Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0710/11.7BELRS
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRS
ANULAÇÃO PARCIAL
Sumário:I - Na certeza, transitada em julgado, de que a liquidação de IRS impugnada considerou, além de outros, um rendimento tributável, da categoria G (mais-valias), num quantitativo superior em 50% ao que devia ter ocorrido (foi utilizada a percentagem de 100 em vez da legal de 50) é possível ser declarada, pelo tribunal, a consequente, incontornável, ilegalidade de tal ato tributário, apenas, quanto à consideração do rendimento, respeitante às mais-valias auferidas, em 100%, devendo sê-lo em 50%, deixando, concomitantemente, incólume a restante composição do rendimento tributável, do impugnante/sujeito passivo, para o ano respetivo.

II - Cabe, no momento oportuno, aos serviços da autoridade tributária e aduaneira (AT), com competência para o efeito, desenvolverem os trâmites necessários ao suprimento da ilegalidade cometida, corrigindo, na medida precisa e adequada, o ato de liquidação de IRS em crise, de forma a que, em todas as suas componentes (rendimento tributável, abatimentos, taxa, deduções …) se refletiam os efeitos decorrentes da decretada, judicialmente, anulação parcial do mesmo.
Nº Convencional:JSTA000P27208
Nº do Documento:SA2202102170710/11
Data de Entrada:10/19/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A……………
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;
# I.

O/A representante da Fazenda Pública (rFP) recorre da sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, em 28 de abril de 2020, que julgou procedente impugnação judicial, apresentada por A…………., …, contra decisão que negou provimento a recurso hierárquico de liquidação, adicional, de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios, relativo ao ano de 2003, no valor de € 18.373,77.
A recorrente (rte) formalizou alegação, terminada com o seguinte quadro conclusivo: «

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRS e Juros compensatórios com o nº 2007 5002269483 no montante de € 18.373,77 relativa ao ano de 2003.

B. A decisão ora em recurso julgou a presente impugnação procedente e, em consequência, ordenou a anulação da liquidação de IRS e juros compensatórios n.º 5532269483, relativa ao exercício de 2003, no mais absolvendo a Fazenda Pública do pedido.

C. A Fazenda Pública não se conforma com a decisão, porquanto dos factos provados e das normas legais consideradas aplicáveis pelo douto Tribunal a consequência a retirar nunca será a integral anulação da liquidação, mas a sua anulação parcial, concretamente na parte em que integra a totalidade do saldo apurado entre as mais e menos valias.

D. Assim, a douta sentença considerou provados, entre outros, os factos seguintes

“A. Em 04.07.2007, em nome do impugnante foi emitida a liquidação de IRS e juros compensatórios n.º 5002269483, relativa ao exercício de 2003, no montante global de € 18.373,77 - cfr. fls. 101 do processo físico.

(…)

F. O impugnante é residente na Alemanha - cfr. PA apenso.

G. Em Agosto de 2003, o impugnante alienou as fracções autónomas B e C do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 12278 da freguesia de Paranhos, concelho do Porto, pelo montante de € 138.416,41 - cfr. PA apenso.

H. As fracções referidas foram adquiridas pelo impugnante em Abril de 1994 - cfr. PA apenso.

I. Em 26.04.2004, o impugnante entregou a declaração de rendimentos modelo 3 sem declarar no anexo G os montantes respeitantes àquela alienação - cfr. PA apenso.

J. O impugnante foi notificado para entregar o anexo G - cfr. PA apenso.

K. O impugnante entregou o anexo G através de declaração de substituição, tendo inscrito no campo 401 do quadro 4 os valores de realização de € 138.416,41 e de aquisição de € 63.495,28 - cfr. PA apenso.

L. Na sequência da apresentação da declaração de substituição, foi emitida a liquidação impugnada - cfr. PA apenso.””

E. O Tribunal elegeu como questão decidenda “a compatibilidade da norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com a norma do artigo 56.º do Tratado da Comunidade Europeia (desde o Tratado de Lisboa, assinado em 13.12.2007, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), actualmente, artigo 63.º.”

F. A sentença recorrida considerou que “A norma do artigo 56.º do Tratado da Comunidade Europeia, actualmente, artigo 63.º, é clara e precisa no sentido da inadmissibilidade de restrições aos movimentos de capitais (…)” e ainda que “… o n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS mostra-se incompatível com o citado artigo 56.º do Tratado. Assim, a distinção entre residentes e não residentes estabelecida pela citada norma do Código do IRS constitui uma restrição à liberdade de circulação de capitais consagrada no Tratado, pelo que estamos perante uma violação suficientemente caracterizada do princípio de livre circulação de capitais, imposto pelo Direito Comunitário.”

G. E neste ensejo o Tribunal recorrido determinou a “anulação da liquidação de liquidação de IRS e juros compensatórios n.º 5532269483, relativa ao exercício de 2003, no mais absolvendo a Fazenda Pública do pedido.

H. A Fazenda Pública não pretende discutir a jurisprudência que emana deste douto Tribunal sobre a desconformidade do disposto do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, com o art.º 56º do Tratado da União Europeia, amplamente divulgada, nomeadamente no douto acórdão nº 01172/14 de 02/03/2016.

Contudo,

I. A Fazenda Pública entende, com o devido respeito, que a sentença errou ao determinar a anulação integral da liquidação, pois, a ser cumprida a decisão tal como foi ditada, nenhuma parte dos rendimentos de mais valias obtidas pelo impugnante vai ser tributada.

J. Ora, da legislação comunitária e da jurisprudência do TJCE citadas na douta sentença, resulta que ao Tribunal considerou que a ilegalidade da liquidação advém de ter considerado como rendimento tributável, a totalidade do saldo apurado entre as mais valias e a menos valias, quando à luz dos preceitos legais invocados, a tributação deveria incidir somente em 50% daquele saldo.

Assim,

K. Em nosso entendimento, o Tribunal deveria ter anulado parcialmente o ato tributário, de modo a ser tributado 50% do saldo apurado entre as mais valias e as menos valias do impugnante, com o que faria cumprir o art.º 56º do Tratado da Comunidade Europeia, uma vez que a redução do rendimento coletável não exige a prática de novo ato tributário.

L. A desconformidade identificada na sentença permite a correção da liquidação de modo a expurgar o ato tributário da parte que o Tribunal considerou como ofensiva do Direito Comunitário, a mera anulação parcial ou a reforma do ato tributário impugnado, o que está ao alcance da administração tributária efetuar com faculdade e prontidão, nos termos do consignado no artº 100º da LGT.

M. O que se impunha, em nossa opinião, sob pena de a execução da sentença recorrida implicar que os rendimentos obtidos pelo impugnante, quer provenientes das mais valias quer provenientes de qualquer outra categoria, sejam pura e simplesmente excluídos de tributação.

N. Na realidade, reconhecendo que o ato tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deveria em conformidade anular só essa parte, deixando-o subsistente no segmento em que nenhuma ilegalidade o fere, pelo que ao concluir infundadamente pela anulação total, a sentença enferma de erro de julgamento de direito, que fundamenta a sua revogação.

Nestes termos e com o douto suprimento deste Tribunal deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que, reconhecendo que a ilegalidade afeta apenas parte da liquidação impugnada, ordene a anulação parcial, na parte em que se encontra ferida de ilegalidade, mantendo deste modo vigente, a liquidação do imposto correspondente ao rendimento coletável do impugnante, que se encontre apurado sem ofensa do artigo 56º do Tratado, a executar pela AT em conformidade com o art.º 100 da LGT. »


*

Não foi apresentada contra-alegação.

*

A Exma. Procuradora-geral-adjunta emitiu parecer, com a conclusão de que deve improceder o recurso e ser mantida a sentença recorrida.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

*******

# II.


Na sentença, em sede de julgamento factual, expressou-se: «

A. Em 04.07.2007, em nome do impugnante foi emitida a liquidação de IRS e juros compensatórios n.º 5002269483, relativa ao exercício de 2003, no montante global de € 18.373,77 - cfr. fls. 101 do processo físico.

B. Em 28.10.2008, o impugnante deduziu pedido de revisão da liquidação por não ter sido considerada a redução de 50% prevista no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS - cfr. PA apenso - cfr. PA apenso.

C. Em 04.03.2009, o pedido de revisão foi indeferido - cfr. PA apenso.

D. Em 03.08.2010, o impugnante interpôs recurso hierárquico contra o indeferimento do pedido de revisão - cfr. PA apenso.

E. Em 25.11.2010, foi negado provimento ao recurso hierárquico - cfr. PA apenso.

F. O impugnante é residente na Alemanha - cfr. PA apenso.

G. Em Agosto de 2003, o impugnante alienou as fracções autónomas B e C do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 12278 da freguesia de Paranhos, concelho do Porto, pelo montante de € 138.416,41 - cfr. PA apenso.

H. As fracções referidas foram adquiridas pelo impugnante em Abril de 1994 - cfr. PA apenso.

I. Em 26.04.2004, o impugnante entregou a declaração de rendimentos modelo 3 sem declarar no anexo G os montantes respeitantes àquela alienação - cfr. PA apenso.

J. O impugnante foi notificado para entregar o anexo G - cfr. PA apenso.

K. O impugnante entregou o anexo G através de declaração de substituição, tendo inscrito no campo 401 do quadro 4 os valores de realização de € 138.416,41 e de aquisição de € 63.495,28 - cfr. PA apenso.

L. Na sequência da apresentação da declaração de substituição, foi emitida a liquidação impugnada - cfr. PA apenso.

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa para além dos referidos. »


***

A consideração, em particular, do conteúdo das conclusões H. e I., leva-nos a identificar como exclusiva questão a dirimir, neste recurso, saber se a sentença sob crítica errou ao decidir, além da procedência desta impugnação judicial (que a rte não contesta), anular, na totalidade, a liquidação de IRS e juros compensatórios, referente ao ano de 2003, dirigida ao impugnante. Numa outra formulação, o thema decidendum conexiona-se com a temática da possibilidade (ou não) de anulação parcial do ato de liquidação tributária, especificamente, de IRS e, mais restritamente, quando são envolvidos rendimentos da categoria G (incrementos patrimoniais/mais-valias).

A jurisprudência (Bem como, a doutrina mais representativa)., com destaque para a do STA, há muito, defendeu e defende, ser, em geral, possível a anulação parcial do ato tributário (destacadamente, de liquidação), enquanto ato divisível, por natureza e definição legal (Cf., entre outros, acórdão (pleno/CT) de 10 de abril de 2013 (0298/12)).. Em apoio desta defesa, encontramos notas persistentes, como as de que “a anulação meramente parcial não se consubstancia na prática, pelo tribunal, de qualquer acto tributário”; “…, para além de apelar a essa divisibilidade (…), apela, também, à natureza de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto, invocando razões ligadas aos princípios processuais da economia processual (para que da sentença ou acórdão do tribunal saia logo uma definição da situação que não careça de qualquer nova pronúncia da administração tributária) e ligadas ao próprio âmbito do contencioso de mera anulação (no qual os limites à plena jurisdição só serão de aceitar em relação àqueles aspectos da acção administrativa em que a plena jurisdição implique para o juiz tributário, enquanto juiz administrativo, a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa) …”; “O critério jurisprudencial para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa, pois, por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado (…) ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.. Acresce, de um ponto de vista prático, para viabilizar uma decisão de anulação parcial de um ato de liquidação, a necessidade de se estar na presença de ilegalidade(s) suscetível de correção individualizada, a concretizar mediante simples operação aritmética, capaz de expurgar, excisar, do ato (como um todo) a componente, parcela, parte, afetada pelo vício identificado e isolado. [Numa imagem, é como levar a cabo uma cirurgia, para de um corpo retirar um nódulo, deixando aquele em condições de assegurar todas as suas funções de forma mais competente e sem os efeitos negativos, mórbidos, deste.]

Não obstante, esta forma de entender, continuar a ser a nossa, não podemos deixar de a questionar, em função de alguns pronunciamentos, deste STA (Além do que se segue, acórdãos de 23 de novembro de 2016 (039/16) e de 28 de junho de 2017 (01129/16))., no sentido de, concretamente, em sede de IRS, poder “ser impraticável a mera anulação parcial” do ato de liquidação. Assim, se argumentou e decidiu no acórdão de 9 de julho de 2014 (01146/13) (Debruçou-se sobre caso envolvendo “acto de liquidação oficiosa de IRS referente ao ano de 2008, no entendimento de que se encontravam verificados os pressupostos para exclusão da tributação em mais-valias da totalidade dos valores realizados, nos termos do artigo 10º, nº 5, do CIRS. …, a questão colocada nos autos e que a sentença conheceu prende-se com o reinvestimento dos valores de realização de um prédio misto (que integrava uma parte urbana destinada a habitação própria da impugnante) num outro prédio urbano destinado ao mesmo fim, e que foi objecto de permuta, não tendo a impugnante efectuado a entrega da declaração Mod.3 de IRS e respectivo anexo G.): «

(…).

Consequentemente, e à primeira vista, pareceria que a liquidação deveria ser anulada parcialmente, na parte atinente aos ganhos provenientes da transmissão da parte urbana do prédio misto, atenta a regra da admissibilidade da anulação parcial do acto de liquidação de imposto, consensualmente aceite pela jurisprudência e pela doutrina por apelo à divisibilidade desse acto tributário. (Cfr., o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 10/4/2013, no rec. nº 298/12, onde se reafirma a jurisprudência vertida nos acórdãos da Secção, de 12/1/2011, no rec. nº 0583/10, de 12/1/2012, no rec. nº 0965/10, de 10/10/2012, no rec. nº 0533/12 e de 5/12/2012, no rec. nº 0477/12.)

Todavia, não nos parece que tal possa acontecer no presente caso.

É que para se saber se o acto de liquidação deve ser total ou parcialmente anulado há que determinar o tipo de ilegalidade que o inquina e analisar se ele é susceptível de o afectar no seu todo, caso em que ele tem de ser integralmente anulado.

Ora, no caso dos autos, há que ter atenção que estamos perante imposto sobre o rendimento, em que a determinação do quantitativo de imposto devido passa pela aplicação das taxas gerais correspondentes ao rendimento colectável determinado, taxas que são, em regra, progressivas e não fixas, como acontece com a tributação dos ganhos com a alienação de imóveis por sujeitos passivos residentes, a que são aplicáveis as taxas finais de IRS.

No caso vertente, o rendimento colectável é constituído pelo saldo anual positivo apurado entre as mais-valias e as menos-valias imobiliárias realizadas no ano em questão, e a taxa de imposto aplicada foi de 42% em face do montante global dos valores realizados com a transmissão do prédio misto (parte urbana no valor de € 750.000,00 e parte rústica no valor € 85.000,00). E daí que a ilegalidade cometida e a consequente exclusão de tributação desse valor de realização vá não só alterar a quantificação rendimento colectável, como influir na taxa de imposto aplicável.

Pelo que a redução do rendimento colectável exige a prática de novo acto tributário, sendo impraticável a mera anulação parcial ou a reforma do acto tributário impugnado, porque o tribunal não pode substituir a taxa de imposto efectivamente aplicada na liquidação impugnada por outra, isto é, não pode substituir-se à administração tributária na aplicação de outra taxa de imposto ao rendimento tributável que subsista para tributação em mais-valias.

Razão por que se impõe manter a sentença recorrida, de anulação total da liquidação, embora com a presente fundamentação, isto é, por deverem ser excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão da parte urbana do prédio misto, cujo valor se encontra individualizado e autonomizado na escritura de permuta, e não os ganhos provenientes da transmissão do prédio misto na sua globalidade. »

Se nos é permitida a ousadia da síntese, as ideias força deste julgamento são as de que no IRS, enquanto imposto sobre o rendimento, as taxas aplicáveis são, por regra, progressivas e não fixas, pelo que, quando, por efeito de ilegalidade(s), o rendimento tributável, subjacente à liquidação impugnada, tem de ser alterado/reduzido, sendo imprescindível a prática de um novo ato tributário (de liquidação), é “impraticável a mera anulação parcial ou a reforma do acto tributário impugnado, porque o tribunal não pode substituir a taxa de imposto efectivamente aplicada na liquidação impugnada por outra, isto é, não pode substituir-se à administração tributária na aplicação de outra taxa de imposto ao rendimento tributável que subsista para tributação em mais-valias.”.

Não obstante a ausência de apontamento expresso, só podemos interpretar esta pronúncia, como querendo significar e pressupor, que, nos casos de anulação parcial de ato de liquidação tributária (de IRS), compete ao tribunal (que julga a competente impugnação judicial) produzir (ou, no limite, apontar, vinculadamente, todos os passos, termos, quantitativos, taxas…) o ato (novo) de liquidação devido, ou seja, que incorpore as modificações decorrentes da(s) ilegalidade(s) encontrada(s) e declarada(s).

Com o devido e muito respeito, discordamos.

Em primeiro lugar, perfilhámos e continuamos a perfilhar, quanto à impugnação judicial (destacadamente, dos atos tributários de liquidação), a natureza de processo integrado no contencioso de mera anulação (Mesmo sem esquecer possíveis pronúncias condenatórias, como nos casos do pagamento, pela autoridade tributária e aduaneira (AT), de indemnização por prestação de garantia indevida.), atribuído e pertença dos tribunais da ordem jurídica tributária, no sentido de que com aquela se visa obter, por parte do órgão judicial competente, declaração de inexistência ou nulidade e/ou anulação do ato, casuisticamente, impugnado. Consequentemente, além do mais, nesta perspetiva, o tribunal tributário interveniente não tem de, ao declarar, por exemplo, a anulação dum ato tributário de liquidação de IRS, dizer, judiciar, mais do que isso, sendo, nos casos de anulação parcial, imperativo, o mesmo tipo de pronúncia, sem prejuízo da concretização (quando possível (Sob pena de não ser viável, por inexequível, a anulação parcial.) certa e rigorosa, da parte, do segmento viciado pela ilegalidade e inerente anulação decretada. Ou seja, numa situação destas, não cumpre, nem se impõe ao tribunal, versar e fixar todos os passos em que se desdobra o ato de liquidação tributária, particularmente, concretizando as operações aritméticas pertinentes e conducentes ao apuramento do pagamento devido pelo sujeito passivo.

Em segundo lugar, entendemos que, sendo conferida a possibilidade de operar o critério consistente na determinação, casuística, de se a ilegalidade, invocada, afeta o ato tributário no seu todo, devendo ser integralmente anulado, ou apenas em parte, justificando-se a sua anulação parcial, esta última deve, por princípio, ser declarada, pelo órgão judicial, com uma correta identificação e precisão do alcance da ilegalidade cometida, ficando para os competentes serviços da AT a tarefa, imposta por lei, de proceder “à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, …” - art. 100.º da Lei Geral Tributária (LGT). Atente-se que este normativo referencia, expressamente, a procedência parcial de reclamações, recursos administrativos ou de processo judicial, a favor do sujeito passivo. Por outras palavras, em casos de anulação parcial de ato de liquidação, cabe à AT (e não ao tribunal), se possível (Cogitamos, aqui, inter alia, questões conexionadas com o instituto da caducidade do direito de liquidar)., desenvolver as diligências e produzir os atos, com o conteúdo que entender e reputar como os legais e adequados a emitir uma liquidação, cujos valores se mostrem conformes com aqueles que, desde o início do procedimento, eram os devidos, por lei.

Finalmente, julgamos importante ter em conta que a solução da anulação parcial (quando possível, mesmo no campo do IRS) encerra um efeito capaz de produzir um resultado justo, conforme com a realidade, no sentido de franquear a possibilidade de, inviável na hipótese contrária, salvaguardar a devida e incontroversa, tributação sobre rendimentos efetivamente auferidos, em nenhuma medida afetados por uma ilegalidade, privativamente, assacada a uma parcela dos proveitos englobados. Como sucede, in casu, o impugnante, por ilegalidade cometida, unicamente, quanto à consideração dos rendimentos da categoria G, na solução preconizada pela sentença recorrida, apesar de ter auferido rendimentos de outra(s) categoria(s), fica isento de IRS, no ano de 2003!...

Já sendo perceptíveis os moldes em que achamos operável uma anulação parcial de ato de liquidação, v.g. de IRS, direcionando atenções para a situação julganda, cumpre, antes de mais, registar que a sentença sob escrutínio nada diz sobre a possibilidade de, a par da procedência da impugnação judicial, ter decretado uma anulação, apenas, parcial da visada liquidação de IRS e juros compensatórios. Efetivamente, tendo tratado “da compatibilidade da norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com a norma do artigo 56.º do Tratado da Comunidade Europeia (desde o Tratado de Lisboa, assinado em 13.12.2007, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), actualmente, artigo 63.º”, limitou-se a expender, em conclusão, que “… como resulta do probatório, a liquidação impugnada foi emitida considerando em 100% o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias em virtude de o impugnante ser residente na Alemanha, em conformidade com a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, que apenas se reporta aos residentes a propósito da consideração de 50% do saldo. Atento o exposto no sentido da desconformidade de tal norma com o Direito Comunitário, impõe-se a anulação da liquidação, deste modo procedendo a impugnação.”.
Embora não decorrendo explícito do probatório fixado em 1.ª instância, o facto de o impugnante ter procedido, inicialmente, à entrega de uma declaração de rendimentos modelo 3 sem anexo G, o que veio a fazer na sequência de notificação da AT, mediante apresentação de declaração de substituição, indicia, com segurança, que, no ano de 2003, auferiu outros rendimentos, enquanto pessoa singular, além dos derivados da diferença entre os valores de aquisição e alienação das frações autónomas identificadas no ponto G. dos factos provados. Doutro modo, no ano de 2003, o impugnante, no decurso de 2003, auferiu rendimentos, da categoria G e de, pelo menos, outra categoria (A ou B ou H…), passíveis de incidência, em cédula de IRS ( No pedido da petição inicial deste processo, o impugnante aponta ter sido “ilegal e excessivamente tributado” na importância de € 16.382,81)..
Neste cenário, julgamos, perfeita e legalmente, cabida, na certeza, transitada em julgado, de que a liquidação de IRS impugnada (aludida em A. dos factos assentes) considerou, além de outros, um rendimento tributável, da categoria G (mais-valias), num quantitativo superior em 50% ao que devia ter ocorrido (foi utilizada a percentagem de 100 em vez da legal de 50), a possibilidade de ser declarada a consequente, incontornável, ilegalidade de tal ato tributário, apenas, quanto à consideração do rendimento, respeitante às mais-valias auferidas, em 100%, devendo sê-lo em 50%, deixando, concomitantemente, incólume a restante composição do rendimento tributável, do impugnante, para o ano de 2003. Obviamente, em sintonia com o acima expresso, cabe, no momento oportuno, aos serviços da AT, com competência para o efeito, desenvolverem os trâmites necessários ao suprimento da ilegalidade cometida, corrigindo, na medida precisa e adequada, o ato de liquidação de IRS em crise, por forma a que, em todas as suas componentes (rendimento tributável, abatimentos, taxa, deduções …) se refletiam os efeitos decorrentes da, aqui, decretada anulação parcial do mesmo.
Não se tendo a sentença recorrida movido nesta linha de pensamento e atuação, por erro de julgamento, tem de ser, parcialmente, revogada.

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# III.


Pelo expendido, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, quanto à determinação de anulação total da liquidação identificada no ponto A. dos factos provados, a qual se anula, na parte correspondente à consideração do rendimento, respeitante às mais-valias auferidas, em 100%, devendo ser em 50%.

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Custas a cargo da recorrente e recorrido, em 1.ª instância, na proporção do decaimento, enquanto, no STA, são da responsabilidade do recorrido, sem taxa de justiça, por não ter contra-alegado.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 17 de fevereiro de 2021. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (Relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.