Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:073/16
Data do Acordão:12/06/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
PRAZO
Sumário:Não resulta, nem da letra, nem da teleologia da norma, que, para efeitos do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, seja exigível, a par de uma “identidade objectiva”, entre facto tributário e facto objecto de inquérito criminal, uma identidade subjectiva, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto.
Nº Convencional:JSTA00070438
Nº do Documento:SA220171206073
Data de Entrada:04/22/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS 2015/09/24
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:LGT ART45 N5 ART49 N5.
RGIT ART2 ART40 ART103.
CPP ART262 ART277.
CIVA ART19 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01071/14 DE 2016/05/11.; AC STA PROC01407/15 DE 2016/11/03.
Referência a Doutrina:JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, GONÇALO BULCÃO, JOSÉ RAMOS VIDAL E MARIA JOÃO MENEZES - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA 2015 PÁG412.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – Não se conformando com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24 de Setembro de 2015, que negou provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “A…………… Lda.”, com os sinais dos autos, contra a liquidação de IVA e juros compensatórios referente ao ano de 2003, veio a Fazenda Pública dele interpor recurso excepcional de revista para este Supremo Tribunal, concluindo a sua alegação nos seguintes termos:
a) O acórdão recorrido incorre em erro de julgamento ao fazer, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação do artigo 45 nº 5 da LGT, em clara violação de lei substantiva, pelo que, no nosso entendimento, não deve manter-se, sendo, a admissão deste recurso de revista claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;
b) A liquidação de IVA, aqui impugnada, resultou do facto de a Impugnante ter procedido à dedução de IVA relativamente facturas que indiciavam ser falsas;
c) Tendo em conta a existência dos referidos indícios - passíveis de configurar a prática de crime de natureza fiscal (in casu fraude fiscal tipificada no artigo 103 do RGIT) - foi instaurado processo de inquérito (nº 108/2008.4 IDLS B) contra a emitente das facturas (a B………….) na DPCF da DFL onde se incluíam os factos praticados pela A………… em crise neste processo de impugnação;
d) A impugnante não foi constituída arguida naquele processo, até porque, no decorrer das investigações, se verificou que a vantagem patrimonial obtida seria inferior a 15 000 € (logo nos termos do n.º 2 do artigo 103.º do RGIT o facto não seria punível a titulo de crime), bem como porque, por despacho de 12 de Junho de 2012 do DCIAP o processo de inquérito viria a ser arquivado;
e) Do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, retira-se que a possibilidade de alargamento do prazo de caducidade - prevista no nº 1 do mesmo artigo – depende, somente, de se saber se a liquidação em causa tinha como fundamento factos relativamente aos quais havia sido instaurado inquérito criminal;
f) Na verdade, o nº5 do artigo 45 da LGT não exige que haja constituição de arguido das partes envolvidas nos factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, razão pela qual, faz salvaguardar ainda assim o alargamento do prazo de caducidade mesmo que se decida pelo arquivamento do processo de inquérito criminal;
g) A previsão da norma supracitada refere-se expressamente a: “…factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal …”, não exigindo que no mesmo procedimento haja, o indiciado, sido constituído arguido, bastando-se, aquela previsão normativa, com a coincidência do objeto factual;
h) Ora, para que se alargue o prazo de que dispõe a AT para liquidar a dívida tributária, nos termos do nº 5 do artigo 45 da LGT, é forçoso que se configure um ato passível de procedimento judicial repressivo impeditivo do anterior correcto apuramento do montante dessa dívida dentro do prazo normal, sendo indiferente que no correspondente processo crime não venha, posteriormente, a ser proferida condenação;
i) Assim, não passa a ser intempestiva a liquidação efectuada ao abrigo daquela disposição, só porque, mais tarde o juiz (ou o Procurador) do processo-crime julgou que os atos provados neste processo integram matéria apenas contra-ordenacional;
j) Porém – e isto é inquestionável -, dá lugar ao alargamento do prazo de caducidade nos termos do nº 5 do artigo 45 da LGT;
k) Em suma e salvo o devido respeito, entende-se que o Tribunal a quo falhou no seu julgamento quando considerou, erradamente, que o disposto no nº 5 do artigo 45.º da LGT, ou seja, a possibilidade de alargamento do prazo de caducidade não se aplica à liquidação de IVA do ano de 2003 impugnada, uma vez que esta mesma liquidação resulta somente de factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal.
Por todo o exposto, e o mais que o venerando tribunal suprirá, deve o presente recurso de revista ser admitido e, analisado o mérito ser dado provimento ao mesmo, revogando-se, em conformidade, o douto acórdão recorrido, com todas as legais consequências, assim se cumprindo, por VOSSAS EXCELÊNCIAS, com o DIREITO e a JUSTIÇA!


2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – Por Acórdão de 31 de Março de 2016 (de fls. 176 a 183 dos autos) foi o recurso de revista admitido.

4 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu parecer nos seguintes termos:

A recorrente Fazenda Publica, vem interpor recurso excepcional de revista, do acórdão do TCAS, de 24 de Setembro de 2015, proferido a folhas 136/142, que julgou procedente o recurso jurisdicional interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no entendimento de que se mostra caducado o direito de liquidar o IVA de 2003, uma vez que a recorrida só foi notificada da liquidação em Fevereiro de 2010, e, no caso, não tem aplicação o prazo especial de caducidade previsto no artigo 45/5 da LGT, uma vez que resulta do probatório que não foi instaurado inquérito contra a impugnante A………., nem a mesma foi constituída arguída nos inquéritos criminais instaurados conta B………….., sociedade emitente das alegadas facturas falsa à Impugnante.
A recorrente produziu alegações tendo concluído nos termos de folhas 163/165.
A recorrida A…………. Ldª não contra alegou.
A questão controvertida prende-se com a questão de saber se o alargamento do prazo de caducidade do direito de liquidação estatuído no artigo 45/5 da LGT se verifica sempre que o direito de liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal ou se é necessário que esse inquérito criminal seja direccionado directamente contra o sujeito passivo do tributo liquidado e que este seja constituído arguido.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 45/5 da LGT “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal o prazo a que se refere o nº 1 é alargado até arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.
Como expendem José Maria Fernandes Pires (Coordenador), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, in Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 2015, Almedina, página 412 “ …O nº 5 destina-se a impedir o decurso do prazo de caducidade na pendência do processo criminal, por e entender que, encontrando-se a liquidação dependente de sentença a proferir no âmbito desse processo, tal liquidação não pode ser prejudicada pela demora da decisão judicial. Para o efeito, alarga-se o prazo de caducidade até arquivamento do inquérito ou ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.
Em resultado da existência de processo criminal poderão resultar certos factos, cuja qualificação e quantificação como factos tributários depende do que for considerado definitivamente assente em termos criminais nomeadamente da determinação da existência e medida da responsabilidade criminal do arguido
Por outro lado, tratando-se de factos graves, e atendendo às consequências onerosas em termos de sanção advenientes do estabelecimento dessa responsabilidade, o processo criminal é revestido de especiais garantias de defesa, podendo a sua duração ser bastante dilatada, o que não é compatível com os breves prazos de caducidade normalmente vigentes no âmbito tributário.
Além disso o facto de se estabelecer que a caducidade só decorrerá após um ano sobre o termo do processo criminal, destina-se a permitir que haja lugar aos procedimentos e diligências legal e tecnicamente indispensáveis à existência de uma liquidação válida e sua notificação ao sujeito passivo. Aí se incluem, por exemplo, a elaboração do projecto de relatório da inspecção e sua notificação do mesmo, para efeitos de audição prévia, a elaboração do relatório definitivo e sua notificação. Por isso, este prazo de um ano subsequente ao arquivamento do inquérito ou trânsito em julgado do processo crime é, por vezes, designado de prazo técnico de efectuação da liquidação, ou seja, é o prazo que o legislador teve como razoável para que a AT possa levar a cabo todas as diligências que esta acarreta”.
Na determinação do sentido das normas tributárias são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º da LGT).
Assim, “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que foi aplicada“ - artigo 9.º/1 do CC.
“Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso” - artigo 9.º/2 do CC.
“Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados“ - artigo 9.º/3 do CC.
“Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários” - artigo 11.º/3 da LGT.

Na interpretação declarativa a letra da lei está em consonância com a “mens legis” ou o espírito da lei, cabendo, apenas ao intérprete verificar a sua coincidência.
Na interpretação restritiva limita-se o sentido da norma, mesmo havendo amplitude da sua expressão literal, através do uso de considerações teleológicas e axiológicas.
Na interpretação extensiva amplia-se o sentido da norma para além do contido na sua letra demonstrando que a sua extensão do sentido está contida no espírito da lei, considerando que a norma diz menos do que queria.
O acórdão recorrido faz uma interpretação restritiva do normativo do artigo 45.º/5 da LGT ao sustentar que para que tal normativo tenha aplicação se torna necessário que o inquérito criminal seja instaurado, desde logo, contra o sujeito passivo do tributo liquidado e este seja constituído arguido nos autos de inquérito.
Todavia, a nosso ver e ressalvado melhor juízo, essa interpretação não corresponde à intenção do legislador.
Na verdade, pelo que se disse, sustenta-se que o espírito da lei coincide com a sua letra, ou seja, o alargamento do prazo de caducidade do direito de liquidar nos termos do disposto no artigo 45.º/5 da LGT tem lugar sempre que o direito de liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal independentemente de este ter sido instaurado directamente contra o sujeito passivo do tributo liquidado e de ter sido constituído arguido (O regime de constituição de arguido está devidamente regulado nos artigos 57 a 60 do CPP).
Ora, como resulta do probatório e dos autos, a liquidação de IVA de 2003 e respectivos juros compensatórios resultou do facto de a impugnante/recorrida ter procedido a dedução de IVA referente a facturas que indiciavam ser falsas, sendo certo quer face a tais indícios, susceptíveis de configurar a prática do crime de fraude fiscal previsto e punido pelo artigo 103 do RGIT, foi instaurado processo de inquérito na DPCF da Direcção de Finanças de Lisboa contra a emitente de facturas, a empresa “B…………..”, onde, necessariamente, se incluíam os factos imputados à Impugnante/recorrida A……….. nos presentes autos, enquanto alegada beneficiária de tais facturas.
Ora, uma vez que os autos de inquérito foram remetidos ao MP, com proposta de arquivamento, em 29 de Maio de 2012 e tendo a impugnante /recorrida sido notificada da liquidação sindicada em Fevereiro de 2010, parece certo que, nos termos do disposto no artigo 45.º/1/5 da LGT, não se mostra caducado o direito de liquidação do tributo.
A decisão recorrida a nosso ver merece censura.
Termos em que deve dar-se provimento ao recurso e revogar-se o acórdão recorrido baixando os autos para apreciação da questão prejudicada pela solução dada à causa (saber se as facturas correspondem a trabalhos reais e se os pagamentos foram efectuados com dinheiro).



Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
5 – Questão a decidir
Conforme devidamente delimitado pelo Acórdão do STA que admitiu o presente recurso de revista, a questão a decidir é a de saber se tem aplicação o regime de alargamento do prazo de caducidade estabelecido no n.º 5 do artigo 45.º da LGT as liquidações de IVA resultantes de correcções efectuadas pela AT, por ter sido detectada a dedução indevida desse mesmo imposto em relação a facturas, indiciariamente falsas, quando, quanto a estes factos foi instaurado inquérito criminal (na Divisão de Processos Criminais Fiscais - DPCF - da Direcção de Finanças de Lisboa), contra a sociedade emitente daquelas facturas, inquérito esse em que a impugnante, alegada beneficiária dos serviços alegadamente prestados pela emitente das facturas, não foi constituída arguida – cfr. Acórdão, a fls. 182/183 dos autos.


6 - Matéria de facto
É do seguinte teor o probatório fixado no acórdão recorrido:

1 - Pela ordem de serviço nº 0I200801749 referida na Nota de Diligência a impugnante foi alvo de inspecção tributária, referente aos exercícios de 2003, 2004 e 2005, com início em 12/11/2009 e a conclusão em 24/11/2009 (cfr relatório de inspecção junto a folhas 28 a 77 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls. 142 a 153 do processo administrativo apenso);
2 - Das conclusões do relatório inspectivo, resultaram as seguintes correcções meramente aritméticas:
(…)
Através da consulta ao sistema informático da DGCI verificou-se que relativamente ao sujeito passivo “B……………… Ldª”, foram detectadas as seguintes anomalias:
- inexistência de empresas como prestadoras de serviços que lhe fornecessem mão-de-obra e equipamentos.
A nível externo foi enviada correspondência para várias entidades das quais obtivemos as seguintes respostas:
- Das diversas Companhias de Seguros, verificou-se que não existem pagamentos de seguros de viaturas, nem de outro tipo de equipamento nem acidentes de trabalho.
A seguradora …………. referiu que embora tenham sido assinados papéis para a realização de seguros das viaturas entre 27/04/2002 e 27/05/2003 os mesmos foram cancelados por falta de pagamento e que nenhuma das viaturas indicadas pela seguradora ………. é ou foi propriedade da empresa B……………. Ldª.
É assim de frisar que os seguros não se concretizaram e nos anos em que os serviços foram facturados pela empresa B………… Ldª à sociedade A………… esta não possuía equipamento que lhe permitisse desenvolver o trabalho facturado.
Em relação a seguros de acidentes de trabalho, a empresa B………. Ldª efectuou um seguro na ………… em 31/10/2004, que tinha como beneficiário o sócio gerente C……………, tendo sido anulado na mesma data 31/10/2004 por falta de pagamento, conforme documento que nos foi remetido com o registo nº 69/689576.
Existe ainda um outro seguro para o mesmo ramo, efectuado na companhia de Seguros ……, com a apólice …………. celebrado em 01/06/2002 e cessado em 31/10/2002 por falta de pagamento, elementos que nos foram remetidos por fax ou seja não se chegou a celebrar seguro nenhum
O “INCI - Instituto da Construção e Imobiliário” informou que não existe certificado, alvará ou qualquer outro título de habilitação para o exercício da actividade de construção em nome da sociedade B……….., Ldª, elementos esses que foram remetidos por Fax.
O “INTT - Instituto Nacional de Transportes Terrestres” informou-nos da inexistência de alvará para o transporte de mercadoria ou movimentação de terras.
Da informação solicitada ao Instituto de Segurança Social LP, constatou-se que empresa B………… Ldª, remeteu declarações entre Agosto de 2002 e Fevereiro de 2005, referentes a uma trabalhadora emigrante dos países de leste da Europa.
Assim, para além de não haver evidência de ter tido no seu quadro de pessoal trabalhadores que pudessem efectuar um leque demasiado vasto de trabalhos facturados, não há evidência de que tais trabalhos tenham sido efectuados por outras empresas que eventualmente lhes tivessem prestado serviços, como é disso prova o facto de não constarem dos anexos O e P quaisquer registos relativos à empresa “B…………., Ldª” para com terceiros, quer destes para com a firma “B………………, Ldª”.
- Não é credível que a sociedade “B……….., Ldª” tendo ao seu serviço apenas o sócio gerente C…………….., consiga prestar serviços para todo o território nacional, incluindo as Regiões Autónomas, para além de prestar serviços nas áreas tão diversificadas como sejam: transportes de terras, palha, estrume, sucata e pedras; prestação de serviços de retroscavadoras, giratória com balde, buldózer, cilindro; aluguer de máquinas; construção de cenários, trabalhos de pintura, cofragem, carpintaria, electricidade, assentamento de lancil e calçada, cedência de mão de obra diverso, … etc
- Da análise a outros sujeitos passivos utilizadores de facturas emitidas pela empresa B……….. Ldª, casos houve em que regularizaram voluntariamente quer os custos quer a dedução de IVA, para além de terem declarado que tais factura não tinham subjacente quaisquer serviços por parte da B…………. Ldª, que vem, aliás, confirmar que estamos em presença da emissão de facturação falsa, como demonstra a falta de estruturas para o exercício de actividade tão vasta como descrevem os documentos emitidos e em paralelo a inexistência de empresas como prestadoras de serviços que lhe fornecessem mão de obra e equipamentos.
- Da análise efectuada às cópias das facturas, remetidas pelos diversos declarantes no anexo P da informação anual e que mencionaram a B……….. Ldª como seu fornecedor, registe-se a incoerência, entre outras, o facto da empresa, ter emitido diversas facturas com o mesmo número, para diferentes clientes e com montantes também diferentes. A descrição das facturas é muito sucinta e não concretiza os trabalhos facturados.
- Constatou-se ainda que a emissão de facturas não é efectuada por ordem cronológica.
- Dos orçamentos analisados verificou-se que estes não discriminam os materiais utilizados, nem concretizam os serviços prestados.
- A inexistência de folhas de obra, autos de medição meios de pagamento credíveis, nomeadamente transferência bancárias.
Pelo exposto existem fortes indícios de que o sujeito passivo B…………. Ldª procedeu à emissão de facturas falsas e ou não correspondentes a transacções reais, encontrando-se a decorrer na Divisão de Processos Criminais Fiscais da Direcção de Finanças de Lisboa, dois processos de inquérito por fraude, incluindo os exercícios de 2003 a 2005.

Dá-se aqui por reproduzido o quadro de folhas 138 do probatório da sentença referente ao IVA indevidamente deduzido pelo sujeito passivo B……….. Lda.

3 - Contra a empresa “B………….. Ldª”, foram instaurados dois processos de inquérito com o nº 373.2007.41 DLSB e 108/2008.41DLSB (cfr. informação exarada a fls. 142 a 153 do processo administrativo apenso).

4 - Em sede de alegações, a impugnante informou o Tribunal que o processo de inquérito que sustentou a tempestividade da decisão da AT na liquidação em causa foi remetido ao MP, em 29/05/2012, com proposta de arquivamento (cfr. documento junto a fls. 72 dos presentes autos);

5 - Com data limite de pagamento de 30/04/2010, a impugnante foi notificada da liquidação de IVA de 2003, no montante de €14.630,00, e de juros compensatórios na quantia de € 3.423,02, em Fevereiro de 2010 (cfr. documentos juntos de fls. 12 e 13 dos presentes autos).

A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provou:
1 - Que contra a impugnante tenha sido instaurado qualquer procedimento de inquérito criminal;
2 – Que a impugnante tenho sido constituída arguida em relação ao inquérito criminal instaurado contra a sociedade “B…………….., Ldª”



7 – Apreciando
7.1. Do âmbito de aplicação do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT
O acórdão recorrido, a fls. 136 a 142 dos autos, negou provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrida contra liquidação adicional de IVA e juros compensatórios relativa ao exercício de 2003 - originada em correcções meramente aritméticas, por desconsideração de facturas alegadamente falsas emitidas pela sociedade B………..” –, em razão da caducidade do direito à liquidação, no entendimento de que o prazo de caducidade aplicável era o de 4 anos, previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT, prazo este cujo termo final se havia já esgotado aquando da notificação dos actos tributários em causa, não sendo aplicável o alargamento de tal prazo previsto no n.º 5 do mesmo artigo 45.º da LGT, porquanto não se encontra provado nos autos que contra a sociedade impugnante/recorrida tenha sido instaurado qualquer inquérito criminal, nem que esta tenha sido constituída arguida nos inquéritos criminais instaurados contra a sociedade “B……………., Lda (cfr. matéria de facto não provada) – cfr. acórdão recorrido, a fls. 141/142 dos autos.
Alega a recorrente Fazenda Pública, em síntese, que a possibilidade de alargamento do prazo de caducidade (…) depende, somente, de se saber se a liquidação em causa tinha como fundamento factos relativamente aos quais havia sido instaurado inquérito criminal, não exigindo que no mesmo procedimento haja, o indiciado, sido constituído arguido, bastando-se, aquela previsão normativa, com a coincidência do objeto factual.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA, no seu parecer junto aos autos e supra transcrito, pronuncia-se no sentido de que o recurso merece provimento, porquanto, em síntese, a interpretação efectuada pelas instâncias é uma interpretação restritiva do comando legal ínsito no nº 5 do artigo 45 da LGT e que não tem apoio sequer na letra da lei.
Vejamos.
Dispõe o n.º 5 do artigo 45.º da LGT, aditado pelo n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro (OE/2006), que: “5 - Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.”
Entendeu o acórdão recorrido que o alargamento do prazo previsto neste preceito legal é inaplicável ao caso dos autos porquanto não se encontra provado nos autos que contra a sociedade impugnante/recorrida tenha sido instaurado qualquer inquérito criminal, nem que esta tenha sido constituída arguida nos inquéritos criminais instaurados contra a sociedade “B…………………, Lda (cfr. matéria de facto não provada), pressupondo que a constituição de arguido do próprio impugnante e/ou a instauração de inquérito criminal contra ele sejam indispensáveis para que o alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação possa operar.
Não o entendemos assim, pois nem a letra da lei o permite, nem a teleologia da norma o exige.
Na sua construção literal, a norma prevista no n.º 5 do artigo 45.º da LGT é clara, referindo-se expressamente a uma necessária identidade de factos (i.e., identidade entre o facto tributário e o facto criminal), sem mais. Observe-se, a contrario, a norma prevista no n.º 5 do artigo 49.º da LGT, nos termos da qual “o prazo de prescrição legal suspende-se, ainda, desde a instauração de inquérito criminal até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença”, cuja redacção é menos clara, menos incisiva, o que, aqui sim, poderia motivar interpretações extensivas ou restritivas.

Por outro lado, e sem prejuízo da letra da lei, importa atender à teleologia da norma.

Conforme bem referem José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes in Lei Geral Tributária – anotada e comentada, 2015, p. 412, “o nº 5 destina-se a impedir o decurso do prazo de caducidade na pendência do processo criminal por se entender que encontrando-se a liquidação dependente de sentença a proferir no âmbito desse processo tal liquidação não pode ser prejudicada pela demora da decisão judicial. Para o efeito alarga-se o prazo de caducidade até arquivamento do inquérito ou ao trânsito em julgado da sentença acrescido de um ano”.

Assim, a norma prevista no n.º 5 do artigo 45.º da LGT resulta da necessidade de garantir uma boa decisão da causa em matéria fiscal, aguardando-se assim o desfecho dos inquéritos ou dos processos-crime em que o facto tributário se encontra em discussão. Ou seja, o inquérito criminal teve por objecto a averiguação da eventual prática de crimes fiscais relacionados com a matéria objecto da Inspecção Tributária e da liquidação subsequente – independentemente de o agente que praticou o crime ser o sujeito passivo do imposto.

Vai neste sentido, da exigência de uma identidade objectiva – entre os factos tributários e os factos objecto de inquérito criminal –, a jurisprudência deste STA no que respeita à interpretação do n.º 5 do artigo 45.º da LGT.
Assim, o Acórdão do STA de 11 de Maio de 2016, rec. n.º 1071/14, em que se consignou que “A contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45º, nº 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factose o Acórdão de 3 de Novembro de 2016, rec. n.º 1407/15, onde se consignou, citando jurisprudência anterior, que (…) a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45.º, n.º 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos e, se a sentença não tiver fixado os factos concretos factos que motivaram a liquidação oficiosa impugnada, nem aqueles que são alvo da investigação criminal a que alude o probatório, verifica-se um défice instrutório que importa colmatar para decidir a questão da caducidade da liquidação face ao que dispõe o referido preceito.
Não é, pois, exigível, para efeitos do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, a par de uma “identidade objectiva” entre facto tributário e facto objecto de inquérito criminal, uma identidade subjectiva, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto.

E não se diga que “Constituindo o prazo de caducidade do direito de liquidação uma garantia do contribuinte, o não preenchimento de tais condições [isto é, identidade do facto e identidade do agente] levaria a que o alargamento do prazo do direito de liquidação ficasse numa situação de indefinição tal que seria atentatória do princípio constitucional da segurança jurídica”.
Com efeito, ainda que não exista uma identidade de sujeitos, o alargamento do prazo de caducidade nos termos do n.º 5 do artigo 45.º da LGT não conduz, de per se, a uma indefinição do prazo de caducidade, mas apenas ao seu alargamento até ao encerramento do processo-crime, acrescido de um ano.

No caso dos autos, a AT procedeu a uma correção em sede de IVA, por ter sido detectada a dedução indevida de imposto, por parte do sujeito passivo, relativamente a faturas indiciariamente falsas (cfr. a alínea B) do probatório fixado).

Quanto a estas facturas indiciariamente falsas foi instaurado inquérito criminal na Divisão de Processos Criminais Fiscais (DPCF) da Direção de Finanças de Lisboa contra a sociedade emitente das faturas, “B…………..”.

O sujeito passivo de imposto, alegado beneficiário dos serviços prestados pela emitente das facturas, não foi constituído arguido e por despacho de 12 de Junho de 2012 do DCIAP, o processo de inquérito viria a ser arquivado (cfr. as alíneas C) e D) do probatório e os factos não provados dele constantes).

A impugnante foi notificada da liquidação de imposto em Fevereiro de 2010 (cfr. doc. 12, para que remete a alínea E) do probatório fixado), ou seja, antes do arquivamento do inquérito.

Ora, em face destes factos e da interpretação que fazemos do n.º 5 do artigo 45.º da LGT não pode manter-se a decisão das instâncias pois que, uma vez as facturas cujo IVA foi não pode ser deduzido (no entendimento da AT) foram objecto de inquérito criminal, existe uma identidade objectiva entre o processo fiscal e o inquérito criminal, que determina o alargamento do prazo de caducidade nos termos do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, não sendo para tal necessário que o sujeito passivo tenha sido constituído arguido no processo de inquérito ou que contra ele tivesse sido instaurado inquérito.

Haverá, pois, que no provimento do recurso, revogar o acórdão recorrido e julgar não verificada a caducidade do direito à liquidação, baixando os autos à primeira para apreciação da questão prejudicada pela solução dada à causa, a de saber se as facturas correspondem a trabalhos reais e se os pagamentos foram efectuados com dinheiro – cfr. sentença, a fls. 89 dos autos.

- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e julgar não verificada a caducidade do direito à liquidação, baixando os autos à primeira instância para conhecimento da outra questão suscitada pela impugnante.

Custas pela recorrida, em primeira instância e neste STA, salvo quanto à taxa de justiça devida pelo impulso processual, pois não contra-alegou.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2017. - Isabel Marques da Silva (relatora) – (Por vencimento) - Pedro Delgado - Fonseca Carvalho.


Voto de vencido

Consiste a questão a decidir, em saber se, perante a eventual utilização de facturas falsas de que a impugnante recorrida seria beneficiária, o que motivou até instauração de inquérito criminal contra a emitente das facturas B………. Ldª. Tal situação permitirá que se considere o alargamento do prazo da caducidade ao abrigo do nº 5 do artigo 45 da LGT justificado em relação à recorrida.
A recorrente entende que sim.
Sustenta contrariamente às decisões recorridas que é de afastar a interpretação restritiva da aplicação que ao caso fizeram as instâncias do disposto no nº 5 do artigo 45 da LGT no sentido de que o alargamento do prazo do direito de liquidação previsto no nº 1 do artigo 45 da LGT só é possível quando a liquidação respeitar a factos determinantes de inquérito criminal relativamente ao sujeito passivo – no caso a impugnante – e caso a mesma nele tivesse sido constituída arguida, o que na situação dos autos não ocorreu.
Considera também o Mº Pº neste Tribunal, secundando a posição da recorrente Fazenda Pública, que a interpretação efectuada pelo Tribunais recorridos é uma interpretação restritiva do comando legal ínsito no nº 5 do artigo 45 da LGT e que tal interpretação não tem apoio sequer na letra da lei.
Bastaria assim, como no caso dos autos sucedeu que fosse instaurado inquérito criminal pelos factos constitutivos de crime fiscal.
Não entendemos assim.
O artigo 2º do RGIT prescreve constituir infracção tributária todo o facto típico ilícito e culposo declarado punível pela lei tributária anterior podendo tais factos qualificar-se de crimes e contra ordenações.
Entre esses ilícitos o RGIT tipifica no artigo 103º a fraude que pode ter lugar entre outros casos através da celebração de negócios simulados.
Por sua vez o artigo 40º do RGIT estipula que o inquérito se inicia com a notícia do crime cuja aquisição consta do artigo 45º.
E nos termos do artigo 3º alínea a) do RGIT quanto aos crimes e seu processamento são subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código Penal e Código do Processo Penal e respectiva legislação complementar.
– O inquérito como resulta do artigo 262 do CPP compreende o conjunto de diligências que visam averiguar a existência dum crime, determinar o seu agentes e a responsabilidade e descobrir e recolher prova em ordem à decisão sobre a acusação.
Nos termos do nº 2 deste preceito legal a notícia de crime dá sempre lugar à abertura de inquérito.
Por sua vez o artigo 277 do Código de Processo Penal prescreve que o Mº Pº procede ao arquivamento do inquérito logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado o crime.
E o nº 3 deste normativo estatui que esse despacho de arquivamento é notificado ao arguido.
Sendo a situação de emissão de facturas falsas constitutiva de delito contra a Fazenda Pública previsto no artigo 103 do RGIT e determinando o nº 3 do artigo 19 do CIVA não poder deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura a AT absteve-se de continuar com o procedimento administrativo da liquidação que ficou suspenso até que a autoridade judicial competente proferisse sentença transitada ou houvesse lugar ao arquivamento do inquérito criminal.
No caso dos autos o MºPº concluiu pelo arquivamento do inquérito criminal relativo ao crime de fraude fiscal que instaurara contra a emitente das facturas a empresa B………….. Ldª pelo que a AT reiniciou o procedimento da liquidação tendo como sujeito passivo a recorrida e tendo em conta o alargamento do cômputo do prazo de prescrição que o nº 5 do artigo 45 da LGT lhe facultava.
Entenderam contudo as instâncias recorridas que só podia ser considerado tal alargamento se o inquérito criminal com base em factos colhidos no procedimento de liquidação – emissão de facturas falsas – fosse concretamente dirigido contra o sujeito passivo, neste caso a recorrida, e que a mesma por tais factos tivesse sido nesse inquérito constituída arguida.
E no caso em apreço não ficara provado a existência de tal inquérito contra a recorrida nem que por tais factos fosse constituída arguida.
Terá esta interpretação apoio na letra da lei?
Será que o que importa para que haja o alargamento do prazo do direito de liquidação nos termos do nº 5 do artigo 45º da LGT é apenas que a liquidação a efectuar pela AT respeite a factos que originaram a abertura de inquérito criminal, não relevando neste caso a concreta instauração contra o sujeito passivo ou a sua qualificação criminal referente a tais factos?
O direito de liquidar por parte da AT assenta na constatação de um facto tributário.
O facto tributário é pressuposto legitimador do tributo por ser nele que se manifesta a capacidade económica susceptível de tributação. E é com a sua realização que nasce a obrigação tributária.
Nesta consideração o direito de liquidar tem sempre presente uma relação entre a AT e o ou os sujeitos passivos, pois todo o acto de liquidação é susceptível de alterar a situação tributária do contribuinte.
Por isso, o exercício direito de liquidação por parte da AT, uma vez realizado o facto tributário, está sujeito a prazo sob pena de caducidade.
O princípio constitucional da segurança jurídica que fundamenta o instituto da caducidade proíbe através deste instituto da caducidade uma situação indefinida de pendência no exercício do direito de liquidar por parte da AT.
Nesta medida a caducidade do direito de liquidar por parte da AT é uma garantia do contribuinte.
Nesta consideração o alargamento do prazo da caducidade que a lei prevê no nº 5 do artigo 45 da LGT quando a liquidação respeita a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, exige que o inquérito criminal seja dirigido contra sujeito passivo do procedimento de liquidação em causa, sujeito este perfeitamente determinado, pois, só este é que poderá pôr em causa a legalidade de tal alargamento.
Esta interpretação é em nosso entender a que melhor se enquadra na unidade do sistema jurídico e tem correspondência com a letra da lei já que o inquérito criminal a que o nº 5 do artigo 45 da LGT se refere só pode ser interpretado como inquérito criminal dirigido contra o sujeito passivo na medida em que tem como objecto a averiguação de factos que são também factos atinente à liquidação cujo prazo para o exercício de tal direito por parte da AT fica assim alargado.
Por todo o exposto negaria provimento à revista e confirmaria o acórdão recorrido.
Fonseca Carvalho.