Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0239/11.3BEAVR
Data do Acordão:02/06/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:FUNCIONÁRIO MUNICIPAL
REPOSICIONAMENTO DE FUNCIONÁRIO
LEI INTERPRETATIVA
Sumário:I - A Lei 80/2017, de 18/8/2017, veio interpretar o nº 7 do artigo 113º da Lei nº 12-A/2008, de 27/2, aditando-lhe um artigo 113º-A a determinar que o disposto naquela norma é aplicável aos trabalhadores cuja alteração do posicionamento remuneratório resulte de opção gestionária. E expressamente se assumiu como lei interpretativa, produzindo efeitos desde a entrada em vigor da Lei 12-A/2008.
II - Tudo se passa, pois, a partir desta Lei interpretativa 80/2017, como se aquele art. 113ºA já constasse da versão original da Lei 12-A/2008 – para os casos ainda em aberto (cfr. art. 13º nº 1 do Código Civil).
III - Ora, em face da norma do aditado art. 113º-A à Lei 12-A/2008, dúvidas não cabem que os trabalhadores representados, nos presentes autos, pelo Sindicato Autor/Recorrente, podiam ter sido reposicionados remuneratoriamente, por opção gestionária, com base nos pontos atribuídos nos termos do art. 113º nº 7 daquela mesma Lei – como foram pela deliberação da Câmara Municipal de 1/4/2010, não sendo imprescindível que tivessem sido sujeitos a efetivas avaliações de desempenho.
IV - Deste modo, o ato revogatório aqui impugnado – deliberação da mesma Câmara Municipal de 4/11/2010 que revogou a sua aludida anterior deliberação, com fundamento em (suposta) ilegalidade – não pode manter-se, por viciado em violação de lei, por erro nos seus pressupostos de direito. (art. 663º nº 7 do CPC)
Nº Convencional:JSTA000P25544
Nº do Documento:SA1202002060239/11
Data de Entrada:01/18/2019
Recorrente:SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE ÁGUEDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I - RELATÓRIO

1. O “Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local” (“STAL”) instaurou, no TAF de Aveiro, contra o “Município de Águeda”, ação administrativa especial, impugnando a deliberação tomada em 4/11/2010 pela Câmara Municipal de Águeda, através da qual esta revogou uma sua anterior deliberação (de 1/4/2010) pela qual alterara o posicionamento remuneratório de diversos seus trabalhadores, entre os quais os 9 aqui representados pelo Autor, com base em atribuição de pontos ao abrigo do art. 113º nº 7 da Lei nº 12-A/2008, de 27/2 (“Lei dos Vínculos, Carreiras e Remunerações - LVCR”), isto é, sem uma efetiva avaliação de desempenho (a que aqueles trabalhadores não foram sujeitos nos anos de 2004 a 2008).

E isto por ter chegado à conclusão de que o posicionamento remuneratório dos trabalhadores não avaliados nos termos do SIADAP não poderia ter sido alterado por opção gestionária (cfr. arts. 46º a 48º da LVCR), a qual pressuporia a precedência de uma efetiva avaliação de desempenho; assim, a atribuição de pontos nos termos do nº 7 do art. 113º da LVCR, não constituindo uma real avaliação de desempenho, relevaria somente para efeitos de alteração obrigatória do posicionamento remuneratório (art. 47º nº 6 da LVCR).

Esta alteração de entendimento estribou-se, confessadamente, no sentido interpretativo veiculado por despacho homologatório, de 15/6/2010, do Secretário de Estado da Administração Local, face às dúvidas interpretativas existentes por todo o país.

Em consequência daquela revogação, a Câmara Municipal de Águeda deliberou, também, que os trabalhadores repusessem, nos termos previstos no DL 155/92, de 28/7, os montantes remuneratórios que lhe haviam sido indevidamente abonados.

Alegou, ainda, o Sindicato que um dos 9 trabalhadores em causa, por si representados (A…………), apesar de ter sido objeto de efetivas avaliações entre 2004 e 2008 (com resultados não inferiores a “Bom” ou a “Desempenho Adequado”), foi também destinatária do acto revogatório impugnado, com a agravante de não ter sido ouvida em audiência prévia, em violação do art. 100º e segs. do CPA/91.

2. A Entidade Demandada contestou a ação, além do mais explicitando que a revogação impugnada se devera a alteração de entendimento sobre a interpretação dos preceitos legais aplicáveis, seguindo a que foi divulgada pelo aludido despacho interpretativo do Secretário de Estado da Administração Local.

Quanto ao invocado vício de preterição de audiência prévia, defendeu que a obrigatoriedade desta formalidade não ocorria no caso, pois não se estava perante um procedimento administrativo desencadeado a requerimento dos administrados (trabalhadores), nos termos dos arts. 74º e segs. do CPA/91.

3. O TAF de Aveiro, por Acórdão de 13/1/2014 (cfr. fls. 1301 e segs. SITAF), confirmativo, em reclamação para a conferência, de sentença de 30/5/2012 (cfr. fls. 673 e segs. SITAF), julgou a ação improcedente – exceto quanto a um dos trabalhadores representados pelo Autor (a já atrás referida A…………), relativamente à qual anulou o ato impugnado por vício formal de preterição de audiência prévia.

4. O Sindicato Autor, inconformado com este Acórdão, interpôs recurso de apelação para o TCAN (cfr. fls. 1355 e segs. SITAF). E o Réu “Município de Águeda”, inconformado, por sua vez, com a anulação do ato relativamente à trabalhadora A………….., pelo aludido vício formal, interpôs recurso subordinado (cfr. fls. 1401 e segs. SITAF).

5. O TCAN, por seu Acórdão de 15/6/2018 (cfr. fls. 1221 e segs. SITAF), negou provimento a ambos os recursos (principal e subordinado), confirmando totalmente o Acórdão de 1ª instância do TAF de Aveiro.

6. Mantendo-se inconformado, agora com este Acórdão proferido pelo TCAN, veio o Sindicato Autor interpor, ao abrigo do disposto no art. 150º do CPTA, o presente recurso jurisdicional de revista, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1701 e segs. SITAF):

«a) O escopo deste recurso incide apenas no segmento do aresto recorrido que decidiu pela legalidade do acto contenciosamente impugnado nestes autos, que revogou acto anterior o qual, para efeitos de mudança de posição remuneratória baseada em opção gestionária segundo as normas dos artigos 46º e 47º da LVCR, relevara os pontos atribuídos aos trabalhadores de acordo com o disposto no nº 7 do artigo 113º do mesmo diploma;

b) O TAF/Aveiro, no processo nº 185/11.0BEAVR, proferiu douto acórdão, transitado em julgado, que decidiu em sentido contrário ao do aqui recorrido, acolhendo a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte expressa nos Acórdãos proferidos nos processos nºs 887/11.1BEAVR e 290/11.3BEAVR;

c) Acresce que a Lei nº 80/2017, de 18/8, aditou à Lei nº 12-A/2008, de 27/2, o artigo 113º-A, com a epígrafe «Norma interpretativa», o qual estatui que o disposto no nº 7 do artigo 113º da LVCR é aplicável aos trabalhadores cuja alteração do posicionamento remuneratório resulte de opção gestionária;

d) Estamos, assim, perante uma questão de inocultável relevância jurídica, seja, desde logo, porque o mesmo Tribunal recorrido, concretamente o TCAN, prolatou Acórdãos que sustentam hermenêutica de sentido contrário ao do aqui em crise;

c) Seja porque a própria relevância jurídica desde sempre existiu facto comprovado pela necessidade de uma lei interpretativa como resulta inequivocamente do artigo 1º, da Lei nº 80/2017, de 18/8;

d) Além de, salvo melhor opinião, existir relevância social na medida em que o aresto recorrido se repercutirá no estatuto remuneratório de centenas de trabalhadores do Recorrido e dezenas de associados do Recorrente;

e) De onde, encontrarem-se preenchidos os requisitos de admissão da revista excepcional, constantes do artigo 150º, nº 1, do CPTA;

f) Na senda da jurisprudência do TCAN acima referenciada a melhor hermenêutica jurídica é a que considera, para efeitos de mudança de posição remuneratória estribada em opção gestionária, os pontos atribuídos ex vi do disposto no nº 7 do artigo 113º, da LVCR; g) Tanto assim, que a dita solução jurídica foi acolhida pelo legislador como resulta do corpo da Lei nº 80/2018, de 18/8, aditando à LVCR uma norma interpretativa com tal sentido substantivo;

h) Pelo que, ao caucionar a licitude do acto alvo da presente acção administrativa, como o tinha feito o aresto de primeira instância, o Acórdão recorrido violou as normas conjugadas dos artigos 46º, nº 1, 47º, nº 1 e 113º, nº 7, da LVCR e, ainda, o artigo 113º-A do mesmo diploma e 1º da Lei nº 80/2017, de 18/8.

Termos em deverá o presente recurso excepcional ser admitido, revogando-se o acórdão recorrido, cumprindo-se desta forma a lei e fazendo-se JUSTIÇA».

7. O Réu “Município de Águeda”, aqui Recorrido, para o efeito notificado, não apresentou contra-alegações (cfr. fls. 1711 SITAF):

8. O presente recurso de revista foi admitido pelo Acórdão de 18/12/2018 (cfr. fls. 1720 a 1724 SITAF) proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no nº 5 do art. 150º do CPTA, nos seguintes termos:

«(…) os representados do Autor, funcionários do Município Réu, foram reposicionados no escalão remuneratório por opção da respectiva Câmara sem que esse reposicionamento tivesse decorrido de avaliação de desempenho. Posteriormente, aquela entidade revogou essa deliberação por o Sr. Secretário de Estado da Administração Local ter homologado o parecer dos seus serviços, onde se defendia que, nos termos das citadas normas, o reposicionamento remuneratório dos trabalhadores por opção gestionária só podia decorrer de avaliação de desempenho e esta não tinha sido realizada.

O reposicionamento remuneratório dos funcionários por opção gestionária é sempre uma questão relevante, relevância que se acentua quando, como é o caso, o mesmo resulta de decisão decorrente da circunstância do desempenho daqueles não ter sido avaliado por razões que lhe são alheias e do mesmo abranger um elevado número de pessoas.

Como se viu a Administração teve dificuldades em definir uma posição sobre esta problemática e daí as decisões contraditórias do Município Réu. E, de acordo com a alegação do Recorrente, a jurisprudência dos TCAs também não encontrou uma solução unânime nesta matéria, sendo certo, por outro lado, que não se conhecem decisões deste Supremo Tribunal sobre a mesma questão.

Nesta conformidade, justifica-se admitir a revista pela relevância, quer jurídica quer social, das questões que nela se colocam (…)».

9. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste STA, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146º nº 1 do CPTA, emitiu parecer (cfr. fls. 1730 e 1731 SITAF) no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso de revista e de, consequentemente, ser revogado o Ac.TCAN recorrido e ser julgada procedente a acção, com a anulação do acto revogatório impugnado.

Para tanto, referiu:

«(…) A questão era inquestionavelmente controvertida em face da redacção das normas a convocar na apreciação da questão e expressão desse facto, como dá nota o Recorrente, e a divergente jurisprudência que sobre a matéria vem sendo produzida.

Dessa controvérsia e das respectivas consequências dá conta a exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 475/XIII desenvolvido com o propósito que clarificar por via de interpretação autêntica (normativa) qual o âmbito de aplicação da norma do n.º 7 do artigo 113.º da LVCR.

O que ocorreu com a publicação da Lei n.º 80/2017, de 18.08.2017, que aditou à Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fev., uma norma interpretativa, o art. 113.º-A, estabelecendo que «O disposto no n.º 7 do artigo 113.º é aplicável aos trabalhadores cuja alteração do posicionamento remuneratório resulte de opção gestionária», deixando expresso no seu art. 3.º que a norma aditada tem natureza interpretativa, produzindo efeitos desde a entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008.

Diz-nos o art. 13.º, n.º 1 do CC que “A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza”.

A norma interpretativa abrange, pois, todas as situações que ainda se encontrem em aberto, como é o caso, apenas deixando de fora as situações consumadas, cuja eficácia se extinguiu, e persistem só nos efeitos definitivamente produzidos (cfr. José de Oliveira Ascensão, in “O Direito, Introdução e Teoria Geral”, 13.ª Edição Refundida, Almedina, pág. 564).

Procederá, assim, salvo melhor entendimento, o presente recurso devendo, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido e julgada procedente a acção, com a anulação do acto impugnado (…)».

10. Colhidos os vistos, o processo vem submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.


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II - DAS QUESTÕES A DECIDIR

11. Constitui objeto do presente recurso:

Saber se o Acórdão TCAN recorrido julgou com acerto ao confirmar o Acórdão de 1ª instância, do TAF de Aveiro, que entendera legal e isento de vício o ato impugnado, da autoria da Câmara Municipal de Águeda, revogatório de anterior ato da mesma Câmara, com fundamento em que, para efeitos de mudança de posição remuneratória baseada em opção gestionária (prevista nos arts. 46º e 47º nº 1 da “LVCR”), não relevam os pontos atribuídos nos termos do art. 113º nº 7 da “LVCR”, sendo para tanto imprescindível a efetiva realização de avaliação de desempenho, relevando aqueles pontos somente em sede de alteração obrigatória de posicionamento remuneratório (previsto no art. 47º nº 6 da “LVCR”).


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III - FUNDAMENTAÇÃO

III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

12. Remete-se para os termos da decisão sobre a matéria de facto constante de págs. 13 a 18 do Acórdão TCAN recorrido (arts. 663º nº 6 e 679º do CPC, “ex vi” do art. 140º nº 3 do CPTA),


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III. B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

13. Como bem resulta dos autos, a questão de direito em causa não era de fácil resolução, uma vez que a lei aplicável era – nas próprias palavras de alguns dos seus aplicadores – “tudo menos clara”.

Estava em causa, como se disse, saber se as pontuações atribuídas anualmente, ao abrigo do art. 113º nº 7 da “LVCR”, entre 2004 e 2009, relevavam apenas para reposicionamentos remuneratórios obrigatórios dos trabalhadores (nos termos do art. 47º nº 6 da “LVCR”) ou se, ainda que sem realização de efetivas avaliações de desempenho, eram também utilizáveis para reposicionamentos remuneratórios efetuados por opção gestionária (prevista nos arts. 46º e 47º nº 1 da “LVCR”).

A Câmara Municipal de Águeda – como terá sucedido com muitas outras Câmaras Municipais – entendeu, numa primeira fase, que sim, pelo que, por ato de 1/4/2010, reposicionou trabalhadores seus que não tinham sido objeto de avaliações de desempenho, passando a pagar-lhes as correspondentes remunerações; porém, por ato de 4/11/2010 – ato impugnado nos presentes autos – reverteu esse entendimento e revogou a sua anterior deliberação de 1/4/2010, em face de uma interpretação homologada e veiculada por despacho de 15/6/2010 do Secretário de Estado da Administração Local, ocasionada pelas interpretações e aplicações divergentes que ocorriam por todo o país, com reflexo na própria jurisprudência dos tribunais administrativos.

14. Sucede, porém, que a falta de clareza do regime legal aplicável à questão e a consequente dificuldade de interpretação, ocasionando importantes divergências de aplicação, foram também, a dado passo, percecionadas pelo próprio legislador.

Por isso, como adianta o Sindicato Autor, aqui Recorrente:

«(…) a Lei nº 80/2017, de 18/8, aditou à Lei nº 12-A/2008, de 27/2, o artigo 113º-A, com a epígrafe «Norma interpretativa», o qual estatui que o disposto no nº 7 do artigo 113º da LVCR é aplicável aos trabalhadores cuja alteração do posicionamento remuneratório resulte de opção gestionária (…)».

E também, como vimos, no seu parecer, o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste STA expressou:

«(…) Dessa controvérsia e das respectivas consequências dá conta a exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 475/XIII desenvolvido com o propósito que clarificar por via de interpretação autêntica (normativa) qual o âmbito de aplicação da norma do n.º 7 do artigo 113.º da LVCR. O que ocorreu com a publicação da Lei n.º 80/2017, de 18.08.2017, que aditou à Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fev., uma norma interpretativa, o art. 113.º-A, estabelecendo que «O disposto no n.º 7 do artigo 113.º é aplicável aos trabalhadores cuja alteração do posicionamento remuneratório resulte de opção gestionária», deixando expresso no seu art. 3.º que a norma aditada tem natureza interpretativa, produzindo efeitos desde a entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008 (…)».

15. A aludida Lei 80/2017, de 18/8, teve origem na conjunção de dois Projetos de Lei – nºs 457/XIII/2ª (Alteração à Lei que estabelece os regimes de vinculação de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas) e 475/XIII/2ª (Estabelece condições de igualdade entre trabalhadores em matéria de progressão na carreira por opção gestionária).

16. Lê-se na exposição de motivos do primeiro daqueles Projetos de Lei:

«(…) No âmbito autárquico, vários municípios tomaram a opção gestionária de alteração do posicionamento remuneratório dos trabalhadores.

No entanto a norma em causa [nº 7 do artigo 113º da Lei nº 12-A/2008, de 27/9] tem originado diferentes interpretações e uma desigualdade entre trabalhadores avaliados e não avaliados.

Com fundamento na referida disposição, as instâncias inspetivas da legalidade financeira têm imputado aos decisores locais, infrações financeiras e alguns órgãos municipais retrocederam nas decisões anteriores favoráveis aos trabalhadores, revogando-as.

Por sua vez, os trabalhadores da administração local, na defesa dos seus direitos, têm proposto ações contra os municípios com vista à manutenção dos direitos adquiridos por força das revogadas decisões de alteração do posicionamento remuneratório dos trabalhadores por opção gestionária.

Os Tribunais Administrativos, em contradição com as instâncias de inspeção e controlo financeiro, têm vindo sucessivamente a dar provimento às pretensões dos trabalhadores.

Não obstante as decisões judiciais administrativas em favor dos trabalhadores, há vários casos de dualidade de tratamento entre trabalhadores avaliados e não avaliados e que ainda estão pendentes de decisão definitiva, seja por os trabalhadores não terem recorrido imediatamente à sede judicial, seja por as entidades e órgãos com atribuições e competências em matéria inspetiva ou de legalidade financeira manterem o entendimento rejeitado pelos Tribunais Administrativos.

Urge, por isso, uma clarificação interpretativa desta norma, que ponha termo à incerteza e à desigualdade entre os trabalhadores».

17. E lê-se na exposição de motivos do segundo Projeto de Lei:

«(…) O artigo 113.º da referida Lei, ainda em vigor, prevê no seu n.º 7 que "O número de pontos a atribuir aos trabalhadores cujo desempenho não tenha sido avaliado, designadamente por não aplicabilidade ou não aplicação efetiva da legislação em matéria de avaliação do desempenho, é o de um por cada ano não avaliado", previsão sobre a qual, naturalmente, a generalidade dos municípios procedeu ao posicionamento remuneratório dos trabalhadores, por opção gestionária, considerando o disposto no artigo referenciado, de modo a não impor situações de desigualdade entre trabalhadores avaliados e trabalhadores não avaliados, estes últimos, por factos que não lhe eram imputados.

Apesar disso, a interpretação da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público adotada pela Direção-Geral das Autarquias Locais e homologada por Despacho do Secretário de Estado da Administração Local de 15 de junho de 2010, foi no sentido de a norma contida no n.º 7 do artigo 113.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, não ser aplicável às situações de alteração do posicionamento remuneratório dos trabalhadores por opção gestionária, por tal obrigar a uma efetiva avaliação, o que despoletou inspeções e auditorias com imputação de infrações financeiras por terem procedido às alterações de posicionamento remuneratório com fundamento na referida disposição.

Tal interpretação e prática não é razoável, embora tenha servido de pretexto para que alguns órgãos municipais retrocedessem nas decisões anteriores, procedendo à sua revogação.

Nesta sequência, os trabalhadores da Administração Local dessas autarquias, intentaram ações para defesa dos seus direitos e manutenção dos direitos adquiridos por força das revogadas decisões de alteração do posicionamento remuneratório dos trabalhadores por opção gestionária.

(…) urge resolver esta situação pondo fim às desigualdades de tratamento dos vários trabalhadores, garantindo que aos trabalhadores visados sejam repostos os direitos adquiridos relativos ao seu posicionamento remuneratório».

18. Na sequência conjunta destes dois Projetos de Lei, foi aprovada pela Assembleia da República a Lei 80/2017, publicada em 18/8/2017, com o seguinte sumário:

«Interpreta o nº 7 do artigo 113º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas».

A qual tem como seu objeto (nos termos do seu art. 1º):

«A presente lei procede ao aditamento de uma disposição interpretativa do nº 7 do artigo 113º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remuneração dos trabalhadores que exercem funções públicas».

Tal aditamento efetuou-se através do art. 2º, nos termos do qual:

«É aditado à Lei nº 12-A/2008, de 27 de fevereiro (…) o artigo 113º-A, com a seguinte redação:

“Artigo 113º-A

Norma interpretativa

O disposto no nº 7 do artigo 113º é aplicável aos trabalhadores cuja alteração do posicionamento remuneratório resulte de opção gestionária”».

E quanto à natureza e à produção de efeitos da norma aditada (art. 113º-A), estabeleceu o art. 3º:

«A norma aditada pelo artigo anterior tem natureza interpretativa, produzindo efeitos desde a entrada em vigor da Lei nº 12-A/2008, de 27 de fevereiro».

19. Como apropriadamente se expressa e se cita no parecer do Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste STA:

«(…) Diz-nos o art. 13.º, n.º 1 do CC que “A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza”.

A norma interpretativa abrange, pois, todas as situações que ainda se encontrem em aberto, como é o caso, apenas deixando de fora as situações consumadas, cuja eficácia se extinguiu, e persistem só nos efeitos definitivamente produzidos (cfr. José de Oliveira Ascensão, in “O Direito, Introdução e Teoria Geral”, 13.ª Edição Refundida, Almedina, pág. 564) (…)».

Refere o mesmo Autor (ibidem, págs. 561/562):

«(…) Há opiniões nos dois sentidos: há mesmo decisões judiciais contraditórias. Para evitar uma instabilidade que a todos prejudica e a diversidade de tratamento de casos semelhantes, surge uma nova lei que esclarece a anterior, declarando qual das interpretações é a verdadeira. Temos então uma lei interpretativa, realizando interpretação autêntica, vinculativa para todos».

20. E a lei interpretativa é retroativa – aliás, como expressamente refere, no caso, o art. 3º da Lei 80/2017 («produzindo efeitos desde a entrada em vigor da Lei nº 12-A/2008, de 27 de fevereiro»).

Isto significa que tudo se passa – obviamente, para “os casos que se encontrarem ainda em aberto” - como se a norma do aditado art. 113º-A já constasse da versão original da Lei 12-A/2008.

Assim, é nesta pressuposição que há-de, neste momento (isto é, após a Lei 80/2017), ser julgada a “quaestio decidenda” dos presentes autos.

21. Ora, em face da norma do aditado art. 113º-A à Lei 12-A/2008 («O disposto no nº 7 do artigo 113º é aplicável aos trabalhadores cuja alteração do posicionamento remuneratório resulte de opção gestionária»), dúvidas não cabem que os trabalhadores aqui representados, nos presentes autos, pelo Sindicato Autor/Recorrente, podiam ter sido reposicionados remuneratoriamente, por opção gestionária, com base nos pontos atribuídos nos termos do art. 113º nº 7 daquela mesma Lei – como foram pela deliberação da Câmara Municipal de Águeda de 1/4/2010, não sendo imprescindível que tivessem sido sujeitos a efetivas avaliações de desempenho.

Deste modo, o ato revogatório aqui impugnado – deliberação da mesma Câmara Municipal de Águeda de 4/11/2010 que revogou a sua aludida anterior deliberação, com fundamento em (suposta) ilegalidade – não pode manter-se, por viciado em violação de lei, por erro nos seus pressupostos de direito.


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IV - DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:

Conceder provimento ao presente recurso jurisdicional de revista deduzido pelo Autor/Recorrente “Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local – STAL”, revogar o Acórdão recorrido e julgar procedente a ação administrativa, anulando-se o ato impugnado (deliberação de 4/11/2010 da Câmara Municipal de Águeda, revogatória da sua anterior deliberação de 1/4/2010 – ambas identificadas nos autos) relativamente aos trabalhadores representados, nos presentes autos, pelo Sindicato Autor.

Custas nas instâncias e neste S.T.A. a cargo do Réu/Recorrido.

D.N.

Lisboa, 6 de fevereiro de 2020 – Adriano Cunha (relator) – Madeira dos Santos – Teresa de Sousa.