Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01195/16
Data do Acordão:02/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
LIMITES DA COIMA
Sumário:I - O art.º 26.º define o limite mínimo da coima, aplicável a todas as contra-ordenações tributárias no sentido de não poder ser aplicada uma coima de valor que seja inferior ao que dele consta.
II - Porém a determinação da moldura contra ordenacional aplicável a cada infracção encontrar-se-á na norma que define essa moldura para a infracção em questão, havendo apenas que averiguar se o mínimo previsto nesta última é inferior ao que se menciona no art.º 26.º, n.ºs 1 e 2, e, neste caso será de aplicar o disposto no art.º 26.º, nºs.1 e 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias.
III - Os montantes constantes do art.º 26.º, n.ºs 1 e 2 são o limite abaixo do qual, excepto no caso de redução da coima, não poderá ser fixada qualquer coima pela prática de uma infracção tributária.
Nº Convencional:JSTA00070030
Nº do Documento:SA22017021501195
Data de Entrada:10/27/2016
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR SANCIONATÓRIO
Legislação Nacional:RGIT01 ART26 N4 ART27 ART32 ART114 N2 N5
CIVA08 ART27 N1 ART41 N1 A
RGCO ART17 ART18 N3
L 64-B/11 DE 2011/12/30
L 53-A/06 DE 2006/12/29
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0335/14 DE 2015/01/28; AC STA PROC01665/13 DE 2014/10/01
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga
. 15 de Janeiro de 2015.

Julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela sociedade comercial A…………, S.A.”, e revogou a decisão de fls. 24 no que respeita ao montante da coima em que a Arguida foi condenada, e condenou-a em coima que se fixou em € 12.519,20.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

“A………….., SA.”, veio interpôr o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no processo de recurso de decisão que aplicou a coima n.º 694/16.5BEBRG, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

I. De acordo com a jurisprudência sufragada no acórdão de 1 de outubro de 2014 do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.° 01665/13, e no acórdão de 28 de janeiro de 2015 do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.° 0335/14, com a eliminação da expressão “se o contrário não resultar da lei” da redação do n.° 3 do artigo 26° do RGIT, através da alteração introduzida pela Lei n.° 53-A/2006, de 29 de dezembro, o legislador claramente quis estabelecer um regime vinculativo para todas as infrações tributárias relativamente ao limite mínimo da coima abstratamente aplicável;

II. Nos termos do n.° 3 do artigo 9° do Código Civil, o pensamento legislativo subjacente à nova redação do n.° 3 do artigo 26° do RGIT, ao retirar a expressão “se o contrário não resultar da lei”, foi de estender o seu regime a todas as coimas;

III. Os acórdãos acima citados sustentam claramente que o regime consagrado no n.° 3 do artigo 26° do RGIT que consagra o valor mínimo da coima de € 50,00 (elevado para o dobro no caso de pessoas coletivas) aplica-se aos casos de falta de entrega da prestação tributária, previstos no artigo 114° do RGIT;

IV. Nestes termos, podemos concluir que, quanto à determinação do montante mínimo abstratamente aplicável, deve o presente recurso judicial ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, e, consequentemente, o montante mínimo da coima abstratamente aplicável ao presente caso deve ser fixado em € 100,00, nos termos conjugados dos nºs. 3 e 4 do artigo 26° e do n.° 2 do artigo 114°, ambos do RGIT;

V. Uma vez que o Tribunal a quo concluiu que se encontram reunidos os pressupostos legais para a atenuação especial da coima, previstos no n.° 2 do artigo 32° do RGIT, então a coima deve ser especialmente atenuada para metade (€ 50,00), nos termos do n.° 3 do artigo 18° do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de outubro, ex vi alínea b) do artigo 3° do RGIT.

PEDIDO:
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado precedente e revogada a sentença recorrida, nos seguintes termos:
a) O presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, porquanto o montante mínimo da coima abstratamente aplicável ao presente caso deve ser fixado em € 100,00, com os fundamentos acima invocados, nos termos conjugados dos n.ºs. 3 e 4 do artigo 26° e do artigo 114°, ambos do RGIT; sem prescindir,
Consequentemente, deve o presente recurso judicial da decisão de aplicação da coima ser julgado procedente, nos seguintes termos:
b) A decisão de aplicação da coima aqui em apreço deve ser anulada e a coima deve ser aplicada pelo montante mínimo abstratamente aplicável e deve ser especialmente atenuada, nos termos conjugados dos nºs.° 3 e 4 do artigo 26°, do artigo 114° e do n.° 2 do artigo 32°, todos do RGIT, e fixada no montante a pagar de € 50,00 (artigo 18°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de outubro).

Requereu que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida.

O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da revogação da sentença recorrida e da condenação da arguida em coima no montante de 8 346,13€.

A Sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. A arguida ora Recorrente, apresentou a declaração periódica de IVA referente ao período 2015/09 da qual constava o montante de imposto exigível de € 83.461.36 de IVA, a entregar ao Estado Português desacompanhada do respectivo meio de pagamento.
2. A prática da infracção foi considerada, face aos registos da Administração Fiscal, como «acidental».

3. O prejuízo para a Fazenda Nacional corresponde ao não pagamento do valor do imposto em falta.

4. A Administração Fiscal, face às declarações de rendimento apresentadas, e demais elementos constantes dos seus arquivos, qualificou a situação económica da Recorrente como “baixa”.

5. Não se verificou a prática de qualquer acto que dificultasse a descoberta dos factos em causa.

6. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do auto de notícia de fls. 4 verso.

7. Por decisão que consta a fls. 24, datada de 8/1/2016, foi a Recorrente condenada por «Falta entrega prest. tributária dentro prazo», infracção prevista e punida pelo disposto nos artigos 27° e 41°, n°1. alínea a), do Código do imposto sobre o valor acrescentado, artigo 114. n.º2. n° 5, alínea a), e 26°, n.º 4, do Regime Geral das Infracções Tributárias, na coima de € 27.730.03.

8. A Administração Tributária instaurou o Processo de Execução Fiscal n° 0396201501095358, com vista ao pagamento dos créditos de IVA identificados em 1. bem como créditos de IRS e IRC.

9. A Recorrente, em 10/12/2015, pagou a quantia exequenda e acrescido no Processo de Execução Fiscal n° 0396201 501095358, no montante global de € 1 07.720.54.

10. A arguida não actuou com o cuidado a que estava obrigada, face às circunstâncias apuradas, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei.

Questão objecto de recurso:
1. Moldura contra-ordenacional da coima
2. Atenuação especial da coima.
1. Moldura contra-ordenacional da coima
A arguida, não entregou o IVA exigível, no montante de € 83.461,36, em conformidade com a declaração apresentada, até ao dia 10/11/2015, pelo que praticou uma contra-ordenação prevista pelo disposto nos artigos 27.º, n.º 1, 41.º, n.º 1, a) do código do imposto sobre o valor acrescentado e punida pelo art.º 114.º, n.º2, n.º 5 e 26.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias.
Em causa neste recurso mostra-se apenas a determinação da medida da pena.
A moldura contra-ordenacional a ter em causa, nos termos do disposto no referido art.º 114 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, vigente à data da prática da infracção – 10 de Novembro de 2015 – por aquela conduta ilícita ser imputável a título de negligência, e o montante em falta haver sido pago em período que não entrega ultrapassou os 90 dias - 10/12/2015 - varia entre 15 % (12 519,20€) e metade do imposto em falta (41 730,68€), sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido, sendo que os valores a ter aqui em consideração, por se tratar de uma pessoa colectiva, são o dobro daqueles indicados nos termos do disposto no art.º 26.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias, ou seja:
Mínimo: 25 038,40 €,
Máximo: 83.461,36€.
O disposto no art.º 26.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, n.º 3 e 4 na redacção introduzida com a Lei n.º 64-B/2011, de 30/12 define os limites mínimos de modo aparentemente antagónico ao que resulta do art.º 114 estabelecendo que:
«3 - O montante mínimo da coima a pagar é de (euro) 50, excepto em caso de redução da coima, em que é de (euro) 25.
4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, os limites mínimo e máximo das coimas previstas nos diferentes tipos legais de contra-ordenação, são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada.».
Encontramos uma norma similar no Artigo 17.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro que estabelece o regime geral do Ilícito de Mera Ordenação Social ainda que nele se contenha a expressão - se o contrário não resultar de lei – que se mostra omitida na versão actual do art.º 26.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, muito embora tenha dele constado até à L. n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, sendo o seguinte o seu teor:
Montante da coima
1 - Se o contrário não resultar de lei, o montante mínimo da coima aplicável às pessoas singulares é de (euro) 3,74 e o máximo de (euro) 3740,98.
2 - Se o contrário não resultar de lei, o montante máximo da coima aplicável às pessoas colectivas é de (euro) 44891,81.
3 - Em caso de negligência, se o contrário não resultar de lei, os montantes máximos previstos nos números anteriores são, respectivamente, de (euro) 1870,49 e de (euro) 22445,91.
4 - Em qualquer caso, se a lei, relativamente ao montante máximo, não distinguir o comportamento doloso do negligente, este só pode ser sancionado até metade daquele montante.
Pretende a recorrente, suportando-se em acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que enuncia que a sua punição se deverá efectuar tendo em conta o limite mínimo da coima fixado no art.º 26.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e não com base no disposto no art.º 114 do Regime Geral das Infracções Tributárias.
O art.º 26.º do Regime Geral das Infracções Tributárias insere-se na Parte 1 – Princípios Gerais do diploma, constando do seu capítulo III – Disposições aplicáveis às contra-ordenações ao passo que o art.º 114.º se inscreve no capítulo II - Contra-ordenações fiscais, do Título II – Contra-ordenações tributárias, da Parte III do diploma – Das infracções tributárias em especial. Tanto basta para tornar claro que o art.º 26.º tem uma vocação de aplicação à generalidade das contra-ordenações enquanto o art.º 114.º vê o seu âmbito de aplicação restrito à contra-ordenação fiscal de falta de entrega da prestação tributária.
A conjugação dos dois preceitos art.º 26.º e 114.º far-se-á pela prevalência do segundo sempre que o limite mínimo seja igual ou superior ao limite mínimo geral constante do art.º 26.º e pela prevalência deste quando o limite mínimo a determinar segundo as regras do art.º 114.º atingisse um valor que fosse inferior ao limite mínimo geral previsto no art.º 26.º.
Para a determinação da moldura contra-ordenacional a ter em conta em cada caso há-de procurar-se primeiro a norma especial que a fixa para a infracção em concreto e, depois verificar se, aplicados os critérios ou o montante aí estabelecidos, o limite mínimo da coima é igual ou superior a 30€, quando o infractor seja uma pessoa colectiva ou sociedade ou entidade fiscalmente equiparada. Apenas na situação em que o limite mínimo da coima seja inferior a 30€, quando o infractor seja uma pessoa colectiva, sociedade ou entidade fiscalmente equiparada, se aplicará o limite constante do art.º 26 do Regime Geral das Infracções Tributárias, por ser este o limite mínimo de todos os limites mínimos aplicáveis a infracções tributárias.
Diversamente o art.º 26.º, n.º 1 não estabelece o que seria um limite máximo do limite máximo de todas as molduras contra-ordenacionais aplicáveis a todas as infracções tributárias porque ele próprio admite a sua derrogação por outra norma, como é, no caso concreto, tendo em conta o valor do imposto em falta, o art.º 114.º do Regime Geral das Infracções Tributárias.
Assim, no caso concreto, como dissemos anteriormente, a moldura penal a ter em conta decorre do disposto do art.º 114.º e 26.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias variando entre [15 % x 83.461,36 € x 2] = 25 038,40 € e metade do imposto em falta [50% x 83.461,36 x 2] = 83.461,36 €.
Não é objecto de recurso que existem os requisitos para que se proceda à atenuação especial da pena - art.º 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, sendo certo que eles se mostram reunidos pois independentemente do prejuízo efectivo que se verificou pelo atraso na entrega da prestação tributária deparamo-nos com um diminuto grau de culpa da Recorrente, visto o atraso na entrega da prestação ter resultado das alegadas dificuldades financeiras da Recorrente, que como consta do probatório tem uma situação económica baixa, havendo que ponderar que a prestação que deveria ter sido entregue em 10/11/2015 só foi paga coercivamente em 10/12/2015, mas esse pagamento ocorreu antes de proferida a decisão condenatória aqui impugnada, em 8/1/2016. Em conclusão, mostram-se reunidos os dois pressupostos cumulativos exigidos pelo art.º 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias para a atenuação especial da coima: regularização da falta cometida e diminuto grau de culpa.
A determinação da medida da coima, neste caso, face ao disposto no artigo 18°, n° 3 do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, aqui subsidiariamente aplicável, conduz a que a moldura contra-ordenacional a ter em conta seja reduzida a metade nos seus limites mínimo e máximo o que em concreto corresponde a um intervalo entre 12 519,20€ e 41730,68€, pelo que tendo em conta os elementos já analisados e com os parâmetros definidos no art.º 27.º do Regime Geral das Infracções Tributárias - gravidade do facto, culpa do agente, situação económica do agente, tempo decorrido desde a data em que o facto devia ter sido praticado, e, tentando fixar um montante para a coima que exceda o benefício económico que a recorrente retirou da prática da contra-ordenação, mostra-se ajustado o valor fixado para a coima pela sentença recorrida no mínimo legal de 12.519.20€.

A recorrida não enferma do erro de direito que lhe vinha apontado.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2017. – Ana Paula Lobo (relatora) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado (vencido, pelas razões constantes dos meus acórdãos, 1665/13 e 335/14).