Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01709/05.8BEPRT 0294/17
Data do Acordão:12/20/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:Haverá omissão de pronúncia, susceptível de demandar a nulidade de sentença (artsº 125º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 615º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil) sempre que o tribunal não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras, nomeadamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento.
Nº Convencional:JSTA000P23995
Nº do Documento:SA22018122001709/05
Data de Entrada:03/10/2017
Recorrente:A... S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem a A………….., S.A., melhor identificada nos autos, recorrer para este Supremo Tribunal, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, julgou improcedente a oposição por ela deduzida contra a execução fiscal nº 3182200301002864, relativa à cobrança de dívidas de IVA do período de 2002 no montante de € 939.842,54.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A. Em 03 de Fevereiro de 2014 a Recorrente apresentou, junto do TAF do Porto, Parecer sobre a aplicação dos artigos 39. n.ºs 5 e 6 e 43.º, ambos, do CPPT e a sua (in)compatibilidade com a Constituição da República Portuguesa e o Direito da União Europeia
B. No entanto, ao longo da Sentença, ora recorrida, não existe uma única referência à sua existência nem, muito menos, às questões nele suscitadas.
C. Tal situação consubstancia, nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, uma nulidade, porquanto o TAF do Porto tinha o dever de se pronunciar sobre o Parecer apresentado, dado que o mesmo suscitava “concretos problemas” resultantes da aplicação de uma norma fulcral para a “questão temática central” (vide, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - Proc. n. 13/05.6TAAND.C1, datado de 05-11-2008 - e Acórdão do STJ, proferido no âmbito do Proc. n.º 03B1816, datado de 23/09/2002).
Sem conceder,
D. Tal atuação consubstancia, também, uma efetiva violação do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, isto porque, do mesmo modo que é inconstitucional uma interpretação que permita ao juiz a recusa de um Parecer é, também, inconstitucional uma interpretação que o reduza a uma total irrelevância, i.e. a não tomada em consideração, na decisão, do Parecer (vide, Acórdão do Tribunal Constitucional nº 934/96).
Sem conceder,
E. Existe, igualmente, erro de julgamento no que se refere à aplicação do n.º 5 do artigo 39.° do CPPT, porquanto tal presunção apenas pode operar se (i) estivermos perante uma situação de mudança de domicílio (não se verifica, porquanto ocorreu, isso sim, uma cessação da atividade); sem conceder: se (ii) existir recusa expressa do destinatário em receber a notificação (“destinatário se ter recusado recebê-lo”) ou (iii) perante a existência de uma comunicação ou aviso dos CTT para ser levantada a carta e esta não o ser, efectivamente, levantada (“não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais”).
F. Nenhuma das situações ocorreu, porquanto existe a menção de “ausente”/“mudou-se” aposta pelos serviços dos CTT e as notificações foram devolvidas, pelo que era impossível o seu levantamento.
G. O TAF do Porto (Tribunal a quo) ao admitir a aplicação da presunção de notificação da liquidação adicional de IVA, vem, na prática, concluir que um contribuinte se deve considerar notificado de um ato mesmo que não disponha de meios suficientes para conhecer o respetivo conteúdo, conclusão que determina, em violação da necessidade da mesma ser receptícia, desde logo, a existência de inconstitucionalidade, nos termos dos nºs 3 e 4 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa (vide, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 72/2009, 827/96 e 489/97).
H. Por outro lado, do mesmo modo que, se reconhece que “(...) a sociedade, que é o sujeito passivo das dívidas de IVA liquidadas relativamente à actividade da Sucursal, é responsável pelo pagamento dessas dívidas, como devedora originária, pelo que tem legitimidade passiva (...)“ (vide, fls. 8 e 9 da Sentença) não se alcança por que razão, atendendo ao conhecimento da “ausência/mudança” da Sociedade não foram as liquidações comunicadas à própria casa-mãe (i.e. a sociedade de Direito Espanhol “SEMI”).
Ou seja,
I. Também, não se alcança a razão pela qual para um determinado efeito a “casa-mãe” tem legitimidade passiva e para outros não (nomeadamente, a notificação das liquidações adicionais).
J. Importa referir que a AT, para dar a conhecer de modo efetivo o ato lesivo, dispunha de instrumentos legais que eram adequados e consentâneos com a Constituição República da Portuguesa, nomeadamente ao abrigo do disposto no artigo 26º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, celebrada entre Portugal e Espanha ou, ainda, a Directiva 77/799/CEE, de 19 de Dezembro de 1977.
K. Nem se invoque — como efetuou o TAF do Porto — que a impossibilidade de notificação das liquidações adicionais deveu-se ao incumprimento das obrigações de comunicação do encerramento da Sucursal, porquanto tal argumento tem subjacente uma gritante violação do Direito da União Europeia, nomeadamente porque se impunha a nomeação (ilegal) de um representante fiscal (artigo 19º, nº 4 da LGT).
L. Ainda sem conceder, manifestamente ocorreu a violação do Direito da União Europeia, porquanto a cessação da atividade da Sucursal obrigava à nomeação de representante fiscal.
Sendo que,
M. O Acórdão do TJUE, proferido em 5 de Maio de 2011 (Acórdão da Comissão Europeia vs. República Portuguesa) determinou que o Estado Português incumpriu as obrigações que sobre si impendiam, ao abrigo do disposto no artigo 56.° da TCE (livre circulação de capitais), ao ter adoptado e mantido em vigor o artigo 130º do Código do IRS e o artigo 19º da LGT, que obrigava os contribuintes não residentes a designarem um representante fiscal em Portugal.
N. No caso sub judice, tal Acórdão é, também, aplicável porquanto existe uma discriminação e, principalmente, desproporcionalidade, porquanto a AT disponha de outros meios menos lesivos dos direitos dos contribuintes, nomeadamente o disposto artigo 26.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, celebrada entre Portugal e Espanha ou, ainda, a Directiva 77/799/CEE, de 19 de Dezembro de 1977.
Também, sem conceder,
O. A AT, ao exigir à Sucursal da Recorrente a comunicação de uma mudança de domicílio (apesar de esta ser inaplicável, dado que, estamos, isso sim, perante uma cessação da atividade) quando podia e devia, notificar no âmbito do procedimento a própria SEMI (“sociedade-mãe”) efetua um tratamento discriminatório no que respeita ao tratamento que daria a uma sucursal de entidade com sede em Portugal.
P. Na verdade, conforme já referido, a AT tinha — e tem — à sua disposição meios e dados suficientes [não só de cariz comunitário] para comunicar à sociedade-mãe os actos de liquidação e subsequentes atuações administrativas.
Q. A título de exemplo, a AT poderia ter utilizado outros meios — menos lesivos dos direitos dos contribuintes — nomeadamente, a Directiva do Conselho sobre a Troca de Informações n.º 77/799 CEE e a Directiva do Conselho para assistência à cobrança n.º 76/308/CEE, o Regulamento: (CEE) nº 218/92 do Conselho, datado de 27 de Janeiro de 1992 (relativo à cooperação administrativa em matéria de impostos indirectos — IVA) ou o Regulamento (CE) n.º 1798/2003 do Conselho, datado de 7 de Outubro de 2003 (sobre a cooperação administrava no âmbito do IVA).
R. O referido incumprimento, por parte da AT, consubstancia, na prática: uma violação da liberdade de estabelecimento e a obrigação de comunicar a mudança de domicílio (quando na prática o que existe é um encerramento da atividade) vai muito para além do que é necessário para atingir o objectivo prosseguido pela AT, que não é outro senão a cobrança fiscal.
S. Assim, conclui-se que a AT tinha à sua disposição mecanismos e dados mais do que suficientes para notificar a “sociedade-mãe” dos atos de liquidação e subsequentes procedimentos administrativos, desde o início da inspecção tributária e sem ter de aguardar pela fase executiva (Processo de Execução Fiscal).
Sem conceder,
T. Sendo evidente que a Recorrente viu ser-lhe negado direitos fundamenteis, nomeadamente protegidos pela liberdade de estabelecimento reconhecidos nos artigos 49 e 54 do TFUE, o Supremo Tribunal Administrativo deverá, antes da prolação do seu Acórdão, colocar a presente questão a título prejudicial ao TJUE, nos seguintes termos:
“Devem interpretar-se os artigos 49º e 54.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, os quais reconhecem a liberdade de estabelecimento, no sentido de que se opõem a uma norma nacional, como o Artigo 19º da LGT ou a anterior redacção do artigo 126.º do Código do IRC, que imponha uma obrigação das entidades não residentes era Portugal nomearam um representante fiscal perante as autoridades administrativas desse Estado-membro?
Devem interpretar-se os artigos 49º e 54.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, os quais reconhecem a liberdade de estabelecimento no sentido de que se opõem à prática da Autoridade Tributária de, perante a cessação da atividade da Sucursal de uma sociedade residente nesse mesmo Estado-membro, as notificações são remetidas para a “sociedade-mãe”, enquanto, nos casos de cessação da atividade de uma Sucursal de uma sociedade residente noutro Estado-Membro, são aplicáveis os artigos 39.º, nº 5 e 6 e 43.º ambos do CPPT, pelo que as notificações são remetidas para a domicílio da Sucursal, sem qualquer tentativa de notificação no domicílio da “sociedade-mãe”, nomeadamente dos mecanismos de cooperação administrativa existentes no Direito da União Europeia?”»


2 – Não foram apresentadas contra alegações.


3 O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, que na parte relevante se transcreve:
(….) Creio que assiste razão à ora Recorrente.
A omissão de pronúncia consiste no incumprimento do dever que a lei impõe ao juiz de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sendo geradora de nulidade, nos termos do art. 125° n° 1 do CPPT e art. 615°, n° 1, al d) do CPC quando o conhecimento da questão ou questões omitidas não esteja prejudicado pela solução dada às demais questões suscitadas. Ocorre omissão de pronúncia quando se verificar violação do dever processual que o tribunal tem em relação às partes, de se pronunciar sobre todas as questões por elas suscitadas. Ao invés, não ocorre omissão de pronúncia quando o tribunal se abstenha de apreciar o conjunto dos argumentos aduzidos pela parte em abono do seu ponto de vista quanto à resolução das questões suscitadas.
Ora, no caso vertente, o Parecer apresentado não se limita a desenvolver a argumentação da Oponente, ora Recorrente, quanto à questão da notificação das liquidações da dívida exequenda. Nele são suscitadas novas questões, concretamente as que se prendem com a alegada incompatibilidade com o Direito da União Europeia das normas aplicáveis no tratamento da questão da notificação dos actos de liquidação da divida exequenda, suscitação que tem que ser atribuída à Oponente, ora Recorrente, que apresentou o parecer e que retoma essas novas questões na sua Alegação de Recurso, formulado inclusivamente pedido de reenvio prejudicial ao TJUE.
Nesta conformidade, considerando ser procedente a invocada omissão de pronúncia, sou de parecer que deverá ser anulada a decisão recorrida e determinada a baixa dos autos à 1.ª Instância para reforma da decisão recorrida, com pronúncia sobre as questões cujo conhecimento foi omitido (art. 684°, n.º 2 do CPC, ex vi do art. 2°. al. e) do CPPT), ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no recurso.»

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – No Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto foram dados como provados os seguintes factos:
1. A A…………, S.A., é uma sociedade comercial sem sede nem direcção efectiva em território português que desenvolveu em Portugal a sua actividade através de uma sucursal — cfr. artigos 1 a 3 da petição inicial.
2. Por motivos de estratégia comercial, a A…………, S.A encerrou a sucursal a que se alude em 1. em Março de 2000, sem ter cumprido com as suas obrigações declarativas em IRC e IVA, nem tendo comunicado à Administração Tributária a cessação —cfr. artigos 4. a 6. da petição inicial.
3. Foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º 02230691 no montante de €597.302,78 relativa ao período de 1998— cfr. fls. 177 dos autos.
4. A Direcção Geral dos Impostos remeteu a Sucursal em Portugal da A…………. SA por carta registada com aviso de recepção a liquidação descrita em 1. — cfr. fls. 177 dos autos.
5. A notificação a que se alude em 4. foi devolvida em 8.08.2002 com a menção de “ausente” — cfr. verso de fls. 177 e fls. 178 dos autos.
6. Foi emitida a liquidação adicional de juros compensatórios n.° 02230690 no montante de €140.112,50 relativa ao período de 9812 — cfr. f 181 dos autos.
7. A Direcção Geral dos Impostos remeteu a Sucursal em Portugal da A…………… SA por carta registada com aviso de recepção a liquidação descrita em 6. — cfr. verso de fls. 181 e fls. 182 dos autos.
8. A notificação a que se alude em 7. foi devolvida em 8.08.2002 com a menção de “ausente” — cfr. verso de fls. 181 e fls. 182 dos autos.
9. Em 14.10.2002 o Serviço de Finanças do Porto 6° remeteu a Sucursal em Portugal da A………….. SA o ofício n.º 9820 com o seguinte teor: “(..) IVA — NOTIFICAÇÃO ANO DE 1998
Fica desta forma V. Ex notificado para no prazo de trinta dias a contar da data de assinatura do aviso de recepção desta carta pagar as quantias de: LIQUIDAÇÃO ADICIONAL 1998-N°02230691-597302, 78€. Juros compensatórios: 9812-02230690-1401 FUNDAMENTAÇÃO: liquidação ADICIONAL EFECTUADA NOS TERMOS DO ART° 82° DO civa COM BASE EM APURAMENTO CORRECTIVO CONDUZIDO PELOS SIT (…)” — cfr. fls. 183 dos autos.
10.O ofício descrito em 9. foi devolvido em 18.10.2002 — cfr. fls. 184 dos autos.
11.Em 21.10.2002 o Serviço de Finanças do Porto 6° remeteu a Sucursal em Portugal da A………….. SA o ofício n.º 10147 com o seguinte teor: “(...) IVA - NOTIFICAÇÃO ANOS DE 1998
Fica desta forma V. Ex° notificado para no prazo de trinta dias a contar da data de assinatura do aviso de recepção desta carta pagar as quantias de: LIQUIDAÇÃO ADICIONAL 1998-N°02230691-597302, 78€. Juros compensatórios: 9812-02230690- 1401 12,50€. FUNDAMENTAÇÃO: liquidação ADICIONAL EFECTUADA NOS TERMOS DO ART° 82° DO civa COM BASE EM APURAMENTO CORRECTIVO CONDUZIDO PELOS SIT (...) Esta é a 2° cada registada com aviso de recepção, (…) — cfr. fls. 179 dos autos.
12. O ofício descrito em 11. foi devolvido — cfr. fls. 180 e 181 dos autos.
13. Em 29.03.2003 foi instaurado pelo Serviço de Finanças do Porto 6°, o processo de execução fiscal n° 3182200301002864, respeitante a dívidas de IVA do período de 9812, em nome de Sucursal em Portugal da A…………., SA, NIPC ………. no montante de € 737.415,28— cfr. fls. 66 e 67 do processo de execução fiscal (PEF) junto aos autos.
14. Das certidões de dívida respeitantes à quantia exequenda a que se alude em consta como executada “Sucursal Em Portugal da A……….. SA” — cfr. fls. 2 e 3 do PEF junto aos autos.
15. No âmbito do processo de execução fiscal a que se alude em 13. o Serviço de Finanças do Porto 6° emitiu em 18.04.2004 mandado de citação em nome de Sucursal em Portugal da A………… SA — cfr. fls. 41 do PEF junto aos autos.
16. Em 18.11.2004 foi exarada certidão de diligências nos seguintes termos:
“Cumpre-me informar de que me tendo deslocado pelas 15,30 à Rua ............. 313 Ap. 01 para citar a Sucursal em Portugal da A............ SA, não o pude efectuar, uma vez que já não exerce a sua actividade no local indicado (...)” — cfr. verso de fls. 173 do PEF junto aos autos.
17. Em 9.03.2005 a Comissão Interministerial para Assistência Mútua em Matéria de Cobrança da Direcção-Geral dos Impostos remeteu ao Subdirector Geral de Procedimentos Especiais o ofício n.º 143 com o seguinte teor: “(...) Para os devidos efeitos, junto tenho a honra de remeter a V. EX. um pedido de cobrança relativo a A………… SA , (...) acompanhado das respectivas certidões de dívida e mapas resumo efectuadas pelo Serviço local de Finanças de Porto -6.
O devedor principal (Sucursal em Portugal da A………… SA) não possui bens penhoráveis para pagamento da dívida, pelo que a mesma deverá ser cobrada à sociedade dominante (— cfr. fls. 20 a 66 dos autos).
18. No âmbito de assistência mútua em matéria de cobrança entre países, a dependência Regional de Cobrança da Agência Tributária Espanhola remeteu em 16.05.2005 à A…………. documento com o seguinte teor: “(...) NOTIFICAÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL (...) 2005 DIVIDA DE IVA (...) DECISÃO No dia 29-03-2015 terminou o prazo de pagamento voluntário sem que tenha sido satisfeita a dívida em referência. Por conseguinte, O ÓRGÃO COMPETENTE DA ENTIDADE PÚBLICA proferiu a seguinte decisão:
- Pronunciar a execução fiscal exigindo-lhe o pagamento do valor a pagar que figura no parágrafo seguinte nos seguintes prazos (…)”— cfr. tradução do documento n.º 1 a fls. 321 a 326 dos autos.

6. Do objecto do recurso:
Da análise do segmento decisório da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela recorrente para pedir a sua alteração, podemos concluir que são as seguintes as questões colocadas no presente recurso:
a) A invocada nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia, em violação do disposto no nº 1 do art.º 125º CPPT e na alínea d) do art.º 615º Código de Processo Civil e nº 2 do art.º 608º do CPC, por não ter sido apreciada a questão apresentada no parecer jurídico junto aos autos, em que se suscitava a incompatibilidade com o Direito da União Europeia das normas que foram aplicadas quanto à questão da notificação dos actos de liquidação da divida exequenda;
b) O alegado erro de julgamento do tribunal recorrido no que se refere à aplicação do n.º 5 do art. 39.º do CPPT.


7. Nos presentes autos a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada a fls.332/342, em face da suscitada questão da caducidade do direito de liquidação, apreciou, entre outras, a questão de saber se a Oponente e ora recorrente foi notificada das liquidações previamente ao decurso do prazo de caducidade.

Ponderou-se na sentença que as liquidações controvertidas, porque adicionais, tinham que ser notificadas ao sujeito passivo de imposto por carta registada com aviso de recepção.
E que resultava do probatório que haviam sido remetidas notificações das sobreditas liquidações, as quais não foram recepcionadas pela sucursal em Portugal da Oponente, tendo sido devolvidas em 8.08.2002 à Administração Tributária.
Mais se considerou que, nessa sequência, a AT voltou a enviar novas notificações em 14.10.2002 (ponto 9 da factualidade assente), as quais foram, todavia, remetidas após decorridos os 15 dias da devolução das primeiras notificações, não podendo operar por essa via a presunção que decorre do nº 5 do artigo 39.° do CPPT.
No entanto, teve-se também em conta na decisão recorrida que resultava do probatório (pontos 10 e 11) que, após a devolução dessas segundas notificações em 18.10.2002, a AT voltou a remeter novas notificações em 21.10.2002.
No prosseguimento de tal discurso argumentativo concluiu a decisão recorrida que, com o envio das terceiras notificações e apesar de a Oponente não ter procedido à recepção das mesmas, por força do cumprimento pela Administração Tributária do nº 5 do artigo 39° do CPPT, ocorreu a presunção de notificação das liquidações de IVA em questão.
Sublinhando, em abono de tal conclusão, que resultava do probatório (ponto 2) que o encerramento da sucursal da Oponente em Março de 2000, não havia sido comunicado à Administração Tributária.

Inconformada com o assim decidido a recorrente alega as razões da sua discordância quanto ao tratamento dado pela sentença recorrida à questão da presunção de notificação da liquidação invocando simultaneamente, que a decisão sindicada padece de nulidade, por omissão de pronúncia, quanto a essa questão e ainda de erro de julgamento.

7.1 Da alegada omissão de pronúncia
Alega a Recorrente que apresentou, em 03 de Fevereiro de 2014, junto do TAF do Porto, parecer sobre a aplicação dos artigos 39. n.ºs 5 e 6 e 43.º, ambos, do CPPT e a sua (in)compatibilidade com a Constituição da República Portuguesa e o Direito da União Europeia.
E que, todavia, ao longo da sentença recorrida não existe uma única referência à sua existência nem, muito menos, às questões nele suscitadas.
E conclui que tal situação consubstancia, nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, uma nulidade, porquanto o TAF do Porto tinha o dever de se pronunciar sobre o Parecer apresentado, dado que o mesmo suscitava “concretos problemas” resultantes da aplicação de uma norma fulcral para a “questão temática central”.

Cremos que assiste razão à Recorrente.
De harmonia com o disposto nos arts. 125º, nº 1 do CPPT e 615º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil ocorre omissão de pronúncia susceptível de demandar a nulidade de sentença ou acórdão, quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questão submetida pelas partes à sua apreciação e decisão e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras.
No mesmo sentido aponta o artº 608º, nº 2 do mesmo diploma legal que dispõe que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

No caso em apreço resulta dos autos que a recorrente requereu, em 4 de Fevereiro de 2014, portanto antes de ter sido proferida a sentença, a junção de um parecer jurídico sobre aplicação dos n°s. 5 e 6 do artº 39º do CPPT, conjugado com o artº 43º do mesmo diploma legal, e a sua eventual inconstitucionalidade e incompatibilidade com o direito da União Europeia.
Junção que foi admitida, tendo o parecer sido notificado às partes.
No referido parecer suscitava-se a questão da compatibilidade do artº 39º, n.ºs 5 do CPPT com o Direito da União Europeia por se entender que a presunção de notificação prevista naquele normativo não pode situar o contribuinte não residente numa posição de desvantagem no que diz respeito ao não residente, sob pena de violação do princípio da não discriminação.
E suscitava-se também a questão da compatibilidade com o Direito da União Europeia da obrigação de designação de um representante fiscal pelas entidades não residentes, prevista no artº 19º da LGT, no entendimento de que tal obrigação restringe a liberdade de estabelecimento em Portugal de sucursais ou filiais, quer seja nacionais ou de terceiros Estados–Membros, considerando que esta restrição é contrária ao artº 43º do TCE e aos princípios informadores deste. Concluindo-se que nenhum prejuízo pode resultar da falta de designação, porquanto tal designação é contrária ao direito comunitário e, consequentemente à Constituição Portuguesa (artº 8º).
De igual modo era colocada a questão da compatibilidade com o Direito da União Europeia da obrigação de comunicação de alteração de domicílio prevista no artº 43º do CPPT, sustentando-se que os arts. 43º e 48º do TCE se opõem a tal norma, tornado mais oneroso o exercício da liberdade de estabelecimento com carácter secundário no Estado Português, por parte de uma sociedade constituída de acordo com a legislação de outro Estado Membro, ao exigir o cumprimento da obrigação de comunicar a mudança de domicílio.
Finalmente suscitava-se a inconstitucionalidade do artº 39º, nº 5 CPPT por violação do artº. 268º, nº 3 da Constituição da República, já que admite a aplicação de uma presunção de notificação com vulneração do Direito europeu, Direito que excepciona e desloca, de acordo com o princípio de primazia, a aplicação de qualquer disposição interna que entre em contradição com este Direito e, também, no entendimento de que a exigência constitucional de notificação aos administrados dos actos que lhes afectam, prevista no artº 268 da Constituição da República Portuguesa, não pode ser satisfeita mediante uma presunção de notificação que vulnera o Direito da União Europeia.

Sucede que, como vimos, atenta a forma como a oponente e ora recorrente, suscitava a questão da caducidade do direito de liquidação e estruturava a sua alegação, a sentença apreciou, entre outras, a questão de saber se a mesma foi notificada das liquidações previamente ao decurso do prazo de caducidade, ponderando a aplicabilidade da presunção que decorre do nº 5 do artigo 39.° do CPPT, sendo com base nesse normativo que concluiu pela presunção de notificação das liquidações de IVA em questão.
Porém, nada se disse na sentença quanto à existência de tal parecer e quanto às questões nele consignadas, nomeadamente de incompatibilidade daquele normativo com o direito da união europeia e de inconstitucionalidade.
Sendo que o Tribunal a quo não só não o fez, como não apresentou qualquer razão ou fundamento para se abster do conhecimento de tais questões, de que se impunha referência, porque de conhecimento oficioso e expressamente suscitadas (Ver neste sentido acórdãos da Secção de Contencioso Tributário de 14.05.2014, recurso 195/13 e de 25.11.2015, recurso 103/15.).
Acresce que, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo o parecer apresentado pela Recorrente não se limita a desenvolver sua argumentação, quanto à questão da notificação das liquidações da dívida exequenda.
As questões nele suscitadas, concretamente as que se prendem com a alegada inconstitucionalidade e incompatibilidade com o Direito da União Europeia das normas aplicáveis no tratamento da questão da notificação dos actos de liquidação da divida exequenda, são verdadeiras questões e não apenas novos argumentos, cuja suscitação tem que ser atribuída à Oponente, ora Recorrente, que apresentou o parecer.


A sentença recorrida enferma, pois, tal como alegado, de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do estatuído no artigo 615.º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil.

Procedendo a invocada nulidade por omissão de pronúncia, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos recursos, devendo os autos baixarem ao Tribunal “a quo” para que emita a omitida pronúncia.

8. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em julgar verificada a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, baixando os autos ao tribunal recorrido para suprimento da nulidade.
Sem custas neste Supremo Tribunal Administrativo dado que a recorrida não contra-alegou.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2018. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.