da legalidade das liquidações também não depende do alegado pela recorrida e sufragado pela sentença “a quo” quanto ao facto de não poder beneficiar no País da residência do crédito de imposto consagrado no nº 4 do art. 24º da CEDT Portugal/Países Baixos, por os dividendos auferidos se encontrarem aí isentos de tributação.
Tratar-se de um argumento que não tem que ver com a legislação portuguesa de eliminação da dupla tributação, uma vez que caberia ao País de residência diligenciar igualmente no sentido de dar cumprimento à Convenção em causa.
Se o País de residência se move por outras opções de política fiscal, a eventual ausência de neutralidade não pode ser imputada ao País da fonte, que não pode ser prejudicado pela situação criada pelo País de residência. Dito por outras palavras, a legalidade da tributação efectivada em Portugal não pode ficar dependente de a mesma ser ou não obtida no Estado de residência (No mesmo sentido, em situação similar, cfr. o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 28/11/2012, proc nº 694/12.), cujo condicionamento, em virtude de opções no domínio da política fiscal, nos transcendem.
No mesmo sentido vai, aliás, o mencionado Despacho do TJUE quando conclui que “Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal”. O que significa que o importante para aferir a legalidade das liquidações é o que resulta do quadro legal aplicável em Portugal.
Em suma, se pela via do direito do Estado de residência não é possível efectivar-se o crédito de imposto conferido pela CEDT Portugal/Países Baixos, tal argumento não pode ser oponível ao País da fonte, uma vez que este se limita a fazer aplicação do quadro legal vigente na sua ordem jurídica, sendo que a referida convenção se sobrepõe à lei portuguesa.
Por tudo o que vai exposto, tendo a Administração Tributária aplicado às liquidações em causa o regime que resulta da Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos, as mesmas não enfermam de qualquer ilegalidade, em especial por violação do princípio da liberdade de circulação de capitais.” - vide Ac. do STA de 20/02/2013, proferido no proc. n.º 01435/12
VIII – Assim sendo, uma vez que os preceitos da nossa legislação interna não violam os princípios do direito comunitário, designadamente a não discriminação entre tributação efectuada a residentes e a não residentes, não poderá haver lugar a juros indemnizatórios por facto imputável à Administração Tributária.
IX – Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “ad quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes ao acto de liquidação sindicado, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados no disposto nos art.ºs 90.º n.º al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC, bem como da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 e dos art.º 12.º, 46.º, 48.º e 56.º do Tratado CE.
Termina pedindo o provimento do recurso e que a decisão recorrida seja revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.

1.3. A recorrida Z……….. apresentou contra-alegações, formulando as Conclusões seguintes:
A) Os argumentos invocados pela Fazenda Pública para sustentar a existência de um erro de julgamento quanto ao mérito na decisão recorrida improcedem em absoluto;
B) Com efeito, no ano de 2007, a legislação nacional consagrava dois mecanismos equivalentes com vista à não tributação efetiva dos rendimentos decorrentes de lucros distribuídos por sociedades portuguesas, consoante o beneficiário fosse uma entidade com sede em qualquer Estado-Membro da União Europeia ou com sede no território nacional. Previa-se um regime de isenção para as entidades residentes em outros Estados-Membros da União Europeia e um regime de exclusão da base tributável para as entidades com sede em território nacional;
C) Em qualquer dos casos, o efeito de ambos os regimes traduzia-se na não tributação efetiva destes rendimentos em território português;
D) Tal como resulta da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, no momento da ocorrência do facto tributário que deu origem à prática do ato objeto destes Autos, encontravam-se verificados, com exceção da residência em território português da entidade beneficiária dos dividendos, todos os requisitos de que dependia a aplicação dos artigos 46.º, n.º 1, e 90.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC;
E) Assim, se a recorrida fosse, à data dos referidos factos, residente em território português, não teria sido tributada no ano de 2007 no valor de € 1.621.423,01, como efetivamente sucedeu;
F) Ora, o Direito da União Europeia, por força da cláusula de receção automática do direito internacional (o n.º 2 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa), integra-se imediatamente na ordem interna dos Estados-membros e o Direito da União originário pode ter efeito direto, ou seja, pode ser invocado diretamente pelos particulares perante o Estado ou perante outros particulares;
G) Os princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais gozam de efeito direto e podem ser diretamente invocados pelos particulares, devendo os tribunais nacionais, por força do primado do Direito da União Europeia, desaplicar as normas internas que com os mesmos contendam;
H) Tal como esclareceu o TJUE, no célebre Acórdão Amurta, “os artigos 56.º CE e 58.º CE se opõem à legislação de um Estado-Membro que, quando não é ultrapassado o nível mínimo das participações da sociedade mãe no capital da filial previsto no artigo 5.º, n.º 1, da Directiva 90/435, prevê uma retenção na fonte sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade estabelecida nesse Estado-Membro a uma sociedade beneficiária estabelecida noutro Estado-Membro, isentando dessa retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária que esteja sujeita, no primeiro Estado-Membro, ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas ou disponha, nesse mesmo Estado-Membro, de um estabelecimento estável a que pertençam as acções detidas pela sociedade que procede à distribuição” (cf. Acórdão de 8 de Novembro de 2007, proferido no processo C-379/05);
I) Também no processo C-199/10, o TJUE precisou que “Os artigos 56.º CE e 58.º CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados Membros que prevê uma retenção na fonte de 15% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado Membro a uma sociedade beneficiária com sede noutro Estado Membro, quando a regulamentação nacional do primeiro Estado Membro isenta desta retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária residente. Só assim não será se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado Membro até ao montante da diferença de tratamento” (cf. Despacho do TJUE, quinta secção, de 22 de Novembro de 2010, proferido no processo C-199/10, em que se discutia a eventual violação do artigo 56.º CE relativamente a retenções na fonte sofridas por uma sociedade residente em Espanha aquando da distribuição de dividendos por uma sociedade com residência em Portugal).
J) Neste último despacho, o TJUE salientou que “[n]o que respeita a participações não abrangidas pela Directiva 90/435, compete aos Estados-Membros determinar se, e em que medida, deve ser evitada a dupla tributação económica dos lucros distribuídos e introduzir, para esse efeito, de modo unilateral ou através de convenções celebradas com outros Estados-Membros, mecanismos destinados a evitar ou a atenuar essa dupla tributação económica. Contudo, este simples facto não lhes permite aplicar medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado (v., neste sentido, acórdão de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C-374/04, Colect., p.I-11673, n.º 54)”;
K) O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de fevereiro de 2013, proferido no Processo n.º 01435/12 não acolhe corretamente a jurisprudência do TJUE nesta matéria;
L) Com efeito, e como melhor se compreende através de um segundo Despacho Fundamentado emitido pelo TJUE na mesma matéria (o Despacho Fundamentado de 18 de junho de 2012, proferido no âmbito do processo C-38/11 e disponível em www.curia.europa.eu), a neutralização da discriminação por meio da aplicação de uma convenção de eliminação da dupla tributação só pode ocorrer “se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fração dele”.
M) Idêntica conclusão se retira do Acórdão do TJUE de 20 de outubro de 2011, proferido no processo C-284/09, em que se afirma que a “República Federal da Alemanha não pode, por isso, alegar que a dedução do imposto retido na Alemanha ao imposto devido no outro Estado-Membro, em aplicação das convenções destinadas a evitar a dupla tributação, permite em todos os casos neutralizar a diferença de tratamento decorrente da aplicação do disposto na legislação fiscal nacional ou nas convenções que têm por efeito reduzir a taxa da retenção na fonte (n.º 70) [no mesmo sentido, v. os Acórdãos de 3 de junho de 2010, proferido no processo C-487/08 (Comissão c. Espanha) e de 19 de novembro de 2009, proferido no processo C-540/07 (Comissão c. Itália)];
N) O mesmo decorre do Despacho Fundamentado de 18 de Junho de 2012, 5.ª secção, proferido no processo C-38/11, no qual o TTUE salientou que “O Tribunal de Justiça já decidiu que, para participações não abrangidas pela Diretiva 90/435, compete aos Estados-Membros determinar se, e em que medida, deve ser evitada a dupla tributação económica dos lucros distribuídos e adotar, para esse efeito, de modo unilateral ou através de convenções celebradas com outros Estados-Membros, mecanismos destinados a evitar ou a atenuar essa dupla tributação económica. No entanto, esta situação não lhes permite aplicar medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado FUE (v. acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.º 54; Amurta, n.º 24; e Aberdeen Property Fininvest Alpha, n.º 28)”;
O) O Tribunal de Justiça não considera neutralizada, portanto, a discriminação resultante da aplicação do direito de um Estado-Membro pelo simples facto de o resultado dessa discriminação poder, em abstrato, ser eliminado através de mecanismos convencionais – diferentemente, considera que é preciso analisar, casuisticamente, se a discriminação é efetivamente anulada através daqueles mecanismos;
P) E tal como se destacou o TJUE, “a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição dos dividendos só pode ser neutralizada através deste método de imputação se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fração dele (v. acórdãos, já referidos, Comissão/Itália, n.º 38; Comissão/Espanha, n.º 62; e Comissão/Alemanha, n.º68) (cf. despacho do TFUE de 18 de Junho de 2012, quinta secção, proferido no Processo C-38/11);
Q) Foi com base nas decisões do TJUE acima indicadas, acolhidas no já referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de fevereiro de 2012, proferido no recurso n.º 01017/11, disponível em www.dgsi.pt) que o Tribunal a quo se ocupou de saber se os rendimentos estão ou não sujeitos a imposto em Espanha e se o imposto pago em Portugal pode ser recuperado através da dedução ao imposto devido naquele outro país;
R) Acontece que, tal como verificou o Tribunal a quo, o imposto pago em Portugal pela recorrida no ano de 2007 não foi, nem era, suscetível de ser recuperado em Espanha, já que os rendimentos provenientes de dividendos distribuídos à recorrida não foram tributados naquele Estado-Membro, não sendo, por conseguinte, possível, deduzir à coleta de imposto o valor do imposto suportado em Portugal;
S) Assim, é evidente que as disposições legais internas contrariam o princípio da liberdade de circulação de capitais, não sendo, sequer, tal efeito discriminatório neutralizado pela aplicação da CDT com Espanha;
T) Foi, também, este o entendimento seguido nos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 9 de outubro de 2012 e de 30 de outubro de 2012, proferidos, respetivamente, nos processos 05650/12 e 05352/12, ambos disponíveis em www.dgsi.pt);
U) Bem decidiu, portanto, o Tribunal a quo ao decidir que o regime previsto no artigo 14.º do Código do IRC e, bem assim, no artigo 89.º do Código do IRC, na redação anterior à dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, consubstanciava um tratamento fiscal diferenciado dos rendimentos auferidos por entidades residentes em outros Estados da União Europeia, intolerável à luz dos princípios da não discriminação (artigo 12.º CE) e da livre circulação de capitais (artigo 56.º CE);
V) Acresce que, em qualquer caso, não se poderá concluir como se concluiu no Acórdão de 20 de fevereiro de 2013 do Supremo Tribunal Administrativo citado pela Fazenda Pública.
W) Na verdade, mesmo admitindo que a questão de saber se as regras jurídicas internas violam, ou não, o princípio europeu da liberdade de circulação de capitais não se encontra dependente das normas de direito interno espanhol, sendo, portanto, irrelevante, para esse efeito, o tratamento fiscal que os rendimentos em apreço tenham no Estado-membro de residência (no caso em apreço, em Espanha), a conclusão pela violação do princípio da liberdade de circulação de capitais seria inevitável.
X) É que, como bem indica o TJUE, importa, para aferir da eventual discriminação, saber se o ordenamento jurídico interno português assegura a eliminação total da tributação dos dividendos obtidos por uma entidade espanhola que preencha os requisitos que a legislação portuguesa exige para a não tributação dos mesmos rendimentos entre entidades sedeadas em Portugal;
Y) E, no caso em apreço, é evidente que as normas convencionais previstas na CDT com Espanha não são suscetíveis de garantir, em todas as situações, a neutralização do efeito produzido pelas normas previstas no Código do IRC;
Z) De facto, o mecanismo previsto naquela Convenção, consiste na possibilidade de dedução do imposto retido na fonte ao imposto a pagar em Espanha e essa dedução encontra-se limitada à “fracção do imposto, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados em Portugal” (cf. artigo 23.º da Convenção);
AA) Isto significa que a neutralização da tributação ocorrida em Portugal – construída convencionalmente como dedução à coleta de imposto – se encontra dependente de vários fatores cumulativos, a saber: (i) que o rendimento em causa seja tributado em Espanha, ou seja, que seja incluído na base tributável, (ii) que a sociedade beneficiária tenha uma base tributável positiva (ou seja, que exista matéria tributável), e que (iii) a taxa de imposto em Espanha seja, pelo menos, igual, à da retenção na fonte sofrida em Portugal;
BB) O mesmo é dizer que as normas que vigoram no ordenamento interno português não são suscetíveis de assegurar em todas as circunstâncias a não tributação do rendimento auferido pelas beneficiárias espanholas, coisa que ocorreria em todas as circunstâncias se as beneficiárias fossem sociedades com sede em Portugal.
CC) No caso em apreço, verifica-se que a retenção na fonte sofrida pela recorrida não era suscetível de ser “recuperada” em Espanha, uma vez que os rendimentos provenientes de dividendos distribuídos à recorrida não são tributados naquele Estado-Membro, não lhe sendo, por conseguinte, possível, deduzir à coleta de imposto o valor do imposto suportado em Portugal, ou recuperar de qualquer forma o valor retido em Portugal.
DD) O que significa, portanto, que o prejuízo sofrido pela recorrida não é temporário, não lhe sendo sequer assegurada a possibilidade de recuperar, a final, a totalidade imposto pago por retenção na fonte, nem no Estado da sua residência, nem através dos mecanismos previstos na legislação portuguesa para recuperação das quantias retidas na fonte (nomeadamente o previsto no antigo artigo 89.º do Código do IRC, em virtude de a recorrida não preencher os requisitos de participação e detenção mínimos previstos, à data, na Directiva 90/435/CEE).
EE) Outra interpretação diversa da que foi adotada pelo Tribunal a quo será sempre atentatória dos princípios europeus da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais, sendo, por consequência ilegal e, inclusivamente, inconstitucional, por violação do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. E será igualmente violadora do princípio do primado do direito da União, posto que as decisões do TJUE são fonte de direito.
FF) Atenta a jurisprudência vertida nos citados Despacho Fundamentado do TJUE de 18 de junho de 2012, proferido no processo C-38/11, e Acórdãos de 3 de junho de 2010, proferido no processo C-487/08 e de 19 de novembro de 2009, preferido no processo C-540/07, não poderá o Tribunal ad quem pronunciar-se no sentido que é defendido pela Fazenda Pública sem antes submeter tal entendimento à pronúncia do TJUE através do denominado reenvio prejudicial, posto que a decisão dos presentes Autos depende da interpretação daquelas normas do Tratado, nomeadamente quanto ao seu alcance e o reenvio é obrigatório quando a decisão do tribunal nacional não for suscetível de recurso ordinário;
GG) Para a boa decisão da causa impor-se-á, a título prejudicial, suscitar a pronúncia do TJUE quanto às seguintes questões:
1. Os artigos 63.º e 65.º do TFUE (e anteriormente os artigos 56.º e 58.º do CE) opõem-se à legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa nestes Autos, que não permite a uma sociedade residente noutro Estado-Membro que detém, numa sociedade residente em Portugal, uma participação superior a € 20.000.000,00 mas inferior a 20 % do capital social, obter a isenção do imposto sobre as distribuições de dividendos efetuadas pela sociedade residente em Portugal e sujeita, assim, tais dividendos à dupla tributação económica, ao passo que, no caso de os dividendos serem distribuídos a uma sociedade residente em Portugal que detenha o mesmo tipo de participação, essa dupla tributação económica dos dividendos é evitada?
2. Na situação anterior, pode tal discriminação ser afastada no caso de um Estado-Membro invocar a aplicação de uma convenção destinada a evitar a dupla tributação e se verificar essa convenção não assegura em todas as situações (e em particular no caso de não ser possível imputar a totalidade do imposto pago no Estado da fonte [Portugal] no imposto pago no Estado de Residência [Espanha]) a recuperação total do valor total pago a título de imposto no Estado da fonte?
HH) Acresce também que não pode proceder o argumento segundo o qual existiam, in casu, razões objetivas que justificavam um tratamento fiscal diferente para contribuintes residentes e não residentes;
II) Na verdade, ainda que se admita que os Estados-Membros possam estabelecer regime diversos para situações de contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência, o certo é que, como bem observou o TJUE “a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes (acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.º68, Denkavit Internationaal e Denkavit France, nº 35, e Amurta, nº 38)” (cf. Despacho do TJUE, quinta secção, de 22 de novembro de 2010, proferido no processo C-199/10 - o sublinhado é da recorrida);
JJ) Também não existe qualquer razão de interesse geral, como seja a necessidade de evitar a fraude e evasão fiscais ou qualquer outra justificação, que possa sustentar a aplicação de regime diferenciados;
KK) Deve, portanto, manter-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, uma vez que o ato de liquidação / retenção na fonte contestado é ilegal por consubstanciar a aplicação de disposições legais internas atentatórias dos princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais previstos nos artigos 12.º e 56.º CE (atuais artigos 18.º e 63.º do TJUE) e, nessa medida, também inconstitucionais, por violação do disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa;
LL) E resultando tais atos de liquidação da desconformidade da legislação portuguesa com o Direito da União Europeia, é evidente que deve ser reconhecido o direito da recorrida a juros indemnizatórios já que, esta atuação desconforme com a Lei e o erro daí decorrente é imputável aos Serviços, como tem defendido, uniformemente a doutrina e a jurisprudência.
MM) Precavendo-se quanto a uma eventual procedência dos argumentos da Fazenda Pública – no que não se concede –, sempre dirá a recorrida que o ato de liquidação objeto destes Autos é igualmente ilegal por assentar em normas internas que contrariavam o princípio da liberdade de estabelecimento, previsto nos artigos 43.º a 48.º CE (atuais artigos 49.º e 54.º do TFUE), bem como por violar o disposto no artigo 10.º da CDT com Espanha;
NN) Com efeito, o exercício pleno da liberdade de estabelecimento, articulado com o princípio da não-discriminação, impede a existência de entraves fiscais à criação e manutenção, por uma pessoa coletiva estabelecida no território de um Estado-Membro, de agência, sucursal ou filial no território de outro Estado-Membro (cf. os artigos 43.º e 12.º CE).
OO) O TJUE tem vindo a qualificar como discriminação proibida pelo Tratado, a diferença, injustificada, de tratamento entre contribuintes residentes e contribuintes não residentes, ou seja, “quando não exista qualquer diferença de situação objectiva susceptível de justificar a referida diferença de tratamento” (cfr. ponto 25 do Acórdão Denkavit Internationaal e em sentido convergente, vide, ainda, os Acórdãos “Schumacker”, de 14 de Fevereiro de 1995, e “Royal Bank of Scotland”, de 29 de Abril de 1999);
PP) Ora, resulta dos factos dados como provados que, na data da prática dos atos de retenção na fonte, que, exceção feita à residência da recorrida em território português, se encontravam reunidos todos os pressupostos de que dependia a não tributação do rendimento recebido pela recorrida. Assim, se a recorrida fosse, à data dos referidos factos, residente em território português, não teria sido tributada como, efetivamente, sucedeu;
QQ) O que implica que se conclua que o regime previsto na legislação interna deve ser qualificado como discriminatório e, como tal, ofensivo dos artigos 43.º e 48.º CE, sendo, por consequência, ilegal o ato de liquidação contestado.
RR) Quanto a esta questão, considera a recorrida que também se suscitará a obrigatoriedade de reenvio, posto que a interpretação destes mesmos preceitos constitui uma questão prejudicial para a decisão da causa, devendo o Tribunal ad quem suscitar a pronúncia do TJUE, colocando questões similares às anteriormente indicadas a propósito da interpretação dos princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais;
SS) O ato de retenção na fonte enferma também de erro, por não traduzir a devida aplicação da taxa convencional de 15%, prevista no artigo 10.º da CDT com Espanha;
TT) Com efeito, tendo em consideração a função negativa desempenhada pelos tratados de dupla tributação, as disposições convencionais eram, in casu, de aplicar, somente, também, a 50% dos referidos dividendos, já que, por efeito do disposto no n.º 1 do artigo 59.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a base tributável sobre a qual incide a taxa de IRC equivale a 50% do montante total recebido a esse título.
UU) Assim, na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º da CDT com Espanha é de subsumir, apenas, o montante bruto dos dividendos efetivamente tributados ao abrigo do direito ordinário português, ou seja, in casu, 50% da totalidade dos dividendos recebidos pela recorrida em 2007;
VV) Não tendo sido esse o caso, a Administração tributária arrecadou indevidamente, por violação da referida disposição convencional, o valor de € 405.355,75, pelo que se impõe a anulação parcial do indicado ato de retenção na fonte na proporção dessa invalidade.
Termina pedindo:
─ Que seja negado provimento ao recurso e se confirme integralmente a sentença recorrida.
─ Que no caso de assim não ser atendido e atento o previsto no artigo 684º-A do CPC, deverá ser ampliado o âmbito do presente recurso, e, consequentemente, ser anulado o ato de retenção na fonte impugnado, por assentar em normas internas que contrariam os princípios da não discriminação e da liberdade de estabelecimento (previstos nos artigos 11º e 43º CE).
─ Subsidiariamente, deverá, ainda, ser parcialmente anulado o ato impugnado, por assentar em erro sobre os respetivos pressupostos de direito (porquanto resulta de uma não aplicação da taxa prevista no artigo 10.º da CDT com Espanha).
─ A anulação do ato impugnado deverá determinar, igualmente, a devolução à recorrida da quantia indevidamente retida, acrescida de juros indemnizatórios.

1.4. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
«1. O presente recurso interposto pela Fazenda Pública insurge-se contra a sentença recorrida proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, invocando erro de julgamento, por errada interpretação do direito aplicável, já que no seu entender se verifica a intempestividade da acção, por não ter sido respeitado o prazo da reclamação graciosa, e retenção na fonte de que foi objecto a impugnante e aqui recorrida não viola o direito comunitário. Para o efeito louva-se na doutrina do recente acórdão do STA de 20/02/2013 (proc nº 01435/12), que transcreveu para as suas alegações, e conclui pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra que julgue a acção improcedente.
2. Para se decidir pela procedência da acção de impugnação o Mmo. Juiz “a quo” aduziu a seguinte fundamentação:
_ No que respeita à intempestividade da reclamação graciosa, salientou que não ficou demonstrado que o acto de retenção impugnado tenha sido realizado segundo orientações genéricas emitidas pela administração tributária, motivo pelo qual não se mostram reunidos os pressupostos de aplicação do nº3 do artigo 131º, por remissão do nº6 do artigo 132º, ambos do CPPT.
_ No que respeita à violação do direito comunitário, salientou o facto de “no momento da ocorrência dos factos tributários … encontravam-se verificados, com excepção da residência em território português da entidade beneficiária dos dividendos, todos os requisitos de que dependia a aplicação dos artigos 46º, nº1, e 90º, nº1, alínea c) do CIRC. Pelo que se a impugnante fosse, à data dos referidos factos, residente em território português, não teria sido tributada nos anos de 2005 e de 2006, nos valores de “…de…”.
_ E invocando a doutrina do acórdão do STA de 29/02/2012 (proc 1017/11), e a jurisprudência do TJUE, vertida nos processos C-379/05 e C-199/10, designadamente o despacho de 22/11/2010 exarado neste último processo, e o facto da jurisprudência do TJUE ter carácter vinculativo em matéria de direito comunitário, o Mmo. Juiz “a quo” entendeu que «só será de concluir que não haverá violação do direito comunitário se o imposto retido na fonte em Portugal puder ser deduzido no imposto cobrado em Espanha e, em caso positivo, se o imposto pago em Portugal pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha».
_ E concluiu: «Tal como decorre da matéria de facto dada como assente, os rendimentos auferidos pela impugnante não estão sujeitos a imposto em Espanha, pelo que o imposto pago em Portugal não pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha».
_ Tendo de seguida esclarecido tal asserção, nos seguintes termos: «Com efeito, isso mesmo resulta das declarações de rendimentos apresentadas pela impugnante por referência ao ano de 2007, que não mereceu qualquer tipo de apreciação por banda da administração tributária. E decorre do disposto nos artigos 116º, 117º e 21º da “Ley del Impuesto sobre Sociedades”, na redacção do Real Decreto Legislativo nº 4/2004, de 5 de Março.
_ Por último conclui: «Nesta medida, …cumpre concluir pela verificação de uma restrição não justificada à livre circulação de capitais, assim contendendo com o direito comunitário. Porque assim é, afigura-se evidente que não se podem manter na ordem jurídica os atos de retenção na fonte impugnados, impondo-se a sua anulação».
3. Na decisão recorrida deram-se como assentes os seguintes factos:
1. No dia 21/12/2004 a “U……..” transmitiu à impugnante um lote de 151.277.092 acções emitidas pela “V……….., S.A.”, com o valor de € 161.784.847,65 8ª que corresponde um valor unitário de cerca de € 1,07), passando a impugnante a deter um total de 151.402.092 acções daquela mesma sociedade (doc.s 3 e 4 da PI);
2. A impugnante manteve de forma ininterrupta, desde o dia 21/12/2004 até pelo menos ao dia 04/05/2007, 147.402.092 acções representativas de 4,03% do capital social da “V………, S.A.”, às quais corresponde uma valor de aquisição global de € 157.720.238,40;
3. No dia 04/05/2007 o “X…………, SUCURSAL EM PORTUGAL” colocou à disposição da impugnante “Z……… UNIPERSONAL”, a título de lucros distribuídos pela “V………, S.A.” relativos ao exercício de 2006, o montante de € 16.214.230,12 euros;
4. E na qualidade de substituto tributário o mesmo “X…….., SUCURSAL EM PORTUGAL” procedeu à respectiva retenção na fonte de IRC no valor de € 1.621.423,01 euros;
5. No dia 04/05/2009 a impugnante apresentou reclamação graciosa contra o acto de retenção na fonte identificado no ponto 4);
6. Esta reclamação graciosa foi indeferida por despacho …datado de 20/08/2009;
7. A impugnação judicial foi apresentada em …10/09/2009.
4. No que respeita à intempestividade da acção a Fazenda Pública alega que o prazo de apresentação da reclamação graciosa no caso dos autos é o prazo geral e não o consignado no artigo 132º do CPPT. Ou seja, em vez do prazo de 2 anos previsto no citado artigo 132º, entende a Fazenda Pública que o prazo da reclamação graciosa, por ser facultativa, é o prazo de 120 dias, previsto no artigo 70º do CPPT, motivo pelo qual considera que a reclamação apresentada é intempestiva. Alega a Fazenda Pública a este respeito que no âmbito da reclamação graciosa a controvérsia restringia-se à matéria de direito, motivo pelo qual para efeitos de impugnação a lei não impõe a dedução obrigatória de reclamação graciosa.
Afigura-se-nos, contudo, que não lhe assiste razão. Como se invoca na sentença recorrida, não ficou demonstrado que o acto de retenção tenha sido realizado de acordo com orientações genéricas da administração tributária e o disposto no nº 3 do artigo 131º exige a verificação dos dois requisitos em simultâneo (daí a utilização da copulativa “e”): que a impugnação do acto tenha por fundamento exclusivamente matéria de direito e que o acto tenha sido realizado de acordo com as orientações genéricas da administração tributária. Com efeito, neste caso não faz sentido a obrigatoriedade da reclamação graciosa, uma vez que a posição da administração tributária já está definida.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida fez correcta aplicação do direito e nessa medida não padece do vício que lhe é imputado pela Recorrente, devendo a questão da tempestividade da reclamação graciosa ser confirmada.
5. No que respeita à violação do direito comunitário, entendemos igualmente que a sentença recorrida fez correcta interpretação e aplicação do direito e da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).
A questão que importa apreciar consiste em saber se as retenções de IRC, a título definitivo, efectuadas pelo substituto “X………., SUCURSAL EM PORTUGAL” sobre os dividendos distribuídos à impugnante e aqui recorrida, relativos ao exercício de 2006, à taxa liberatória de 20%, em razão da localização em Espanha da sede da impugnante, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 90º, nº1, alínea c), 46º, nº1, 85º, nº2, alínea c), 14º, nº3, e 89º, nº1, todos do CIRC, viola os princípios comunitários da não discriminação, liberdade de estabelecimento e livre circulação de capitais, previstos nos artigos 12º, 43º, 48º e 56º do Tratado CE.
Com efeito e ao contrário do que vem alegado pela Fazenda Pública, da tributação dos dividendos distribuídos à Recorrida resulta uma discriminação arbitrária e uma restrição à livre circulação de capitais. E sendo certo que “não existe nenhuma norma ou princípio de direito comunitário que imponha aos Estados-Membros tratamento fiscal igualitário entre residentes e não residentes quando uns e outros se encontrem em situações objectivamente diferentes”, certo é que não ficou demonstrada esta última parte da asserção, ou seja, que a Recorrida e as demais empresas beneficiárias residentes se encontrem em “situação objectivamente diferente”, diferença que aliás a Fazenda Pública nem sequer se dignou concretizar. Não basta invocar excertos e asserções genéricas da jurisprudência do TJUE. Importa igualmente concretizar os termos em que essas asserções se aplicam ao caso concreto em apreciação no processo.
Ora, como se deixou exarado no despacho de 22/11/2010 proferido no processo nº C-199/10 do TJUE, se “nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea a), CE, o artigo 56.º CE não prejudica o direito de os Estados-Membros «aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência» (acórdão de 8 de Novembro de 2007, Amurta, C-379/05, Colect., p. I-9569, n.º 30)”, também é certo que a derrogação prevista na referida disposição é ela própria limitada pelo artigo 58.º, n.º 3, CE, que prevê que as disposições nacionais referidas no n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 56.º [CE]» (acórdão Amurta, já referido, n.º 31).
E acrescenta o mesmo tribunal, “resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v. acórdão Amurta, já referido, n.º 32 e jurisprudência referida). E conclui: “a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes (acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.º 68, Denkavit Internationaal e Denkavit France, n.º 35, e Amurta, nº 38).
Ou seja, e voltando ao caso concreto dos autos, a partir do momento em que o Estado Português decidiu não tributar os dividendos, procurando evitar uma dupla tributação, então esse benefício é extensível tanto aos beneficiários residentes como aos não residentes, uma vez que a posição de uns se assemelha à dos outros. Só pode ocorrer tratamento diferenciado se a diferença de tratamento disser respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral. Ora, nos caso concreto dos autos não foi concretizado nem ficou minimamente demonstrado que a situação da impugnante e aqui recorrida não seja objectivamente semelhante à das outras sociedades beneficiárias, nem o tratamento diferenciado que a administração tributária reivindica tenha sido por esta justificado com razões imperiosas de interesse geral.
Na verdade, se a razão subjacente à não tributação dos dividendos reside no facto de a matéria tributável já ter sido objecto de tributação em sede de IRC em fase anterior (na esfera da distribuidora dos dividendos) e dessa forma se evitar a dupla tributação económica, então tanto os accionistas beneficiários (dos dividendos) residentes como não residentes se encontram na mesma posição perante aquela situação, ou seja, tanto uns como outros podem ser sujeitos a uma dupla tributação económica. E essa situação não se altera pelo facto de a recorrida ter a sua sede noutro Estado-Membro.
Como se deixou exarado no mesmo despacho do TJUE de 22/11/2010 (processo C-199/10), “Nesse caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação da capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.º CE, o Estado de residência da sociedade que procede à distribuição deve certificar-se que, em relação ao mecanismo previsto pela sua legislação nacional para prevenir ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades accionistas não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades accionistas residentes (v. acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.º 70, e Amurta, n.º 39).
Caso não haja esse tratamento equivalente, as sociedades não residentes são dissuadidas de fazer aplicação dos seus capitais naquele estado-membro e nessa medida ocorre uma restrição à livre circulação de capitais, violando-se o disposto no artigo 63º do Tratado (ex artigo 56º do CE).
E não se invoque a jurisprudência do TJUE no âmbito do processo C-279/93 (acórdão de 14/02/1995 - caso “Schumacker”), no sentido de que “o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes, o que sucede, por exemplo, por a maior parte do rendimento do não residente ser normalmente obtido no seu Estado de residência” para se extrapolar para a asserção de que “os residentes e não residentes não se encontram, em geral, em situações comparáveis, porque assentes numa diferença objectiva relevante entre os sujeitos passivos”.
Na verdade, o caso concreto objecto de análise no citado processo C-279/93, por parte do TJUE é significativamente diverso do caso concreto dos autos, uma vez que se reporta a tributação de rendimentos auferidos por pessoa singular em Estado-Membro diverso da sua residência e essas conclusões do TJUE não se podem, sem mais, extrapolar para o caso dos autos. Por outro lado nesse caso o TJ partia do pressuposto que a “situação dos residentes é diferente, na medida em que o essencial dos seus rendimentos é normalmente centralizado no Estado de residência. Por outro lado, este Estado dispõe geralmente de todas as informações necessárias para apreciar a capacidade contributiva global do contribuinte, tendo em conta a sua situação pessoal e familiar”. E o TJUE não deixou de concluir pela verificação de tratamento discriminatório naquele caso concreto daquele processo, uma vez que “o não residente não aufere rendimentos significativos no Estado de residência e obtém o essencial dos seus recursos tributáveis de uma actividade exercida no Estado de emprego, de modo que o Estado de residência não se encontra em condições de lhe atribuir os benefícios resultantes da tomada em consideração da sua situação pessoal e familiar”.
Ou seja, embora a legislação de determinado Estado possa em abstracto estar em conformidade com o direito comunitário, o resultado da sua aplicação a um caso concreto pode consubstanciar um tratamento discriminatório em função da residência do seu destinatário num outro Estado-Membro. E nessa medida para efeitos de verificar se existe ou não tratamento discriminatório que viole o princípio da livre circulação de capitais importa analisar se as sociedades residentes e não residentes beneficiárias dos dividendos se encontram ou não em situações objectivamente diferentes que afastem esse juízo discriminatório.
Ora, a Recorrente Fazenda Pública não logrou minimamente demonstrar essa diferenciação objectiva, nem isso resulta da argumentação aduzida no acórdão do STA de 20/02/2013 (proc. 01435/12) transcrito pela Recorrente, cuja doutrina se nos afigura, salvo o devido respeito, não ser a melhor.
Na verdade o argumento ali aduzido de que a sociedade não residente é tributada em Portugal apenas numa parcela dos seus rendimentos e a uma taxa inferior à taxa de IRC aplicável às empresas residentes não assume pertinência para apreciação da questão do tratamento discriminatório em face da posição semelhante das empresas residentes e não residentes perante os dividendos distribuídos por empresa residente.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida não padece do vício de ilegalidade que lhe é assacado pela Recorrente, uma vez que fez uma correcta interpretação e aplicação do direito comunitário à luz da jurisprudência do TJUE sobre casos similares, vertida nomeadamente nos acórdãos de 08/11/2007 e 03/06/2010, proferidos nos processos C-379/05 (Amurta) e C-487/08, respectivamente, e no despacho de 22/11/2010, proferido no processo C-199/10.
E assim sendo deve a mesma ser confirmada e o presente recurso ser julgado improcedente.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.


FUNDAMENTOS

2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A. A impugnante é uma sociedade comercial sediada em Espanha e sem estabelecimento estável em território português encontrando-se ali sujeita a Imposto sobre as Sociedades (Doc. 2 da petição inicial).
B. No dia 21/12/2004, a “U……” transmitiu à impugnante um lote de 151.277.092 acções emitidas pela “V…….., S.A.”, com o valor de € 161.784.847,65 (a que corresponde um valor unitário de cerca de € 1,07), passando a impugnante a deter um total de 151.402.092 acções daquela mesma sociedade (Docs. 3 e 4 da PI).
C. A impugnante manteve de forma ininterrupta, desde o dia 21/12/2004 até pelo menos ao dia 04/05/2007, 147.402.092 acções, representativas de 4,03% do capital social da “V………., S.A.”, às quais corresponde um valor de aquisição global de € 157.720.238,40 (cento e cinquenta e sete milhões, setecentos e vinte mil, duzentos e trinta e oito euros e quarenta cêntimos) (Docs. 5 e 6 da PI).
D. No dia 04/05/2007, o “X……….” colocou à disposição da impugnante, a título de lucros distribuídos da “V………, S.A.”, relativos ao exercício de 2006, o montante de € 16.214.230,12 (dezasseis milhões, duzentos e catorze mil, duzentos e trinta euros e doze cêntimos) (Doc. 7 da PI).
E. E na qualidade de substituto tributário, o mesmo “X………, Sucursal em Portugal” procedeu à respectiva retenção na fonte de IRC no valor total de € 1.621.423,01 (um milhão, seiscentos e vinte e um mil, quatrocentos e vinte e três euros e um cêntimo) (Docs. 7 e 8 da PI).
F. Tendo creditado na conta da impugnante o valor de € 14.592.807,11 (catorze milhões, quinhentos e noventa e dois mil, oitocentos e sete euros e onze cêntimos) (Doc. 7 da PI).
G. No dia 04/05/2009, a impugnante apresentou reclamação graciosa contra o acto de retenção na fonte identificado no ponto E (Doc. 9 da PI).
H. Esta reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, datado de 20/08/2009 (Doc. 1 da PI).
I. A presente impugnação judicial foi apresentada em juízo no dia 10/09/2009 (SITAF).
J. No dia 08/10/2007, foi emitida a procuração junta a fls. 46/67, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, outorgada por ………., na qualidade de presidente do conselho de administração da impugnante (fls. 46/67).
K. Na declaração de rendimentos do ano de 2007, entregue pela impugnante em Espanha, esta indicou no respectivo campo 11 tratar-se de uma “entidad de tenencia de valores extranjeros” (fls. 594/607).
L. Mais indicou no respectivo quadro B (participaciones directas de la declarante en otras sociedades y de otras personas o entidades en la declarante a la fecha de cierre del período declarado) a participação que detinha na “V………., S.A.”, no valor nominal de € 147.402.092,00, correspondente a 4,03% do capital social daquela participada (fls. 594/607).
M. E no campo 533 (correciones al resultado contable) da mesma declaração de rendimentos, a impugnante deduziu o valor correspondente aos rendimentos obtidos, no montante de € 42.387.654,08, por se tratar de rendimentos isentos de tributação (fls. 594/607).

3.1. A sentença recorrida começou por enunciar e apreciar duas questões prévias suscitadas pela Fazenda Pública: a da falta de representação da impugnante e a da caducidade do direito de acção.
Quanto à falta de representação, a sentença considerou regularmente representada a impugnante, dado que essa representação pode ser concretizada através do mandato constituído nos termos do art. 40º do CPC, especialmente quando na outorga de poderes aos mandatários, com escritório em Portugal, se confiram poderes especiais para deduzir quaisquer petições, reclamações ou exposições perante a AT.
Quanto à caducidade do direito de acção, por intempestividade da reclamação graciosa, a sentença considerou que não ficou demonstrado que o acto de retenção impugnado tenha sido realizado segundo orientações genéricas emitidas pela AT, motivo pelo qual não se mostram reunidos os pressupostos de aplicação do nº 3 do art. 131º, por remissão do nº 6 do art. 132º, ambos do CPPT.
Em seguida, em sede de apreciação do mérito da impugnação, a sentença enunciou as seguintes questões a decidir:
─ ilegalidade da liquidação por não ter o substituto tributário aplicado a taxa correcta de tributação dos dividendos, prevista na Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha, caso se considere a mesma devida.
─ ilegalidade da retenção na fonte sobre os dividendos auferidos pela impugnante, por violação do princípio comunitário da não discriminação em razão da nacionalidade, e do princípio da liberdade de circulação de capitais.

3.2. E apreciando em primeiro lugar esta segunda questão da violação do direito comunitário (no entendimento de que a resposta afirmativa à esta implicaria ficar prejudicada a apreciação daquela primeira questão), a sentença ponderou o seguinte:
─ No momento da ocorrência dos factos tributários estavam verificados, com excepção da residência em território português da entidade beneficiária dos dividendos, todos os demais requisitos de que dependia a aplicação do disposto no nº 1 do art. 46º e na al. c) do nº 1 do art. 90º, ambos do CIRC, pelo que, se a impugnante fosse, nessa data, residente em território português, não teria sido tributada nos anos de 2005 e de 2006, nos valores aqui em questão.
─ Considerando que a jurisprudência do TJUE ter carácter vinculativo em matéria de direito comunitário e considerando quer a jurisprudência vertida no acórdão do STA, de 29/2/2012 (no proc. nº 1017/11), quer a jurisprudência do TJUE, vertida nos processos C-379/05 e C-199/10, designadamente o despacho de 22/11/2010 exarado neste último processo, «só será de concluir que não haverá violação do direito comunitário se o imposto retido na fonte em Portugal puder ser deduzido no imposto cobrado em Espanha e, em caso positivo, se o imposto pago em Portugal pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha».
─ No caso, como decorre da matéria de facto dada como assente, os rendimentos auferidos pela impugnante não estão sujeitos a imposto em Espanha, pelo que o imposto pago em Portugal não pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha, sendo que isso mesmo resulta das declarações de rendimentos apresentadas pela impugnante por referência ao ano de 2007, que não mereceu qualquer tipo de apreciação por banda da administração tributária. E decorre do disposto nos artigos 116º, 117º e 21º da “Ley del Impuesto sobre Sociedades”, na redacção do Real Decreto Legislativo nº 4/2004, de 5 de Março.
─ Nesta medida, é de concluir pela verificação de uma restrição não justificada à livre circulação de capitais, assim contendendo com o direito comunitário e impondo-se, por isso, a anulação dos actos de retenção na fonte impugnados.

3.3. Do assim decidido discorda a recorrente Fazenda Pública, sustentando, no essencial, que a sentença sofre de erro de julgamento, pois que a retenção na fonte a que se procedeu relativamente aos rendimentos aqui em causa não viola o direito comunitário.
A recorrente louva-se, para tanto, na fundamentação do acórdão do STA de 20/2/2013 (proc. nº 01435/12),
Esta é, portanto, a única questão submetida à apreciação do Tribunal, já que a questão relacionada com a caducidade da impugnação, apenas aflorada nas alegações, nem sequer foi levada às Conclusões do recurso, sendo certo que, como é sabido, estas delimitam os respectivos objecto e âmbito, nos termos estabelecidos nos actuais arts. 635º, nº 3 e 639º, nº 1 (correspondentes aos anteriores arts. 684º e 685º-A) ambos do CPCivil.
Vejamos, pois.

4. Como acima se disse, a sentença, no âmbito da apreciação da questão de saber se a retenção na fonte a que se procedeu relativamente aos rendimentos aqui em causa viola o direito comunitário, ponderou que no momento da ocorrência dos factos tributários estavam verificados, com excepção da residência em território português da entidade beneficiária dos dividendos, todos os demais requisitos de que dependia a aplicação do disposto no nº 1 do art. 46º e na al. c) do nº 1 do art. 90º, ambos do CIRC, pelo que, se a impugnante fosse, nessa data, residente em território português, não teria sido tributada nos anos de 2005 e de 2006, nos questionados valores.
E considerando que a jurisprudência do TJUE ter carácter vinculativo em matéria de direito comunitário; considerando quer a jurisprudência vertida no acórdão do STA, de 29/2/2012 (no proc. nº 1017/11), quer a jurisprudência do TJUE, vertida nos processos C-379/05 e C-199/10, designadamente o despacho de 22/11/2010 exarado neste último processo; e considerando que decorre da matéria de facto provada que os rendimentos auferidos pela impugnante não estão sujeitos a imposto em Espanha, a sentença concluiu, então, que o imposto pago em Portugal não pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha, e que, por isso, se verifica uma restrição não justificada à livre circulação de capitais, em violação do direito comunitário.
Assim, em face desta fundamentação, o que importa apreciar é se a retenção de IRC [operada a título definitivo, à taxa liberatória de 20%, (nos termos conjugados da al. c) do nº 1 do art. 90º, do nº 1 do art. 46º, da al. c) do nº 2 do art. 85º, do nº 3 do art. 14º e do nº 1 do art. 89º, todos do CIRC) em virtude de a sede da impugnante se localizar em Espanha] feita pelo substituto “X………, SUCURSAL EM PORTUGAL” sobre os dividendos distribuídos à impugnante e relativos ao exercício de 2006, viola os princípios comunitários da não discriminação, liberdade de estabelecimento e livre circulação de capitais, previstos nos arts. 12º, 43º, 48º e 56º do Tratado CE.
Vejamos.

4.1. Em termos de legislação relevante,
▬ O art. 14º do CIRC (na redacção da Lei nº 30-G/2000, de 29/12), dispunha o seguinte, no que ora releva:
«3 - Estão isentos os lucros que uma entidade residente em território português, nas condições estabelecidas no artigo 2º da Directiva nº 90/435/CEE, de 23 de Julho, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 25% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos.
4 - Para que seja imediatamente aplicável o disposto no número anterior, deve ser feita prova perante a entidade devedora dos rendimentos, anteriormente à data da sua colocação à disposição do respectivo titular, de que este se encontra nas condições de que depende a isenção aí estabelecida, através de declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro da União Europeia de que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos, sendo ainda de observar as exigências previstas no artigo 114º-A do Código do IRS.
5 - Para efeitos do disposto no nº 3, a definição de entidade residente é a que resulta da legislação fiscal do Estado membro em causa, sem prejuízo do que se achar estabelecido nas convenções destinadas a evitar a dupla tributação
▬ De acordo com o artigo 2º da Directiva nº 90/435/CEE, do Conselho, de 23/7:
«Para efeitos de aplicação da presente directiva, a expressão «sociedade de um Estado-membro» designa qualquer sociedade:
a) Que revista uma das formas enumeradas no anexo;
b) Que, de acordo com a legislação fiscal de um Estado-membro, seja considerada como tendo nele o seu domicílio fiscal e que, nos termos de uma convenção em matéria de dupla tributação celebrada com um Estado terceiro, não seja considerada como tendo domicilio fora da Comunidade;
c) Que, além disso, esteja sujeita, sem possibilidade de opção e sem deles se encontrar isenta, a um dos seguintes impostos:
(…)
- impuesto sobre sociedades, em Espanha,
(…)
- imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, em Portugal,
(…)
ou a qualquer outro imposto que possa vir a substituir um destes impostos, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 20% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos».
▬ E segundo o nº 1 do então art. 46º do CIRC, «Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direcção efectiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos:
a) A sociedade que distribui os lucros tenha a sede ou direcção efectiva no mesmo território e esteja sujeita e não isenta de IRC ou esteja sujeita ao imposto referido no artigo 7º;
b) A entidade beneficiária não seja abrangida pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6º;
c) A entidade beneficiária detenha directamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10% ou com um custo de aquisição não inferior a € 20.000.000 e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período
▬ E à data também a al. c) do nº 1 do art. 90º, do CIRC, estabelecia o seguinte:
«Não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, quando este tenha a natureza de imposto por conta, nos seguintes casos:
(...)
c) Lucros obtidos por entidades a que seja aplicável o regime estabelecido no nº 1 do artigo 46º, desde que a participação financeira tenha permanecido na titularidade da mesma entidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição».
▬ Já nos actuais arts. 63º e 65º do TFUE (normativos correspondentes aos anteriores arts. 56º e 58º do Tratado CEE) dispõe-se:
Artigo 63º (ex-artigo 56º TCE)
«1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.»
Artigo 65º (ex-artigo 58º TCE)
«1. O disposto no artigo 63º não prejudica o direito de os Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63º.
4. Na ausência de medidas ao abrigo do nº 3 do artigo 64º, a Comissão, ou, na ausência de decisão da Comissão no prazo de três meses a contar da data do pedido do Estado-Membro em causa, o Conselho, pode adoptar uma decisão segundo a qual as medidas fiscais restritivas tomadas por um Estado-Membro em relação a um ou mais países terceiros são consideradas compatíveis com os Tratados, desde que sejam justificadas por um dos objectivos da União e compatíveis com o bom funcionamento do mercado interno. O Conselho delibera por unanimidade, a pedido de um Estado-Membro

4.2. Sendo certo que na falta de medidas de unificação ou de harmonização na União Europeia, os Estados-membros podem ainda definir, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartição do seu poder de tributação, com vista, designadamente, a eliminar a dupla tributação, o que resulta da conjugação dos normativos supra transcritos é que, em termos nacionais, para evitar a tributação efectiva dos rendimentos auferidos, a legislação nacional considerava, ao tempo (em 2007), para os dividendos distribuídos por sociedades nacionais, dois mecanismos (equivalentes), consoante o beneficiário fosse uma entidade com sede em território português ou fosse uma entidade com sede em qualquer outro Estado-Membro da União Europeia: previa-se um regime de exclusão da base tributável, para as entidades com sede em território nacional e previa-se uma isenção para as entidades residentes em outros Estados-Membros da União Europeia. Ou seja, o efeito era equivalente em ambos os regimes: não ocorria tributação efectiva destes rendimentos em território português.
Todavia, as sociedades de outros Estados-Membros estavam, ao tempo, obrigadas ao cumprimento dos seguintes requisitos:
─ detenção de uma participação de 20% no capital da entidade distribuidora dos dividendos (ao invés da participação de 10% ou superior a € 20.000.000,00 exigida para entidades residentes);
─ a manutenção ininterrupta da participação por mais de 2 anos (ao invés de 1 ano exigido para as entidades beneficiárias residentes).
No caso, a impugnante detinha acções representativas de 4,03% do capital social da “V…….., S.A.”, tendo mantido essa participação por mais de um ano. Portanto, como bem refere a sentença recorrida, no momento da ocorrência dos factos tributários que originaram os actos impugnados, estavam verificados (com excepção da residência em território português da entidade beneficiária dos dividendos), todos os requisitos de que dependia a aplicação do regime então constante dos arts. 46º, nº 1, e 90º, nº 1, al. c), do CIRC. Ou seja, se fosse, nessa data, residente em território português, não teria, no ano de 2007, sido tributada (através da falada retenção na fonte), pelo valor da liquidação impugnada.

4.3. Será que o regime em concreto aplicado ao caso, afronta, como conclui a sentença, as apontadas disposições comunitárias?
A questão, na vertente essencial que aqui releva, foi apreciada (embora reportando a situações nem sempre idênticas) por esta Secção do STA, nomeadamente nos acórdãos proferidos em 29/2/2012, no proc. nº 1017/11; em 28/11/2012, nos processos nº 482/10 e nº 694/12; em 29/2/2013, no proc. nº 1435/12; em 29/5/2013, no proc. nº 0322/13; em 27/11/2013, no proc. nº 654/13; e em 18/12/2013, no proc. nº 568/13.
Nestes arestos, afirma-se, por um lado, o primado do direito comunitário, mas, por outro lado, também se acentua que o disposto na al. a) do nº 1 do art. 58º do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que embora aí se preveja que os Estados-membros podem estabelecer uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência, (Referenciando-se, aliás, o acórdão do TJUE, de 8/11/2007, Amurta, C-379/05, Colect., p. I-9569, nº 30.) a jurisprudência do TJUE entende que a derrogação prevista nesta disposição é ela própria logo limitada pelo nº 3 do art. 58º CE, sendo que as disposições nacionais referidas no nº 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 56º [CE]».
Ou seja, acentua-se que os tratamentos desiguais permitidos pela referida al. c) do nº 1 do então art. 58º, do Tratado CEE, devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo nº 3 do mesmo artigo e para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral.
E tal é o que se encontra claramente afirmado também no despacho do Tribunal de Justiça (Quinta Secção), de 22/11/2010, proferido no processo nº C-199/10 (Tratava-se de pedido de decisão prejudicial formulado por este Supremo Tribunal Administrativo, no caso Secilpar - Sociedade Unipessoal SL vs. Fazenda Pública, sendo o objecto do pedido de decisão prejudicial o seguinte: «Compatibilidade com os artigos 12º CE, 43º CE, 56º CE, 58º, nº 3, CE (actuais artigos 18º, 49º, 63º e 65º, nº 3, TFUE) e com o artigo 5º, nº 1, da Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-Membros diferentes (JO L 225, p. 6), de um diploma legislativo nacional relativo à tributação dos dividendos distribuídos por uma sociedade residente a uma sociedade beneficiária não residente que detém uma participação inferior a 25 % no capital social da sociedade que distribui os dividendos — Tributação por retenção na fonte à taxa de 15% prevista pela convenção sobre a dupla tributação celebrada entre os dois Estados em causa — Isenção dos dividendos pagos às sociedades residentes».) em que se considerou que «Os artigos 56º CE e 58º CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados-Membros que prevê uma retenção na fonte de 15% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado-Membro a uma sociedade beneficiária com sede noutro Estado-Membro, quando a regulamentação nacional do primeiro Estado-Membro isenta desta retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária residente. Só assim não será se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado-Membro até ao montante da diferença de tratamento. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal no domínio dos impostos sobre o rendimento, celebrada em 26 de Outubro de 1993 entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha»,
Ali se considerando, igualmente, o seguinte:
«29 (…) no que respeita à interpretação dos artigos 56º CE e 58º CE, é de notar que, no processo principal, a taxa normal da retenção na fonte, de 25% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede em Portugal a uma sociedade beneficiária com sede em Espanha, foi fixada em 15% nos termos da convenção para evitar a dupla tributação.
30 A este respeito, há que recordar que, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados-Membros, estes devem exercer essa competência no respeito do direito da União (v., designadamente, acórdão de 13 de Dezembro de 2005, Marks & Spencer, C-446/03, Colect., p. I-10837, nº 29).
31 Assim, na falta de medidas de unificação ou de harmonização na União, os Estados-Membros continuam a ser competentes para definir, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartição do seu poder de tributação, com vista, designadamente, a eliminar as duplas tributações (acórdãos de 12 de Maio de 1998, Gilly, C-336/96, Colect., p. I-2793, nºs. 24 e 30, e de 7 de Setembro de 2006, N, C-470/04, Colect., p. I-7409, nº 44).
32 No que respeita a participações não abrangidas pela Directiva 90/435, compete aos Estados-Membros determinar se, e em que medida, deve ser evitada a dupla tributação económica dos lucros distribuídos e introduzir, para esse efeito, de modo unilateral ou através de convenções celebradas com outros Estados-Membros, mecanismos destinados a evitar ou a atenuar essa dupla tributação económica. Contudo, este simples facto não lhes permite aplicar medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado (v., neste sentido, acórdão de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C-374/04, Colect., p. I-11673, nº 54).
(…)
35 Os tratamentos desiguais permitidos pelo artigo 58º, nº 1, alínea a), CE devem, por isso, ser distinguidos das discriminações proibidas pelo nº 3 deste mesmo artigo. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v. acórdão Amurta, já referido, nº 32 e jurisprudência referida).
36 O Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado-Membro a fim de evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos lucros distribuídos por uma sociedade residente, os accionistas beneficiários residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à dos accionistas beneficiários residentes de outro Estado-Membro (acórdão de 14 de Dezembro de 2006, Denkavit Internationaal e Denkavit France, C-170/05, Colect., p. I-11949, nº 34, e acórdão Amurta, já referido, nº 37).
37 Todavia, a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes (acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, nº 68, Denkavit Internationaal e Denkavit France, nº 35, e Amurta, nº 38).
38 Com efeito, é o mero exercício, por esse mesmo Estado, da sua competência fiscal que, independentemente de qualquer tributação noutro Estado-Membro, cria o risco de tributação em cadeia ou da dupla tributação económica. Nesse caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação da capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56º CE, o Estado de residência da sociedade que procede à distribuição deve certificar-se que, em relação ao mecanismo previsto pela sua legislação nacional para prevenir ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades accionistas não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades accionistas residentes (v. acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, nº 70, e Amurta, nº 39).
39 É certo que não se pode excluir que um Estado-Membro consiga garantir o cumprimento das suas obrigações resultantes do Tratado, celebrando uma convenção destinada a evitar a dupla tributação com outro Estado-Membro (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, nº 71, e Amurta, nº 79).
40 Contudo, é necessário, para esse efeito, que a aplicação da convenção para evitar a dupla tributação permita compensar os efeitos da diferença de tratamento decorrente da legislação nacional. Assim, só no caso de o imposto retido na fonte poder ser imputado no imposto devido noutro Estado-Membro até ao montante dessa diferença de tratamento é que a diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos a sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros e os dividendos distribuídos às sociedades residentes desaparece totalmente (v., neste sentido, acórdão de 19 de Novembro de 2009, Comissão/Itália, C-540/07, Colect., p. I-10983, nº 37, e de 3 de Junho de 2010, Comissão/Espanha, C-487/08, ainda não publicado na Colectânea, nº 59).
41 Compete ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se, no processo principal, se verifica a hipótese referida no número anterior.
42 Se assim não for, a diferença de tratamento é ainda susceptível, eventualmente, de ser justificada por razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, designadamente, acórdão Comissão/Itália, já referido, nº 55 e jurisprudência referida). Importa, contudo, observar que o órgão jurisdicional de reenvio não refere razões desse tipo.
43 Tendo em conta o que antecede, é de responder à questão submetida que os artigos 56º CE e 58º CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados-Membros que prevê uma retenção na fonte de 15% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado-Membro a uma sociedade beneficiária com sede noutro Estado-Membro, quando a regulamentação nacional do primeiro Estado-Membro isenta desta retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária residente. Só assim não será se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado-Membro até ao montante da diferença de tratamento. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da convenção para evitar a dupla tributação

4.4. Esta doutrina manteve-se no Despacho emitido pelo TJUE, em 18/6/2012, proferido no âmbito do processo C-38/11 (relativo a pedido de decisão prejudicial tendo por objecto a interpretação dos arts. 63º TFUE e 65º TFUE, no âmbito de um litígio que opôs a sociedade T........ ao Ministério das Finanças e da Administração Pública, atinente a reembolso da retenção na fonte aplicada aos dividendos que lhe foram distribuídos pela S ……., SA., em que se afirma que a neutralização da discriminação por meio da aplicação de uma convenção de eliminação da dupla tributação só pode ocorrer “se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fracção dele”.
Mantendo-se, igualmente, tal doutrina, também no Acórdão do TJUE, de 20/10/2011, proferido no processo C-284/09 (Comissão Europeia contra a República Federal da Alemanha, por «Incumprimento de Estado – Livre circulação de capitais – Artigos 56º CE e 40º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu – Tributação dos dividendos – Dividendos pagos às sociedades com sede no território nacional e às sociedades estabelecidas noutro Estado‑Membro ou num Estado do Espaço Económico Europeu – Diferença de tratamento») em que se afirma que «70. A República Federal da Alemanha não pode, por isso, alegar que a dedução do imposto retido na Alemanha ao imposto devido no outro Estado-Membro, em aplicação das convenções destinadas a evitar a dupla tributação, permite em todos os casos neutralizar a diferença de tratamento decorrente da aplicação do disposto na legislação fiscal nacional ou nas convenções que têm por efeito reduzir a taxa da retenção na fonte (v., igualmente, acórdãos, já referidos, Comissão/Itália, nº 39, e Comissão/Espanha, nº 64).» e que «71. Por último, quanto ao argumento da República Federal da Alemanha, baseado no facto de que as sociedades beneficiárias de dividendos estabelecidas noutro Estado-Membro não estão obrigadas a pagar o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, ao qual estão sujeitas as sociedades beneficiárias de dividendos estabelecidas na Alemanha, basta recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode ser considerado compatível com o direito da União pelo facto de existirem outras vantagens, mesmo supondo que essas vantagens existam (v., neste sentido, acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkooijen, C-35/98, Colect., p. I-4071, nº 61; Amurta, já referido, nº 75; e de 1 de Julho de 2010, Dijkman e Dijkman-Lavaleije, C-233/09, Colect., p. I-0000, nº 41).»
Em suma, como alega a recorrida, o TJUE não considera neutralizada a discriminação resultante da aplicação do direito de um Estado-Membro, pelo simples facto de o resultado dessa discriminação poder, em abstracto, ser eliminado através de mecanismos convencionais - diferentemente, considera que é preciso analisar, casuisticamente, se a discriminação é efectivamente anulada através daqueles mecanismos, sendo que, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição dos dividendos só pode ser neutralizada através deste método de imputação se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. E se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fracção dele (v. acórdãos, já referidos, Comissão/Itália, nº 38; Comissão/Espanha, nº 62; e Comissão/Alemanha, nº 68, bem como o citado despacho do TFUE, de 18/6/2012, quinta secção, proferido no Processo C-38/11).

4.5. Foi, aliás, com base em algumas destas decisões do TJUE que os supra indicados acórdãos deste STA, de 29/2/2012, no proc. nº 1017/11; de 28/11/2012, no processo nº 482/10; de 29/5/2013, no proc. nº 0322/13; de 27/11/2013, no proc. nº 654/13; e de 18/12/2013, no proc. nº 568/13, se ocuparam da questão de saber se os rendimentos estão ou não sujeitos a imposto em Espanha e se o imposto pago em Portugal pode ser recuperado através da dedução ao imposto devido naquele país.
Sendo que, ao invés, nos acórdãos proferidos em 28/11/2012 e em 20/2/2013, nos procs. nº 694/12 e 1435/12, respectivamente, (O ora relator subscreveu, como adjunto, tais acórdãos, mas, no acórdão de 27/11/2013, considerou rever a posição anteriormente assumida, nomeadamente quanto à apreciação da neutralização, em concreto, da eventual maior tributação da entidade não residente.) se entendeu (i) que nem o TFUE nem em geral a legislação da EU impõem qualquer regra ou princípio relativo à aplicação da cláusula da nação mais favorecida às Convenções sobre dupla tributação (CDT) celebradas pelos Estados-Membros, sendo que em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT’s, é aceitável e não contaria as liberdades de circulação, nem consubstancia uma discriminação contrária aos Tratados Europeus, em virtude de os residentes e os não residentes não se encontrarem, em geral, em situações comparáveis, porque assentes numa diferença objectiva relevante entre os sujeitos passivos; (ii) que constituindo jurisprudência do TJUE que os direitos e obrigações recíprocos previstos numa CDT são aplicáveis apenas aos residentes num dos Estados contratantes da mesma, sendo isto uma consequência inerente às CDT, o direito comunitário não se opõe a que a eventual vantagem em questão não se encontra numa situação comparável à dos residentes abrangidos pela convenção; (iii) que a tributação de dividendos através da retenção na fonte à taxa constante da CDT não implica, em princípio, qualquer ilegalidade, pois que a referida retenção será neutralizada por aplicação de um crédito de imposto no Estado da residência, sendo que se pela via do direito desse Estado de residência não é possível efectivar-se o crédito de imposto conferido pela CDT, tal argumento não pode ser oponível ao País da fonte, que se limita a fazer aplicação do quadro legal vigente na sua ordem jurídica.
E é neste entendimento que, aliás, se apoia a presente alegação da Fazenda Pública.
Que, todavia, é de afastar, considerando a uniformidade e a constância da referida argumentação do TJUE, no sentido de que, por regra, residentes e não residentes não se encontram em situação comparável, devendo ter-se em conta o regime normativo tributário interno concretamente aplicável a cada situação, e considerando que, à data (cfr, o então art. 46º do CIRC), a lei portuguesa trata de modo diferente e menos favorável as entidades não residentes (só os residentes beneficiavam da dispensa de retenção na fonte).
Acresce que este entendimento veio a ser posteriormente reafirmado no acórdão de 18/12/2013, no proc. nº 568/13, deste STA, e já o anterior aresto de 29/5/2013, no proc. nº 0322/13, havia sido objecto de comentário crítico concordante por parte da doutrina (João Félix Pinto Nogueira, NEUTRALIZAÇÃO NA DISTRIBUIÇÃO DE DIVIDENDOS A SOCIEDADES NÃO RESIDENTES, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano VI, nº 3 – Outono, pp. 300 a 347.) que, considerando a questão de saber «se basta a previsão de um qualquer método de crédito na convenção (bastando assim a "possibilidade jurídica" do sujeito passivo obter a neutralização) ou se se exige que os efeitos provocados pela retenção no Estado da fonte sejam efetivamente e totalmente "anulados" no Estado da residência», conclui que, tal como entende o TJUE, «é necessária uma neutralização efetiva, isto é, que o sujeito passivo seja efetivamente capaz de imputar toda retenção sofrida na fonte em imposto a suportar no Estado da residência» e para que tal aconteça, «é necessário que os dividendos distribuídos sejam efetivamente tributados no Estado da residência. Se não o forem, ou não o forem a um nível suficiente, então não se produz a total a anulação dos efeitos discriminatórios (provocados pela originária retenção na fonte) não se verifica e não há neutralização».
E mais conclui o seguinte:
«Por outras palavras, é incorreto assumir que o método do crédito do imposto retido na fonte no Estado da residência é sempre capaz de assegurar a neutralização. Há sempre que verificar o impacto efetivo do tratado, o verdadeiro efeito a que este, a final, conduz.»
(…)
Em conclusão, em sede de tributação de dividendos recebidos, as sociedades residentes e não residentes encontram-se situação comparável; apesar dessa comparabilidade, as não residentes são tratadas, pela nossa lei interna, de modo diferente e menos favorável; mesmo tendo em conta o quadro convencional, a neutralização dessa diferença de tratamento não ocorreu, no caso concreto, porque o Estado da residência do sujeito passivo isenta os dividendos recebidos. Assim, mais não há a fazer do que anular as liquidações de imposto baseadas nessa norma
Mas, ainda assim, o autor não deixa de apontar dúvidas e preocupações quanto a estas questões da neutralização, considerando, nomeadamente, que, uma vez que as obrigações que do Tratado decorrem para cada um dos Estados-Membros são obrigações autónomas e independentes, substanciadas em comandos ou proibições que estes têm de cumprir independentemente do que faça ou ocorra num outro EM, então, existindo comparabilidade, a diferenciação pela lei interna simplesmente não deveria ser admitida e a norma doméstica portuguesa deveria ser imediatamente desaplicada por incompatível, não parecendo apropriado deixar a eliminação da discriminação para o sistema convencional. «O funcionamento da CDT prende-se já e sobretudo com a eliminação da dupla tributação jurídica internacional. Nesse quadro, e dado que o direito da UE não obriga ao Estado da residência a eliminar a dupla tributação jurídica internacional (…) a possibilidade de verificação de um crédito efetivo na residência prende-se com escolhas que devem pertencer unicamente àquele Estado.
Caso se quisesse admitir a neutralização, então a mesma apenas deveria ser possível quando as CDT's incluíssem um crédito integral. De facto, só nesses casos é possível ao Estado da fonte (que introduz a retenção prima facie discriminatória) assegurar ele mesmo a anulação dos efeitos negativos desse tipo de tributação. Em todos os outros casos, a anulação do efeitos vai sempre depender de elementos que não estão na sua esfera de domínio e que, consequentemente, não pode controlar.
(…)
A administração tributária, confrontada com pedidos de reembolso de imposto, vai ter de verificar, caso a caso, qual a possibilidade efectiva de o imposto retido ser creditado no Estado da residência – verificando, caso a caso, se a retenção é compatível com o ordenamento da União. Sendo a retenção um tratamento prima facie discriminatório provocado pelo Estado da fonte, pode alegar-se que caberia à administração tributária da fonte a determinação (prova) da neutralização efectiva do imposto, que permita salvaguardar in casu a norma tributária interna. Ou seja, caber-lhe-ia provar que o sujeito passivo beneficiou de neutralização na residência, algo que, mesmo com os renovados sistemas de troca de informação, parece de extrema dificuldade. (…) Cremos, no entanto, que nada obstaria a que o EM da fonte possa deslocar o ónus da prova para o sujeito passivo, uma vez que este se encontra mais próximo da informação e dado (que) o TJUE tem vindo a admitir certos ónus procedimentais em casos transnacionais.»

4.6. Retornando ao caso dos autos, vemos que a sentença recorrida considerou que o imposto pago em Portugal pela recorrida no ano de 2007 não foi, nem era, susceptível de ser recuperado em Espanha, já que os rendimentos provenientes de dividendos que lhe foram distribuídos não foram tributados naquele Estado-Membro, não sendo, por conseguinte, possível, deduzir à colecta de imposto o valor do imposto suportado em Portugal, sendo portanto, claro que as disposições legais internas contrariam o princípio da liberdade de circulação de capitais e não sendo, sequer, tal efeito discriminatório neutralizado pela aplicação da CDT com Espanha.
Com efeito, ali se diz, que decorre da matéria de facto julgada provada, que os rendimentos auferidos pela impugnante não estão sujeitos a imposto em Espanha, pelo que o imposto pago em Portugal não pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha. Sendo que tal resulta da declaração de rendimentos apresentada pela impugnante por referência ao ano de 2007 (que não mereceu qualquer tipo de apreciação por parte da AT) e sendo que decorre do disposto nos arts. 116º, 117º e 21º da Ley del Impuesto sobre Sociedades, na redacção do Real Decreto Legislativo nº 4/2004, de 5/3, a isenção destes rendimentos das sociedades detentoras de participações estrangeiras (entidades de tenencia de valores extranjeros), para evitar a dupla tributação económica internacional sobre dividendos e rendas de fonte estrangeira derivadas da transmissão de valores representativos de fundos próprios de entidades não residentes em território espanhol. Tendo, pois, os rendimentos aqui em questão sido declarados (na declaração de rendimentos relativa ao ano de 2007) em conformidade com aqueles normativos e não estando controvertido que os rendimentos auferidos pela impugnante não estão sujeitos a imposto em Espanha, nem que o imposto pago em Portugal não pode ser recuperado através de dedução no imposto ali devido, sempre haveria de se concluir que o acto de retenção na fonte objecto de impugnação configura uma restrição não justificada à livre circulação de capitais, assim contendendo com o direito comunitário.
E assim é, na realidade, visto que, como bem refere a recorrida, as normas convencionais previstas na CDT com Espanha não são susceptíveis de garantir, em todas as situações, a neutralização do efeito produzido pelas normas previstas no CIRC, já que o mecanismo previsto na mesma CDT (possibilidade de dedução do imposto retido na fonte ao imposto a pagar em Espanha, ficando essa dedução limitada à “fracção do imposto, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados em Portugal” (cfr. art. 23º da Convenção), o que significa que a neutralização da tributação ocorrida em Portugal - construída convencionalmente como dedução à colecta de imposto – está dependente de vários factores cumulativos: (i) que o rendimento em causa seja tributado em Espanha, ou seja, que seja incluído na base tributável, (ii) que a sociedade beneficiária tenha uma base tributável positiva (ou seja, que exista matéria tributável), e que (iii) a taxa de imposto em Espanha seja, pelo menos, igual, à da retenção na fonte sofrida em Portugal;
Sendo que, por outro lado, a Fazenda Pública também não logrou demonstrar a falada diferenciação objectiva para que se pudesse considerar diferente tratamento em virtude da não residência.
Em suma, a sentença recorrida não padece do vício de ilegalidade que a recorrente Fazenda Pública lhe imputa, tendo feito, à luz do disposto no art. 8º da CRP, correcta interpretação e aplicação do direito comunitário, bem como do direito nacional, ao considerar que o regime previsto nos arts. 14º e 89º do CIRC (na redacção anterior à dada pela Lei nº 67-A/2007, de 31/12, consubstanciava, no caso concreto, um tratamento fiscal diferenciado dos rendimentos auferidos por entidades residentes em outros Estados da União Europeia, intolerável à luz dos princípios da não discriminação (art. 12º CE) e da livre circulação de capitais (art. 56º CE).
Ficando, consequentemente, prejudicada a apreciação do pedido de ampliação do âmbito do recurso (nos termos do art. 684º-A do CPC – a que corresponde o actual art. 636º do novo CPC) bem como a apreciação das demais questões invocadas pela recorrida na parte final das suas contra-alegações.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 9 de Abril de 2014. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva.